quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013
RESPONSABILIDADE DA ITÁLIA?
EM BREVE, TUDO MESMA
Está para ai meio mundo preocupado com as eleições italianas,
o meio mundo dos ricos, não deixando muitos dos seus mais conhecidos representantes
de insinuar uma espécie de censura por os italianos não terem sabido escolher
como deveriam ou então, ainda pior, fazendo inequívocas pressões para que se
entendam, com sacrifício dos seus próprios interesses, custe o que custar.
E nesta exemplar demonstração de democracia que, pelos vistos,
nada incomoda Francisco Assis, nem António Costa, nem tão pouco Santos Silva, todos
eles muito mais preocupados em assegurar a liberdade de expressão do Relvas
contra as “manifestações totalitárias” dos estudantes do ISCTE, verifica-se,
para além deste eloquente silêncio, a inaudita situação de a preocupação pela
situação italiana parecer tão genuinamente sentida por aqueles que são
verdadeiramente a causa de tudo o que se está a passar na Europa como pelos que
são, em grande medida, as suas vítimas.
De facto, as eleições italianas exprimem com razoável clareza
a rejeição da política europeia através de um conjunto de manifestações
variadas, por meio das quais os eleitores tentaram encontrar um caminho
alternativo que ponha definitivamente termo àquilo que inequivocamente não
querem. Elas representam, por outras palavras, a derrota inequívoca das políticas
impostas por Berlim, com o subserviente apoio do Banco Central Europeu e da Comissão
Europeia, além naturalmente da do grande representante do capital financeiro no
plano mundial - o Fundo Monetário Internacional.
A derrota de Monti, imposto como primeiro-ministro pelas
entidades acima referidas, e depois “levado ao colo” durante meses a fio por
aqueles mesmos interesses não tem duas explicações possíveis. Os eleitores não
querem ser governados pela longa manus
da Goldman Sachs, nem aceitam que sejam os estrangeiros a ditar as políticas do
seu país.
E tendo presente esse objectivo reagem como sabem ou podem sem nunca perderem de vista
o contexto em que todo este grande drama se está a desenrolar. Há eleitores que
têm fundadas razões para desacreditarem dos políticos e os associarem às mais
variadas formas de corrupção, supondo que o meio mais eficaz para ultrapassar essa
degradação moral que corrói hoje a maior parte das classes políticas é
entregarem o poder a não políticos. E depois são esses mesmos políticos e os comparsas
que diariamente os defendem nos media,
tentando sempre encontrar uma boa justificação para comportamentos reprováveis,
que apodam de populistas aqueles que os rejeitam em vez de imputarem a esses políticos
e a essa degradação da política o resultado a que se chegou.
Mas a derrota de Monti está ainda muito presente na votação
daqueles que abertamente se opuseram às políticas de austeridade e recusam que a
Itália seja conduzida a partir de fora com receitas que os italianos recusam. É
inegável que a votação de Berlusconi só pode ser entendida em toda a sua dimensão
se se entrar em linha de conta com estes novos factores, que nunca estiveram
presentes em campanhas anteriores.
Dai as dificuldades que Bersani vai ter para formar governo.
Ele não vai ter apoio nas câmaras para uma simples actuação cosmética
relativamente às políticas de Bruxelas, o mesmo é dizer, impostas por Berlim.
Isto não quer dizer que não existam problemas graves na
Itália. Existem problemas graves na Itália, como existem em muitos outros
países. Agora, o que se sabe – e o hoje já só não sabe quem, além de não ser
capaz aprender com os erros alheios, também se revela incapaz de aprender com
os próprios – é que o caminho que tem sido seguido na Europa por imposição de
Berlim não resolve, antes agrava, os múltiplos problemas com que a generalidade
dos europeus se defronta.
E a prova de que o "edifício" está preso por arames é que à menor
oscilação tudo fica de novo imediatamente posto em causa. Essa instabilidade,
ao contrário do que se possa pensar, pode ser positiva e benéfica, apesar do agravamento
momentâneo da situação de alguns (bastantes) países. Será esse desequilíbrio
que porventura irá permitir que algum país se predisponha a fazer frente à
Alemanha, ameaçando-a com a única arma que realmente a pode fazer tremer – a rotura
do equilíbrio monetário.
Os europeus, os que estão a sofrer na pele as dramáticas
consequências das políticas de austeridade, têm de se convencer que isto por
que estão a passar não é o resultado de um desajustamento que possa ser
corrigido, com mais ou menos sacrifício, com vista ao retorno a uma equilibrada
situação anterior. Não, o ajustamento que está sendo feito em nome do desajustamento
existente visa consolidar posições de hegemonia, agravar e fortalecer desigualdades
sociais e entre países, de modo a garantir a permanência de situações de
domínio.
O que se está a passar é uma guerra de tipo novo em que por
via da economia se pretendem alcançar posições que antes só poderiam ser
garantidas pela força das armas. E numa guerra só pode ganhar quem tiver a
coragem de lutar.
