segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

WIKILEAKS - ASSUNTOS PORTUGUESES




A CONFIRMAÇÃO DO QUE SE ESPERAVA

Depois de publicados os primeiros telegramas do Departamento de Estado sobre Portugal, pode dizer-se que eles confirmam, ponto por ponto, a ideia que já se tinha de certos actores da diplomacia portuguesa, nas suas relações com os Estados Unidos.
E confirmam também a interpretação que já se fazia do comportamento americano no domínio das relações internacionais.
Os Estados Unidos, no desenvolvimento da sua política imperial, usam a violência para subjugar os adversários e inimigos, seja recorrendo à guerra, ao golpe de Estado ou a outro tipo de represálias para defesa dos seus interesses e exigem obediência e servilismo aos aliados, utilizando a diplomacia para os pressionar e simultaneamente desempenhar um papel de tipo pidesco, muito mais eficaz que o famoso “Big Brother” orwelliano. Tudo acompanham, em tudo interferem, tudo exigem.
Do lado português, igualmente se confirma, por documentos validados pela “fonte”, o servilismo que se suspeitava existir, ou, na melhor das hipóteses, a súplica do servo que pede compreensão e aquiescência para a posição que defende.
E também se confirma que os nossos políticos não têm problemas em desmentir a evidência com a mesma facilidade com que os batoteiros do futebol negam o sentido das conversas que acabámos de escutar!
Uma vergonha!
A única surpresa, que aliás se explica pela desvirtuação da função, é a do BCP. De facto, o capital, nomeadamente o capital financeiro tradicional, tem uma lógica e uma “ética” de funcionamento que o levam à defesa de certos princípios como garantia da sua própria defesa. Pode participar em todas as patifarias, mas guarda segredo. Porque o segredo é a alma do seu negócio. Para o banqueiro que se preza e que acima de tudo preza a função que desempenha, o que se passa entre o cliente e o banco é “sagrado”.
Pois também neste domínio esta choldra em que vivemos desvirtuou a função – a infiltração no sistema bancário de “banqueiros de aviário” faz com que desde a sucata de Espinho aos negócios com o Irão tudo possa acontecer.
Infelizmente, nem eles nem os seus amos percebem que para um país pequeno estas deslealdades se pagam caro e nunca mais se esquecem, destruindo assim séculos de história e de relacionamento construídos apenas na defesa de interesses próprios. Sempre legítimos e compreendidos pela contraparte, mesmo quando não atendidos e rechaçados.
Mas tudo muda e tudo se perverte quando o agente se transforma em servo de interesses alheios e se propõe desempenhar as mais sórdidas funções.
Mas não é somente pelo lado do banco, que a honra do país fica em causa.
Nos documentos vindos a público, fica a saber-se (melhor: confirma-se) que o Ministro dos Negócios Estrangeiros é um amigo dos americanos. E a primeira pergunta que qualquer pessoa é levada a fazer é se, numa pasta tão sensível como as das relações externas, um Estado, qualquer que ele seja, deve ter naquela função um “amigo” de outro país, ou se este é um dos tais ministérios cuja pasta só pode ser sobraçada por quem tenha uma única e inequívoca paixão: a defesa dos interesses nacionais!
É que este é um dos tais domínios em que não há lugar para dois amores. Ou se defendem os interesses da Pátria, sem receio de criar inimizades e incompreensões, ou se é amigo do forte e do poderoso, correndo-se o risco de condicionar ou mesmo de preterir os interesses nacionais.
Ter um amigo num domínio privilegiado como o dos Negócios Estrangeiros pode significar ficar a saber-se por que razão o Presidente da República não concorda com o aumento dos efectivos no Afeganistão, ou o que se pode fazer junto dele para que venha a aceitar o reconhecimento do Kosovo.
Ter um amigo nos Negócios Estrangeiros pode também significar a dessolidarização (confidencial) das decisões adoptadas pelo Governo a que se pertence, para que não restem dúvidas sobre a amizade que se professa!
Ter um amigo no Ministério dos Negócios Estrangeiros pode ainda significar a defesa, interna e externamente, de posições onde não se vislumbra um interesse nacional relevante, mas onde existe um interesse daquele de quem se é amigo!
Ter um amigo no Ministério dos Negócios Estrangeiros pode outrossim significar privilegiar na política europeia assuntos sobre os quais não se tem qualquer peso específico, nem tão-pouco representam qualquer interesse vital, mas cuja discussão pode ser muito útil para o amigo que se venera, como o debate da estruturação da “relação transatlântica”.
Ter um amigo nos Negócios Estrangeiros pode, enfim, levar à pretensão de tentar colocar na agenda europeia, através de insistentes cartas dirigidas aos que exercem a presidência de turno, assuntos como a articulação da defesa europeia com a NATO, para ai se defenderem pontos de vista coincidentes com os daquele de quem se é amigo, e, simultaneamente, perder energias ou mesmo espaço para o tratamento de questões vitais para a sobrevivência do país, como as disfuncionalidades da zona euro, há muito reconhecidas, mas agora evidenciadas pela crise sem solução que se abate sobre os países menos competitivos.
Ter um amigo nos Negócios Estrangeiros pode levar inclusive a certos comportamentos que, apesar de elogiados pelo “Senhor que se venera”, não deixam de soar estridentemente a ridículo junto daqueles que se pretendem convencer. Quando se é nacional de um pequeno país que não tem inimigos externos (a não ser entre alguns “amigos”, como ultimamente se tem visto), nem sofre ameaças de nenhuma espécie (embora haja quem politicamente faça o possível para que tal aconteça), e que apenas exibe como força bélica meia dúzia de espingardas que a custo participam em exageradas “missões de paz” e agora também uns submarinos "para caçar comissões", não deixa de ser ridículo ter a pretensão de “explicar” às potências atómicas como devem organizar a sua defesa!
É verdade que os Impérios sempre geraram servos. É da sua natureza. Como é próprio da sua dialéctica os servos disputarem entre si os favores do Império.
É também verdade que há sempre quem resista, quem nunca vergue, por dignidade e amor-próprio.
Todavia, o que mais dói, o mais o que mais magoa, é a força da verdade que se impõe, se perante ela ficámos sem uma resposta que nos tranquilize.
Que dizer, que responder, quando se confronta a diplomacia da democracia com a da ditadura? Quem viveu esses tempos não poderá esquecer o olhar sarcástico de Salazar com os óculos na ponta do nariz e o sorriso cínico com que acompanharia a leitura das palavras de desdém e de desprezo pela actuação diplomática dos governantes do nosso tempo.

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