sábado, 9 de janeiro de 2016

SAMPAIO DA NÓVOA-MARIA DE BELÉM


HOJE E O PASSADO

Estamos muito longe do debate que há 32 anos mobilizou o eleitorado socialista e parte do restante eleitorado de esquerda – Mário Soares – Salgado Zenha. Nessa época respirava-se política. Cada um dos candidatos afirmava sem hesitações os princípios em que acreditava e a consonância da sua prática com esses princípios; cada um dos dois tentava marcar a diferença relativamente ao outro e tentava com exemplos da vida política recente demonstrar a dissonância entre os princípios proclamados e a prática seguida pelo outro candidato.

Zenha, sempre influenciado pelos princípios católicos em que foi educado, nunca recusando estender a mão ao irmão desavindo, por maiores que fossem as suas críticas ou reservas quanto ao seu comportamento, não resistiu ao “chamamento” e acabou por declarar – erro fatal – que votaria em Soares se não passasse à segunda volta. Soares, perguntado sobre o mesmo tema – ele que quatro anos antes, no momento mais crítico da história da democracia portuguesa, até já tinha abandonado Ramalho Eanes e tinha recusado afirmar que não votaria em Soares Carneiro -, não hesitou na resposta: “Essa questão não se põe, porque quem passa sou eu”. Mas se não for? “Não trabalho com hipóteses em que não acredito”.

Isto é apenas um exemplo de duas formas de fazer política. Em política não basta querer ganhar. É preciso nem sequer admitir a derrota.

O debate desta noite foi morno, um pouco manso. É certo, continuando a analogia, que Sampaio da Nóvoa se depara com uma situação bem diferente da de Soares. Não apenas pelo contexto em que ambas as eleições ocorrem, mas também porque Soares sabia que, por mais contundentes que fossem os seus ataques à esquerda, ele poderia sempre contar com o apoio dessa esquerda, mesmo da mais radical, porque jamais ela aceitaria entregar o poder a um fascista que se preparava para revogar a Constituição e plebiscitar uma outra em sua substituição – o fascismo estava muito perto e a “viabilização” pela abstenção de um golpe de estado era coisa em que ninguém à esquerda ousaria colaborar.

Agora é diferente. Sampaio da Nóvoa, na hipótese de haver segunda volta, ficando à frente de Maria de Belém, tem de agir com muito tacto para reunir na sua candidatura os votos concedidos na primeira a Maria de Belém. Estes votos nada têm a ver com os votos que Soares acabou por congregar na segunda volta. Os de agora são, muitos deles, de gente relativamente despolitizada, outros (muitos) de gente ideologicamente próxima do Bloco Central, outros ainda de socialistas ressabiados que entre eleger Sampaio da Nóvoa e derrotar indirectamente Costa podem com facilidade optar pela segunda alternativa.

O debate serviu apesar de tudo para confirmar a avaliação que dos candidatos se foi fazendo na pré-campanha. Maria de Belém gira à volta das pequenas questões, feitas de muitos lugares comuns, hesitando no tempo de agir por temer que o futuro não confirme as consequências de uma acção ou posição, preferindo a ambiguidade à coragem da decisão, mas nunca recusando cavalgar com efeitos retroactivos a certeza do acontecido. Sampaio da Nóvoa tem outra densidade construída por uma vivência cívica intensa, como a de milhares de portugueses da sua geração, consolidada por um saber universitário onde as pequenas manigâncias da política partidária não gozam de direitos de cidadania. Disso tira a sua força mas também a sua fraqueza. Tudo está em saber da sua capacidade de penetração no eleitorado comum…

3 comentários:

  1. Em meu entender, o eleitorado comum rege-se
    pelas parangonas dos jornais
    pelos soundbites e pouco mais

    O eleitorado comum é, nem mais nem menos
    o produto da informação que temos

    Marcelo sabe-o
    (mas talvez se lixe)

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  2. Pois, meu Caro, oxalá. O tempo é escasso, os media são o que a gente sabe. Acho muito difícil. Está tudo muito morno.

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  3. Concordo com o dr Pinto Correia na análise daquele "épico" período. Faltou-lhe assinalar a ironia de, anos depois, Mário Soares declarar que não teria havido qualquer prejuízo para a Democracia se o F.Amaral tivesse ganho a eleição. Ainda sobre o ambiente dessa eleição refere que a esquerda pressentiu o perigo de um retrocesso fascista, também concordo, mais, penso que essa ameaça só foi afastada com a adesão à CEE, -lembremo-nos, por exemplo, do "democrático" respeito do C.Silva pelo Parlamento-. Sobre a actual eleição penso que MRS vai ganhar, haja ou não segunda volta. Para muita gente do PS é muito mais importante a sua vingançazinha, gente essa que também não teria votado em Salgado Zenha, gente dessa que também não votou em Ramalho Eanes contra Soares Carneiro. É assim... por isso, o melhor candidato para a Esquerda seria um elemento decente do PS.
    LG

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