É por isso que Churchill ficará para sempre na História, sendo
com a passagem do tempo cada vez mais irrelevante que ele tivesse sido
considerado um grande reaccionário, colonialista, causador de um dos maiores
massacres da I Guerra Mundial e que inclusive tenha recusado render-se
porventura por razões hoje muito pouco louváveis. O que conta, o que sempre
ficará na História, é que ele lutou sozinho durante cerca de dois anos num
tempo em que a derrota parecia inevitável.
É o que hoje faz falta!
domingo, 24 de fevereiro de 2013
LIMITAÇÃO DE MANDATOS AUTÁRQUICOS
TENHAM VERGONHA,
LARGUEM O PODER!
É lamentável que em Portugal se continue a desacreditar a
política com pseudo interpretações de normas que expressamente proíbem a
renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das
autarquias locais. É lamentável que essa mesma classe política se predisponha
através de falácias e da mais pura chicana política torpedear o sentido de uma lei claríssima com base em minudências que nada significam mas que estão sendo manhosamente usadas para abrir uma frecha por onde possam infiltrar-se para, em defesa de interesses inconfessáveis, tentar perpetuar no poder
autárquico certos agentes seus. Aliás, o afinco voraz com que se pretendem
introduzir por essa pequena frecha, onde manifestamente não cabem sem derrube
da estrutura, só demonstra a imensa má fé com que já estavam quando, antes da
frecha se abrir, tentavam entrar, arrombando a porta!
sábado, 23 de fevereiro de 2013
LIMITAÇÃO DOS MANDATOS AUTÁRQUICOS - A RELEVÂNCIA DE NOVOS ELEMENTOS
O PROBLEMA DA RECTIFICAÇÃO
Soube-se agora que há uma divergência na lei de limitação dos
mandatos autárquicos (Lei n.º 406/2005) entre o texto que foi remetido para
publicação, depois de cumpridas todas as formalidades legais e constitucionais,
e o texto publicado. Até aqui nada de novo, como adiante se explicará. A
rectificação das leis existe exactamente para sanar estas divergências.
Acontece, porém, que esta divergência não decorre de um típico erro material do
processo de impressão e publicação da lei, mas de uma correcção feita pela Casa
da Moeda Imprensa Nacional, ao que se diz, ao abrigo de um acordo (tácito ou
expresso) com o Parlamento que teria autorizado a Imprensa Nacional a fazer,
nos textos para publicação, as correcções de acordo com as regras de revisão.
O Parlamento pode combinar o que bem entender com a Imprensa
Nacional em matéria de revisão de texto. O que não deve é permitir que a
Imprensa Nacional modifique um texto, seja a que título for, depois de
promulgado pelo Presidente da República, ou mais correctamente, depois de cumpridas
todas as formalidades legais e constitucionais. Se o Parlamento ou o Governo
querem ter a certeza que os textos aprovados estão redigidos em português
correcto devem enviá-los à Casa da Moeda para esse efeito antes de os remeterem
ao Presidente da República para promulgação ou assinatura. É certo que o Parlamento
ou o Governo têm sempre à sua disposição o instituto da rectificação que poderá
ser usado quando entendam que as correcções introduzidas alteram o sentido da
lei. Também é certo que o Governo e o Parlamento dispõem de serviços que
acompanham a conformidade dos textos publicados com os textos originais, mas nada
disso justifica que a Casa da Moeda esteja autorizada a corrigir os textos que
recebe para publicação.
Provavelmente, para não dizer seguramente, que este “acordo”
com a Imprensa Nacional foi feito por tanto o Governo como o Parlamento
acreditarem pouco na eficiência dos seus serviços de “fiscalização de
conformidade”, evitando por aquela via os gravíssimos inconvenientes que sempre
decorrem da publicação de textos legais defeituosos.
Seja por esta ou por outra razão quando há uma divergência entre
o texto original e o texto publicado essa divergência pode ser sanada por via
da rectificação.
A rectificação é feita mediante declaração do órgão que
aprovou o texto original, tem lugar quando há uma divergência entre aquele texto
e o texto publicado e destina-se a sanar com efeitos retroactivos esse erro
material. Para que a rectificação possa fazer-se é necessário: 1.º que se trate
de um diploma publicado na 1.ª série do DR; 2.º que exista uma divergência
entre o texto original e o texto publicado; 3.º que a correcção seja feita até
60 após a publicação do texto rectificando.
A não observância deste prazo determina a nulidade da
rectificação.
Para efeitos de rectificação o que é o texto original? O
texto original só pode ser o que é remetido para publicação depois de cumpridas
todos os requisitos legais e constitucionais. Só este texto assegura
integralmente a seriedade das rectificações e impede que por via delas se façam
verdadeiras alterações retroactivas aos diplomas publicados. É certo que
relativamente aos diplomas aprovados pelo Parlamento, dada a natureza deste órgão
e o seu modo de funcionamento, dificilmente a “batota” seria possível, mas já
relativamente ao Governo (ou a outra entidade com acesso à 1.ª série) ela seria
muito fácil de pôr em prática. E como não pode haver um regime para o
Parlamento e outro para as demais entidades, o critério a ter em conta para
efeito de aferição da existência de erro material tem de ser o acima indicado. Além de que, de outro modo, nos diplomas que exigem a promulgação ou outra intervenção do Presidente da República se estaria a dar força normativa a um texto que o PR efectivamente não promulgou ou no qual não interveio.
