terça-feira, 4 de agosto de 2009

ISALTINO MORAIS


SETE ANOS DE PRISÃO EFECTIVA E PERDA DO MANDATO


Não tenho por hábito falar de mim neste blogue. A literatura do eu não é o meu forte. Não digo que não leia algumas memórias ou biografias. Claro que sim, de gente que teve influência nos destinos da humanidade. Fora disso que interesse têm as historietas presenciadas durante uma vida, mesma que digam respeito a gente conhecida? No fundo, o que tornará notáveis ou não essas pessoas são os seus actos do domínio público. Sejam políticos, artistas, escritores, desportistas, enfim, o que forem. A “petite histoire” que tanta curiosidade suscita sempre me pareceu mais vocacionada a vangloriar quem a conta, dando-se ares, do que a ajudar a caracterizar o sujeito da “história”.
Tudo isto para dizer que Isaltino Morais foi meu aluno em 1976/77, na difícil cadeira de Teoria Geral do Direito que, não obstante o nome, era uma Teoria Geral da Relação Jurídica (de direito privado). Foi um ano decisivo na história da Faculdade de Direito de Lisboa, à qual eu não pertencia, nem com a qual tinha quaisquer afinidades. Os professores colaboracionistas (e em Lisboa eram quase todos…) foram saneados e com eles os que não eram uma coisa nem outra. A Faculdade ficou decapitada e entregue à “Revolução Cultural” maoista, na versão portuguesa MRPP.
Como os poucos professores que ficaram não tinham condições políticas para pôr a Faculdade a funcionar como uma verdadeira escola adaptada aos princípios democráticos saídos do 25 de Abril, foi constituída uma espécie de comissão mista (cujo verdadeiro nome não me lembro qual era, mas era qualquer coisa como Comissão para a Recuperação da FDL) constituída por professores de Coimbra e de Lisboa, que, entre outras tarefas, tinha a seu cargo a constituição de um corpo docente que pudesse dar expressão àquela aspiração. Foi nesse contexto que eu fui convidado para leccionar a dita cadeira de direito civil, depois de já ter recusado regressar a Coimbra, donde tinha sido expulso em 1969.
O convite foi-me feito por Mota Pinto, na Brasileira de Coimbra, em Dezembro de 1976, já com as aulas (as que havia) a decorrer. Hesitei, não respondi logo. Ele continuou a insistir e então ficou acordado que primeiramente falaria com os alunos e só depois tomaria uma decisão.
Lá pela segunda semana de Janeiro apresentei-me no anfiteatro da FDL, onde nunca tinha entrado, para apurar se tinha condições para continuar uma experiência donde tinha sido afastado há mais de 7 anos. Disse aos alunos: “Pediram-me para vos dar esta cadeira, mas eu só o farei se vocês estiverem de acordo com certos pressupostos muito simples de enunciar: acabaram as passagens administrativas; acabaram os trabalhos colectivos para avaliação de resultados definitivos; haverá uma prova escrita, em princípio eliminatória; e prova oral para os alunos que, segundo o meu critério (não havia qualquer regra sobre esta matéria) tenham de a prestar, critério que tratarei de objectivar ao longo do ano. Estou disponível para prestar todos os esclarecimentos e justificar os pressupostos enunciados, mas com toda a franqueza que deve existir entre nós desde já vos digo que não vou sair muito do que acabei de enunciar”.
O acolhimento não poderia ter sido mais entusiástico. Toda a gente não só concordou, como insistiu em me fazer compreender que era mesmo isso o que desejava.
Guardo excelentes recordações dessa turma. Porventura a melhor que alguma vez tive. Empenhadíssima no estudo, com excelentes alunos, hoje, muitos deles, a exercerem funções da mais alta responsabilidade.
Isaltino também lá estava. Inteligente, passou com uma boa nota no contexto de uma bitola muito exigente. Acabado o curso só esporadicamente o encontrei, em restaurantes ou locais do género. Sempre muito agradecido por eu ter contribuído para que ele pudesse ter tirado um curso a sério.
Claro que gostava que nada tivesse acontecido ao Isaltino, antes e depois de ir a tribunal…

2 comentários:

  1. Muito interessante a sua história. Banal, então, a do Isaltino. Não tão banal o seu percurso pós faculdade.
    Passando para a actualidade, não posso saber se Isaltino é culpado ou inocente. Apenas me ocorre a voz do povo quando diz que “Quem chibos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vem.”.
    Todavia, por força de lei e convicção, só poderei considerá-lo culpado depois de sentença transitada em julgado, o que não prevejo para breve.
    Não obstante, vai ser muito curioso verificar como vai reagir o eleitorado a esta realidade. Se o vai penalizar, assumindo-o, desde já, como culpado, se, ao contrário, vai ignorar todo este processo e o vai reeleger.
    De uma coisa não tenho nenhuma dúvida: caso se tratasse de crime, este ou outro qualquer, imputável a um popular anónimo, o julgamento popular logo o consideraria culpado e merecedor de pesadíssima pena.
    Se Isaltino for reeleito, será que poderemos concluir estarmos perante mais um sintoma de que o povo cada vez dá menos importância a tudo quanto os políticos fazem?
    Uma coisa é certa: se o elegerem, não podem, depois, queixar-se da justiça.
    JR

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  2. Um desafio, se se me permite, ao JMCP: está bem que um cidadão condenado (mesmo por decisão não definitiva), ou até mesmo apenas pronunciado, por certos crimes graves (ou de honra), possa candidatar-se?
    Vamos a um postal sobre isto?

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