OU A PSEUDO-INGENUIDADE DOS DISSIDENTES
Ninguém acredita que quem está na política há mais de duas décadas actue ingenuamente em momentos cruciais para a “linha oficial” do partido a que pertence e do Governo que integra. Não é crível que quem não faz outra coisa senão política, nem tenha dado provas de saber fazer outra coisa senão política, cometa deslizes comprometedores por simples negligência.
Tudo na acção política tem um sentido. E quem anda nela sabe muito bem o sentido que pode ser dado às palavras que profere ou às acções que pratica.
Sócrates, independentemente de todas as responsabilidades que lhe possam ser atribuídas na condução de uma política económico-financeira nefasta para o interesse nacional, principalmente por não ter ousado inverter o “rumo das coisas” em Bruxelas, nem ter tido um discurso crítico relativamente aos diktats que de lá vinham, não quer a entrada do FMI em Portugal. E nem interessa agora discutir as motivações subjectivas que subjazem a esta atitude: se as dramáticas consequências daquela intervenção para os portugueses de baixo e médio rendimento; se as trágicas consequências para o seu Governo,inevitavelmente associado a tudo o que de pior ainda acontecesse a partir de então; se ambas, pura e simplesmente.
Por isso Sócrates se tem desdobrado em contactos nos quatro cantos do mundo, num esforço de diversificação das relações comerciais, económicas e financeiras, por há muito já ter chegado à conclusão de que com os nossos “mui estimados amigos” não iria a lado nenhum e teria mais dia, menos dia, que seguir o exemplo da Grécia e da Irlanda.
Também não pode constituir novidade para ninguém, a começar obviamente por Sócrates, que a colocação da dívida pública a um juro próximo dos 7%, mas claramente inferior à última taxa exigida para empréstimos da mesma natureza, não constitui um bom negócio nem garante a sustentabilidade da nossa economia, porque ninguém – indivíduo, empresa ou Estado – pode aguentar pagar uma taxa de juro várias vezes superior à sua taxa de aumento de rendimento, de lucro ou de crescimento.
Só que o problema que há uma semana se colocava não era obviamente este. O problema consistia em saber se se invertia a tendência, ou se, pelo contrário, se agravava, tornando de imediato inevitável o recurso ao eufemísticamente chamado “Fundo de Estabilização Financeira", com todas as consequências que daí decorrem, aqui já várias vezes referidas. A inversão da tendência, pelo contrário, embora em si nada resolvesse, teria a enorme vantagem de proporcionar um relativo alívio, que, além de poder ser aproveitado, como está a ser, para a diversificação das relações, poderia permitir também a eventual consolidação no seio da própria União Europeia, naquilo a que se poderia chamar um certo establishment relativamente dissidente, de certos desenvolvimentos tendentes a alterar a doutrina ultra ortodoxa defendida pela Alemanha e seus fiéis acólitos (Holanda, Áustria e Finlândia), como a flexibilização do tal “Fundo de Estabilização”, o aumento da sua capacidade de financiamento, a emissão de eurobonds, enfim, uma relativa alteração da política do BCE, tendente a proximá-lo da Reserva Federal ou do Banco de Inglaterra.
Mas, além disso, permitiria também – e aqui só mesmo a estupidez da habitual matilha de comentadores económicos não vê – aguentar o mais possível a situação de um pequeno país cujo resgate à “grega ou à irlandesa” não constituiria qualquer problema para a União Europeia e, simultaneamente, deixar agravar a situação da Espanha a ponto de exigir uma intervenção muito diferente daquela que tem sido feita até aqui, sob pena de tudo se desmoronar.
Percebendo isto em todos os seus detalhes ou simplesmente intuindo (o mais provável) que tudo o que possa atrasar a entrada do FMI é mau, a direita, com Cavaco à frente, e os seus aliados atrás, tudo tem feito para evitar que esta estratégia tenha êxito.