Dito isto, não há qualquer dúvida que a divergência existente
na Lei n.º 406/2005 entre o texto original e o texto publicado já não pode ser
rectificada. É esse o regime da Lei n.º 74/98 (com as alterações introduzidas
pelas Leis n.ºs 2/2005, de 24 de Janeiro; 26/2006 de 30 de Junho; e 42/2007 de
24 de Agosto) que limita a rectificação, como acima se já disse, ao prazo de 60
dias após a publicação do texto rectificando.
Portanto, a lei de limitação dos mandatos autárquicos que
está em vigor é a que foi publicada no Diário da República sob o n.º 406/2005.
Não se trata de um texto apócrifo, logo inexistente, apesar da natureza do erro
que contém. Trata-se de um erro que poderia ter sido corrigido se o Parlamento tivesse
entendido que a divergência existente representava uma alteração do sentido da
lei. Como não achou, deixou-a ficar como foi publicada de acordo com o tal
entendimento existente com a imprensa Nacional sobre a revisão de textos.
Evidentemente que o Parlamento pode, se tiver a maioria
necessária para esse efeito, fazer uma nova lei com a tal redacção que constava
do texto original ou outra. Mas será uma nova lei. E mesmo que o Parlamento a
denomine lei interpretativa, reproduzindo o texto original ou dando um novo
sentido ao texto em vigor, ela não será uma lei interpretativa verdadeira e
própria. Será uma lei que o Parlamento denominou interpretativa para, por essa
via, lhe atribuir efeitos retroactivos. Só que neste caso, como a
retroactividade tem limites constitucionais, será necessário averiguar se os
infringe ou não.
Em conclusão: a descoberta de Cavaco (os jornais dizem que
foi Cavaco que descobriu a divergência – sete anos sempre dão para alguma coisa…)
não altera rigorosamente nada a interpretação que aqui havíamos feito. O texto
legal tal como está redigido está num português perfeito; se estivesse redigido
como consta do texto original quereria dizer exactamente a mesma coisa, apenas
estaria redigido num português menos correcto. Para efeitos de interpretação, o
texto original, mesmo que se lhe atribua o valor que se atribui aos chamados
trabalhos preparatórios, já que outro não pode ter, não acrescenta nada de
relevante. A lei, em sede interpretativa, não tem outro sentido que não seja a
proibição do quarto mandato consecutivo aos presidentes da câmara e da junta de freguesia
qualquer que seja a autarquia a que se candidatem.
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013
O EURO E NÓS
NÓS E A ALEMANHA
Algumas décadas mais tarde, os ministros das Finanças de
Cavaco e de Guterres – todos, sem excepção – bem como os governadores e os
técnicos superiores do Banco de Portugal, encararam a entrada na moeda única
europeia, o euro, como uma grande vitória de Portugal. Importante era estar no
pelotão da frente, como eles então diziam.
Ao reler hoje as páginas escritas por muitos desses
especialistas percebe-se como as grandes opções de política económica, não
apenas em matéria de moeda, mas em todos os domínios, nada tem de racional e
muito menos de científico. São acima de tudo ditadas por considerações de ordem
ideológica. E pelas múltiplas fantasias que a partir delas se concebem.
E na altura até havia dados empíricos muito recentes,
decorrentes da crise monetária de 1992/93 e do posterior colapso do SME, que
numa análise prudente levariam exactamente à conclusão oposta. Mas nada disso
foi tomado em conta, apesar dessa crise monetária ter tido consequências em
Portugal, traduzidas em desvalorizações do escudo, aliás sobreavaliado pela
política monetária de Cavaco.
Quem não se lembra de uma entrevista de Miguel Beleza,
ex-Ministro das Finanças de Cavaco, exultando com a adesão de Portugal ao euro,
por assim se poder concretizar, dizia ele, um “dos grandes desígnios” (eles
gostam muito da palavra, talvez por cheirar a Providência Divina) do Prof.
Cavaco Silva, que era o de Portugal poder contrair empréstimos no mercado internacional
ao mesmo juro da Holanda!
Acreditava-se, à revelia das experiências históricas conhecidas, que a adesão à moeda única integrava rapidamente as economias, com diferentes graus de desenvolvimento e de competitividade, pertencentes ao mesmo espaço económico quando na realidade as afasta, tanto mais quanto mais inexistentes forem os mecanismos de compensação. E mais grave ainda, o facto de realmente se tratar de várias economias e não de uma única economia com estadios e ritmos de desenvolvimentos diferentes, acaba por empurrar as menos competitivas para insustentáveis situações de endividamento.
