UM EXEMPLO A EVITAR
Vivemos numa sociedade muito mediatizada muito por força do
papel que os áudio visuais, nomeadamente as estações de televisão, passaram a
desempenhar na formação da nossa opinião sobre os assuntos integrados na sua
agenda mediática.
O caso da justiça é exemplar. O que todo o cidadão bem
formado deseja é que a lei seja eficaz. A eficácia da lei não se mede apenas
pelo seu acatamento voluntário, o que acontece na esmagadora maioria dos casos
em sociedades socialmente estabilizadas, mas também pelo efectivo cumprimento da
reacção nela prevista quando não é voluntariamente cumprida.
Este segundo aspecto da questão, embora seja relevante em
todos os domínios que a lei alcança, torna-se particularmente importante no
domínio da reacção penal, exactamente por o direito penal ser o ramo do direito
que defende os valores fundamentais da convivência social, que assegura a paz e
a tranquilidade públicas, tornando a vida em sociedade segura se a lei for
eficaz ou insegura se reiteradamente o não for.
Se relativamente ao primeiro aspecto da questão, cumprimento
voluntário da lei, o consenso social e as autoridades de prevenção criminal
desempenham um relevantíssimo papel, sendo, de ambos, o consenso social de
longe o mais importante, já quanto ao segundo – reacção ao incumprimento da lei
– o papel fundamental tem de ser desempenhado pelas autoridades de investigação
criminal. E o bom ou mau desempenho desse papel não depende da exibição que se
faça do seu exercício, mas dos resultados desse exercício.
Dentre estas autoridades, o papel primordial cabe ao Ministério
Público. “O Ministério Público representa
o Estado, defende os interesses que a lei determinar, participa na execução da
política criminal definida pelos órgãos de soberania, exerce a acção penal
orientada pelo princípio da legalidade e defende a legalidade democrática, nos
termos da Constituição, do presente Estatuto e da lei”.
Como
é também sabido por todos, a corrupção é uma das pragas sociais dos nossos
dias. Embora a corrupção, genericamente entendida, seja quase tão velha quanto
a existência das sociedades politicamente organizadas, ela adquiriu na
actualidade uma dimensão qualitativa e quantitativa nunca antes vista. Embora
as suas causas sejam difíceis de enumerar, não falta quem veja na sociedade neoliberal
contemporânea, dominada pelo capital financeiro, a causa primeira do seu extraordinário
desenvolvimento. Os grandes fluxos monetários que passam sob o olhar codicioso
de quem os administra ou simplesmente os opera, as fabulosas somas que se podem
ganhar a partir do nada, com base em especulações de toda a ordem, a brutal
desigualdade na distribuição do rendimento, parecem tornar muito tentadora a
possibilidade de enriquecer ou aumentar o património sem, aparentemente, grande
dano para a realidade circundante. Ou seja, o chamado contra impulso que defende
as consciências individuais das tentações ilícitas, é agora muito fraco e
simultaneamente desprovido de uma assinável censura.
Seja
ou não uma das causas primeiras da corrupção, cabe ao Ministério Público combatê-la
nos termos da lei e no escrupuloso respeito pelos direitos, liberdades e garantias
dos cidadãos.
Sem
esquecer que a execução da política criminal é definida pelos órgãos de
soberania, cabendo ao Ministério Público participar na sua execução, dependendo
dos resultados da sua acção o êxito ou inêxito dessa política, tem-se insistido
muito, nos últimos tempos, no papel desempenhado pela ex- Procuradora Geral da
República, no combate à corrupção, como se de um “programa de governo” do
Ministério Público se tratasse.
Este
é o primeiro grande equívoco. O Ministério Pública não pode ter uma agenda que
se confunda com um programa político. E muito menos ter uma actuação pública
decalcada da típica acção política dos partidos que concorrem entre si com
programas e projectos susceptíveis de cativarem o voto dos cidadãos.
