O IMUTÁVEL
E O EFÉMERO
Seixas da
Costa escreveu no seu blogue um texto sobre Franco Nogueira para assinalar o
centenário do seu nascimento.
O dito
texto termina com o parágrafo a seguir transcrito:
“Há dias, alguém me perguntava o que ainda
sobrevive dos tempos de Franco Nogueira na nossa cultura diplomática
contemporânea. Respondi que praticamente nada, porque essa herança seria,
afinal, a de Salazar, de quem Franco Nogueira foi um criativo seguidor e
intérprete. Nem mesmo já sobram os resquícios de um tropismo soberanista
anti-europeu, da desconfiança no multilateralismo, do anti-americanismo ou do
preconceito anti-espanhol, reflexos que, por alguns anos ainda, emergiram aqui
ou ali, em democracia, como parte da herança política subliminar da diplomacia
da ditadura”.
Nunca até
hoje tinha encontrado um texto que pudesse com tanto rigor caracterizar o que
tem sido a política externa portuguesa depois de 25 de Novembro de 1975.
De facto,
da herança de Franco Nogueira não resta nada e da de Salazar, seu inspirador e
conceptualizador, menos ainda. Portugal é hoje uns pais que até 1991 teve como
política externa a política da NATO, o mesmo é dizer dos Estados Unidos, com
excepção – a verdade histórica não deve ser omitida – da relação com Angola, em
que tanto Cavaco como Durão Barroso souberam sobrepor o interesse nacional à
lógica implacável da Guerra Fria, apesar da tenaz oposição de Mário Soares e de
largos sectores do PS, bem como do PSD, nomeadamente os ex-marxistas oriundos
da linha chinesa. Sem que a NATO tenha deixado de pairar impositivamente sobre
a nossa política externa, como se viu no apoio dado à primeira grave violação
da Carta das Nações Unidas, em 1999 (agressão à Jugoslávia), depois de 1991,
mais concretamente da negociação e entrada em vigor do Tratado de Maastricht, a
política portuguesa passou a ser, em tudo quanto é determinante para o futuro
do país, a da União Europeia, o mesmo é dizer a política imposta pela complexa
burocracia de Bruxelas, orientada nas questões fundamentais pela política da
Alemanha e seus incondicionais apoiantes.
Certamente
que se batalhou diplomaticamente por certo tipo de interesses como, por
exemplo, sobre a cultura da cebola e de outras minudências. O que não houve, o
que se perdeu completamente, foi o sentido da independência e dos supremos
interesses nacionais soberanamente definidos.
O pânico
de ficar isolado passou a fazer parte indissociável da política externa
portuguesa. Não se trata de fazer a defesa do “orgulhosamente sós”, que aliás não
terá sido advogado no sentido pejorativo com que tende a ser entendido, trata-se
de não ter medo de ficar só quando assim o impõe o interesse nacional Do
“orgulhosamente sós”, entendido à letra, passou-se para o ridículo “pelotão da
frente”, sabendo nós que nesse pelotão da frente só episodicamente lá estamos e
sempre como “aguadeiros”, que são os que no ciclismo levam a água ao camisola
amarela ou aos chefes de equipa.
Ainda o
americano não tinha acabado de fazer a sua exigência de mais dinheiro para a
NATO e já nós estamos a dizer que vamos investir na defesa mais do que a
percentagem exigida, enquanto os verdadeiramente ricos, e que realmente tiram
algum proveito da organização, relutam em aumentar a sua contribuição. Ou a
exigir o reconhecimento do Kosovo e lá estamos nós a fazer parte desse ridículo
número! A Alemanha anuncia a imposição de um tratado orçamental, talhado
exclusivamente à medida dos seus interesses e logo estamos nós a adoptá-lo
acriticamente, só por milagre o não metendo na Constituição. E depois de o
adoptar somos incapazes de afirmar o óbvio: baixaremos o défice na exacta
medida em que a Alemanha reduzir o superavit.
Enfim, os exemplos poderiam repetir-se ad nauseam.
