SERÃO AS SIMPLES MEDIDAS ECONÓMICAS SUFICIENTES PARA SUPERAR A CRISE?
É dos livros que as medidas preconizadas por John Meynard Keynes para combater a Grande Depressão e salvar o capitalismo resultaram. A Grande Depressão foi vencida (é certo que há a guerra de permeio e a incógnita do que teria acontecido sem ela), o capitalismo salvou-se e nos países capitalistas avançados houve uma redistribuição da riqueza sem paralelo na história do capitalismo. Não interessa agora discutir quais as causas que com mais intensidade contribuíram para este último efeito. Foram certamente várias, e dentre elas, seguramente, a força do movimento operário, os sindicatos, o “espectro”que ameaçava o capitalismo, mais do quaisquer outras. Seja porém qual for a explicação dos historiadores económicos, a verdade é que aquele efeito se verificou.
A actual crise económica teve a sua causa próxima numa crise financeira ímpar na história do capitalismo. O capital financeiro, sem regulação nem submissão a qualquer poder, tornou-se fundamentalmente especulativo, assumiu riscos desproporcionados motivado pelo lucro fácil e imediato, e mergulhou o mundo, logo que a “bolha” especulativa rebentou, numa crise generalizada.
Impossibilitados de solver os seus compromissos por cessação de pagamentos da maior parte dos seus clientes - que, motivados pelo lucro fácil e pelas vantagens da especulação, igualmente assumiram compromissos muito superiores à sua real solvência -, os bancos, tanto os grandes como os de menor dimensão, foram num espaço muito curto de tempo entrando sucessivamente em falência e a maior parte deles ficando mesmo insolvente por o seu passivo ser incomensuravelmente superior ao activo.
Perante este cenário, duas alternativas se perfilavam: ou deixá-los falir ou resgatá-los com entradas massivas de dinheiros públicos.
A América começou por ensaiar a primeira alternativa, deixando falir o Lehman Brothers, mas face à dimensão da tragédia que falências semelhantes permitiam antever, rapidamente arrepiou caminho e ainda sob a administração republicana foi renegado o princípio da não intervenção (as falências seriam uma espécie de regeneração do sistema) e iniciado um plano de resgate em grande escala do capital financeiro, mediante transferências astronómicas de dinheiro concedido a custo zero ou a juro baixíssimo. A Europa, com reticências da Alemanha, acabou por seguir o mesmo caminho, tendo o BCE assegurado aos bancos, a juros baixíssimos, a liquidez de que necessitavam para evitar as falências.
Pouco tempo depois, os grandes bancos, tanto na América como na Europa, com as benesses recebidas a custo zero ou quase, rapidamente se reequilibraram aplicando o dinheiro assim recebido em operações altamente lucrativas.
À crise financeira seguiu-se, como acontece com os abalos telúricos cujo epicentro é no mar, um efeito tsunami sobre a economia real. E aqui a opção dos Estados já foi diferente. A crise económica acarreta desemprego, mais despesas sociais, eventualmente crescimento negativo, mas não põe em causa, nos tempos que correm, a existência do sistema. Por isso, apenas os sectores económicos mais significativos do ponto de vista das respectivas economias nacionais foram apoiados com ajudas de Estado, acreditando-se ou esperando-se que o “sistema” funcionasse relativamente aos demais sectores, isto é, que os bancos continuassem a financiar a economia em geral – os particulares, as pequenas, médias e grandes empresas.
Ora, este efeito não se verificou. Os bancos, pelo contrário, têm recusado em grande escala aquele financiamento com o argumento de que não podem correr riscos excessivos e continuaram, com dinheiro gratuito que receberam, a dedicar-se a operações especulativas que têm agora, na maior parte das vezes, os próprios Estados como alvo. Como os Estados tiveram que se endividar para resgatar o capital financeiro, para financiar alguns sectores nevrálgicos da economia e para atender ao grande acréscimo de despesas sociais motivadas pela crise, por todo o lado se assistiu a um crescimento do défice orçamental e da dívida pública. E, paradoxalmente, têm sido os bancos, ontem assistidos pelos Estados, que agora os estão financiando a um juro várias vezes superior ao que tiveram de pagar para beneficiar daqueles financiamentos. E se a esta perversão acrescentarmos a pressão que o capital especulativo está fazendo sobre os Estados desenvolvidos economicamente mais frágeis, logo se percebe que quem realmente está tirando vantagem desta especulação é o capital financeiro que, tendo sido o gerador da crise, é agora o grande beneficiário do endividamento que os Estados foram compelidos a contrair.
