AS RESPONSABILIDADES DA ALEMANHA NA CRISE
O encontro de Berlim entre Merkel e Sócrates talvez tenha ido um pouquinho mais além daquilo que se esperava. Merkel disse a Sócrates que o esforço já feito era meritório, mas que Portugal tinha que fazer mais.
Sócrates, por seu turno, disse que Portugal está a fazer o seu papel e deu a entender que esperava mais da Europa, isto é, da Alemanha.
Mas não é esta a opinião dominante na Alemanha. Como é sabido em toda a União Europeia, a direita e a extrema-direita alemãs veiculam internamente a falácia de que a Europa do Sul quer viver à custa da Alemanha. O Bild é, no plano mediático, o veículo desta perigosa propaganda populista que atinge e convence na Alemanha não apenas a direita, mas os restantes quadrantes políticos, salvo raríssimas excepções, bem como – o que é muito mais grave – certos sectores daqueles que no estrangeiro são especificamente visados pela demagogia alemã.
E este é porventura o aspecto mais grave da questão. De facto, mesmo que se entenda que as medidas de austeridade de cunho eminentemente recessivo e socialmente injustas não resolvem o problema fundamental de Portugal, que é o crescimento e o emprego, e sem esquecer as responsabilidades do Governo e do PSD na sua adopção, bem como do CDS, se tivesse feito falta, não pode nunca na crítica e no comentário político escamotear-se a responsabilidade da Alemanha pela política económica seguida na Europa para combater a crise da dívida, que é, como muito bem se sabe, uma crise do euro.
Sócrates, por seu turno, disse que Portugal está a fazer o seu papel e deu a entender que esperava mais da Europa, isto é, da Alemanha.
Mas não é esta a opinião dominante na Alemanha. Como é sabido em toda a União Europeia, a direita e a extrema-direita alemãs veiculam internamente a falácia de que a Europa do Sul quer viver à custa da Alemanha. O Bild é, no plano mediático, o veículo desta perigosa propaganda populista que atinge e convence na Alemanha não apenas a direita, mas os restantes quadrantes políticos, salvo raríssimas excepções, bem como – o que é muito mais grave – certos sectores daqueles que no estrangeiro são especificamente visados pela demagogia alemã.
E este é porventura o aspecto mais grave da questão. De facto, mesmo que se entenda que as medidas de austeridade de cunho eminentemente recessivo e socialmente injustas não resolvem o problema fundamental de Portugal, que é o crescimento e o emprego, e sem esquecer as responsabilidades do Governo e do PSD na sua adopção, bem como do CDS, se tivesse feito falta, não pode nunca na crítica e no comentário político escamotear-se a responsabilidade da Alemanha pela política económica seguida na Europa para combater a crise da dívida, que é, como muito bem se sabe, uma crise do euro.
A política que a Alemanha cegamente impõe em defesa do seu interesse com total desprezo pelos seus efeitos nos demais países da União e muito particularmente nos países mais endividados é inaceitável e não deve passar sem uma pressão permanente da opinião pública dos países atingidos. Infelizmente, esta política que além de egoísta é estúpida, porque, a prazo, acaba por também não defender os próprios interesses da Alemanha, é apoiada pela direita em Portugal (partidos, imprensa e comentadores afectos) que sectariamente se compraz nas reservas da Sra Merkel, bem como nos demais sinais, quase todos oriundos da Alemanha, destinados a estimular os grandes movimentos especulativos em curso.
Do lado da esquerda, a crítica a Sócrates e a Teixeira dos Santos pela aceitação, ontem porventura mais do que hoje, da prepotência alemã, naquilo estilo bem português de que convém não enfurecer a fera, embora tenha toda a razão de ser, de modo algum pode ser desacompanhada de uma crítica ainda mais contundente à Alemanha no modo como desde o início tem lidado com a crise, ancorada no falso argumento de que o virtuoso não tem de pagar pelos desmandos dos desleixados.
Que esta seja a conversa da Alemanha e nela fundamente toda a sua actuação não é coisa que verdadeiramente constitua novidade. É mais uma repetição de uma história que a História já conhece. A Alemanha tem dificuldade em acomodar-se à realidade tal como ela é. E é desta incomodidade permanente entre o que ela é e o modo como ela se vê que nascem os seus fantasmas e deles os demónios que a tem acompanhado, desde o começo da sua existência como Estado unificado sob a égide da Prússia.
Na década de 10 do século passado foi a “facada nas costas” dos comunistas sem pátria que internamente a derrotaram. Duas décadas depois eram os judeus “apátridas” e “bolchevizados” que estavam na origem de todos os males. E depois o que se sabe…
Enfim, lamenta-se que Sócrates tenha ido a Berlim em mais uma manifestação formal de vassalagem à prepotência alemã. Mas se apesar de tudo não cedeu às pressões da Chanceler, como à primeira vista parece ter acontecido, talvez algo de positivo se possa tirar da viagem. Nota-se que há uma pequena inflexão no discurso de Sócrates: fala agora abertamente nas responsabilidades da Europa (leia-se da Alemanha) e menos em ajuda.