Cavaco na própria manhã da colocação da última partida de dívida logo desmereceu os resultados da operação e, seguramente guiado pelos seus altos padrões morais – os que lhe permitem comprar (?) acções a preços reservados a Oliveira e Costa ou às suas SLN; ou comprar (?), permutar (?) terrenos oriundos de empresas off shores (dedicadas à especulação fundiária) entretanto adquiridas por um seu amigo que à data da aquisição era seu assessor no gabinete da PCM; ou perceber três reformas, duas delas de trabalho a tempo inteiro –, a idoneidade dos compradores. “É preciso saber quem comprou”, disse ironicamente.
Muito louvável esta atitude de querer saber quem compra ao Estado títulos ao portador, por parte de quem desconhece, nos seus negócios particulares, a quem comprou, por quanto comprou e a quem vendeu!
Mas Cavaco não está só. Tem quem o apoie dentro do Governo. Tem dentro do Governo quem, como ele, ache que é preciso demonstrar muito respeitinho pelos “senhores investidores”; quem, como ele, se insurja contra o debate parlamentar que se seguiu à aprovação do Orçamento entre aqueles que o aprovaram; quem, como Merkel, ache que é preciso constitucionalizar os limites do défice e da dívida…porque é através de proibições defensoras da mais pura ortodoxia monetarista que se obtém a “salvação do euro” e a “prosperidade económica”.
Não admira, por isso, que Sócrates tenha sido publicamente desautorizado sobre o objectivo da sua recente visita ao Qatar! Que haja no Governo quem confirme o que ele negou…
Esta confissão ajuda a direita a atacar por uma de duas vias: ou porque falhou o objectivo da operação; ou porque o comprador não pertence ao “selecto grupo dos senhores investidores” de Frankfurt, Paris, Londres ou Nova York, tudo terras onde o “capital tem pátria”!
Ninguém acredita que quem está na política há mais de duas décadas actue ingenuamente em momentos cruciais para a “linha oficial” do partido a que pertence e do Governo que integra. Não é crível que quem não faz outra coisa senão política, nem tenha dado provas de saber fazer outra coisa senão política, cometa deslizes comprometedores por simples negligência.
Tudo na acção política tem um sentido. E quem anda nela sabe muito bem o sentido que pode ser dado às palavras que profere ou às acções que pratica.
Sócrates, independentemente de todas as responsabilidades que lhe possam ser atribuídas na condução de uma política económico-financeira nefasta para o interesse nacional, principalmente por não ter ousado inverter o “rumo das coisas” em Bruxelas, nem ter tido um discurso crítico relativamente aos diktats que de lá vinham, não quer a entrada do FMI em Portugal. E nem interessa agora discutir as motivações subjectivas que subjazem a esta atitude: se as dramáticas consequências daquela intervenção para os portugueses de baixo e médio rendimento; se as trágicas consequências para o seu Governo,inevitavelmente associado a tudo o que de pior ainda acontecesse a partir de então; se ambas, pura e simplesmente.
Por isso Sócrates se tem desdobrado em contactos nos quatro cantos do mundo, num esforço de diversificação das relações comerciais, económicas e financeiras, por há muito já ter chegado à conclusão de que com os nossos “mui estimados amigos” não iria a lado nenhum e teria mais dia, menos dia, que seguir o exemplo da Grécia e da Irlanda.
Também não pode constituir novidade para ninguém, a começar obviamente por Sócrates, que a colocação da dívida pública a um juro próximo dos 7%, mas claramente inferior à última taxa exigida para empréstimos da mesma natureza, não constitui um bom negócio nem garante a sustentabilidade da nossa economia, porque ninguém – indivíduo, empresa ou Estado – pode aguentar pagar uma taxa de juro várias vezes superior à sua taxa de aumento de rendimento, de lucro ou de crescimento.
