DESFAZENDO ALGUMAS CONFUSÕES E ALERTANDO PARA O QUE INTERESSA
No sistema constitucional português, como em qualquer outro, a legitimidade do Presidente da República para o exercício dos poderes compreendidos na sua competência não resulta do número de votos com que foi eleito, mas de ter sido eleito segundo os procedimentos prescritos na Constituição e demais legislação aplicável com ela concordante.
A competência e os poderes do Presidente da República são sempre os mesmos, tenha ele sido eleito com mais ou menos votos.
A competência do PR é a que resulta da Constituição e, como a de qualquer outro órgão unipessoal ou colectivo, está genericamente fixada nos textos que a consagram, independentemente das pessoas que a exercem e dos votos com que essas pessoas foram eleitas, no caso de se tratar de órgãos electivos.
E o exercício dos poderes do Presidente da República também não depende do número de votos com que o titular daquele órgão foi eleito, mas antes do modo como tais poderes estão configurados na Constituição: umas vezes trata-se de poderes vinculados, ou seja, de poderes que o Presidente tem de exercer nos estritos termos previstos na lei fundamental; outras, trata-se de poderes discricionários, a exercer de acordo com a avaliação pessoal do Presidente, como, de resto, acontece com o exercício de qualquer outro poder discricionário, no caso, por maioria de razão, por se tratar de típicos actos políticos.
Claro que toda a gente concorda com estes princípios. Quando alguns se referem à maior ou menor “capacidade de intervenção” consoante os votos o que parece pretenderem dizer é que o Presidente se sentirá mais à vontade (mais apoiado) no exercício dos seus poderes se tiver sido eleito com uma maioria significativa.
Salvo o devido respeito, a questão posta nestes termos não está bem posta e quando uma questão não está devidamente equacionada nunca poderá ter uma boa resposta.
Voltemos à questão inicial. Nos casos em que o Presidente exerce os seus poderes nos estritos termos legais – ou seja, quando não há possibilidade de duas actuações – os votos com que ele foi eleito não servem para nada nesse caso. Com muitos ou poucos votos a sua actuação terá de ser sempre a mesma.
Nos casos em que o Presidente actua discricionariamente, cumpridos que estejam certos pressupostos, também não são os votos com que foi eleito que acabam por contar para se saber se as suas actuações são mais ou menos apoiadas pelos cidadãos. O que conta nestes casos é o acerto da convicção pessoal em que fundamenta a sua actuação. Se o Presidente actua em consonância com a vontade da maioria, os seus actos serão incontestados e respeitados. Se o Presidente exerce um poder discricionário de graves consequências politicas na base de uma errada avaliação pessoal ou, pior ainda, menosprezando o sentimento maioritário dos eleitores com base na pura convicção pessoal de que a sua actuação não está sujeita a esse tipo de condicionalismo antes se guiando por aquilo que o seu autor interpreta como sendo uma actuação conforme ao interesse nacional, o Presidente corre sérios riscos de ser desautorizado com todas as consequências políticas que daí possam advir.
Portanto, no quadro dos poderes presidenciais constitucionalmente consagrados, a eleição do Presidente, com a maior ou a menor maioria de sempre, é absolutamente irrelevante para o exercício daqueles poderes.
Mas já poderá não sê-lo no quadro de duas outras situações – uma claramente anticonstitucional e outra, digamos, “aconstitucional” – ambas juridicamente incontroláveis e de controlo político muito difícil, se, por força da maioria que o apoia, o Presidente se sentir tentado a uma actuação contrária à Constituição.
Referimo-nos, no primeiro caso, à inconstitucional interpretação de certos poderes que, pelo seu exercício, levam o Presidente a intervir em áreas que não são da sua competência, porque sente a sua actuação confortada pelo apoio popular ou por uma opinião pública que maioritariamente a sufraga.
Esta situação pode ocorrer fundamentalmente no domínio das relações entre o Presidente e o Governo e traduzir-se quer, na exoneração do Governo, com base numa interpretação inconstitucional do artigo 195,2 da Constituição, quer no condicionamento da actuação do Executivo pela permanente tentativa de intromissão no exercício dos poderes deste. Pode ocorrer, mas não tem condições para perdurar por largo tempo. Pode ocorrer no quadro de uma guerrilha institucional, mas levará inevitavelmente à dissolução do Parlamento e à marcação de eleições.
A segunda situação a que chamamos “aconstitucional” resulta do exercício de poderes fácticos susceptíveis de inverter completamente o papel do Presidente da República no sistema constitucional português. E esta é uma situação que, havendo uma clara apetência política nesse sentido, pode ser potenciada por uma eleição com larga maioria.
Esta situação tem probabilidade de acontecer se a Presidência da República for ocupada por alguém com grande vocação executiva e simultaneamente houver, no Parlamento, uma maioria da sua cor política, que com ele esteja em perfeita consonância.
A simples identidade de cor política não é, porém, suficiente, como já se viu, principalmente nos mandatos de Guterres e de Jorge Sampaio, para que aquela situação ocorra. É preciso mais do que isso: é necessário uma “forte apetência” executiva da parte de Belém e uma aceitação dessa intervenção por parte do Governo saído da maioria que o apoia.
Esta é, sem dúvida, a maior perversão do regime semi-presidencialista como o nosso, não só por a dominante do sistema ser a parlamentar, mas principalmente por ela permitir concentrar nas mãos do Presidente da República amplos poderes fácticos e jurídicos, susceptíveis de perverter o regime democrático consagrado na Constituição. E nada pode evitar esta situação se as condições fácticas acima referidas estiverem reunidas.