Por outro lado, o desemprego continua a aumentar, ou, na melhor das hipóteses, a não diminuir, as ajudas sociais tendem a baixar, o crescimento económico não existe ou manifesta-se a níveis baixíssimos e, na maior parte dos casos, não permite compensar o aumento de encargos financeiros contraídos pelos Estados, e finalmente, não se assiste a nenhuma redistribuição da riqueza, bem pelo contrário.
Logo, a questão que se põe é a seguinte: estarão as medidas neo-keynesianas adoptadas pelos Estados em condições de produzir hoje resultados idênticos aos que lhe são atribuídos na superação da Grande Depressão de 1929/32?
O keynesianismo teve em vista antes de mais nada salvar o capitalismo. Outros efeitos que então se verificaram tiveram muito mais a ver com o contexto político-social da época do que propriamente com as medidas económicas que foram adoptadas. Isto demonstra que só a política pode salvar a economia e não o contrário. Mas vai ser muito difícil ou quase impossível alcançar efeitos semelhantes aos que se verificaram a seguir à Grande Depressão. Os sindicatos estão fragilizados por todo o lado depois de anos a fio de ataques neo-liberais. O movimento operário e dos trabalhadores em geral, como movimento político de ruptura, perdeu força em todos os domínios, nomeadamente no político e no ideológico. O “espectro” que ameaçava o capitalismo desapareceu (até ver…) e os governos, mesmo quando sinceramente estrebucham contra as vilanias do sistema, não têm força política suficiente para se opor à maré que tudo submerge.
Se a isto se acrescentar o facto de a zona euro assentar em grande medida numa ficção que hoje se revela altamente perversa, pois torna difícil a recuperação das economias mais frágeis e simultaneamente deixa antever um cenário de quase catástrofe social para as que tiveram que a abandonar, depressa se concluirá pela irrelevância das pequenas variações das políticas de alternância democrática e que somente uma verdadeira ruptura sistémica poderia abrir novas perspectivas às economias afectadas pela crise.
Haverá força e vontade para tanto? A esperança nunca morre…
É dos livros que as medidas preconizadas por John Meynard Keynes para combater a Grande Depressão e salvar o capitalismo resultaram. A Grande Depressão foi vencida (é certo que há a guerra de permeio e a incógnita do que teria acontecido sem ela), o capitalismo salvou-se e nos países capitalistas avançados houve uma redistribuição da riqueza sem paralelo na história do capitalismo. Não interessa agora discutir quais as causas que com mais intensidade contribuíram para este último efeito. Foram certamente várias, e dentre elas, seguramente, a força do movimento operário, os sindicatos, o “espectro”que ameaçava o capitalismo, mais do quaisquer outras. Seja porém qual for a explicação dos historiadores económicos, a verdade é que aquele efeito se verificou.
A actual crise económica teve a sua causa próxima numa crise financeira ímpar na história do capitalismo. O capital financeiro, sem regulação nem submissão a qualquer poder, tornou-se fundamentalmente especulativo, assumiu riscos desproporcionados motivado pelo lucro fácil e imediato, e mergulhou o mundo, logo que a “bolha” especulativa rebentou, numa crise generalizada.
Impossibilitados de solver os seus compromissos por cessação de pagamentos da maior parte dos seus clientes - que, motivados pelo lucro fácil e pelas vantagens da especulação, igualmente assumiram compromissos muito superiores à sua real solvência -, os bancos, tanto os grandes como os de menor dimensão, foram num espaço muito curto de tempo entrando sucessivamente em falência e a maior parte deles ficando mesmo insolvente por o seu passivo ser incomensuravelmente superior ao activo.
Perante este cenário, duas alternativas se perfilavam: ou deixá-los falir ou resgatá-los com entradas massivas de dinheiros públicos.
A América começou por ensaiar a primeira alternativa, deixando falir o Lehman Brothers, mas face à dimensão da tragédia que falências semelhantes permitiam antever, rapidamente arrepiou caminho e ainda sob a administração republicana foi renegado o princípio da não intervenção (as falências seriam uma espécie de regeneração do sistema) e iniciado um plano de resgate em grande escala do capital financeiro, mediante transferências astronómicas de dinheiro concedido a custo zero ou a juro baixíssimo. A Europa, com reticências da Alemanha, acabou por seguir o mesmo caminho, tendo o BCE assegurado aos bancos, a juros baixíssimos, a liquidez de que necessitavam para evitar as falências.
