A ACUSAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Tenho algumas dúvidas de que a acusação do Ministério Público no caso “Figo/Taguspark” venha a ter êxito.
Aparentemente, o que o Ministério Público supõe que se passou foi o seguinte: uma certa “rapaziada” do PS de serviço nas empresas públicas ou municipais, os conhecidos super boys, apoiados pelos seus advogados e por outros “beneméritos” do direito, todos muito preocupados com os “Direitos do Homem”, ficaram encarregados de “angariar” o apoio eleitoral de Figo para a campanha de José Sócrates.
Estes boys e super boys, bem como os seus conselheiros jurídicos, sabem muito mais do que aquilo que nós supomos que eles sabem. Eles sabem, por exemplo, que Figo é conhecido em Espanha como “pesetero”, o que não tem nada de mal, desde que se trate de pagar, com o dinheiro do Real Madrid, a cláusula penal que protegia o seu contrato com o Barcelona. Mas cujo comportamento indicia uma personalidade com certas características: a de alguém que se propõe emprestar o peso da sua imagem pública, baseada numa aparente convicção, a troco de uma vantagem patrimonial.
Isto é em si um negócio lícito, se os meios que estão a ser utilizados para fazer também o forem. Exemplificando: Um partido político ou uma personalidade política pretende obter o apoio de uma figura pública para a sua candidatura. A dita figura pública aceita prestar-lhe esse apoio a troco de uma vantagem patrimonial. Não há neste negócio qualquer ilicitude se a contraprestação pecuniária destinada a compensar aquele apoio for paga com dinheiro do dito partido ou da dita personalidade.
Mas admitamos a seguinte hipótese: o dito partido ou a dita personalidade pela influência de facto e de direito que mantém sobre uma empresa pública pede a um, dois ou três administradores dessa empresa, por si nomeados ou pelo governo a que ele pertence, que “angariem” o apoio dessa figura pública para a sua campanha mediante o pagamento por essa empresa pública de uma prestação pecuniária ou outra qualquer vantagem económica. Neste caso já a situação muda completamente de figura, porque a contraprestação pecuniária daquele apoio é paga com dinheiro fraudulentamente obtido.
Mas as coisas podem complicar-se mais, porque na vida real as pessoas que tratam destes assuntos têm grande experiência na área e dificilmente são apanhadas na situação do governador de Brasília. Aliás, para que isso não suceda é que intervêm como conselheiros especializados os tais advogados defensores dos “Direitos do Homem”. E então imaginemos que engendram a seguinte situação: para que haja uma justificação aparentemente lícita para a saída do dinheiro dos cofres daquela empresa, celebra-se um contrato entre a dita figura pública e a empresa no qual figura como objecto ostensivo a obrigação de a dita figura pública fazer uma campanha promocional da empresa mediante o pagamento de uma contraprestação pecuniária e como objecto oculto o apoio dessa figura pública à candidatura política da tal personalidade política ou do partido político de que acima falámos, realmente a verdadeira razão de ser do negócio.
Se os factos imaginariamente acima descritos estivessem provados ou houvesse uma relativa probabilidade da sua prova, certamente que haveria aqui comportamentos penalmente ilícitos susceptíveis de integrarem mais do que um tipo legal de crime. Não me atrevo, porém, a fazê-lo porque não domino o direito penal com aquele rigor que considero indispensável a este exercício.
O mais provável, todavia, é que a prova seja escassa, baseada em simples indícios que tendem a dissipar-se no emaranhado jurídico adrede construído para dissimular a verdadeira natureza do negócio. E depois já se sabe como é que as coisas funcionam (e bem!) em direito penal: se o Ministério Público não logra fazer a prova cabal dos factos constitutivos do tipo legal de crime com base no qual acusa, a sentença acaba por ser absolutória.
Além de que não me parece que haja uma qualificação jurídica correcta dos factos com base nos quais a acusação é feita. Corrupção passiva? E quem é o corruptor activo? Enfim, muitas dúvidas.
Mais eficaz seria pedir a nulidade do negócio celebrado entre a Taguspark e Figo ou a Fundação Luis Figo, conforme tiver sido o caso. Optando-se por esta via não se perderia tudo, como certamente se vai perder se se optar pela via penal. Além do mais porque em processo civil as coisas não funcionam da mesma maneira que no processo penal. Um juiz com uma dúvida, por pequena que seja, sobre a prática do crime, tende a absolver. O mesmo juiz tem, e muito justamente, um critério mais largo em processo civil.
E de uma coisa estou certo: um bom civilista, com base na averiguação já feita pelo MP, conseguiria a nulidade do negócio….
Caro "blogger", concordo com tudo o que escreve menos num aspecto: A simulação de uma prestação (fictícia) e a sua hiper-valoração para dar forma legal ao recebimento acordado, que paga outra prestação -esta real-, é feito todos os dias pelos engenhosos empreendedores portugueses com ou sem apoio de advogados-estrela. Dir-se-à que não está em causa dinheiro público, mas está, é uma das mais acessíveis formas de fraude fiscal.
ResponderEliminarO meu amigo Vitor M para não expor publicamente a minha ignorância disse-me em e-mail particular que há uns artiguitos do CPP que permitem ao tribunal alterar a qualificação jurídica constante da acusação.
ResponderEliminarJá tinha ouvido falar. Creio que no processo Casa Pia se passou isso mesmo. Aliás, esse novo regime só é de apludir.
O meu problema é outro: por um lado, a prova é muito difícil, como se verá; por outro, tenho muitas dúvidas onde subsumir criminalmente os comportamentos em questão. Qual é o tipo legal de crime?
Ainda respondendo ao meu amigo V
ResponderEliminarNão vejo que haja no caso crime de corrupção passiva por acto ilícito, nem crime de participação económica em negócio.
Parece-me que o tipo legal de crime em que aqueles comportamentos poderiam subsumir-se seria o de infidelidade. Mas vale a pena andar a perder tempo com um crime punível com pena de prisão até três anos ou multa? Não lhes "doerá" muito mais a eles e ao Figo ir pelo lado cível?
Meu Caro
ResponderEliminarTenho andado por fora, cheguei hoje e deste assunto só sei o que aqui escreveste.
Uma coisa é certa: a acção cível é o caminho seguro para o dinheiro regressar à Taguspark. Por isso mesmo é que estes bandidos não vão por aí.
Abraço
V