OU CRESCE E TEM DE CONSTRUIR OU ESTAGNA E CONTINUA A PROTESTAR
Louçã está sob muitos aspectos numa posição ímpar na política portuguesa. Não certamente pela sua inteligência, que é brilhante, mas há outras. Não certamente pelos seus dotes tribunícios, que são notáveis, mas já houve outros. Não certamente pelos seus conhecimentos económicos, que são muito úteis na presente conjuntura, mas há mais quem tenha. Louçã está numa posição ímpar, porque não tem passado.
Quando se fala no PSD, logo ocorrem à memória os feitos de Jardim, as anteriores participações de Ferreira Leite no Governo, os anos autoritários de Cavaco e por aí fora. O PSD tem passado e a sua dirigente máxima também.
Do PS nem falemos. À esquerda e à direita, o PS tem um passado que cada um dos lados utiliza, como arma de arremesso, consoante as suas conveniências. Desde as alianças e políticas de direita até à conversão ao neoliberalismo, há uma panóplia de factos que a esquerda esgrime sempre que quer situar, com dados, o PS no espectro político. O mesmo faz a direita, por razões diametralmente opostas. O PS tem passado e o seu dirigente máximo também.
Do CDS e de Portas, o passado é tão presente que a dificuldade é escolher os factos, tantas têm sido as alterações camaleónicas porque o partido tem passado. Pode haver dificuldade em escolhê-las, mas é mais pela sua variedade e profusão do que pela sua falta. O CDS tem passado e Portas também.
Ao PCP, o mais velho partido português, o que não falta é passado. Quando convém vem à baila a resistência anti-fascista e o combate à ditadura salazarista. E quando não convém vem a sua participação no processo revolucionário que se seguiu ao 25 de Abril e, se for necessário ir mais atrás, ou buscar factos mais consistentes, lá vem a União Soviética e o socialismo real, o goulag, o estalinismo, a ineficácia do sistema económico soviético e o seu colapso. Enfim, ao PCP e a Jerónimo de Sousa o que não falta é passado.
Com Louçã nada disto se passa. A uma parte do Bloco, a que vem da UDP, ainda se lhe pode atirar à cara a Albânia de Enver Hodja com quem mantinha relações privilegiadas de camaradagem e não admiraria nada que, num momento mais quente da campanha, alguém dissesse ao Fazenda: “Podes ter a certeza que nunca irás fazer deste país a Albânia da Europa”. Mas a Louçã ninguém pode dizer isto. Louçã vem do trotskismo e, para todos os efeitos, o trotskismo nunca existiu. Não existiu antes nem durante a Revolução de Outubro, porque, não obstante as divergências com Lenine depois de 1905, na hora certa acabaram por se entender. Não existiu na tomada de poder em Petrogrado, apesar do importante papel por ele desempenhado, nem antes, enquanto presidente do soviete da mesma cidade, porque essas são conquistas inalienáveis do bolchevismo e da Revolução de Outubro. Não existiu também como Comissário da Guerra, nem como participante activo na paz de Brest-Litovsk, porque, tanto num caso como noutro, o que sempre esteve presente foi o génio revolucionário de Lenine. E mesmo o terror com que na guerra civil conduziu os bolchevistas contra os brancos é o terror revolucionário que já Robespierre havia teorizado e depois aplicado durante a Revolução Francesa e que igualmente faz parte, sem vergonha, da Revolução bolchevista. Que se limitou a responder com o terror revolucionário ao terror reaccionário.
Até aqui, portanto, Trotsky nunca existiu.
Depois da morte de Lenine e das primeiras divergências graves com Estaline, Trotsky não existiu igualmente, porque deixou de mandar. Dele retemos, sem nunca podermos vir a saber como teria sido, a luta contra o socialismo num país só e a doutrinação da revolução permanente. Mas desta fase da sua vida, até ao trágico assassinato no México, apenas fica a luta contra Estaline e contra o que a partir de então se chamou o estalinismo. Mas o anti-estalinismo trotskista serviu para tanta, tanta coisa, desde o neo-conservadorismo americano (que tem na sua génese ilustres trotskistas) até à formação da quarta internacional, sempre sem qualquer participação efectiva nas rédeas da governação, que bem se pode dizer, com toda a propriedade, que os trotskistas - que verdadeiramente apenas existem, depois de Trotsky ter abandonado o poder, na imaginação doentia de quem se queria ver livre de uns tantos adversários políticos - não têm passado.