Se a estratégia do Governo consistir em aguentar a situação, deixando, se entretanto a Europa nada fizer, que o movimento especulativo atinja outras economias bem mais fortes do que a portuguesa, é bem provável que aqueles que têm muito mais a perder se sintam obrigados a actuar de outra maneira. E quem tem mais a perder são os que mais beneficiam com o euro, a começar pela Alemanha.
Agora, o que Portugal não pode é aceitar mais medidas de natureza recessiva, mesmo que o Fundo de Europeu de Estabilidade Financeira se não flexibilize no sentido pretendido pela maior parte dos países, como muito provavelmente vai acontecer em virtude da posição alemã.
Finalmente, uma nota sintomática: se alguma conclusão se pode tirar da fisionomia dos interlocutores do encontro de ontem à tarde em Berlim é a de que a Chanceler não parecia satisfeita com o resultado da reunião, o que, a ser verdade, seria positivo.
Do lado da esquerda, a crítica a Sócrates e a Teixeira dos Santos pela aceitação, ontem porventura mais do que hoje, da prepotência alemã, naquilo estilo bem português de que convém não enfurecer a fera, embora tenha toda a razão de ser, de modo algum pode ser desacompanhada de uma crítica ainda mais contundente à Alemanha no modo como desde o início tem lidado com a crise, ancorada no falso argumento de que o virtuoso não tem de pagar pelos desmandos dos desleixados.
Que esta seja a conversa da Alemanha e nela fundamente toda a sua actuação não é coisa que verdadeiramente constitua novidade. É mais uma repetição de uma história que a História já conhece. A Alemanha tem dificuldade em acomodar-se à realidade tal como ela é. E é desta incomodidade permanente entre o que ela é e o modo como ela se vê que nascem os seus fantasmas e deles os demónios que a tem acompanhado, desde o começo da sua existência como Estado unificado sob a égide da Prússia.
Na década de 10 do século passado foi a “facada nas costas” dos comunistas sem pátria que internamente a derrotaram. Duas décadas depois eram os judeus “apátridas” e “bolchevizados” que estavam na origem de todos os males. E depois o que se sabe…
Enfim, lamenta-se que Sócrates tenha ido a Berlim em mais uma manifestação formal de vassalagem à prepotência alemã. Mas se apesar de tudo não cedeu às pressões da Chanceler, como à primeira vista parece ter acontecido, talvez algo de positivo se possa tirar da viagem. Nota-se que há uma pequena inflexão no discurso de Sócrates: fala agora abertamente nas responsabilidades da Europa (leia-se da Alemanha) e menos em ajuda.
Se a estratégia do Governo consistir em aguentar a situação, deixando, se entretanto a Europa nada fizer, que o movimento especulativo atinja outras economias bem mais fortes do que a portuguesa, é bem provável que aqueles que têm muito mais a perder se sintam obrigados a actuar de outra maneira. E quem tem mais a perder são os que mais beneficiam com o euro, a começar pela Alemanha.
Agora, o que Portugal não pode é aceitar mais medidas de natureza recessiva, mesmo que o Fundo de Europeu de Estabilidade Financeira se não flexibilize no sentido pretendido pela maior parte dos países, como muito provavelmente vai acontecer em virtude da posição alemã.
Finalmente, uma nota sintomática: se alguma conclusão se pode tirar da fisionomia dos interlocutores do encontro de ontem à tarde em Berlim é a de que a Chanceler não parecia satisfeita com o resultado da reunião, o que, a ser verdade, seria positivo.
3 comentários:
Quero acreditar que, como dizes, esteja a haver uma pequena inflexão no discurso socrático. Estou para ver e, principalmente, se isso se traduz em alterações da política austeritária, quando, pelo contrário e para uso de Merkel, se declarou a possibilidade de mais apertos.
Também tenho alguma reserva em relação a uma maior atenção da nossa blogosfera política em relação ao contexto determinante da política europeia e do euro. Parece-me que continuamos a ser poucos os que batem nessa tecla. Já agora, desculpa-me usar este espaço para chamar a atenção para o meu "post" "Portugal, capital Berlim". Os muitos leitores fieis do Politeia notarão a nossa grande convergência. Talvez venham mais analistas a este esforço.
Parece que o que a Merkel disse não foi bem aquilo.
Admito que possa estar enganado quanto a questões de facto. O que a Merkel disse ou não disse na conferência de imprensa, é conhecido.
O que se passou antes é desconhecido. E é para deslindar o teor dessa conversa que os indícios podem ter alguma importância.
CP
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