Só que o problema que há uma semana se colocava não era obviamente este. O problema consistia em saber se se invertia a tendência, ou se, pelo contrário, se agravava, tornando de imediato inevitável o recurso ao eufemísticamente chamado “Fundo de Estabilização Financeira", com todas as consequências que daí decorrem, aqui já várias vezes referidas. A inversão da tendência, pelo contrário, embora em si nada resolvesse, teria a enorme vantagem de proporcionar um relativo alívio, que, além de poder ser aproveitado, como está a ser, para a diversificação das relações, poderia permitir também a eventual consolidação no seio da própria União Europeia, naquilo a que se poderia chamar um certo establishment relativamente dissidente, de certos desenvolvimentos tendentes a alterar a doutrina ultra ortodoxa defendida pela Alemanha e seus fiéis acólitos (Holanda, Áustria e Finlândia), como a flexibilização do tal “Fundo de Estabilização”, o aumento da sua capacidade de financiamento, a emissão de eurobonds, enfim, uma relativa alteração da política do BCE, tendente a proximá-lo da Reserva Federal ou do Banco de Inglaterra.
Mas, além disso, permitiria também – e aqui só mesmo a estupidez da habitual matilha de comentadores económicos não vê – aguentar o mais possível a situação de um pequeno país cujo resgate à “grega ou à irlandesa” não constituiria qualquer problema para a União Europeia e, simultaneamente, deixar agravar a situação da Espanha a ponto de exigir uma intervenção muito diferente daquela que tem sido feita até aqui, sob pena de tudo se desmoronar.
Percebendo isto em todos os seus detalhes ou simplesmente intuindo (o mais provável) que tudo o que possa atrasar a entrada do FMI é mau, a direita, com Cavaco à frente, e os seus aliados atrás, tudo tem feito para evitar que esta estratégia tenha êxito.
Cavaco na própria manhã da colocação da última partida de dívida logo desmereceu os resultados da operação e, seguramente guiado pelos seus altos padrões morais – os que lhe permitem comprar (?) acções a preços reservados a Oliveira e Costa ou às suas SLN; ou comprar (?), permutar (?) terrenos oriundos de empresas off shores (dedicadas à especulação fundiária) entretanto adquiridas por um seu amigo que à data da aquisição era seu assessor no gabinete da PCM; ou perceber três reformas, duas delas de trabalho a tempo inteiro –, a idoneidade dos compradores. “É preciso saber quem comprou”, disse ironicamente.
Muito louvável esta atitude de querer saber quem compra ao Estado títulos ao portador, por parte de quem desconhece, nos seus negócios particulares, a quem comprou, por quanto comprou e a quem vendeu!
Mas Cavaco não está só. Tem quem o apoie dentro do Governo. Tem dentro do Governo quem, como ele, ache que é preciso demonstrar muito respeitinho pelos “senhores investidores”; quem, como ele, se insurja contra o debate parlamentar que se seguiu à aprovação do Orçamento entre aqueles que o aprovaram; quem, como Merkel, ache que é preciso constitucionalizar os limites do défice e da dívida…porque é através de proibições defensoras da mais pura ortodoxia monetarista que se obtém a “salvação do euro” e a “prosperidade económica”.
Não admira, por isso, que Sócrates tenha sido publicamente desautorizado sobre o objectivo da sua recente visita ao Qatar! Que haja no Governo quem confirme o que ele negou…
Esta confissão ajuda a direita a atacar por uma de duas vias: ou porque falhou o objectivo da operação; ou porque o comprador não pertence ao “selecto grupo dos senhores investidores” de Frankfurt, Paris, Londres ou Nova York, tudo terras onde o “capital tem pátria”!
3 comentários:
Excelente. Não pude deixar de sorrir com esta tua perspicaz e letal observação: "Muito louvável esta atitude de querer saber quem compra ao Estado títulos ao portador, por parte de quem desconhece, nos seus negócios particulares, a quem comprou, por quanto comprou e a quem vendeu!"
Imperdíveis estas excelentes análises.
O ministro Amado diz que sim, Sócrates diz que não. um mente. O que me parece indiscutível é que, assim, não poderiam continuar od dois no mesmo governo. Aliás, que me lembre, não é a primeira vez que amado desmente o patrão e não é demitido. Porquê?...
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