UMA TESE QUE NÃO RESISTE À RAZÃO
O inspector da judiciária, Gonçalo Amaral, que chefiou o essencial da investigação do caso Maddie McCann publicou hoje um livro e desdobrou-se em entrevistas á comunicação social.
Primeiro, a conferência de imprensa no local do lançamento, depois as rádios e as televisões. A Antena 1 andou durante parte do dia a anunciar uma entrevista com o inspector às 18h 30m, mas, inexplicavelmente, acabou por não a pôr no ar, pelo menos àquela hora.
Depois, o inspector foi à SIC, onde foi entrevistado no telejornal, por Clara de Sousa. A entrevistadora, na opinião dos votantes do Correio da Manhã, é muito sexy, mas como a entrevista não era sobre esse assunto, enfim, não serviu para nada.
A seguir foi à RTP e, aí sim, Judith de Sousa pôs as questões que há muito se impunham e que nunca até hoje nenhum jornalista tinha levantado, apesar de se tratar de questões óbvias para qualquer ser pensante.
De facto, para as duas teses em confronto, a do rapto e da morte no dia, há duas questões sem cuja resposta nenhuma investigação pode avançar. Respostas racionais, minimamente apoiadas nos factos ou indícios.
Relativamente à tese do rapto: como é possível um rapto perpetrado contra uma criança que, em companhia dos pais, está num país estrangeiro, num ressort turístico, há apenas três ou quatro dias? A probabilidade de se tratar de um rapto possibilitado por circunstâncias ocasionais é mínima. Um rapto, mesmo de redes pedófilas, tem de ser preparado com alguma antecedência. Seria necessário conhecer os hábitos das pessoas à guarda de quem a criança estava, as rotinas da própria criança e conhecer ainda muito bem o local do rapto. Só com grandes cumplicidades, de alguém de dentro, seria possível levá-lo a cabo. A simples observação, pelo raptor, durante dois ou três dias, dos comportamentos das pessoas relevantes para o efeito, seria manifestamente insuficiente.
Mais provável seria admitir que a criança vinha sendo seguida desde a Inglaterra, caso em que tudo seria teoricamente mais plausível, embora também neste caso o raptor não pudesse prescindir de grandes cumplicidades internas (mais provavelmente do círculo de amigos)
Judith de Sousa não pôs estas questões, certamente por falta de tempo ou porque já estava suficientemente elucidada sobre a sustentabilidade das teses do entrevistado.
Relativamente à morte (acidental) da criança no dia, a questão que realmente se põe é a do corpo. Como é que um casal de estrangeiros, com três filhos, numa terra estranha há apenas três ou quatro dias, sem outros conhecimentos que os dos amigos que com eles viajaram do Reino Unido para o mesmo ressort, consegue fazer desaparecer um corpo em tão pouco tempo?
A tese do inspector não faz qualquer sentido. Diz ele que a criança provavelmente morreu depois de o pai ter ido a casa, por volta das nove horas da noite, tendo o corpo sido por ele, mais tarde, transportado na direcção da praia, onde o deixou em algum lugar. O que significa que o pai teria de ter feito tudo isto antes de regressar ao restaurante e antes de a mãe da criança ter dado pela sua falta cerca de uma hora mais tarde. Ou seja, a mãe não estaria ao corrente do que se passou na altura em que deu o alarme. Mas o inspector diz mais. Diz que o corpo terá ainda sido levado nessa noite (presumivelmente de madrugada, isto é, depois de a PJ já estar em campo e de meio Algarve se encontrar já mobilizado para encontrar a criança) e colocado numa arca frigorífica, donde foi retirado, cerca de três semanas mais tarde, e transportado na bagageira do carro entretanto alugado pelos pais, para, finalmente, ser colocado no local onde ainda hoje estaria.
Mas isto faz algum sentido? Como é que se esconde, num primeiro momento, um corpo num espaço tão exíguo e com tanta gente (mais de duzentas pessoas) no terreno à sua procura? E como se arranja depois uma arca frigorífica para seguidamente o colocar? Com os pais seguidos dia e noite pela comunicação social e, presume-se, também pela polícia? Com que cumplicidades? Com que conhecimentos? Onde estão os factos ou os indícios que minimamente suportem esta tese? E os pais depois de terem alugado o carro não eram seguidos pela polícia?
Insisto, nada disto faz o menor sentido. Nem isto, nem a tese da morte acidental num momento anterior. Muito mais sentido faria admitir um crime premeditado. Bem, nesse caso tudo seria mais simples de perceber, embora também tivesse que se demonstrar a existência de um móbil, para que a hipótese sequer se pudesse pôr.
Concluindo, os únicos factos seguros são o desaparecimento da criança e os erros de investigação da polícia. O inspector em questão, certamente habituado a confissões na investigação criminal, parece ter reconhecido os erros, embora se desculpe com a criação de um clima de inibição à volta do caso. Inibição? Mas como é possível que uma polícia de investigação criminal se deixe inibir? Além de que, a maior parte das diligências e actividades de investigação que não foram realizadas, poderiam perfeitamente ter sido feitas sem qualquer tipo de imputação a uma pessoa.
A explicação do homem faz-me lembrar aqueles padres que querem explicar o enigma da vida e do universo com uma explicação ainda mais enigmática. E por aqui me fico que é tarde. Vejo que tens trabalhado. Assim sim é blog!
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