O SENTIDO POLÍTICO DO
ACÓRDÃO
O primeiro comentário que fiz, no Facebook, muito a quente,
depois de ter ouvido a súmula do Acórdão pelo Relator (presumo) carece de
alguns desenvolvimentos.
A ideia com que logo a seguir fiquei, sem ouvir ninguém –
aliás ainda não ouvi ninguém para não ser, mesmo subconscientemente, influenciado
– foi que o TC com esta decisão se queria defender de uma campanha demagógica
que seguramente seria feita se declarasse a inconstitucionalidade da contribuição
extraordinária de solidariedade sobre as pensões acima de 1350 € e da sobretaxa
sobre o IRS, ambas indiscutivelmente inconstitucionais, mas que se prestavam
muito facilmente à demagogia da direita por os grandes beneficiários dessas inconstitucionalidades
serem obviamente os mais ricos (Pinhal, etc); é certo que também havia todos os
outros, mas aproveitava-lhes relativamente pouco e tanto menos quanto menos
ganham.
Quanto ao corte dos vencimentos dos funcionários públicos,
dificilmente o tribunal poderia decidir de outra maneira depois do que já tinha
decidido no primeiro acórdão (o “acórdão Sócrates”); relativamente à redução
dos escalões do IRS, que também viola o princípio da progressividade, deve
entender-se a decisão como um “rebuçado” dado ao Governo numa matéria em que a
densificação do conceito (ou princípio) se presta a uma razoável amplitude de entendimentos.
No que toca à inconstitucionalidade da contribuição adicional
dos beneficiários dos subsídios de desemprego e de doença, respectivamente de
6% e 5%, a decisão do Tribunal já se insere naquilo a que se poderia chamar o respeito
pela mais elementar “decência civilizacional” que o Governo PSD/CDS manifestamente
não tem.
Atacando o corte dos subsídios de férias dos funcionários
públicos e dos pensionistas, o Tribunal privilegia um vastíssimo universo de
pessoas que se sentem tratadas por igual por todas passarem a receber todos os
ordenados a que têm direito. Aqui já não há mais nem menos beneficiados nem tão
pouco a decisão é passível de qualquer campanha demagógica. Depois de tudo o
que tem sido feito aos pensionistas e aos funcionários públicos seria preciso
muita lata para que os comentadores do Governo regressassem à estafada conversa
do “justo tratamento diferenciado” (para pior) dos pensionistas (por já não
poderem perder o “emprego”, argumentação de Vital Moreira) e dos funcionários públicos
(por ganharem mais e não poderem ser despedidos, argumentação de Paulo Rangel e
quejandos) relativamente aos demais trabalhadores.
Creio que esta é a orientação política do acórdão. Depois é
uma questão de lhe dar forma jurídica. Essa análise fica para mais tarde,
depois da leitura do acórdão.
É fundamental que a leitura integral de uma decisão desta natureza seja debatida... por isso, é de inestimável relevância ter escrito este texto... obrigada, meu amigo! Vou levar, claro! Um abraço.
ResponderEliminarMuito me admira a(s) sua(s)análise(s)...
ResponderEliminarSe incluisse a mal-fadada CÊS, certamente a sua conclusão seria bem menos optimista!
Concordo inteiramente com a sua análise. Deixo por isso a nota - que me pertence - de que o TC não tem nada para dar, inclusive rebuçados. O que tem é, simplesmente, de restituir.
ResponderEliminarSe o TC, enquanto órgão do Estado de Direito, é intocável, na sua composição não está imune a apreciações, corolário da possibilidade de votos de vencido (que poderia - ou deveria - estar excluída). Para mim, não representa a nata dos juízes, qualquer que seja a sua extracção. Muito pelo contrário, lamentavelmente.