sexta-feira, 26 de setembro de 2014

A RESPONSABILIDADE DE PASSOS COELHO




 
O QUE AINDA NÃO ESTÁ DITO
 
Está quase tudo dito sobre Passos Coelho e sobre a Tecnoforma. E, de uma maneira geral, bem dito.
Que é impossível que alguém se não lembre de ter trabalhado de graça para uma empresa durante vários anos. Ou que alguém se não recorde de ter recebido, regularmente, de outrem durante vários meses uma remuneração igual ou superior ao salário do emprego conhecido.
Que a Tecnoforma é apenas uma pequena amostra das incomensuráveis vigarices que neste país se fizeram com os fundos comunitários destinados à formação profissional.
Que foram os que estavam mais próximos do poder os principais beneficiários das vigarices da formação profissional.
Que o que se passou com a formação profissional se passou em todas as áreas onde houve subsídios.
Que essa gandulagem que andou manifestamente a viver acima das suas possibilidades é substancialmente a mesma que agora nos diz que fomos nós “andámos a viver acima das nossas possibilidades”.
Tudo isto e muito mais que sobre o assunto se poderia dizer está dito. Mas também está dito que a responsabilidade de Passos Coelho, a ter existido, prescreveu. Que prescreveu a responsabilidade penal e também a responsabilidade fiscal. Só não prescreveu…porque essa nunca prescreve, a responsabilidade política.
E toda a gente espera que um dia destes apareça nos jornais uma fotocopiazinha da folha de vencimentos da Tecnoforma ou qualquer outra prova da entrega de determinada quantia a Passos Coelho.
A minha opinião – e creio que é também a opinião de Passos Coelho – é que esse papelinho não vai aparecer. E não vai aparecer por uma razão muito simples: é que se tivesse que aparecer já tinha aparecido. O jornalismo português sofre penosamente daquilo a que se poderia chamar “ejaculação precoce”. Não investiga bem, ou seja, não perde muito tempo nos preliminares, nem se aguenta para exibir no momento oportuno a prova decisiva. Pelo contrário, vem com ela logo à cabeça…
Portanto, a minha profunda convicção é a de que essa prova não vai aparecer. E, todavia, há meios para a fazer aparecer, caso ela exista.
E aqui é que está o que ainda não foi dito pelos doutos juristas que sobre o caso se têm pronunciado. É que se Passos Coelho recebeu de facto – continuamos a falar no condicional – regularmente da Tecnoforma uma determinada remuneração há uma responsabilidade (jurídica) que ainda não está prescrita: é a responsabilidade civil.
Explicando para leigos e muito sumariamente: se Passos Coelho não desempenhava as funções de deputado em regime de exclusividade e reclamou o subsídio de reintegração, ele recebeu um subsídio a que não tinha direito. Consequentemente, tem de restituir ao lesado, que é o Estado, o indevidamente recebido.
Os interesses do Estado são defendidos judicialmente pelo Ministério Público que tem a obrigação de investigar por todos os meios ao seu alcance se de facto houve ou não um dano causado ao erário público. Não se trata de apurar a responsabilidade penal ou fiscal do suspeito. Trata-se tão-somente de apurar se houve ou não um dano patrimonial infligido ao Estado. A ter existido, esse dano é facilmente avaliável: ele corresponde ao enriquecimento indevido de quem se locupletou injustamente à custa alheia.
Esta responsabilidade só prescreve ao fim de vinte anos. O Ministério Público está, portanto, muito a tempo de actuar. E justifica-se que actue porque há fundadas suspeitas de que esse dano poderia ter existido.


 

5 comentários:

  1. É difícil acreditar que o jornalista português é apenas um traumatizado. Ou até mesmo apenas um preguiçoso. Ou um inconsequente. Será o medo ou o interesse que os guia?

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  2. Meu Caro João Pedro: Há constrangimentos, certamente, mas também há incompetência. Um assunto como este que envolve o conhecimento de cinco ou seis leis exige estudo (estudo que, pelos vistos, o pândego do Maduro também não fez) e rigor. Se bem reparaste havia duas quantias que diferiam de texto para texto e às vezes de parágrafo para parágrafo: o que Passos recebeu de colaborações eventuais e o montante do subsídio de reintegração. Digamos que a ignorância da lei era transversal: jornalistas e políticos não a conheciam com rigor.
    Portanto, é a experiência no acompanhamento deste tipo de jornalismo de investigação que me leva a dizer que se houvesse mais documentos eles já tinham vindo à luz.
    Finalmente, como entre nós se pode mentir à vontade, tanto nos tribunais como na política, sem consequências, ao Passos basta dizer que apenas foi "reeembolsado". Quem duvidar é que tem de provar não eram reembolsos mas verdaeiros pagamentos!

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  3. O que me espanta nisto é que haja pessoas que se espantem,ou interroguem (o mais certo é fingirem que se interrogam)sobre a natureza (objectivos, funcionamneto etc) da Tecnoforma. Também há quem tenha ou pareça ter dúvidas sobre o papel dos actores entre eles o de Passos Coelho.
    Para além dos que estão meramente a fingir, o pessoal passou duas décadas hipnotizado? Não viam o que se passava?
    Não perceberam os esquemas de que a Tecnoforma é apenas um exemplo? A Tecnoforma foi óbviamente um "veículo" através do qual se tranferia dinheiro. Fez parte da maior indústria nacional: os "projectos", fossem de formação, de florestação, de modernaização fosse lá do que fosse! Quem anda pelo País e pare na beira da estrada, muito provavelmente, verá o resultados de um qualquer desses "projectos". O caso tem a singularidade de um dos mentores e beneficiários, na altura, não imaginar vir a ser primeiro ministro e, assim, ter tomado as cautelas necessárias. Mas também é preciso lembrar que, então, se vivia em ambiente de autêntico festim: 6 milhões por dia, haveria para "todos"! Além disso é conhecida a tolerância, para não dizer admiração, dos portugueses pelos "esquemas", pelo chico-espertismo!
    Não, não venham dizer que não viram, que não sabiam!
    É patética a ginástica argumentativa que pretende explicar... mas explicar o quê? Não está tudo explicado?
    Ainda ontem o Pacheco Pereira explicou bem... Tudo fica explicado quando se percebe o que era a Tecnoforma e o apêndice juridico-contabilístico (ONG????!!!!!) que lhe colaram, e é evidente o que aquilo era: mais que um "veículo" era uma "canalização" com uma grande boca de incêndio!
    LG

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  4. Concordo. Mas nem por isso de já estar «tudo» explicado pode continuar-se a não tirar as devidas consequências tais como diz o JM da obrigação de devolução do que foi ilegitimamente tirado ao Estado (nós).

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