quarta-feira, 23 de setembro de 2009

PIOR QUE O SILÊNCIO DE CAVACO SÓ MESMO O DO MNE


ALGUNS EXEMPLOS

Ainda estamos muito longe da transparência existente noutros países em matéria de negócios públicos. Na Alemanha, os governantes têm a sua agenda na internet e qualquer cidadão pode consultá-la. Em Portugal, saber o que os governantes fazem ou porque o fazem ainda constitui uma miragem.
O Presidente da República é o exemplo mais visível desse silêncio. A política do segredo, do tabu, como ele lhe chamou outrora, continua a ser a regra. E nem sequer nos estamos a referir especialmente ao recente caso das “escutas”, onde já quase nada há a esclarecer e onde até se compreende humanamente o embaraço de Cavaco que, envergonhado, nem sequer deve saber bem o que dizer. Referimo-nos ao segredo como regra. Também aqui a dicotomia público e secreto aponta para duas mentalidades, duas épocas, duas formas completamente diferentes de entender o exercício do poder político.
A época moderna e a democracia privilegiam a publicidade, o controlo público do poder, por contraposição ao antigo regime onde os arcana imperii, o segredo de estado e ausência de controlo público do poder constituíam a regra.
Exactamente por isso continua perfeitamente actual a máxima kantiana segundo a qual “todas as acções relativas ao direito de outros homens cuja máxima não seja conciliável com a publicidade são injustas”.
É que há comportamentos ou justificações que uma vez tornados públicos suscitariam tal reacção que tornariam a sua defesa e aceitação impossíveis. Pois é esta mentalidade do poder oculto, do segredo, da governação fora dos olhares e do escrutínio populares, típica do poder absoluto, que em muitos domínios continua a dominar a nossa vida política. Para além do desprezo que este comportamento revela pelo “vulgo ignaro” que quanto menos souber melhor, ele é também politicamente nocivo porque acaba por permitir tomar em nome de todos decisões que aqueles em nome de quem elas foram tomadas seguramente as repudiariam se as conhecessem.
Tudo isto vem a propósito dos “silêncios” de Cavaco, mas também a respeito da obscuridade que rodeia a maior parte das nossas posições em política externa, área, onde mais do que em qualquer outra, está arreigada a convicção de que o “segredo é a alma da política”. E o que vem de ser dito tanto se refere à tomada de posições políticas, como à gestão do próprio Ministério, não obstante o contributo de transparência dado pelo “Estatuto da Carreira Diplomática”
A título de exemplo, continua por explicar por parte do Ministro o “episódio Carrilho” a propósito da eleição do Secretário-geral da Unesco. O Ministro tem de explicar, antes de mais, o sentido do voto, a sua fundamentação e razões políticas que o determinaram, e explicar também a posição do Governo relativamente ao Embaixador que se recusou a votar segundo as instruções de Lisboa. Tem que se saber se se tratou de uma excepção de que apenas Carrilho está em condições de beneficiar ou se, pelo contrário, tal comportamento passou a constituir uma regra aplicável aos embaixadores em geral.
Outro exemplo: toda a gente se recordará do empenho posto pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros em trazer para Portugal alguns prisioneiros de Guantánamo. Prisioneiros que nenhum dos 50 estados americanos aceitou receber no seu território e prisioneiros que na Europa também não foram recebidos por nenhum outro país, salvo quando eram seus nacionais, como aconteceu com a França e o Reino Unido. Pois bem, os homens vieram, mas o Ministro não deu qualquer outra explicação: quem os trouxe, quem lhes paga a estadia, o que fazem por cá, enfim, informações que o cidadãos gostariam de conhecer.
Finalmente, o Ministro continua por explicar como pode ter nomeado para conselheiro de imprensa em Washington um cavalheiro que se fez passar, sem o ser, por licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa. Que razões, que altos interesses podem justificar um acto desta natureza?

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