E não tendo passado, não tendo uma referência real e concreta de governação com que possam ser identificados, estão, por isso, na tal posição ímpar de que mais ninguém goza.
Essa é a força de Louçã. Mas é também a sua fraqueza. Enquanto se tratou de crescer para protestar, a inexistência de passado não era muito relevante. Mas quando se trata de crescer para governar, a existência de passado ajuda. Sem passado vai ter que fazer tudo de novo. Vai ter de sujeitar-se ao crivo minucioso da crítica. Vai ter, numa palavra, que começar a defender-se. E quando começar a defender-se vai começar, gradualmente, a ficar igual aos outros…
6 comentários:
A tua elaboração é indiscutível de um ponto de vista estritamente historicista, mas falta-lhe uma dimensão psicológica em que Louçã tem passado e muito passado. Da mesma forma que o passado de Fazenda não é só a admiração pela Albânia ou o de Miguel Portas a veneração pelo sol de leste. São passados que correspondem à estrutura de carácter e que ficam pelo futuro fora, a menos que haja uma rejeição sincera e pública.
A referência a um modelo político traduz, em muito e principalmente quando ultrapassa as razões conjunturais de valor (também eu fui comunista nos tempos em que julgo que isso se justificava), características pessoais de mentalidade e ética. É da natureza de cada um e, por isto, quando as coisas se tornam difíceis em conflito com essa natureza, ou a qualidade pessoal sossobra ou rompemos com as referências que nos tolhem.
Porque é que alguém admira a Albânia, essa é que é a pergunta, independentemente de querer ou não que Portugal fosse outra Albânia? Ou porque é que se tem a videirice espertalhona do navegar à vista nas águas da Soeiro? (já agora, neste aspecto, Portas é aprendiz comparado com Pina Moura).
Neste sentido, Louçã tem um passado transparentemente eloquente que se prolonga até hoje. Não consigo deixar de o ver como um fanático, como um auto-deslumbrado, um puritano, um homem unidimensional. Vejo sempre o retrato vivo de Savonarola. Foi assim que o conheci bem, em tempos em que rejeitava qualquer diálogo com o meu MDP, tal como Fazenda. Valha a verdade, a escola da Soeiro é muito mais esperta, permitiu a Portas fazer a OPA sobre o MDP.
Como representante da inesquecível linha pablista da IV Internacional (Renovada), quero lavrar o meu veemente protesto contra as deturpações anti-trotskistas, vindas por certo de quem nunca se desprendeu dos seus atavismos estalinistas (toma lá, que já almoçaste!).
Quem denunciou o Estado operário degenerado e o desvio burocrático da Revolução? Quem levou com uma picareta estalinista em cima (não uma picareta falante, uma verdadeira e letal) por ousar opor-se a Estaline?
Quanto aos trotskistas americanos que se tornaram neo conservadores não são piores que um ex delfim de Cunhal que hoje elogia a coerência e consistência do programa do PSD...
Viva a IV Internacional!
Nota: Não voto Bloco, voto PS. Como o camarada Pablo, defendo o "enterismo" (entrar nos partidos de massa)...
Os teus comentadores não foram sensíveis à fina ironia que perpassa em todo o texto decorrente antes de mais da dupla perspectiva em que Trotsky é focado: primeiro como participante destacado na Revolução de Outubro (que depois, na historiografia oficial, deixou de ser...) e seguidamente como resistente sem poder nem experiência governativa concreta contraponível a Estaline. Logo, nunca existiu!
Abraço
Vitor M.
Anda o camarada pablista (provocador infiltrado?) mal informado...Pois se a tese defendida neste blog coincide exactamente (na segunda parte da vida do glorioso Velho) com a análise de Isaac Deutscher, que por causa dessas suas posições foi expulso da IV Internacional ortodoxa (a que pertenceu Louçã...), vindo a aproximar-se de Michel Pablo, numa frutuosa amizade e colaboração política.
a) Verdadeiro Pablista
Ó Zé Manel, tantos grupos trotskistas que venho encontrar no teu blog!
Afinal não me enganei. O Portas, hoje, no fim da campanha eleitoral, veio dizer que o Bloco o que quer é fazer de Porugal a Albânia da Europa. Será que o Portas me anda a ler?
JMCP
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