Pois bem, a adesão ao euro deu no que se está a ver. Mas não
só. O euro, como toda a gente hoje (parece que já) percebeu, é uma moeda alemã, criada à imagem e semelhança do deutsche Mark, para vigorar
numa União Monetária constituída por economias profundamente desiguais e
dirigida por um banco central que obedece às mesmas regras que antes regiam o
Bundesbank. Uma moeda de que a Alemanha hoje se serve para oprimir as economias
europeias que com ela integram a mesma união monetária.
O euro, apesar da crise que o afecta e que está sendo
relativamente superada à custa de sacrifícios brutais impostos pela Alemanha às
demais economias da zona monetária comum, mais exactamente, a todas as
economias que não fazem parte do chamado núcleo do deutsche Mark - Áustria,
Holanda e Finlândia – o euro, dizíamos, não obstante a crise que o afecta,
continua a valorizar-se face ao dólar.
Segundo a Morgan Stanley, a Alemanha pode suportar uma taxa
de câmbio de 1,53 dólar, embora segundo o Deutsche Bank essa taxa pudesse
subir, sem risco para os interesses alemães, até 1,94 dólar. Economias muito mais fortes
do que a portuguesa, como, por exemplo, a francesa, já começam a ter grandes
dificuldades quando a taxa de câmbio ultrapassa 1,23 dólar.
E por que razão a Alemanha suporta o euro forte e os outros
não?
Como a Alemanha exporta produtos de alta gama, a questão do
preço desses produtos no mercado internacional, embora não seja despicienda,
não assume a mesma importância que assume em economias como a portuguesa, cujos
produtos se forem caros podem facilmente ser substituídos por outros
equivalentes mais baratos. Mesmo as economias com produtos de gama média, como
a francesa, ressentem-se profundamente com a valorização cambial do euro.
É esta política vantajosa para a Alemanha? Sabe-se que uma
velha aspiração alemã, conhecida desde o início do seculo XX, era a
desindustrialização da Europa, reduzindo-a a zonas de produção agrícola e de
recreio - assim uma coisa à moda do que Portugal está sendo hoje -,
hegemonizando ela a grande produção industrial.
Dir-se-á: mas essa política é ruinosa para a Alemanha que tem
na zona euro o seu principal mercado. Certamente. O euro forte, pelos efeitos
que provoca nas demais economias europeias, acabará por ser prejudicial à
Alemanha, da mesma forma que as políticas recessivas que a Alemanha está
impondo à Europa também acabarão por lhe ser prejudiciais. E todavia…a Alemanha
não muda, nem mudará de rumo enquanto se mantiver como potência económica
hegemónica.
É que para a Alemanha as coisas não são assim tão claras como
a nós nos parecem. Basta olhar para o passado. Indo ao mais recente: o modo
como a Alemanha conduziu a última guerra tanto no plano político como militar;
como tratou os povos dos territórios conquistados, principalmente os Untermenchen; como pretendeu “resolver o
problema dos judeus”, entre tantas outros exemplos que poderiam ser apontados,
são a prova de uma profunda irracionalidade. E todavia…tudo foi feito até ao
fim.
É bom nunca esquecer que para os alemães “tudo
o que é real é racional…”
Por isso, perante este dramático quadro em que a adesão
europeia e a moeda única nos enredaram, nós encontramo-nos numa situação muito
difícil.
Uma situação em que ficar onde estamos significa a degradação sucessiva e
acentuada da nossa soberania, da nossa dignidade, em suma, do nosso futuro. Hoje
os mais jovens ainda vão tendo capacidade para emigrar em condições muito diferentes
das da década de sessenta do século passado e de outros períodos da nossa
história, porque estudaram, porque se prepararam tão competentemente como os
demais; amanhã, cada vez serão menos os que terão acesso a essa educação superior
e indiferenciados é tudo o que a globalização não precisa.
Mas é também uma situação em que sair (deste quadro em que estamos
inseridos e do modo como estamos inseridos) significa regressar a um ponto anterior
ao ponto de partida. De facto, não obstante todos os progressos havidos em vários
domínios, não podemos perder de vista que muitos deles não são sustentáveis e
outros servem hoje mais quem está fora do que quem está dentro. Seria preciso,
portanto, começar de novo em todas aqueles domínios em que a destruição de que
fomos vítimas não causou danos irreparáveis. É uma via difícil, mas é a única
com futuro, a única que assegura um futuro às gerações vindouras.
E teria uma vantagem indiscutível cujo efeito ninguém pode
prever em toda a sua extensão: a vantagem de afrontar a hegemonia alemã sobre a
União Europeia. Algo que fatalmente vai acontecer na Europa e que só ainda não
aconteceu porque a Inglaterra está fora da moeda única.
POLITEIA - V ANIVERSÁRIO
A LUTA CONTRA A DEGENERAÇÃO DA DEMOCRACIA
Faz cinco anos que a Politeia nasceu - o tempo de
uma licenciatura à moda antiga. Tem sido um tempo difícil, marcado pela
acentuada degeneração da democracia, que gradualmente se vai transformando numa
triste e perigosa caricatura daquilo que realmente é.