Só quem é
capaz de defender os seus interesses será respeitado. Os aguadeiros são muito
simpáticos, dão muito jeito aos grandes, mas nunca estarão lá no cimo a
discutir e intervir no que realmente importa. Hoje fazem fila, esperam meses,
às vezes anos, para ter a efémera glória de uma fotografia na Casa Branca, jamais
lhes acontecendo o contrário: ser a Casa Branca a pedir para falar com eles!
As
heranças têm uma particularidade interessante: podem ser recebidas ou
repudiadas. E as recebidas podem sê-lo pura e simplesmente ou a benefício de
inventário.
Se forem
recebidas pura e simplesmente o herdeiro vai responder pelas dívidas da
herança, mesmo que o seu activo seja muito inferior, a menos que consiga
demonstrar que o património activo é inferior ao passivo. O que dá uma trabalheira
dos diabos e nem sempre se consegue.
Se, pelo
contrário, a herança for recebida a benefício de inventário, o herdeiro nunca
corre o risco de responder por um passivo superior ao activo.
Na
política passa-se um pouco o mesmo. Há heranças que são para repudiar, pura e
simplesmente, mas há outras que devem ser recebidas a benefício de inventário –
expurga-se o passivo (que é sempre um pesadelo) mediante a afectação do activo necessário para o
neutralizar e fica-se com a parte boa e incólume do activo.
E na
política externa de Salazar, posta eficazmente em prática pelo próprio, perante
contendores poderosos, e depois também com idêntico brilho por Franco Nogueira,
há um activo que nunca deveria ter sido repudiado pelo Governo Português e,
obviamente, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, já que ele representa, em
qualquer época histórica e qualquer que seja a forma de governo, o que de mais
importante deve guiar a política externa de um Estado – a defesa dos interesses
nacionais sem submissão nem subjugação a poderes externos.
Claro que
hoje as mentalidade dominadas pelo politicamente correcto, com reacções
pavlovianas antecipáveis ou, o que é pior, a incapacidade de compreender e
distinguir o que é verdadeiramente importante e matricial do que não passa de
uma situação conjuntural associada a um determinado contexto, tendem a
desprezar ou a desvalorizar o que formalmente deve ser salvaguardado e seguido.
Não vou
dar exemplos históricos do que se passou entre nós no domínio da política
externa durante o regime de Salazar. Seria pretensioso fazê-lo. Os bons livros
de história estão ai ao alcance de qualquer leitor que tenha curiosidade por
estas matérias. Não se trata, como é
óbvio, em estar de acordo ou em desacordo com os objectivos que se tinha em vista
ou que foram alcançados. Trata-se de algo muito mais importante, trata-se
de princípios que nunca deveriam ser postergados em política externa, devendo,
pelo contrário, fazer parte dos ensinamentos a adquirir por qualquer aprendiz
de diplomata, já que eles são válidos qualquer que seja a forma de governo e qualquer
que seja, conjuntural ou estruturalmente, a definição do interesse nacional!
Sem qualquer sentido provocatório pergunto: Fora da União Europeia, com ou voltando ao escudo, independentes e sós, seriamos mais conceituados ou respeitados, o país estaria melhor, culturalmente, politicamente, economicamente, socialmente, etc.,e o povo, nós todos, viveríamos melhor, mais felizes, mais abastados, mais soberanos?
ResponderEliminarA ideia de que uma pequena Economia aberta como a nossa poderia almejar a um qualquer posicionamento independente em relação a aliados mais fortes é puro e simples idealismo. Entre os Estados contam, antes de tudo, as relações de força, com ou sem UE, NATO, etc.
ResponderEliminarA política colonial durou enquanto foi tolerada pelas grandes potências e depois obrigou o País a doze anos de guerra sem quartel que impediram o seu desenvolvimento.
A seguir, nenhum Partido alinhou pelo não-alinhamento com as grandes potências exceto talvez a Extrema-Esquerda. O PS e a Direira encostaram-se a UE e à NATO, o PCP esteve encostado à URSS enquanto esta durou, recuperando o nacionalismo progressista não-alinhado depois disso, o que vai de certo modo contra a sua matriz histórica de apoiar a subjugação de movimentos de cariz popular (RDA, Hungria e Checoslováquia) quando estes se opuseram à União Soviética.
Mas esse nacionalismo progressista ou degenerou em puro autoritarismo, ou no capitalismo mais selvagem (ou nas duas coisas) nos Países em que existiu (Cuba, China e Índia, por exemplo).
