A INTERVENÇÃO DO BCE NO
MERCADO SECUNDÁRIO
António José Seguro continua a cantar vitória por razões que
infelizmente só ele conhece. A vitória de hoje tem a ver com uma pequena baixa
da taxa de juro nos empréstimos a curto prazo contraídos pelo tesouro português
na última vez que foi ao mercado.
E vitória porquê? Porque segundo Seguro esta baixa da taxa de
juro está intimamente relacionada com a posição tomada pelo BCE de comprar
ilimitadamente, no mercado secundário, títulos da dívida pública, politica que o
secretário geral do Partido socialista advoga desde há um ano e que por “teimosia”
não vinha sendo seguida, nem tão-pouco era apoiada pelo governo português.
Deixando de lado a questão de tal política ser advogada por Seguro
– ela tem mais progenitores do que meses do ano que entretanto passou desde que
o BCE fez as últimas compras no mercado secundário -, é bom que se compreenda
que a taxa de juro que serve de referência para avaliar se as dívidas nacionais
continuam a ser muito penalizadas por juros exorbitantes não é a de curto
prazo, nem sequer a de médio prazo, mas sim a de longo prazo – a dos
empréstimos a 10 anos.
Essa taxa de juro é que mede verdadeiramente o risco do
empréstimo através da diferença entre ela e a taxa de juro do país que, no
mesmo prazo, paga a taxa mais baixa – a Alemanha.
E esta taxa embora tenha tido um relativo decréscimo nas
dívidas dos países que continuam a ir ao mercado a 10 anos – não é o caso de
Portugal, nem da Grécia, nem da Irlanda, embora exista uma taxa de referência para cada um deles -, continua ainda muito elevada tanto
para a Espanha como para a Itália que são os países que agora mais correm o risco de
intervenção.
Por outro lado, como já aqui foi dito e explicado, a
declaração de Draghi e a nova política do BCE - apoiada por Merkel, é bom não
esquecê-lo - pode eventualmente – ainda é cedo para ter certezas sobre o
assunto – impedir um agravamento progressivo da situação a ponto de ela se tornar
financeiramente insustentável, mas não resolve minimamente o problema de fundo,
que é o problema do crescimento e do fim da austeridade.
O caso da Espanha é elucidativo. A Espanha precisa até ao fim
deste ano de 75 mil milhões de euros para pagar dívidas que entretanto se
vencem. Há por toda a Europa uma grande pressão para que a Espanha recorra ao
BCE. Rajoy resiste, adia, continua a “esticar a corda” num jogo contra forças
muito superiores, recusando aceitar essa grande “vitória” que Seguro tanto
proclama. E porquê? Porque a intervenção do BCE não resolve o problema de Espanha
antes o agrava dramaticamente colocando o país numa rota semelhante à da Grécia
e de Portugal. A intervenção do BCE resolve – isso sim – o problema dos
credores e vai pela própria lógica das coisas transferindo uma parte
considerável da dívida de credores internacionais (principalmente bancos e
outras instituições financeiras) para credores nacionais.
De facto, a intervenção do BCE no mercado secundário não só não
vai desagravar - se é que desagrava - a pressão altista dos juros para níveis
inferiores aos que Portugal, a Grécia e a Irlanda estão a pagar à Troika, como
sujeita o país a um drástico condicionalismo susceptível de eliminar o que ainda
resta de soberania a um Estado da União Europeia, devedor, ainda não
intervencionado de facto.
A Espanha ficaria sujeita a um programa de ajustamento
duríssimo, muito mais duro do que aquele que já foi posto em prática por Rajoy,
com as consequências que toda a gente agora já conhece. Aliás, essa
incrível personagem que se dá pelo nome de Jean-Claude Junker, que tem a
particularidade de fazer de “pide bom” quando está a falar com as vítimas e de “carrasco”
quando está entre os algozes, ainda ontem disse na Baviera que a “Europa imporá
a Espanha ajustamentos muito duros para reduzir o défice”.
Portanto, e para concluir, se Seguro supõe que a intervenção
do BCE no mercado da dívida tem alguma coisa ver com a intervenção da Reserva Federal
americana está completamente enganado e anda a iludir os portugueses com
panaceias que nada resolvem. Antes pelo contrário.
Se Seguro tem alguma pretensão de falar verdade aos
portugueses, se não quer ser o que realmente está sendo – um Passos Coelho II –,
ele – o PS – tem de afrontar nos seus fundamentos, com todas as consequências,
a política da austeridade da União Europeia. Não o fazer é condenar os
portugueses a um longuíssimo e incerto futuro de empobrecimento que mais dia,
menos dia vai descambar numa “catástrofe intermédia” da qual só se sairá com
muito sacrifício e muita luta.
Este post não ficaria
porém completo se não fosse dito que crítica semelhante merece também a defesa
intransigente – quase se poderia dizer apaixonada ou acrisolada – que Louçã no
seu último livro faz do euro. É uma crítica que está para ser feita desde que o
livro foi publicado (Abril) e que somente por razões tácticas tem sido adiada.
Mas fica prometida para uma próxima oportunidade…quando luta contra as questões
agora pendentes tiver alcançado os seus principais objectivos.
Obrigada pelos seus ensinamemtos.
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