Este blogue tem pautado a sua linha de actuação
contra essa degeneração da democracia em todos os domínios da vida pública.
O nosso alvo é o poder instituído. O poder que
desde há décadas se apropriou da democracia, baseado numa insuficiente, porém excludente, legitimidade
procedimental, para a corromper e degradar, fazendo dessa apropriação o instrumento
privilegiado de defesa de interesses particulares.
O nosso objectivo é contribuir por pouco que seja
para a restauração dos princípios democráticos; o nosso objectivo é participar
na luta por um governo para o Povo!
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013
O PS E A LEI DAS RENDAS
O QUE QUER REALMENTE O PS?
O líder parlamentar do PS, Carlos Zorrinho, anunciou hoje que
o seu partido iria pôr a debate na próxima semana uma proposta de alteração da
Lei das Rendas.
É bom que se perceba com clareza o que pretende o PS. As informações
prestadas por Zorrinho à comunicação social estão longe de ser concludentes.
Quando Zorrinho diz que o PS quer repor um período de
transição de 15 anos (que era, pelos vistos, o que constava do programa
eleitoral do PSD e do programa de governo) de que é que Zorrinho está a falar?
Do chamado período de transição que consta da lei, estendendo-o de 5 para 15
anos?
Se é isto mais vale que o PS esteja quietinho. Como aqui
neste blogue já se demonstrou não há nenhum período de transição na lei em
vigor. Há, no essencial, para os arrendamentos para habitação anteriores a
1990, dois regimes consoante o rendimento
bruto do agregado familiar (RABC) do inquilino é superior ou inferior a
cinco retribuições mínimas anuais nacionais (RMNA), qualquer que seja a sua idade
ou o seu grau de deficiência.
O período de cinco anos previsto na lei não constitui por si
só um verdadeiro regime de transição, porque, para os inquilinos com rendimento
bruto do agregado familiar superior a 5 RMNA, ele terá pouquíssimas hipóteses
de ser aplicado em virtude de a sua aplicação elevar o montante da renda para
valores incomportáveis com aumentos da ordem dos 400, 500 e até 1000%! Não há
com esta configuração nenhum regime jurídico que possa ser apelidado de
transição! É um regime inovador, perversamente chamado de transição, bem ao
estilo da governação do CDS e dos seus ministros.
Mas o regime também não é de verdadeira transição para os
inquilinos cujo rendimento bruto do agregado familiar seja inferior a 5 RMNA,
porque os aumentos de renda a que ficam sujeitos, nomeadamente – mas não só –
os rendimentos superiores a 1500 € mês, são igualmente incomportáveis,
atingindo frequentemente 50, 60%, ou até mais, do rendimento líquido das
famílias, em virtude dos brutais cortes e da onerosíssima carga fiscal
incidente sobre os ordenados e as pensões.
Portanto, se a ideia do PS é aumentar para 15 anos o período
de 5 anos previstos na lei, como pareceu já ter sido essa a sua vontade na fase
de discussão e votação no Parlamento da proposta de lei, teremos, mais uma vez,
o PS no seu melhor.
É o PS sócio da Troika que em nada se distingue, no
essencial, do PSD e das suas políticas. Muita conversa, muita abstenção
violenta, mas na hora da verdade o que realmente fica é a imagem de uma tosca maquilhagem
feita com produtos de barata demagogia.
Se o PS realmente quer estabelecer um período de transição
digno desse nome e em consonância com os princípios estruturantes do Estado de
direito democrático, a primeira coisa que tem a fazer é propor, na ausência de
acordo entre as partes, a fixação legal da renda em 3%, o máximo 3,5%, do valor
patrimonial tributário do locado a atingir num período de 15 anos, mediante aumentos
escalonados ao longo desse período (sobre os quais incidiria, em cada ano, o coeficiente
de aumento das rendas) e continuar a admitir a atribuição de subsídios (directamente
entregues aos senhorios) para os rendimentos abaixo de certo montante.
E mesmo assim ficaria por resolver uma questão importante: a influência do
grau de conservação do locado na fixação da renda.
Se alguém interessado quiser fazer chegar este post e o anterior ao Grupo Parlamentar
do PS, enfim, seria pelo menos suficiente para doravante se saber que o PS não actuou
por ignorância…
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
O ÊXITO CONTINUA
É A VERTIGEM DO
SUCESSO!
Gaspar anunciou no Parlamento o que qualquer pessoa
minimamente informada já sabia. Melhor: Gaspar começou a anunciar o que vai
acontecer. Porque o que vai acontecer não é o que Gaspar comunicou. A recessão
não vai ser em 2013 o dobro da prevista. Vai ser muito maior. No mínimo, o
triplo, ou seja, 3%, mas é provável que vá além.
Porquê? Porque depois do ataque que eles fizeram à procura
interna este ano, superior ao que fizeram no ano passado, acompanhado
da recessão na Europa, principalmente em Espanha, nosso principal cliente, a
recessão só poderá aumentar.
