A MEMÓRIA E OS FACTOS
Já escrevi sobre o 17 de Abril de
69 não conto voltar ao tema por mais repetidas que sejam as comemorações. Esses
dois textos que escrevi podem ser consultados, por quem não os tenha lido, no Facebook, o que nem sempre é fácil, e neste blogue, no mês de Abril
deste ano.
Depreendo, pelas reacções que en
passant fui lendo, que há um generalizado repúdio da intervenção de
Marcelo a propósito do centenário de Hermano José Saraiva. Queixam-se os críticos de o Presidente na alocução comemorativa do centenário de Saraiva não ter mencionado a sua conduta repressiva durante a crise académica de 1969.
Do comportamento de Saraiva
durante a crise de 69, guardo na memória uma intervenção televisiva ridícula, mas
altamente mobilizadora, sobre o que se estava a passar em Coimbra, proferida na
melhor altura possível para os objectivos do movimento. A greve aos exames
ficou muito mais fácil de ser votada depois daquele famosa ameaça final do ministro: “Isto
não acontecerá em Portugal!”
Quanto ao mais, recordo também a presença da polícia de choque na cidade e nas imediações da
Universidade a partir de 2 de Junho. Mas não me lembro de nenhuma carga
policial, nem de confrontos violentos. Pode ser falta de memória minha…
Também me não recordo de
estudantes punidos com expulsões da Universidade de Coimbra e menos ainda de
todas as universidades, embora o mesmo já não possa dizer relativamente a todos
os professores.
A memória é uma coisa terrível:
participei na luta académica enquanto estudante e como jovem assistente durante
toda a década de 60, mais concretamente até fim de Julho de 1969. Depois não,
porque não me deixaram lá continuar.
E durante essa famosa década, de
que tanto nos orgulhamos, dos três ministros da Educação Nacional que
conhecemos, Saraiva foi, pelo menos até 69, o que menos reprimiu. Os
anteriores, Lopes de Almeida e Inocêncio Galvão Telles, têm o seu curriculum
recheado de dezenas de expulsões quer da universidade de que eram oriundos estudantes castigados (Lisboa e de Coimbra),
quer de todas as todos as universidades portuguesas. Dezenas e dezenas!
Lembro-me também, pelas notícias
que me iam chegando, lá longe onde estava, de que depois de Saraiva houve ainda
um outro ministro da Educação que criou os “gorilas”, que apoiou e ordenou
espancamentos sistemáticos de estudantes, expulsões, tendo até num desses
confrontos sido assassinado um estudante. Disso lembro-me e lembro-me também de, pouco depois do 25 de Abril, no Governo Palma Carlos, esse ex ministro de Marcello Caetano ter sido nomeado
Embaixador de Portugal na ONU e mais tarde ministro de um governo socialista.
Disso lembro-me…
Saraiva, depois do 25 de Abril,
foi exonerado de Embaixador de Portugal em Brasília e por cá foi ficando ligado ao ensino e à televisão na qual desempenhou uma
meritória acção de divulgação da História de Portugal, em programas televisivos
de grande audiência, e de ter divulgado, como ninguém antes dele, esse grande
génio da Literatura portuguesa que é Fernão Lopes. Disso lembro-me. Mas não me
recordo, por uma vez que fosse tivesse usado esses programas, que duraram
décadas, para fazer a apologia do fascismo.
Mas recordo-me, isso também me
recordo, de grandes fascistas e apoiantes da pide, que militavam no que de mais
reaccionário havia no estertor do “Estado Novo”, promoverem publicamente
verdadeiros “autos de fé”, lançando para a fogueira livros, “confiscados” às
livrarias, que uma ténue abertura da censura permitiu passassem a ser editados
e de hoje terem assento em programas televisivos, ora para nos darem “lições de
democracia”, ora para nos “venderem as maiores reaccionarices”, sem esquecer os múltiplos lugares públicos de
relevo já desempenhados.
Muito obrigado por este texto. Não tenho competência para avaliar a competência de Saraiva como historiador. O que não há dúvida é que era um grande comunicador e um divulgador de muitas coisas meritórias que por aí há (ou havia). Não é frequente ver esta objectividade numa pessoa de esquerda quando um assunto é ex-ministro de Salazar.
ResponderEliminarDesculpe a precisão mas o senhor chamava-se José Hermano Saraiva.
ResponderEliminarEm relação à sua personalidade, não esqueçamos que era irmão de António José Saraiva, personalidade de esquerda. Pelo que se sabe eram muito amigos apesar das diferenças abissais de posicionamento político.
Obrigado. Vou corrigir. Eu sei que esse é o nome, mas devo ter feito qualquer associação que me perturbou a "ordem dos factores"
ResponderEliminarCorreia Pinto e não o que lá está
ResponderEliminarO post é sobre Hermano Saraiva, figura simpática e com uma grande imaginação, assim o disse o seu irmão, ou é sobre outros que não quer chamar pelo nome, mas que se depreende quem são? A isso chama-se atirar a pedra e esconder a mão...
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