Note-se hoje em dia o patético apoio dos comunistas ao 'Socialismo Bolivariano para o sec. XXI', que reduz o povo venezuelano à miséria...
O dito soberanismo de Salazar (assim como outros mais modernos que nos propõem) fez-se subjugando a autonomia dos indivíduos. Ou seja, ele era normalmente profundamente anti-Liberal e autocrático.
E se é para isso, tragam-me já, por favor, as grilhetas de Bruxelas...
Os comentários anteriores, como se esperava, estão muito marcados pelo contexto em que ocorreram as políticas cujos princípios formais em que assentam aqui se elogiaram. Nessa conversa não vou entrar. A questão que tratei é de outra natureza como do texto se infere.
ResponderEliminarComo tambem dos comentários se infere que no actual contexto político em que estamos inseridos, nós como tantos outros, não há outra opção que não seja a constante subjugação aos interesses e aos ditames dos mais fortes. Mas há...
Evidentemente que o endividamento, que já é uma consequência dessa política, retira autonimia e independência, mas também concede, como efeito perverso,algum poder.
Por fim, nos comentários anteriores estão desvalorizados e caricaturados valores importantes e inalienáveis, defendidos com muito sacrifício ao longo da nossa história, sem os quais jamais seriamos o que somos hoje.
Afinal, por alguma razão o Salazar ainda cala fundo na alma de uma boa parte do portugueses... Tinha para mim que o "êxito" do nacionalismo e soberanista do Salazar, por um lado, não tinha sido aquilo que a propaganda do Estado Novo propalava e, por outro, resultava naturalmente das circunstâncias, circunstâncias que lhe permitiram a habilidade de se ter encostado primeiro e de coração ao alemães e depois aos "aliados" que deixaram-lhe mão livre na "ordem interna" e toleraram-lhe a bravata colonial, sabemos bem porquê. A questão é mesmo semântica, que significa um estado como Portugal e muitos outros, inscrever na Constituição que é um Estado Soberano? Soberano no quê? já nem na chamada ordem interna, talvez devessem lá escrever que tem a "missão" de minimizar a dependência e maximizar a autonomia ou qualquer coisa do género. Aqui há uns meses dizia um jurista/advogado, a propósito de outra coisa, que "o que não está no processo não existe"; isto é muito típico dos juristas que acham que a realidade não é necessariamente real... Portanto não repudiamos a herança mas apenas aceitamos o saldo se for positivo, isso, essa possibilidade, aprendi hoje (embora se aprenda muitas mais coisas com o dr Correia Pinto)
ResponderEliminarLG
Agradeço, naturalmente, embora a sua resposta seja evasiva, a despachar e algo incorrecta. Na minha pergunta não desvalorizo nem caricaturo quaisquer valores, nem dela se pode inferir que entendo que a nossa única opção é a subjugação. O que considero é que somos, legitimamente, um país europeu, que é dentro da União Europeia que devemos estar e dentro dela lutar por sermos conceituados e respeitados, e dentro dela lutarmos para que ela seja mesmo uma União. Estou a ser muito sucinto, mas não será difícil entender a minha utopia. Desengane-me se lhe aprouver.
ResponderEliminarFoi sem dúvida o sono que me ditou o: aprouver. As minhas desculpas pelo disparate.
ResponderEliminarHá sempre várias maneiras de estar numa organização internacional a que se pertence. Evidentemente, se pertencemos é porque queremos lá estar. Mas estar lá não significa receber ordens dos restantes ou de alguns. Quanto menos exigentes formos, menos respeitados seremos. E também não concordo que se parta do pressuposto de que a soberania não existe. Não é isso o que vemos por todo lado.
ResponderEliminarA lello e irmãos publicou as lendas da índia em 1975,
ResponderEliminarNão tenho notícia disso. Mas não duvido. Vou procurar. Obrigado.
ResponderEliminarConfirmadíssimo. 240 €
ResponderEliminarSaiam aí umas grilhetas para Jaime Santos.
ResponderEliminarEssa história de andar com a coluna vertebral em posição vertical não é para todos.
O que se vai buscar para justificar cobardias e colaboracionismos...