O
papel do Ministério Público não é, nem pode ser, esse. O Ministério Publico tem
de assegurar resultados, seja no combate à corrupção, seja em qualquer outro domínio
do ilícito penal, mas sempre com respeito pelos direitos dos cidadãos. O Ministério
Público não tem, nem pode ter, uma agenda política, nem pode nem deve sujeitar
o exercício das suas funções ao condicionamento político seja da comunicação
social, seja dos partidos. O Ministério Público não deve participar nem fazer
parte do espectáculo mediático.
Não
foi isso aquilo a que assistimos no mandato no mandato de Joana Marques Vidal.
O mandato da ex-procuradora ficou marcado pela partidarização que dele fizeram
a direita mais reaccionária – Observador, Cristas e Passos -, mas também – e este
especto será seguramente o mais grave – pela instrução dos chamados processos mediáticos
na “praça pública”, muito em consonância com os jornais sensacionalistas e as
televisões que procuram audiências a qualquer preço. As violações do segredo de
justiça foram constantes, a transcrição “cirúrgica” de peças processuais em
jornais transformou-se num meio unilateral, e sem garantias, de acusação, a
tentativa de formação de uma opinião pública que só pode ter por efeito
pretendido condicionar a acção da magistratura, o espectáculo da justiça como
componente do espectáculo da política, as buscas e detenções que certos meios
de comunicação acompanham a par e passo, tendo-se chegado ao ponto de alguns
deles terem marcado presença nos locais das diligências antes da chegada das
próprias autoridades, tudo isto é a prova provada de que há um efeito ou outros
efeitos que se pretendem assegurar para além daquele que deveria ser o efeito
de qualquer investigação criminal.
Este
é infelizmente um legado do mandato de Joana Marques Vidal, pois embora se não
possa dizer que a violação do segredo de justiça tenha começado no seu mandato, é inequívoco
que foi no seu mandato que esta prática se tornou corrente em processos
cirurgicamente escolhidos.
Do
ponto de vista dos resultados, com observância da lei e respeito pelos direitos
dos cidadãos, o que sobressai é a ausência de resultados seguros. Dos chamados
processos mediáticos, há uma ou outra condenação, sob recurso, algumas
acusações ainda sem instrução contraditória aberta e muita, muita, propaganda e
espectáculo à volta dos processos em curso.
No
polo oposto, como exemplo da mais completa ineficácia da justiça, temos vários
exemplos relacionados com material comprado para o Ministério da Defesa, entre
os quais avulta pelo seu significado e importância o chamado “processo dos
submarinos”, julgado na Alemanha, com corruptores activos identificados e
condenados, mas arquivado em Portugal …por ausência de corrupção passiva ou, o
que é pior, muito pior, por prescrição. Dá-se infelizmente a circunstância,
certamente por acaso – puro acaso – de a compra do referido material de guerra
ser da responsabilidade de alguém que à época da sua nomeação como Procuradora
Geral da República pertencia ao governo que a nomeou e cujos principais membros
desse governo continuaram até ontem a pugnar pela sua recondução! Idêntica
ineficácia poderia apontar-se a outro caso, contemporâneo no tempo e
relacionado com os mesmos actores políticos, de um partido político ter sido
beneficiado com um número infindável de pequenas doações numa manifesta operação
destinada a contornar a lei, quer quanto aos montantes doados quer quanto à
proveniência do dinheiro. Também neste caso nada aconteceu. Como nada aconteceu
- ou melhor, aconteceu: foi arquivado – o processo da Tecnoforma, não obstante
o processo instaurado pelo Organismo Europeu Anti-Fraude.
O
facto de nem sempre se conseguir obter os resultados pretendidos é normal na
Justiça. Há regras a cumprir, há direitos a respeitar, há acima de tudo a
máxima de que mais vale deixar impune um criminoso do que condenar um inocente.
Isso faz parte do sistema em que vivemos. Mas também faz parte deste sistema
que situações desta natureza ocorram aleatoriamente e não tanto e apenas em
determinados sectores ou com certas pessoas.
