NÃO É FÁCIL MANTER A SERENIDADE
O Sol insiste no editorial de hoje na tese, já defendida no Parlamento pelo seu director, do “encobrimento” ou mesmo “cumplicidade” do poder judicial, mais concretamente do PGR, com o poder político e enumera um por um os factos em que fundamenta a afirmação.
Como é vulgar no jornalismo em Portugal, confundem-se factos com presunções formuladas a partir de certos comportamentos, com base em factos que, embora importantes, não permitem sem mais chegar às conclusões apresentadas.
O jornalismo só teria a ganhar se separasse as águas, deixando ao leitor o seu juízo. Não por pretensas razões de moralidade ou de ética ou de simples obrigação deontológica, mas de eficácia. Apresentar como factos verificados ou verificáveis situações que o não são, apenas descredibiliza a investigação jornalística e fortalece a posição daquele de que se suspeita.
Vou dar três exemplos: o PGR negou que houvesse uma carta rogatória da justiça inglesa referindo o envolvimento de um ministro no caso Freeport. Depois veio a saber-se que a carta existia e aquela referência também nela estava contida. Isto é um facto.
Mas já não é, afirmar-se que a declaração do PGR de “pôr as escutas cá fora, se pudesse” foi feita de má fé, ou seja, que tal desabafo apenas teve lugar porque o seu autor antecipadamente sabia que aquele hipotético desejo nunca poderia ser concretizado. Uma coisa é o PGR saber que não podia divulgar as escutas, outra é concluir que a sua afirmação foi feita por ele saber que o objectivo nela enunciado nunca poderia ser cumprido.
A outra questão, muito importante, já em tempos aqui analisada é a seguinte: a coincidência de os escutados terem mudado de telefone e de conversa a partir do momento em que as escutas passaram a ser do conhecimento da Procuradoria Geral da República, em Lisboa. Há de facto, de acordo com as regras da experiência, uma ligação entre os dois factos. Mas do facto que se conhece – vinda das escutas para Lisboa – não se pode retirar a conclusão de que de que foi a PGR que avisou os escutados. A única conclusão que de acordo com aquelas regras se poderá extrair é a de que os escutados foram avisados. Dizer mais do que isto é irresponsável.
Mas desta situação resulta uma outra conclusão que não pode deixar tida em conta por quem conduz a investigação ou por qualquer outro motivo tem de sobre ela opinar: se as conversas mudaram e os telefones também, as escutas a partir daquela data não podem merecer a mesma credibilidade que mereciam antes, nomeadamente nos casos em que infirmam conversas anteriores.
Nenhum polícia de investigação criminal, nenhum magistrado encarregado de dirigir o inquérito pode deixar de ter isto em conta. É natural que a partir daquele momento os investigados tentem enganar e confundir os investigadores. As escutas a partir desse momento não valem nada. Por isso, compreende-se mal, que o PGR tenha sublinhado (como já foi confirmado, inclusive pelo PM) uma conversa ocorrida depois daquela data, de sentido contrário a outras ocorridas anteriormente. Mas também neste caso várias razões podem ter justificado aquele comportamento, desde a mais simples – ter-se enganado ou actuado com ingenuidade - até outras mais complexas.
Por tudo isto, e porque está cada vez mais claro aos olhos de toda a gente que não houve abertura de inquérito com base nos factos denunciados por Aveiro, não há nenhum segredo de justiça a proteger. Logo, não há nenhuma razão para manter escondidos os despachos do PGR. A investigação da Comissão Parlamentar de Inquérito deveria começar por aí…se quer chegar a algum lado.
Excelente!... esclarecedor e desarmante :)
ResponderEliminarAbraço.