Os gauleiters da Merkel estão a
destruir este país. Temos de correr com eles. É uma exigência da democracia.
Justifica-se uma reflexão, de preferência à escala europeia,
no mínimo à escala nacional, sobre o papel da Alemanha nesta crise. Uma reflexão
que tome na devida conta a história da Alemanha no relacionamento com os outros
povos, principalmente no século XX.
Por agora ficamos aqui, na certeza de que esta não é uma
questão menor.
A DIATRIBE DO SR. SANTOS SILVA (AUGUSTO)
TENHA VERGONHA!
Mas para os professores que
perderam o emprego e a casa, para os estudantes que não podem estudar porque
não têm dinheiro para pagar a estadia e as propinas, para os velhos que a
Cristas vai despejar, para os doentes que não vão ao hospital porque não têm
dinheiro para o co-pagamento e para tantos e tantos outros que os “relvas”
deste país marginalizaram e remeteram para uma vida sem futuro, a democracia
não é um joguinho. É a vida. E pela vida luta-se com as armas que temos na mão!
O RELVAS E CERTOS COMENTADORES DO PS
DUAS CONCEPÇÕES DE DEMOCRACIA
É difícil não dizer, com muita
mágoa nossa, que o Relvas esteve melhor nas vaias de ontem e de hoje do que alguns
responsáveis do PS que as comentaram (Santos Silva e Proença).
Relvas, mal ou
bem, com aquela cara sem vergonha que Deus lhe deu, lá foi dizendo que eram
ossos do ofício aquilo por que passou e que estava preparado para continuar a
passar. Não interessa o que ele estava a pensar nem o que provavelmente vai
tentar fazer. Interessa o que ele disse.
Mas para Santos Silva (Augusto) e
Proença (UGT) foram actos antidemocráticos que empobrecem e envergonham a nossa
democracia.
Felizmente, os estudantes responderam
com toda a propriedade a todos aqueles que lhes perguntaram se os protestos não
teriam sido exagerados.
Responderam bem. Democraticamente,
enumerando os exageros e a violência do Governo.
Há aqui duas concepções de democracia:
a do Governo e a dos responsáveis do PS que entendem que tudo o que o Governo
faz é legítimo…porque foi eleito, independentemente de eles concordarem ou não
com a governação. E a dos estudantes – que é também a nossa - que é uma
concepção substantiva de democracia: se é preciso ser eleito para governar, não
basta ser eleito para que todos actos de governação sejam legítimos.
Por favor, não desmobilizem.
Mantenham-se violentamente abstencionistas, mas não desmobilizem!
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013
LEI DAS RENDAS – AS MENTIRAS DA MINISTRA CRISTAS
AS VERDADES QUE A
MINISTRA ESCONDE
Sobre a lei das rendas – novo
regime do arrendamento urbano, Lei n.º 31/2012 de 14 de Agosto – tem havido
muita contra-informação, muitas mentiras que tentam esconder o verdadeiro
regime da lei elaborada pela Ministra Cristas - certamente com a colaboração da
Ministra Von Hafe, pelo menos em matéria de despejo - que o Parlamento aprovou, sob proposta do
Governo.
A lei, apesar de complexa e redigida de forma confusa, quase
incompreensível para a generalidade daqueles que têm de suportar as
consequências mais dramáticas da sua aplicação, pode com algum trabalho de
síntese ser explicada em termos simples.
Não é bem isso que vamos fazer neste post por este blogue não ser um lugar de comentário jurídico; vamos
apenas enunciar, em termos compreensíveis por toda a gente, as grandes linhas do regime jurídico previsto na lei, nomeadamente
no que se refere aos arrendamentos para habitação anteriores a 1990
(arrendamentos de pretérito).
A primeira conclusão que se pode tirar da leitura da nova lei
é que ela consagra em toda a linha os princípios neoliberais que tem norteado a
política económica do Governo, agravando e precarizando a posição do inquilino,
tratando-o como uma espécie de intruso tolerado com o qual se pode “correr” à
menor contrariedade. É bom que se diga que, com excepção dos arrendamentos anteriores a 1990, o
contrato de arrendamento desde há muitos anos deixou de estar sujeito em Portugal
à chamada legislação vinculística, contrariamente ao que por aí é veiculado,
quando se pretende imputar à legislação pré-existente a ausência de um mercado
de arrendamento. Nos termos da legislação agora em vigor, a grande diferença
relativamente ao regime dos arrendamentos posteriores a 1990 é o agravamento da
posição contratual do inquilino, precarizando-a, a ponto de se poder dizer que
neste tipo de contrato, porventura mais do que em qualquer outro, salvo o
contrato de trabalho, a lei desequilibra impositivamente as obrigações e os
direitos de cada uma das partes tornando-as ainda mais desiguais do que
realmente seriam se a lei as considerasse iguais – esta a verdadeira essência
do neoliberalismo!
