O APROFUNDAMENTO DO
EURO
Entrando directamente no assunto. Sem grandes considerações
nem teorizações, salvo as imprescindíveis.
Não é o Nuno Melo, nem o seu falecido tio-cónego e os seus
“combatentes da liberdade”, nem a Cristas ou o Portas, ou o ex-conselheiro de Cavaco para assuntos constitucionais, nem mesmo alguns dos mais assanhados reaccionários do
PSD que verdadeiramente nos devem preocupar. Esses contam pouco e só mesmo os
iguais a eles neles se podem rever. Além de que essa direita já levou una
valentíssima “trepa” no 25 de Abril e tão cedo não voltará a levantar cabeça. E
se levantasse acontecia-lhe o mesmo que à cobra da quadra do Zeca Afonso no
disco do Sérgio Godinho.
Mais perigosa é a outra direita. Uma direita mais moderna,
bem-pensante com lugar assegurado nos “jornais de referência”, nas televisões e
que entre inócuas tiradas de esquerda, quase sempre desenterradas de um
anti-fascismo mais consensual que imaginar se possa, deixa ficar a mensagem da
imperiosa necessidade de um governo de direita com ou sem o PS, mas sempre com
o apoio do PS, tal como ela o concebe.
E é a partir deste pressuposto omitido que essa direita
adianta uma argumentação alicerçada em pomposas palavras de recorte indefinido
destinadas a sugerir o perigo que Portugal correria (convém dizer Portugal, que
é uma entidade incorpórea de contornos quase míticos e não portugueses que
cheira a povo e a odores pouco recomendáveis) se o PS cometesse o gravíssimo
erro de aceitar fazer Governo ou aceitar ser apoiado no Governo por comunistas
e bloquistas. Porquê? Porque não se pode confiar que esse Governo constitua uma
alternativa minimamente sólida para poder aceitar no plano internacional,
entenda-se da União Europeia, não tanto os compromissos já firmados, mas muito
mais os aprofundamentos de determinadas matérias como. por exemplo, um
aprofundamento do euro.
Primeira nota que interessa sublinhar é esta: este argumento
não está desenvolvido nem é expresso com o mesmo primarismo com que qualquer
Cavaco, Portas ou mesmo Assis o faria. Todavia, o juízo é exactamente o mesmo,
se é que não é pior, e as suas consequências são as mesmas, se é que não são
piores.
Em primeiro lugar, neste simples raciocínio está
sibilinamente subentendido que é a política externa que dita a política
interna. Por maiores que sejam os condicionamentos ou até os constrangimentos
na cabeça do governante nunca pode estar outra ideia que não a oposta. Esse
princípio basilar está aqui “deitado às urtigas”. E é também sob este aspecto
que a nova direita se distingue – e muito - da velha direita. Sob a capa de um
cosmopolitismo chique, esta direita está sempre pronta a pôr-se de cócoras perante
o estrangeiro – não qualquer estrangeiro, evidentemente, mas daquele
estrangeiro à qual ela julga pertencer.
Mas há mais: o aprofundamento do euro. O que é que isto quer
dizer? Quer isto dizer que a Europa não é democrática, que em Bruxelas está
sediada uma burocracia que os cidadãos não elegeram cuja actividade governativa
é pautada pelos interesses do grande capital? Que há em Bruxelas um agrupamento
soberano que toma decisões cruciais que influenciam a vida de milhões de
pessoas que não está previsto em nenhum tratado nem em nenhuma lei, que
funciona sem regras e sem escrutínio democrático de nenhuma espécie? Que esse
agrupamento, chamado Eurogrupo, formado pelos ministros das finanças da zona
euro se reúne à porta fechada, sem actas e sem nenhuma informação relevante
fornecida aos cidadãos, salvo a formada pelas suas ditatoriais decisões? Que
esse agrupamento é dominado pela Alemanha, com o apoio dos seus aliados
tradicionais e com o tradicional colaboracionismo francês? Aprofundamento do
euro quer dizer que o Banco Central Europeu cuja acção é vital para a vida de
milhões de pessoas e cuja política é determinante para a economia dos países da
zona euro, de economia desigual e assimétrica, tem de ter uma política
monetária e de crédito destinada a atenuar as desigualdades existentes?
Aprofundamento do euro quer dizer que o BCE tem de ter uma política monetária e
de crédito destinada a fomentar o desenvolvimento económico e o emprego como
missões prioritárias da sua actividade? Em resumo: aprofundamento do euro quer
dizer uma profunda reforma da zona euro que tome na devida conta as assimetrias
existentes, conceba a política do BCE como uma política ao serviço de todos os
Estados, capaz também ela de contribuir para uma mais equitativa distribuição
dos rendimentos entre os cidadãos dos países da zona euro?
Se o “aprofundamento” do euro quer significar reforçar a
democracia, reforçar o desenvolvimento económico, combater as assimetrias,
fomentar o emprego, criar os pressupostos para uma mais justa distribuição dos
rendimentos entre os cidadãos dos Estados da zona euro não esteja esta direita
preocupada com as posições do Bloco ou do PC nem tema que o PS possa incorrer
no desvario de não apoiar este aprofundamento.
Mas será isto o que verdadeiramente se quer dizer quando se fala no
“aprofundamento do Euro”? Ou será que com o “aprofundamento do euro” o que se
pretende é entregar a gestão da zona monetária a um ministro das finanças
europeu que actue sob a influência dominante das politicas defendidas pela
Alemanha, um aprofundamento que aliene por completo a democracia da decisão,
que se elimine a soberania nacional na concepção das política monetária e de
crédito, que torne a política orçamental nacional menos digna do que a de uma
qualquer filial de uma grande multinacional?
Se for isto o “aprofundamento do
euro”, como temos boas razões para supor que é, ninguém poderá de facto contar
com o apoio do Bloco nem do PC. Disso qualquer eleitor de esquerda tem a
certeza. E quer continuar a tê-la!
Está tudo em aberto, meu caro
ResponderEliminare se tudo está em aberto,
nenhum caminho está fechado
(nada ficará como antes)
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ResponderEliminar~ Muto bem, JMCP!
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Eu gostaria de ser tão otimista. Mesmo que esse cenário que desenha e que permite uma substancial alteração da natureza da UEM fosse possível, e ninguém de bom senso acredita nisso, a questão que se colocaria é se seria desejável que Portugal se tornasse uma espécie de Nevada da Europa. Mesmo numa Federação rica como os EUA existem assimetrias regionais significativas... O problema é que a ideia de autarcia simplesmente não funciona, aliás a nossa Economia desde os anos 50 que é deficitária. Ou seja, não dispomos de qualquer modelo viável alternativo ao existente e não vale apontar para o programa do PCP ou do BE, porque uma coisa é diagnosticar os males do Presente, outra é dispor de um plano para atingir uma visão no Futuro...
ResponderEliminarO autor está certo, o problema é que parte do princípio de que Portugal é um país soberano, e ele é apenas um bocadinho soberano e valha-nos a consolação de que outros ainda o são menos. Nem estou a pensar no grau de "soberanidade" que resulta directamente do número de Divisões....
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