Tudo
isto descredibiliza a Justiça, que é o pior que pode acontecer num Estado de
Direito. Por isso fazemos sinceros votos que a nova Procuradora Geral da
República tenha um mandato recheado de êxitos, começando esses êxitos por um
combate eficaz à violação do segredo de justiça e à exclusiva tramitação dos
processos nos tribunais!
A maior parte da oposição e dos ódios que a PGR suscitou têm a ver (do que me lembro) com dois casos principais. Caso Sócrates/Caso Sócrates/Caso Sócrates..... e em muito menor grau com caso Manuel Vicente. Os argumentos são principalmente dois: violação de regras processuais e selecção dos casos por critérios políticos e partidários excluindo/"esquecendo" os casos que chamuscam a Direita ( BPN, D.Lima, Submarionos etc etc etc) e, de facto parece que assim é. Eu também gostaria que esses casos fossem investigados e se soubesse deles tanto como se sabe por exemplo do caso do Sócrates, porque, quanto a que se faça "Justiça", não alimento qualquer ilusão; seja o bando BPN/Technoforma/subamrinos...........etc, seja o Pinho/Salgado/Granadeiro/Sócrates......................etc.!!!! Para a esquerda (PC incluído) parece que era preferível que tudo continuasse como com o P Monteiro em que nada se fazia nada se sabia a que se saiba através dos tablóides, parece que ninguém está preocupado com o facto de haver tipos que roubaram mais que todos os presos das cadeias e se encontram ao fresco a tentar invalidar processos e condenações (Vara, D Lima etc ...)com argumentos meramente formais. Quanto ao caso M Vicente nunca tive dúvidas (nem discordo, tanto quanto posso entender do assunto) de que iria a haver uma "solução" política assinada por um qq juiz. O que acho engraçado é que o Dr J.M.P.Correia "atacou" a actuação do MP neste caso porque ia contra os interesses do Estado Português mas vem dizendo, desde há muito, cobras e lagartos do sistema judiciário espanhol e em especial do MP espanhol por este ser um mero executor dos interesses do Estado espanhol ...(peço desculpa se estou a interpretar mal o que aqui fui lendo). Em resumo lamento que a esquerda aceite bem o derrube de processos em que está vidente (sim evidente!) o roubo de centenas de milhões de euros apenas com o pretexto de erros formais quando o que deveria era exigir que o mesmo escrutínio se exercesse sobre o casos da Direita. O caso dos submarinos, é evidente, que desacredita todo o Sistema. O que aconteceu às "evidências" deste caso vai acontecer às dos casos Sócrates PT BES etc ou seja vão ser lançadas no caixote do esquecimento...Talvez venha a haver mais um ou outro Isaltino para lavar a honra do convento...
ResponderEliminarNão posso estar (como certamente a maioria dos portugueses) mais de acordo com a expectativa manifestada no último parágrafo da lúcida e suficiente análise respeitante à situação da justiça portuguesa. Queria crer.
ResponderEliminarAbraço.
RC.
A violação do segredo de justiça
ResponderEliminaré de longe o pior, o mais grave, o mais nefasto crime previsto no código penal.
Pode lá admitir-se que o povo saiba o que fizeram ilustres personalidades, como Sócrates, Vara, Pinho, Salgado, Zava, a Escom e a Ongoing, etc..
Quem são eles para fazerem juízos negativos sobre tão ilustres cidadãos.
Há que aguardar o veredicto dos tribunais, e o sobretudo que o tribunal constitucional se pronuncie sobre as patentes nulidades e violações dos direitos de defesa cometidos pelos justiceiros do MP.
O povo, que viveu acima das suas possibilidades, existe para pagar as imparidades, e os negócios, que, azar, correram mal.
A 22 de setembro de 2018 às 02:10 um anónimo quer tentar lavar a roupa do convento.
ResponderEliminarE temos direito a um longo discurso prenhe de acusações idiotas e falsas. Como esta de tentar identificar esquerda com o PGR.
É feio. Não é só de anti-comunista primário, como de anti-esquerda igualmente primário.
E de admirador da "justiça" franquista de Espanha.