Se esta é a caracterização jurídica dos arrendamentos
posteriores a 1990, pode afirmar-se sem receio de errar que o regime jurídico a
que ficam sujeitos os arrendamentos anteriores a 1990 ainda é mais grave. De
facto, no estabelecimento do novo regime a lei fez tábua rasa dos grandes princípios
constitucionais estruturantes do Estado de direito. Quando a direita em
Portugal clama contra a Constituição, como se nela residissem os males que
afligem o país, o que verdadeiramente pretende atacar é o Estado de direito e
substituir os conhecidos princípios da igualdade, da proibição do excesso, da proporcionalidade,
da confiança e da segurança jurídica, entre outros, pelos “princípios” da
arbitrariedade e da prepotência legislativa. É por essa prática se ter tornado
cada dia mais evidente que igualmente se torna mais imperdoável o comportamento
de certos constitucionalistas que, depois de se terem arvorado nos grandes arautos
do Estado de direito democrático, se refugiam agora em complexas “problematizações
da problemática” com que o Governo se defronta, tentando com essas pretensas
teorizações encontrar ou deixar implícita uma via de justificação para o que
está sendo feito em todos os domínios da vida pública portuguesa.
Indo agora directamente à explicação do regime legal:
1 - No que respeita aos arrendamentos de pretérito, a lei
estabelece um pseudo regime de transição de 5 anos para os inquilinos com idade
igual ou superior a 65 anos; com deficiência comprovada superior a 60% de
incapacidade física; e com um rendimento bruto do agregado
familiar (RABC) inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA).
É um pseudo regime de transição por duas razões: primeiro,
porque não é um regime de transição, é um regime novo – inovador sob todos os
aspectos, alterando profundamente o regime anterior; e depois, porque poucos
serão os inquilinos que terão possibilidade de manter as casas que actualmente
habitam durante os próximos cinco anos.
2 - Por outro lado, é igual falso que a lei proteja
especialmente os mais velhos e os deficientes. Estas características na
prática não induzem a aplicação de um regime legal diferente do que é
aplicado aos inquilinos com menos de 65 anos e sem deficiência física relevante, nem levam
ao cálculo de uma renda distinta da exigida a estes. Tanto a uns como a outros
acaba por aplicar-se o regime imposto por lei que fixa uma renda equivalente a
1/15 avos do valor patrimonial tributário do prédio, calculado nos termos do
art.º 38.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), ou seja, uma
renda estratosférica traduzida na esmagadora maioria dos casos em aumentos de 300,
400, 500 e até 1000%!
3 - A única diferença juridicamente
relevante é a que se baseia no rendimento
bruto do agregado familiar do inquilino (RABC), consoante ele for superior
ou inferior a cinco retribuições mínimas
nacionais anuais (RMNA). Enquanto no primeiro caso a renda acaba por ser
estabelecida por referência ao valor patrimonial tributário do prédio, no
segundo ela será fixada por referência ao rendimento bruto do agregado familiar
– 10% para o rendimento bruto mensal inferior a 500 €; 17% para o rendimento
bruto mensal inferior a 1500 €; e 25% para o rendimento bruto mensal superior a
1500 €.
O facto de existir esta diferença de
regime com base no rendimento - a única na prática verdadeiramente relevante – não
significa que haja uma verdadeira protecção para os rendimentos inferiores a
cinco retribuições mínimas nacionais anuais. Primeiro, porque se trata do
rendimento do agregado familiar e depois porque o rendimento que se toma em
conta é o rendimento bruto. Ora, considerando
os brutais “cortes” que têm sido feitos nas pensões e nos vencimentos do sector
público, bem como os impostos que incidem sobre o rendimento em geral, o montante da
renda a pagar nada terá a ver com as percentagens anunciadas, podendo antes ir
nos rendimentos superiores a 1500 € a mais de 50% ou 60% do rendimento líquido!
4 - É também falso que a indemnização prevista na lei por
denúncia do contrato por parte do senhorio, equivalente a 60 meses do valor
médio da proposta inicial do senhorio e da contraproposta do inquilino, seja na
prática operativa. De facto, nenhum senhorio no quadro deste regime legal vai
denunciar o contrato para reaver o prédio mediante o pagamento de uma
indemnização quando tem à sua disposição um meio alternativo que lhe assegura o
mesmo resultado ou, não sendo esse o caso, uma retribuição óptima do local
arrendado. Na verdade, a alternativa que a lei lhe concede – fixação da renda
em 1/15 do valor patrimonial do locado – torna a renda incomportável para mais
de 90% dos inquilinos. Por que pagar o que pode obter de graça?
5 - Finalmente, é preciso acrescentar que a renda é fixada
sempre nos mesmos termos qualquer que seja o grau de conservação do imóvel.
Tanto vale que o locado se encontre em péssimas condições como razoavelmente
conservado. Por outro lado, o modo de fixação da renda que a lei prevê
pressupõe uma amortização em 15 anos do valor patrimonial do locado, ou seja,
cerca de 6,7% ao ano, o que não deixa de ser um negócio “tipo BPN”!
