A DÚVIDA METÓDICA COMO PRINCÍPIO
Um conhecido filósofo do futebol português, Manuel José de seu nome, diz que o “homem é o único animal que tropeça duas vezes na mesma pedra”. E então os economistas (do sistema) e os políticos que cegamente os seguem serão assim tão estúpidos a ponto de tropeçarem três, quatro, cinco vezes na mesma pedra?
Alguns, certamente. Até mais. Mas muitos outros não. Talvez seja excessiva presunção insistir na demolição de uma tese que nenhuma argumentação está em condições de sustentar. Continuar a explicar aos governantes e aos seus economistas que os programas de austeridade em curso nos “países intervencionados” conduzem a mais recessão, mais endividamento e envolvem os Estados numa espiral depressiva da qual não têm qualquer hipótese de sair, talvez seja exactamente o que eles querem ouvir.
Quem conheça razoavelmente os processos históricos “construídos” a partir de uma doutrina, sabe também que na maior parte das vezes acaba por ser a ortodoxia a comandar a acção, tal a força da norma que, por encerrar a verdade, não aceita desvios. E como se está a viver um tempo histórico dominado pela fúria neoliberal poder-se-ia ser levado a supor que a incapacidade de analisar a realidade, nomeadamente os efeitos das receitas neoliberais aplicadas às economias em crise, resultaria de um apego indestrutível às doutrinas que as impõem.
Ora, o que se passa a propósito da crise europeia das dívidas soberanas não é nada disso. Pelo contrário, em certo sentido até se está nos antípodas das doutrinas neoliberais que, na pureza dos seus princípios, apontam para uma permanente auto-regeneração do capitalismo, mediante a falência daqueles que não estão em condições de suportar o normal funcionamento do sistema.
Foi exactamente isso o que W. Bush começou por fazer quando deixou ir para a falência o Lehman Brothers e tantos outros pequenos bancos de que nem sequer se ouviu falar por cá e o que os republicanos ortodoxos sempre defenderam para contrariar o programa de estímulo de Obama.
Ora, não é isto o que se passa na Europa. É certo que a maior parte dos governos de direita, a começar pelo alemão, reagiu vivamente contra os programas de relançamento da economia inspirados nas doutrinas neo-keynesianas, sem contudo deixarem de apoiar, directa ou indirectamente, os bancos em crise, impedindo, em todos os casos a sua falência, nem que fosse mediante recurso a processos perversamente chamados de nacionalização.
E esta é a chave do problema. Os programas de austeridade em vifgor não visam relançar a economia, nem criar as tais bases sólidas de que “eles” tanto falam de sustentabilidade do sistema. O que eles apenas têm em vista é transferir, a diversos níveis, o activo incobrável dos bancos para o sector público. Obrigando os países endividados a severos programas de austeridade consegue-se que o dinheiro que agora lhes é emprestado por outros Estados, pelo FMI e indirectamente pelo BCE (tudo sector público) se destine a pagar os empréstimos contraídos nos bancos que, com o andar do tempo - dois anos será o que precisam – terão transferido paras o sector público todas as suas dívidas incobráveis.
Quando os credores forem apenas públicos, ou quase só públicos, reiniciar-se-á uma nova fase que seguramente levará a um reescalonamento da dívida em termos que agora ainda ninguém verdadeiramente esquematizou.
É também certo que a pressão que o eleitorado de certos países está fazendo para não ter de ficar com os “activos tóxicos” dos bancos credores tem levado certos governantes, como é o caso de Merkel, a insistir na participação do capital inanceiro nos programas de resgate. O mesmo é dizer que aceite substituir parte dos seus créditos, vencidos ou vincendos numa data muito próxima, por outros que se vencerão muitíssimo mais tarde, embora com um juro mais compensador. E é neste quadro complexo que entram os lacaios do capital financeiro, ou os seus pontas de lança, consoante se prefira, a declarar “lixo” a dívida dos países intervencionados exactamente para que os bancos não sejam “obrigados” a renegociá-la. Esta “guerra” que está a ser travada entre os contribuintes dos Estados a que pertencem os bancos credores e o capital financeiro embora possa, por razões de oportunismo eleitoral, alterar o plano previamente traçado não terá em qualquer caso a intensidade suficiente para o substituir. O mais que pode acontecer, e já está a acontecer, é traduzir-se num agravamento da situação dos países intervencionados e de outros que estão em vias de não conseguirem suportar por muito mais tempo a degradação continuada da sua situação.
Bem vistas as coisas, a lógica é sempre a mesma, embora actue em diferentes níveis de intervenção. Os bancos credores quererem transferir para os contribuintes do seu país a dívida dos países periféricos e o Estado a que estes contribuintes pertencem (Alemanha, França e outros) querem, depois resolvido o problema dos seus bancos, transferir para os contribuintes dos países periféricos a dívida que por eles já pagaram aos bancos credores. Dentro de cada país a substituição das responsabilidades opera-se transferindo fundamentalmente para o trabalho obrigações que eram do capital por terem sido por ele contraídas, directa ou indirectamente.
É verdade que estes dois últimos níveis de transferência – dos contribuintes dos países credores para os contribuintes dos países devedores e dentro de uns e de outros do capital para o trabalho – muito provavelmente não funcionarão com a eficácia do primeiro nível, quer por “esquema coercivamente aplicado” acarretar recessão continuada e quer haver um limite material para a suportabilidade dos sacrifícios impostos. Só que entretanto o essencial do capital financeiro estará salvo.
Em conclusão: os programas de austeridade são para cumprir à risca. Daqui a dois anos voltamos a falar…
Parabens Dr.Correia Pinto, nada falta ao seu Post para entedermos que estaremos a chegar ao fim desta palhacada.Obrigado pelo esclarecimento. Um A+ HL
ResponderEliminarMas tera que vir de novo um Hitler,um Mosolini, um Franco um Salazar e um qualquer outro para por o Capital a reverter em favor do Povo? Quem me podera responder...ou entao ir para a guerra! Nao havera a outra linha para concertar este fenomeno global?
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