Pouco tempo depois, os grandes bancos, tanto na América como na Europa, com as benesses recebidas a custo zero ou quase, rapidamente se reequilibraram aplicando o dinheiro assim recebido em operações altamente lucrativas.
À crise financeira seguiu-se, como acontece com os abalos telúricos cujo epicentro é no mar, um efeito tsunami sobre a economia real. E aqui a opção dos Estados já foi diferente. A crise económica acarreta desemprego, mais despesas sociais, eventualmente crescimento negativo, mas não põe em causa, nos tempos que correm, a existência do sistema. Por isso, apenas os sectores económicos mais significativos do ponto de vista das respectivas economias nacionais foram apoiados com ajudas de Estado, acreditando-se ou esperando-se que o “sistema” funcionasse relativamente aos demais sectores, isto é, que os bancos continuassem a financiar a economia em geral – os particulares, as pequenas, médias e grandes empresas.
Ora, este efeito não se verificou. Os bancos, pelo contrário, têm recusado em grande escala aquele financiamento com o argumento de que não podem correr riscos excessivos e continuaram, com dinheiro gratuito que receberam, a dedicar-se a operações especulativas que têm agora, na maior parte das vezes, os próprios Estados como alvo. Como os Estados tiveram que se endividar para resgatar o capital financeiro, para financiar alguns sectores nevrálgicos da economia e para atender ao grande acréscimo de despesas sociais motivadas pela crise, por todo o lado se assistiu a um crescimento do défice orçamental e da dívida pública. E, paradoxalmente, têm sido os bancos, ontem assistidos pelos Estados, que agora os estão financiando a um juro várias vezes superior ao que tiveram de pagar para beneficiar daqueles financiamentos. E se a esta perversão acrescentarmos a pressão que o capital especulativo está fazendo sobre os Estados desenvolvidos economicamente mais frágeis, logo se percebe que quem realmente está tirando vantagem desta especulação é o capital financeiro que, tendo sido o gerador da crise, é agora o grande beneficiário do endividamento que os Estados foram compelidos a contrair.
Por outro lado, o desemprego continua a aumentar, ou, na melhor das hipóteses, a não diminuir, as ajudas sociais tendem a baixar, o crescimento económico não existe ou manifesta-se a níveis baixíssimos e, na maior parte dos casos, não permite compensar o aumento de encargos financeiros contraídos pelos Estados, e finalmente, não se assiste a nenhuma redistribuição da riqueza, bem pelo contrário.
Logo, a questão que se põe é a seguinte: estarão as medidas neo-keynesianas adoptadas pelos Estados em condições de produzir hoje resultados idênticos aos que lhe são atribuídos na superação da Grande Depressão de 1929/32?
O keynesianismo teve em vista antes de mais nada salvar o capitalismo. Outros efeitos que então se verificaram tiveram muito mais a ver com o contexto político-social da época do que propriamente com as medidas económicas que foram adoptadas. Isto demonstra que só a política pode salvar a economia e não o contrário. Mas vai ser muito difícil ou quase impossível alcançar efeitos semelhantes aos que se verificaram a seguir à Grande Depressão. Os sindicatos estão fragilizados por todo o lado depois de anos a fio de ataques neo-liberais. O movimento operário e dos trabalhadores em geral, como movimento político de ruptura, perdeu força em todos os domínios, nomeadamente no político e no ideológico. O “espectro” que ameaçava o capitalismo desapareceu (até ver…) e os governos, mesmo quando sinceramente estrebucham contra as vilanias do sistema, não têm força política suficiente para se opor à maré que tudo submerge.
Se a isto se acrescentar o facto de a zona euro assentar em grande medida numa ficção que hoje se revela altamente perversa, pois torna difícil a recuperação das economias mais frágeis e simultaneamente deixa antever um cenário de quase catástrofe social para as que tiveram que a abandonar, depressa se concluirá pela irrelevância das pequenas variações das políticas de alternância democrática e que somente uma verdadeira ruptura sistémica poderia abrir novas perspectivas às economias afectadas pela crise.
Haverá força e vontade para tanto? A esperança nunca morre…
1 comentário:
excelente texto!
Enviar um comentário