OS INCÊNDIOS DE OUTUBRO
Como era de prever, a intervenção
do Presidente da República reforça as teses da direita, que se prevalece das
mortes causadas pelos incêndios para tentar criar uma linha de contestação ao Governo
que o condicione na sua acção, que o fragilize politicamente, mediante uma
orquestrada campanha que tem na comunicação social o meio julgado suficiente
para atingir o fim em vista.
E o fim em vista não tem nada a
ver com a floresta, nem com os fogos florestais e muito menos com a tragédia
dos que perderam a vida nos incêndios.
O objectivo da campanha assenta
num pressuposto vigente neste país há quase um século, com
excepção de uma interrupção de 18 meses na década de 70 do século passado e da
que actualmente está em curso desde 26 de Novembro de 2015, embora
estruturalmente diferente da anterior, que consiste muito simplesmente no
seguinte: Portugal só pode ser governado à direita, pela direita ou por quem
inequivocamente faça uma política de direita. Quem defender outras soluções,
seja com apoio na legitimidade revolucionária, seja com apoio no voto popular,
não pode governar.
Cavaco, quer como Presidente da
República quer como reformado político, disse-o de forma clara e inequívoca. E
o que Cavaco diz destemperadamente, é o que a direita, com mais ou menos manha,
com mais ou menos dissimulação, pensa e quer pôr em prática.
Derrotada no plano da governação,
nomeadamente se confrontada com as soluções apocalípticas por ela postas em
práticas durante quatro anos, a direita busca em factos humanos completamente
alheios à governação, ou em fenómenos naturais imprevisíveis (alguns) e inevitáveis
(quase todos), encontrar argumentos que possam inverter o rumo político em curso, quer estimulando divisões na força política dominante, quer intrigando -
toscamente, diga-se – as demais forças que no Parlamento apoiam politicamente o
Governo.
Marcelo alinhando, como alinhou,
nesta culpabilização absurda de considerar politicamente responsável quem tenta
no quadro existente – que tem limitações de toda a ordem, desde os meios que
são finitos, até à própria situação sobre que incidem, passando pela
excepcionalidade das condições atmosféricas – minimizar os prejuízos materiais
e humanos, sabe que está a dar alento à direita, tentando projectá-la para um patamar político que ela não está em condições de alcançar pelos seus próprios meios.
Portugal não pode mobilizar-se
contra os incêndios como se mobilizaria para combater uma guerra de agressão,
do mesmo modo que também se não mobiliza para combater certas doenças que matam
muitíssimo mais portugueses do que os que morrem nos incêndios ou para combater
os acidentes de viação que continuam todos os anos a matar centenas de vítimas
inocentes.
Tem de haver a medida das
proporções e não ceder à demagogia. Marcelo, pelo seu passado, pela sua
ideologia política, pela sua grande experiência como comentador político, pelo
papel que agora desempenha como Presidente que quer permanentemente manter em
alta as quotas de popularidade, sabe que o argumento demagógico em certos
contextos emocionais pode resultar. Julgando ir ao encontro do sentimento
popular (no que acho que se engana redondamente) e sabendo que esta é uma
boa altura para “fazer as pazes” com a sua direita (que agora se prepara para
iniciar um novo ciclo), Marcelo, qual catavento, deu gás à direita para ver no
que dá.
A resposta é simples: há que
cerrar fileiras e continuar sem desfalecimentos nem desânimos. E ainda mais: é
sempre de má política elogiar alguém da direita, seja o que for que esse alguém
tenha feito, porque breve virá o dia em que esse elogio fica desmentido pelo
comportamento do elogiado. A política não é um “chá dançante”, nem um concurso
de beleza. A política é algo entre nós e eles. E eles tem projectos e propostas
muito diferentes das nossas!
Completamente de acordo. Nós ou eles.
ResponderEliminar...quanto a mim, o PS só não continuará a governar se não quiser... ( e prossigo com uma passagem deste seu texto)
ResponderEliminarTexto maravilhoso. Concordo com tudo!
ResponderEliminarRevejo-me inteiramente neste artigo. É lúcido, claro e inteligente.
ResponderEliminar