terça-feira, 5 de janeiro de 2010

O ACORDO ORTOGRÁFICO E AS SUAS DEBILIDADES



NÃO ADIANTA ADULTERAR OS FACTOS, A REALIDADE SERÁ MAIS FORTE

aqui falámos o suficiente sobre o Acordo Ortográfico há cerca de dois anos, não havendo praticamente nada de novo para dizer. Como, porém, a repetição de velhos argumentos pode levar algumas pessoa a supor que houve alteração da situação então analisada, convirá reafirmar alguns pontos então defendidos.
Primeiro: É jurídica e politicamente incompreensível a alteração introduzida no primitivo Acordo Ortográfico pelo Protocolo modificativo de 25 de Julho de 2004, permitindo a sua entrada em vigor com o depósito do terceiro instrumento de ratificação. Num acordo de direito internacional desta natureza a única norma que faz politicamente sentido é a que impõe a sua entrada em vigor depois de ocorridas todas as ratificações. Admitir o contrário, significa negar ostensivamente o efeito que por via dele se pretende alcançar.
Em segundo lugar, o Acordo Ortográfico não vai harmonizar a grafia. Apesar das concessões feitas por Portugal (praticamente só Portugal fez concessões), a grafia vai-se manter distinta em inúmeros casos.
Em terceiro lugar, o Acordo Ortográfico não serve para uniformizar a língua. Com ou sem acordo ortográfico, a mais importante ligação entre o português do Brasil e o português de Portugal é a grafia. Tudo o resto os separa. Separa-os a fonética, separa-os a semântica, separa-os a sintaxe, separa-os a estrutura da frase. Supor, por exemplo, que, em consequência do acordo, nas relações internacionais quer entre as de Portugal com o Brasil ou deste com qualquer outro país de língua portuguesa, quer as estabelecidas no quadro de um organismo multilateral de vocação universal, vai passar a haver um documento único releva da ignorância de quem não faz a menor ideia do que está a falar. Continuará a haver um documento para o Brasil e outro para Portugal e os demais países de língua portuguesa.
Em quarto lugar, só por estupidez se poderá aceitar em Portugal uma grafia que não seja partilhada pelos países africanos, nomeadamente Angola e Moçambique, já que só quem não tem juízo poderá aceitar afastar-se de quem está próximo para continuar longe de quem já está longe…
Portanto, e em conclusão, apesar de eu entender que o Acordo Ortográfico não resolve nenhum problema, nem traz qualquer contribuição positiva para a unificação da língua, jamais aceitarei submete-me às suas regras enquanto elas não forem seguidas em África pelos países de língua portuguesa!

4 comentários:

  1. Tenho assistido às peripécias desta questão apenas pela imprensa e televisão. Sinceramente, é coisa que não me preocupa muito. No essencial, o que o autor aqui escreve parece-me correcto.Como ele, também me parece muito importante, para Portugal, que o "acordo" inclua Angola e Moçambique. Penso que as diferenças semânticas e fonéticas são acentuadas sobretudo a nível dos regionalismos e do "liguajar" popular. Aqui também as há. Muitos dos termos usado pelos brasileiros, e que são mais ou menos desconhecidos na variante oficial portuguesa, eram correntes na minha aldeia há 40 ou 50 anos. Se lermos ou ouvirmos um brasileiro de alguma cultura/instrução estas diferenças (sintácticas) são pouco significativas. (No entanto, lembro-me de como era desagradável ler livros técnicos brasileiros , normalmente traduções de manuais americanos.) Não me parece acertada a posição dos "puristas" como V.Graça Moura. Há pessoas que já passaram por três alterações ortográficas oficiais sem acordos com o Brasil. O dr V.G.M. (e outros) escrevem e falam de forma bem diferente de variantes internas, essas bem mais próximas das raízes etimológicas, sendo a perda da ligação etimológica um dos prejuízos que o Acordo traria, segundo os seus oponentes. Depois, há a realidade. A relação entre a força das variantes brasileira e portuguesa não é comparável à existente entre a inglesa e americana. Este suposto paralelismo é frequentemente invocado para justificar a manutenção do Português com grafias divergentes. Outros, como M.S. Tavares, defendem que a "matriz original" da língua dá direitos especiais a Portugal!
    Em termos pragmáticos faria muito sentido, por exemplo, a adopção comum de novos termos, nomeadamente, nas áreas tecnológicas. Mas, também, até nisto, há quem ache que é muito mais apropriado, e importante para a soberania, dizer, por exemplo, "sistema operativo" em vez de "sistema operacional" ou, então, o uso puro e simples de termos ingleses.
    Quanto a unidade sintáctica, ainda ontem via um programa da TVE e dei por mim a pensar como é curta a distância, nesse aspecto, entre o português e espanhol/castelhano.