Dirá o referido anónimo:
ResponderEliminar"A maior parte da oposição e dos ódios que a PGR suscitou têm a ver (do que me lembro) com dois casos principais. Caso Sócrates/Caso Sócrates/Caso Sócrates..... e em muito menor grau com caso Manuel Vicente"
Para responder à letra destas idiotices, talvez fosse bom responder. A maior parte dos amores e dos apoios em torno de Joana Marques Vidal resultaram do caso dos submarinos e do caso Tecnoforma
Este nível de argumentação rasteiro não passa.
Dirá também o mesmo referido anónimo:
ResponderEliminar"Para a esquerda (PC incluído) parece que era preferível que tudo continuasse como com o P Monteiro em que nada se fazia nada se sabia a que se saiba através dos tablóides, parece que ninguém está preocupado com o facto de haver tipos que roubaram mais que todos os presos das cadeias e se encontram ao fresco a tentar invalidar processos e condenações (Vara, D Lima etc ...)com argumentos meramente formais".
"Parece que era preferível" na cabeça do referido anónimo.
"Parece que ninguém está preocupado" também na cabeça do referido anónimo.
Na cabeça do referido anónimo, mais numa enxurrada de comentadeiros dos prostituídos média e dos boys para todo o serviço
Não só são falsas ( a raiar o abjecto) estas insinuações ( porque não passam disso) como nada deste excelente artigo de J.M. Correia Pinto permite tirar tais conclusões.
Pelo que estamos perante ou de idiotice pura ou da mais pura má fé
Tal como um tal sr Jose Lopes mostra ao que vem e de como vem
ResponderEliminar"Pode lá admitir-se que o povo saiba o que fizeram ilustres personalidades, como Sócrates, Vara, Pinho, Salgado, Zava, a Escom e a Ongoing, etc.."
Fazer esta leitura do que o autor do post escreve é também uma leitura dum "agente da classe média", assim formatado pelo "expresso" e pelo "público". Quiçá por aquele agente do neoliberalismo oficioso de nome Observador. Uma leitura medíocre e rasteira.
Mas é também tentar misturar alhos com bugalhos na forma selectiva ( e desonesta) como faz a seriação dos casos apontados.
Um apaniguado da direita queixava-se há tempos, despeitado com o rigor que Correia Pinto imprime aos seus textos:
"Fosse isto com um político de direita..."
A importância do que se discute, o rigor que deve presidir ao que se debate deve estar muito para lá destas encenações populistas que nem sequer mascaram as suas simpatias ideológicas e de classe. Sabemos das proximidades entre Salgado e Passos Coelho, por exemplo, o da Tecnoforma. Ou de Portas com Zava. Aparecem uns, não aparecem outros. O que se quer é uma justiça que não esqueça nenhum dos casos e que proceda com rigor ao seu julgamento
Muitas são as queixas no que diz respeito ao acesso à justiça. Cada vez foi mais referenciado nos últimos anos o elevado preço deste acesso, a falta de apoio judiciário, ou o encerramento de tribunais.
O fecho e a desqualificação dos tribunais promovidos pelos trastes que nos governaram foram factor de afastamento da justiça das populações.
No combate ao crime, são diminutos os resultados face à dimensão e ao alastramento do fenómeno – como são exemplo os casos de corrupção e de criminalidade organizada, nomeadamente do crime económico, tendo em conta a carência de meios de toda a ordem ao dispor da investigação criminal, de que se queixam os profissionais da área.
A falta de resposta tem sido justificada com a falta de meios. Os cortes nos orçamentos da Justiça têm sido recorrentes nos orçamentos dos governos.
É também por aqui que uma direita trampolineira, que um neoliberalismo predador, querem impor a sua "Justiça" de classe.
Acho que não tenha nada a acrescentar. Apenas agradecer os comentários. De facto, não teria nada de novo a dizer quer quanto aos métodos de investigação e instrução do MP português, quer quanto aos do MP de Espanha (Fiscalia). Creio que existe em ambas as críticas a mesma linha de coerência jurídico-política.
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