quinta-feira, 4 de março de 2010

CABORA BASSA




A PROPÓSITO DE UM POST DE MEDEIROS FERREIRA

Pouco depois de “negociada” a independência de Moçambique (melhor: depois de acertados os termos em que se processaria a transferência de poderes), na vigência de um Governo Provisório chefiado por Vasco Gonçalves, uma equipa negociadora presidida por Jorge Sampaio (então Secretário de Estado da Cooperação Externa, integrado no Ministério dos Negócios Estrangeiros do Ministro Melo Antunes), juridicamente assessorada por Almeida Santos, então Ministro da Coordenação Interterritorial, negociou com a Frelimo, no quadro das chamadas negociações do contencioso colonial, o estatuto da futura empresa de Cabora Bassa.
A ideia, se a memória me não falha, era muito simples e aparentemente sedutora: Portugal e Moçambique partilhariam o capital social da empresa, pertencendo a maioria a Portugal, o qual iria gradualmente passando para a propriedade de Moçambique à medida que os investimentos feitos e as dívidas entretanto contraídas fossem sendo amortizados e saldadas pelos lucros da empresa. Não tenho elementos à mão, pode haver aqui alguma incorrecção de pormenor, mas sei que o sentido do negócio era este: Portugal ia perdendo capital social à medida que o investimento e a dívida fossem sendo amortizados pelos lucros. Portanto, a ideia era transformar Cabora Bassa numa empresa moçambicana, logo que o investimento estivesse completamente recuperado (sem lucro, se a memória continua a não me falhar).
O que se passou de então até ao recente negócio com Moçambique só pode ser contado por quem tenha acesso aos arquivos da empresa em Lisboa. Mas que tese de doutoramento isto dava!
A dívida não deixou de aumentar exponencialmente com o passar dos anos, a empresa ia vendendo a preços irrisórios aos sul-africanos a pouca energia que conseguia produzir e transportar, em consequência dos múltiplos ataques, da Renamo, dos sul-africanos, sabe-se lá de quem, que iam sucessivamente derrubando as linhas de transporte da electricidade, isto para já não falar nos gravíssimos diferendos que iam opondo os dirigentes máximos da empresa às autoridades moçambicanas, a ponto de, alguns deles, nem no país poderem entrar, sob pena de prisão - enfim, um cenário digno de uma expiação “carôntica” de um colonizador que permaneceu agarrado aos seus fetiches.
Medina Carreira, Ministro das Finanças, do primeiro governo Constitucional de Mário Soares, e que chegou a ter no seu gabinete, como assessor ou conselheiro, Adrião Rodrigues, ex-militante da Frelimo, que meses antes, em Moçambique, muito dificultara as negociações com Portugal, nunca, que me ocorra, propôs qualquer solução inovadora para o negócio que, pouco depois de concluído, logo se viu que iria correr muito mal.
Não assim com o Ministro das Finanças do Governo seguinte: Salgado Zenha. Zenha com a sua arguta e fina inteligência logo compreendeu o que se iria passar e para “espanto e admiração geral” propôs pura e simplesmente que se entregasse de graça Cabora Bassa aos moçambicanos, ficando Portugal responsável pelas dívidas contraídas até aquela data.
A proposta de Zenha não foi ouvida e trinta anos mais tarde…fez-se o que se pôde…
ADITAMENTO
Há aqui um lapso para o qual Medeiros Ferreira privadamente me alertou e que agradeço. Medina Carreira foi, de facto, Ministro das Finanças no I Governo Constitucional, mas Salgado Zenha tinha sido antes, no VI Governo Provisório. O que até reforça ainda mais a argúcia da sua proposta...

1 comentário:

Medeiros Ferreira disse...

Meu Caro:
enviei-lhe um mail sobre o seu post.Abraço
J.Medeiros Ferreira