quinta-feira, 3 de março de 2011

O LONGO CURSO


ESTUDOS DE HOMENAGEM A JOSÉ MEDEIROS FERREIRA

Acaba de ser lançado um livro de homenagem a Medeiros Ferreira, com a qualidade gráfica das edições Tinta da China, coordenado por dois discípulos seus, Pedro Aires Oliveira e Maria Inácia Rezola, autora de alguns dos mais bem conseguidos trabalhos sobre o 25 de Abril.
Com mais de três dezenas de colaborações da autoria dos mais conhecidos nomes da moderna historiografia portuguesa, este livro é uma justa homenagem ao historiador e ao combatente de sempre pela liberdade.
De todas as colaborações que dele constam, vem a propósito citar o interessante artigo de um velho amigo comum, Manuel Valentim Franco Alexandre, sobre “Hintze Ribeiro e a sua época”.
Para começar, é bom recordar que no século XIX se teve de resolver a questão da ligação por comboio de Portugal à Europa, passando por Espanha, tal como hoje se põe para as redes ferroviárias de alta velocidade.
Diz Valentim Alexandre (autor do texto a seguir resumido) que na época em que Hintze Ribeiro assumiu a pasta das Obras Públicas, 1881, já se estava numa fase de desencanto, longe das expectativas iniciais, de por via de uma política de obras públicas destinadas a “desencravar” o país e aproximar regiões se alcançar uma solução global para os reais problemas de desenvolvimento e de atraso de que Portugal padecia. As obras públicas e a abertura de novas vias de comunicação foram importantes, mas não eram a solução mágica para a resolução dos problemas com que o país se defrontava.
Pois bem, na altura estava em causa a ligação por via férrea de Salamanca a Portugal. Por onde fazer a ligação? Por Barca D’Alva (via linha do Douro) ou por Vilar Formoso (via linha da Beira Alta)? Hintze Ribeiro, temendo que esta última fosse a preferida de Madrid, com alegados prejuízos para o Porto e o norte do país, promoveu, por intermédio do financeiro Henry Burnay, a formação de um “sindicato” de sete bancos do Porto para financiar a construção da ligação por Barca D’Alva, financiamento esse garantido pelo Estado a um juro de 5%.
O negócio, apesar das críticas, acabou por fazer se e na proposta de lei da Câmara dos Deputados que o aprovou sublinhava-se que o encargo assumido pelo Estado tinha como importante compensação o acréscimo de movimento que a ligação a Salamanca traria para a linha do Douro e os “elementos de prosperidade que daí advir[iam] para o comércio do norte de Portugal”.
Como pouco depois se veio a reconhecer, o preço da construção da linha estava muito inflacionado e dele terão resultado prejuízos para o Estado e para os próprios bancos. Quem ficou verdadeiramente a ganhar foi o construtor da linha, nem mais nem menos, o financeiro Henry Burnay, acusado de acumular grandes lucros com uma entrada inicial de capital relativamente pequena.
Este financiamento para a construção da via férrea em território espanhol destinado a assegurar a ligação de Salamanca a Portugal, por Barca D’Alva, ficou na gíria política da época conhecido por “salamancada”. A “salamancada” parece também ter sido o início de uma crescente influência plutocrática na política portuguesa, como escreve Lopes de Oliveira, citado por Valentim Alexandre.
Nesta homenagem a Medeiros Ferreira, apetece dizer – e esta a razão desta longa citação – que com a História só não aprende quem não quer. E embora, na esteira de Marx, se diga que a História acontece como tragédia e se repete como farsa (18 de Brumário de Luís Bonaparte), esta será mais uma razão para conhecermos a História... se queremos evitar farsas que nos saiam caro.

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