A DERROTA DA ESQUERDA
Marcelo foi eleito Presidente da República à primeira volta,
como se previa. Apesar da elevada abstenção (pouco menos de um milhão de
votantes do que nas legislativas), Marcelo obteve mais 322 457 votos do que a
coligação PAF e o PSD e o CDC, nos círculos eleitorais em que não concorreram
coligados.
Os candidatos que se reclamam do PS obtiveram, em conjunto, 1
448 362, ou seja, menos 299 323 votos do que aqueles que o PS obteve nas
legislativas.
A candidata do Bloco de Esquerda com 469 321 votos foi a que
esteve mais perto de atingir a marca obtida nas legislativas (menos 81 571).
Por último, o candidato do PCP foi o que esteve mais longe de
alcançar o resultado que a CDU obteve nas legislativas (menos 263 074).
Em conclusão, uma grande derrota da esquerda da qual nenhum dos
seus componentes sai bem, embora alguns saiam bem pior do que outros.
A candidata do Bloco cumpriu o seu papel, na medida em que
quase segurou o seu eleitorado, mas não tem nenhuma razão para cantar vitória
quando o grande objectivo da candidatura (a eleição de um candidato de
esquerda) não foi alcançado, embora possa afirmar que se os candidatos dos outros
três partidos da actual solução governativa (PS, PCP e PEV) tivessem,
proporcionalmente, alcançado resultados equivalentes aos seus, Marcelo não teria
sido eleito. Por outras palavras, não foi por “culpa” de Marisa que Marcelo foi
eleito.
O PCP foi em termos relativos (e quase em termos absolutos) o
que ficou mais longe do objectivo proposto. Embora se saiba que numa eleição
uninominal um partido como o Comunista parte em desvantagem desde que haja um
candidato da área de esquerda capaz de criar a ilusão de que pode ser eleito, a
verdade é que nunca em nenhuma das anteriores eleições presidenciais os
comunistas tiveram um resultado tão mau como o de ontem. Fica a dúvida sobre se
o resultado é apenas consequência de um candidato pouco apelativo,
excessivamente repetitivo, manifestamente mal escolhido ou se as causas deste
grande insucesso também tem a ver com o que muitos eleitores de esquerda
consideram uma atitude excessivamente reticente quanto à actuação do Governo,
porventura pouco justificável face àquilo que tem sido a sua acção e também a sua
linguagem num quadro internamente complexo e bastante desfavorável no plano internacional.
Ao PS, dado o papel decisivo que desempenha em qualquer
eleição presidencial, têm de ser assacadas as principais responsabilidades pelo
desaire eleitoral de ontem à noite. Já no post
anterior descrevemos as razões que a, nosso ver, ditaram a posição do Partido
Socialista. Mas nem pelo facto de haver no seio do PS quem estivesse disposto a
fracturar a unidade do partido para com base numa derrota do candidato de
esquerda tentar prosseguir com mais eficácia o derrube do actual governo e a
substituição da sua liderança, o isenta de responsabilidades. Pelo contrário, deveria
ter sido nesse quadro de confronto manifestamente procurado pelos opositores de
Costa que a actual direcção do PS deveria ter tido politicamente a coragem de
afirmar o seu apoio a um candidato, emprestando à campanha com esse apoio uma
dinâmica e um sentido político que ela nunca teve. Ao encolher-se, ao deixar
formalmente sozinho o candidato do seu agrado, para não ter internamente de se
confrontar com a facção que contesta não apenas a actual liderança, mas acima
de tudo qualquer política que no plano dos resultados práticos, seja qual for a
retórica que a envolve, se afaste da típica política do bloco central ou que
ponha em causa os princípios decorrentes do “arco da governação”, ao
encolher-se, dizíamos, ao, aparentemente, manter-se neutral, a direcção do PS
não evitou um conflito, apenas o adiou, sendo muito provável que com ele se
tenha de confrontar num contexto mais desfavorável do que que aquele que até
ontem existia.
De facto, interpretando correctamente o discurso da vitória,
um discurso que Marcelo teve a preocupação de escrever e de ler para se não
deixar levar pela emoção do momento, o que dele ressalta é a vontade política
de contribuir, através da sua presidência, para a “existência” de um país que
seja governado ao centro, seja pelo PS seja pelo PSD. Por outras palavras, por
um país assente no compromisso das grandes forças do centro político relativamente
a todas as questões fundamentais da governação. Um país que precisa, para que
este desiderato se materialize, da substituição das lideranças do PS e do PSD
por lideranças capazes de interpretar e pôr politicamente em prática aquilo que
Marcelo entende ser a vontade do país real.