Existe esse perigo? Sim, existe esse perigo se o PSD chegar ao governo com maioria absoluta, apesar de o Presidente ter sido eleito com a menor maioria de sempre e de a actual direcção do PSD se não situar a cem por cento naquilo a que vulgarmente se chama o “cavaquismo”. É que por mais que o Presidente do PSD clame por autonomia, como o sub-repticiamente tem feito, demarcando as distâncias, dificilmente o Governo por ele formado, principalmente em pastas chave, deixaria de integrar nomes grandes do “cavaquismo”. E depois, daí para a frente, já se sabe como é…
Claro que toda a gente concorda com estes princípios. Quando alguns se referem à maior ou menor “capacidade de intervenção” consoante os votos o que parece pretenderem dizer é que o Presidente se sentirá mais à vontade (mais apoiado) no exercício dos seus poderes se tiver sido eleito com uma maioria significativa.
Salvo o devido respeito, a questão posta nestes termos não está bem posta e quando uma questão não está devidamente equacionada nunca poderá ter uma boa resposta.
Voltemos à questão inicial. Nos casos em que o Presidente exerce os seus poderes nos estritos termos legais – ou seja, quando não há possibilidade de duas actuações – os votos com que ele foi eleito não servem para nada nesse caso. Com muitos ou poucos votos a sua actuação terá de ser sempre a mesma.
Nos casos em que o Presidente actua discricionariamente, cumpridos que estejam certos pressupostos, também não são os votos com que foi eleito que acabam por contar para se saber se as suas actuações são mais ou menos apoiadas pelos cidadãos. O que conta nestes casos é o acerto da convicção pessoal em que fundamenta a sua actuação. Se o Presidente actua em consonância com a vontade da maioria, os seus actos serão incontestados e respeitados. Se o Presidente exerce um poder discricionário de graves consequências politicas na base de uma errada avaliação pessoal ou, pior ainda, menosprezando o sentimento maioritário dos eleitores com base na pura convicção pessoal de que a sua actuação não está sujeita a esse tipo de condicionalismo antes se guiando por aquilo que o seu autor interpreta como sendo uma actuação conforme ao interesse nacional, o Presidente corre sérios riscos de ser desautorizado com todas as consequências políticas que daí possam advir.
Portanto, no quadro dos poderes presidenciais constitucionalmente consagrados, a eleição do Presidente, com a maior ou a menor maioria de sempre, é absolutamente irrelevante para o exercício daqueles poderes.
Mas já poderá não sê-lo no quadro de duas outras situações – uma claramente anticonstitucional e outra, digamos, “aconstitucional” – ambas juridicamente incontroláveis e de controlo político muito difícil, se, por força da maioria que o apoia, o Presidente se sentir tentado a uma actuação contrária à Constituição.
Referimo-nos, no primeiro caso, à inconstitucional interpretação de certos poderes que, pelo seu exercício, levam o Presidente a intervir em áreas que não são da sua competência, porque sente a sua actuação confortada pelo apoio popular ou por uma opinião pública que maioritariamente a sufraga.
Esta situação pode ocorrer fundamentalmente no domínio das relações entre o Presidente e o Governo e traduzir-se quer, na exoneração do Governo, com base numa interpretação inconstitucional do artigo 195,2 da Constituição, quer no condicionamento da actuação do Executivo pela permanente tentativa de intromissão no exercício dos poderes deste. Pode ocorrer, mas não tem condições para perdurar por largo tempo. Pode ocorrer no quadro de uma guerrilha institucional, mas levará inevitavelmente à dissolução do Parlamento e à marcação de eleições.
A segunda situação a que chamamos “aconstitucional” resulta do exercício de poderes fácticos susceptíveis de inverter completamente o papel do Presidente da República no sistema constitucional português. E esta é uma situação que, havendo uma clara apetência política nesse sentido, pode ser potenciada por uma eleição com larga maioria.
Esta situação tem probabilidade de acontecer se a Presidência da República for ocupada por alguém com grande vocação executiva e simultaneamente houver, no Parlamento, uma maioria da sua cor política, que com ele esteja em perfeita consonância.
A simples identidade de cor política não é, porém, suficiente, como já se viu, principalmente nos mandatos de Guterres e de Jorge Sampaio, para que aquela situação ocorra. É preciso mais do que isso: é necessário uma “forte apetência” executiva da parte de Belém e uma aceitação dessa intervenção por parte do Governo saído da maioria que o apoia.
Esta é, sem dúvida, a maior perversão do regime semi-presidencialista como o nosso, não só por a dominante do sistema ser a parlamentar, mas principalmente por ela permitir concentrar nas mãos do Presidente da República amplos poderes fácticos e jurídicos, susceptíveis de perverter o regime democrático consagrado na Constituição. E nada pode evitar esta situação se as condições fácticas acima referidas estiverem reunidas.
Existe esse perigo? Sim, existe esse perigo se o PSD chegar ao governo com maioria absoluta, apesar de o Presidente ter sido eleito com a menor maioria de sempre e de a actual direcção do PSD se não situar a cem por cento naquilo a que vulgarmente se chama o “cavaquismo”. É que por mais que o Presidente do PSD clame por autonomia, como o sub-repticiamente tem feito, demarcando as distâncias, dificilmente o Governo por ele formado, principalmente em pastas chave, deixaria de integrar nomes grandes do “cavaquismo”. E depois, daí para a frente, já se sabe como é…
2 comentários:
deixaria de integrar nomes grandes do “cavaquismo
estão quase todos na reforma
ou do lado do Santana
nun há risco não
Este comentador com cara de Fernandel e nome escrito em árabe apareceu recentemente a comentar parvamente, ininteligivelmente, tudo o que são blogues de esquerda, também o meu. Como escrevi no Ladrões de Bicicletas, parece ser uma ação concertada de "terrorismo bloguístico". Creio que começa a ser justificado que todos os blogues sérios moderem os comentários.
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