quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

A CANDIDATURA DE NOBRE


A CRUA REALIDADE SOB O MANTO DIÁFANO DA FANTASIA

A candidatura de Fernando Nobre parece reunir à partida vários ingredientes que no actual contexto político aparecem como apelativos para um número significativo de pessoas. De facto, ele apresenta-se como o homem independente dos partidos, que nunca “sujou as mãos” na política e que até abandonou uma carreira profissional para se dedicar a causas humanitárias, mais não sendo esta sua candidatura, bem vistas as coisas, do que a continuação desse mesmo “percurso”: a resposta a um imperativo humanitário de salvar Portugal da grave situação em que se encontra.
A verdade é que o discurso eleitoral de Nobre, embora insinue estes objectivos, está bem longe de os traduzir em factos convincentes para o eleitorado mais experimentado politicamente.
Pelos actos de campanha mais divulgados – debates e entrevistas – percebe-se que a candidatura de Nobre não é uma candidatura contra o establishment, do qual, aliás, ele faz parte numa modalidade hoje muito em voga – mas, fundamentalmente, uma candidatura contra Alegre.
A candidatura de Alegre, como se sabe, está enredada em dois factos que se contradizem e dos quais o candidato é o principal prejudicado e parcialmente responsável. O primeiro tem a ver com a declarada oposição à sua pessoa (não ao seu programa, nem à sua política) do sector soarista, que se considera gravemente traído na eleição presidencial de há cinco anos, não deixando, desde então, de clamar vingança; o segundo resulta do efeito castrador que o apoio oficial do PS provocou no candidato, apesar de por ele próprio solicitado.
Perante este quadro, que com segurança anteciparam, bem como as respectivas consequências, os ditos sectores soaristas, na impossibilidade prática de convencer um nome incontornável dentro do partido a apresentar-se, esforçaram-se por encontrar alguém que, fora dele, pudesse causar mossa à candidatura de Alegre. E esse alguém foi Nobre.
Somente por inexperiência política se pode supor que considerações de outra natureza estão na origem deste apoio, já que não é esta a primeira vez que Soares opta contra o candidato da "esquerda"para, por razões puramente pessoais, se vingar de quem contrariou as suas estratégias de poder. Já assim aconteceu com a segunda candidatura de Eanes, que Soares recusou apoiar, sugerindo implicitamente o voto no candidato da extrema-direita, que, além do mais, se preparava para plebiscitar uma nova constituição, de acordo com a estratégia golpista de Sá Carneiro, falhada que fora, uns anos antes, idêntica tentativa do mesmo protagonista, dessa vez aliado a Spínola!
Por isso não deixa de ser de uma pungente ingenuidade a carta aberta que Rui Feijó ontem publicou, na qual pede a Soares que apoie abertamente o candidato da sua preferência (Nobre, que não é citado) e simultaneamente reclama de Soares o apoio, na segunda volta, ao candidato que passar, contra Cavaco Silva.
De facto, a candidatura de Nobre não é contra Cavaco, que aliás reverencia, nem tão-pouco a de alguém situado fora do sistema.
Nobre está na campanha para impedir uma vaga de fundo do eleitorado PS a favor de Alegre, de quem, de resto, abertamente se distancia.
Também não é verdade que Nobre esteja fora do sistema. Nobre participa do sistema nessa modalidade hoje muito em voga entre empresários, consultores, “proprietários” de ONG e até comentadores profissionais que é a de passarem o dia a dizer mal do Estado e a exigir que se retire para eles próprios actuarem com os meios que esse mesmo Estado lhes faculta. Esta a independência de Nobre.
Nobre tem tido politicamente um percurso volátil que sempre se orienta de acordo com os apoios de que necessita. Engana-se quem supuser que Nobre se contenta com o simples reconhecimento expresso com umas palmadinhas nas costas como recompensa pelo seu “percurso”. Nobre é muito mais exigente nos apoios que solicita, que sempre têm de ser traduzíveis em actos palpáveis de grande significado prático. Daí as oscilações…
Que não se iludam os democratas e socialistas que de boa fé o apoiam. Nobre está na campanha por Cavaco!

3 comentários:

Anónimo disse...

Infelizmente Nobre é um contrasenso neste processo...

Acho que as pessoas ja perceberam isso, e talvez ele tenha um acto de bom senso, de desistir do jogo que visivelmente não entende...

jvcosta disse...

Ao ler este "post", pensei que tinha de comentar, indo mais longe. Afinal, o teu último parágrafo dispensar-me-ia o comentário, mas lá vai.

A convergência de fato entre Nobre (e Nobre Soares) contra Alegre não é apenas a nível estratégico e de objetivo político (se é que se pode chamar de política a motivação psicopática de um homem, como o "pai da democracia", centrada obsessivamente nos seus rancores de um ego desmedido). Neste caso, há sinais de cumplicidade muito mais concreta.

Nobre não se afastou só do caso Cavaco/BPN. Avisou para "os que têm telhados de vidro", coisa que certamente deixou muita gente perplexa até umas horas depois o CDS ter desencantado a história da publicidade ao BPP. Coincidência? No creo en brujas, pero que las hay, hay.

jvcosta disse...

Faltou uma coisa: "a convergência entre Nobre ... e Cavaco, contra Alegre..."