Quando Marcelo apela ao compromisso e ao entendimento, como
frequentemente ontem fez no discurso da vitória, não se está a referir, como é
óbvio, ao compromisso entre as forças de esquerda, nem à vontade de trazer para
a área da governação forças que desde o primeiro governo constitucional dela têm
estado arredadas. Pelo contrário, o que Marcelo pretende é reforçar o entendimento
entre dois grandes partidos do centro, um do centro esquerda, outro do centro direita.
Para isso vai ter de apoiar todas as “conspirações” que num e noutro lado visem
derrubar as actuais lideranças.
Essa a razão por que a nosso ver o PS deveria ter tido outra
atitude nas presidenciais e essa também a razão por que, não obstante a
hecatombe Maria de Belém, se não poderá considerar que saíram derrotados
aqueles que no PS a “empurraram” para esta (em termos puramente pessoais)
humilhantíssima derrota.
Concordo.
ResponderEliminarEm termos de Partidos, o PC é o que fica mais desconfortável. A perda de votos face às legislativas é em meu entender explicada por: 1) Especificidade desta eleição (como explica o dr Pinto Correia); 2)Nóvoa foi durante muito tempo visto como o candidato que defrontaria o candidato da Direit, muitos (fieis apoiantes do PCP) estavam certos que o PC iria, nos últimos dias, desistir para lhe garantir o acesso à 2ª volta face a M.Belém; 3)Muito provavelmente, há uma componente estrutural nesta quebra, uma espécie de pequenas réplicas, ainda que ao "ralenti" do terramoto de 1989.
Os ajuntamentos de apoiantes a Marisa ajudam a compreender que a renovação geracional da "esquerda" não é favorável a um PC tradicional, acho eu!
LG
ResponderEliminarCOMENTÁRIO SOBRE AS PRESIDENCIAIS E SOBRE O SIGNIFICADO DA DERROTA DE MARIA DE BELÉM
Como já se percebeu não perfilho a tese, que no Facebook já vi defendida por dois notáveis comentadores, segundo a qual a grande derrota de Maria Belém acaba de vez com o "segurismo" no PS, sendo por essa razão muito benéfica para Costa. A derrota de Maria de Belém seria certamente muito benéfica para Costa se Sampaio da Nóvoa tivesse ganho. Nesse caso, aquilo a que chamam de "segurismo" teria sido concludentemente derrotado.
A derrota de Maria de Belém conjugada com a vitória (concludente) de Marcelo não terá para os apoiantes de Maria de Belém as consequências que aqueles comentadores lhe atribuem. O "segurismo" no PS não é hoje o simples ressabiamento resultante de um líder partidário ter sido substituído por outro, nos termos que se conhecem, e com as consequências que essa substituição sempre implica "em termos aparelhísticos" - perda de lugares, de influência e protagonismo, etc, etc.
"Segurismo" é hoje muito mais do que isso. "Segurismo" é hoje a profunda divergência quanto à solução governativa escolhida (interessante acompanhar idêntico "segurismo" no PSOE), "segurismo" é a recusa de uma solução política que passe por trazer para a área do poder o Bloco e o PCP. "Segurismo" é a recusa de uma política europeia discordante da versão oficial (Berlim/Bruxelas). "Segurismo" é hoje, numa palavra, o que Marcelo defende. E o que Marcelo defende tem o apoio de grandes "pesos pesados" do PS. Por isso dizemos, contrariamente àqueles comentadores, que Costa ficou mais fraco depois da vitória de Marcelo, já que a de Sampaio da Nóvoa, essa sim, era tudo o que o dito "segurismo" não queria. E, nesse sentido, o objectivo foi atingido. O tempo dirá quem tem razão
Segurismo é PSD infiltrado no PS e quem é de esquerda não é de direita como diria La Palisse!
ResponderEliminarMeu caro,
ResponderEliminarNem quero comentar tudo o que li. E li.
Apenas uma pergunta:
Para onde foram os votos que o PCP não segurou?
Ficaram em casa, cheios de raiva
porque o Edgar não prestava?
Votaram em Maria de Belém?
Se votaram, votaram em quem?
Em Marcelo?
Pulverizaram-se, desagregaram-se?