quinta-feira, 15 de abril de 2010

O TERRAMOTO DE QINGHAI E A POLÍTICA CHINESA



SERÁ RAZOÁVEL TIRAR CONSEQUÊNCIAS?

É sempre muito melindroso a propósito de uma catástrofe originada por causa naturais tirar consequências políticas, já que existe arreigada na consciência popular a ideia de que tais abordagens feitas sobre a desgraça, a que antes de mais nada é preciso acudir, são oportunistas e desprovidas de compaixão.
Acontece que o problema é exactamente esse. A China não está em condições de acudir os seus nacionais, não obstante estar a caminho de se tornar, porventura mais cedo do que se supõe, a primeira economia mundial. Mas mesmo sem esse palmarés, o lugar que a China actualmente ocupa no concerto das nações, como grande potência emergente que é, uma das maiores economias mundiais, justificaria que estivesse preparada para poder actuar de outra maneira em situações de emergência, sempre que esteja em causa a sobrevivência do seu próprio povo.
Um regime dito comunista, que de comunista nada tem, salvo os símbolos que hipocritamente ostenta, baseado na extrema exploração do trabalho assalariado, de todas as idades, desde os mais jovens aos mais velhos, com uma produção fundamentalmente orientada para a procura externa, com baixíssimos custos de produção e uma taxa de câmbio muito abaixo do valor real da moeda, faz a acumulação primitiva do capital à custa do trabalho do seu povo e igualmente à custa dos trabalhadores da Europa e dos Estados Unidos, cada vez mais remetidos para o desemprego, para a precarização e para os baixos salários. Isto para não entrar em linha de conta com os custos ambientais de tal política, igualmente nefasta para o futuro do planeta.
Sendo os Estados Unidos um grande mercado e a primeira potência económica e a União Europeia, no seu conjunto, a maior economia mundial, ambos teriam a força económica e política suficiente para alterar o rumo das coisas, se quisessem. Efectivamente, não querem. E não querem porque política da China, e a de outros países emergentes, embora em menor escala, interessa ao neoliberalismo, a vários títulos.
Antes de mais nada politicamente. É bom nunca escamotear esta causa e apresentá-la sempre antes das económicas. Com efeito, depois da Queda do Muro e da desagregação da União Soviética, a política económica chinesa é que melhor serve os interesses do capital neoliberal do Ocidente. A entrada de produtos chineses nos mercados europeu e americano, nas condições acima descritas, cria as condições ideais para que seja feita nestes dois mercados uma pressão sem precedentes sobre o trabalho e os seus direitos. Para manter a competitividade, dizem, há que reduzir os custos. E os custos que se reduzem, apesar dos ganhos de produtividade operados por força da revolução tecnológica, estão todos directa ou indirectamente ligados ao trabalho e aos seus direitos (políticos, económicos e sociais).
Quebrada a “espinha dorsal”do movimento sindical e dos movimentos sociais que lutam pela dignificação do trabalho no processo produtivo, tudo o resto vem por acréscimo.
Por outro lado, no plano económico, a política chinesa é uma extraordinária aliada da política monetarista neoliberal, porque vem dela a principal ajuda para uma inflação baixa. Ainda no plano económico, tem sido com os superavides chineses, traduzidos em crédito aos países ocidentais, que, pelo menos até à presente crise, permitiriam manter em níveis razoáveis a procura interna e algum crescimento, embora sem consequências práticas no plano da distribuição dos rendimentos, cujas desigualdades se agravam a cada ano que passa, e quase nulas no plano do emprego. Mais do que o capital produtivo, foi o capital financeiro e especulativo que disto se aproveitou em larga escala para exercer um domínio político-económico sobre a sociedade e angariar lucros sem paralelo na história do capitalismo. Se a tudo isto acrescentarmos o facto de o próprio capital ocidental se ter deslocalizado para a própria China, embora este esteja longe de ser o factor mais relevante , teremos o puzzle completo da dita aliança de que acima falámos nas suas vertentes fundamentais.
É por estas razões que o capital ocidental e a ideologia capitalista dominante mantêm um desprezo olímpico pela real situação da esmagadora maioria do povo chinês. As lágrimas vertidas sobre Tianamen são lágrimas hipócritas. Realmente a sorte dos que contestavam o regime de Pequim não lhes interessa. O que lhes interessa é denunciar os métodos de actuação de um regime dito comunista, como medida de prevenção profiláctica a tudo o que por cá, de perto ou de longe, se possa aproximar de uma política económica e social alternativa.
Aparentemente, a prazo, tudo isto acabará por ter um custo ou até talvez acabe mal. Mas o capital não está muito preocupado com isso. Já por mais de uma vez lhe disseram que ele estava a pagar a corda com que seria enforcado …e até hoje a profecia ainda não se cumpriu!

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