    Ideias, provavelmente desconexas, de quem pouco lê e escre ainda menos.
    LG

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  2. Também concordo, no essencial, com o comentário de LG.
    O acordo ortográfico não é uma questão importante. O que é grave é criar uma divergência de grafia onde antes não existia, ainda por cima dentro da mesma vatriante. É por estas e por outras que eu não tenho qualquer respeito pelos governantes em geral. Ou melhor, posso ter, mas o ónus da prova é sempre deles!
    As diferenças de grafia com a variante brasileira ou mesmo as lexicais não são muito relevantes, nem causam qualquer preocupação. As fonéticas, sendo as mais evidentes aos ouvidos dos leigos, também não creio que sejam as mais importantes. A grande diferença, o fosso (com o tempo seguramente intransponível) é aquilo a que mal ou bem chamo a estrutura da frase. Poderá dizer-se: essas diferenças não existem na gente culta. Pois, mas o Brasil tem quase 200 milhões de habitantes, daqui a 50 anos terá mais umas dezenas de milhões...e são estes que fazem a língua.

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  3. JM, não estou de acordo com a tua opinião sobre o significado "oficial" das diferenças na "estrutura da frase". O que se vai acentuar, tanto em Portugal como no Brasil, é o afastamento entre o uso popular da língua e a norma erudita. Há séculos, isto deu cabo do latim clássico, hoje é diferente, porque na rede de comunicação internacional (negócios, relações políticas, etc) o que interessa é a norma culta. Repito, prevejo quatro movimentos de afastamento: 1. português culto do Brasil e português culto de Portugal e ex-colónias (culto=oficial). 2. Expressão culta e popular em Portugal. 3. Expressão culta e popular no Brasil. 4. Expressão popular no Brasil e em Portugal.
    Creio que, por ordem decrescente de importância, esses afastamentos serão 4, 3, 2, 1.
    3 mais do que 2 porque já mais manifesta, num país de muito maior diversidade e porque só temos mais recentemente alguns factores (linguagem de certas minorias, multietnicidade, menor rigor na escola.
    Isto reproduz exactamente o que se passa, com estes 4 movimentos, entre o Reino Unido e os EUA.
    Também neste caso, sendo cada vez mais difícil um quase iletrado do Midwest compreender um docker de Liverpool, o movimento 1 é mínimo e não afecta o uso do inglês como lingua franca. Nota que não estou a falar da ortografia mas sim do que, como eu, achas essencial, a construção estrutural da língua.

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  4. Meu Caro João:
    Pode ser que tenhas razão. O meu conhecimento da matéria é empírico. Mas o que eu notei no tempo que vivi no Brasil foi uma grande divergência aos mais diversos níveis. Por exemplo, nos jornais. O primeiro caderno e o caderno de economia dos grandes jornais de S. Paulo e do Rio (e até de Brasília) são escritos numa linguagem que faz inveja ao melhor jornal português. Já os demais cadernos são escritos numa linguagem popular muito diferente da nossa. E muito mais próxima da forma comum de falar do brasileiro. Na literatura temos de tudo. Temos quem (ainda) escreva sob a norma culta (e ai não posso deixar de citar Jô Soares, um mestre da língua) e temos quem retrate na ficção o linguajar comum. De muito difícil e desagradável leitura para os portugueses. Penso que esta tendência se está a generalizar. Também na política a partir do momento em que as classes populares passaram a ter acesso aos altos cargos do Estado (PR, Deputados, Senadores, Ministros, Governadores, Assembleias estaduais, tribunais, municípios, etc., etc.)a linguagem mais utilizada é a popular. E, sendo assim, o que resta para a norma culta?

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