6 - Comentários finais
- É como se vê uma lei extremamente perversa, elaborado por uma mente pérfida, bem
à imagem do que é o CDS, os seus ministros e Paulo Portas. Para além da
campanha que Mota Soares tem feito contra os pobres, limitando-lhes os
subsídios sociais, deixando-os na maior indigência, encarando-os como um fardo
que importa alijar, veio agora a Cristas bem na linha do seu partido arremeter
contra os velhos, criando juridicamente todas as condições para que possam ser
postos na rua da casa onde habitam há várias décadas. Como convém acabar com
esta “fonte de despesa” para o Estado que são os pobres, os deficientes e os
velhos, o CDS usa os meios adequados consoante a época. Se tivesse governado na
década de trinta do século passado teria usado outros…Como estamos na época do
neoliberalismo, usa os económicos...
Esta lei não foi aprovada para
“liberalizar” o mercado de arrendamento como eles cinicamente dizem. Esta lei
foi aprovada exclusivamente para despejar os inquilinos dos arrendamentos mais
antigos. Esse o seu único objectivo. É uma lei onde o racismo social de que o
CDS é o principal intérprete na governação está sempre presente. É uma lei
contra os velhos, contra os deficientes e contra os pobres.
Para concluir uma palavra sobre Cavaco. Cavaco nada fez para
impedir que as arbitrariedades e iniquidades desta lei entrassem em vigor.
Aceitou sem pestanejar o regime que ela consagra de imediato e contentou-se
relativamente ao que possa acontecer daqui a 5 anos (e daqui a 5 anos para a
maior parte das pessoas não acontecerá nada, porque o que tinha que acontecer
já aconteceu antes) com uma declaração pessoal da Cristas prometendo-lhe que
até lá tomará providências! Contado não se acredita…mas como está escrito tem
de se acreditar. Mas acredita-se com mais facilidade se nos lembrarmos que
Cavaco é aquela pessoa que trocou com alguém ligado à SLN uma moradia por um
terreno…tendo-lhe depois aparecido no sítio do terreno uma moradia nova bem
melhor do que a anterior ou que comprou à dita SLN um lote de acções que pouco
tempo depois revendeu a essa mesma SLN, por ajuste directo, com um lucro de
140%!
Em Portugal tudo é possível, portanto! Até ver…
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013
O QUARTO MANDATO CONSECUTIVO
BATOTA AUTÁRQUICA
A Associação Transparência
e Integridade vai pedir a declaração de ilegalidade das candidaturas autárquicas
que estão sendo anunciadas por candidatos que já desempenharam três mandatos autárquicos
consecutivos como presidente de câmara.
De facto, nem se percebe como é possível a apresentação de candidaturas
de pessoas que se encontram naquelas condições.
É que tanto infringe a lei o comportamento de quem a viola
directamente (o que aliás é o caso) como aquele que a frauda, isto é,
que contorna uma disposição legal, tentando chegar por caminhos diversos ao
resultado que a lei proibiu.
A distinção que certos políticos – e certos partidos políticos - pretendem fazer entre a mesma autarquia e uma autarquia diferente para depois concluírem que a proibição só se refere à mesma autarquia não passa dum batota que nem sequer pode ser considerada uma variante interpretativa errada da letra e do sentido do texto legal.
Se é certo que o velho princípio romano “ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus” deve ser aplicado
com cautela em matéria de interpretação das leis, também não é menos verdade
que qualquer interpretação tem de partir das próprias palavras da lei. E as
palavras da lei, salvo algumas situações que no caso em apreço se não
verificam, devem ser interpretadas de acordo com o seu sentido comum e corrente
já que é aos cidadãos que a lei se dirige e, portanto, deve entender-se que ela
reflecte tanto quanto possível aquele sentido.
Contudo, os vocábulos utilizados pelo legislador para
exprimir o seu pensamento raramente são unívocos e envolvem frequentemente múltiplos
sentidos, como aliás acontece com a linguagem em geral. Pois bem, a interpretação verdadeira e própria, ou se se preferir, a
interpretação stricto sensu, é aquela que cabe no sentido literal possível dos
vocábulos utilizados. Por exemplo, se a lei diz que determinada situação se
aplica aos filhos, poderemos discutir a abrangência deste conceito na linguagem
comum e corrente, sendo certo que ele abrange situações diversas, algumas delas
até relativamente distantes daquilo a que se poderia chamar o “núcleo” do conceito,
mas que por caberem no seu domínio marginal fazem parte do
seu sentido literal possível.
E de todos esses sentidos teremos de partir para, na sequência de um
processo interpretativo mais ou menos complexo, se concluir qual o sentido com que
a lei se deve aplicar. Para esse feito a teoria jurídica da interpretação da
lei dispõe de múltiplos instrumentos a que o intérprete deve recorrer para
saber, no exemplo dado, se a lei apenas se aplica aos filhos no sentido jurídico-biológico
do termo, ou se também abrange os adoptados, mas não já porventura os
enteados, os pupilos e os cônjuges dos nossos filhos, todos eles englobáveis
no sentido literal possível do conceito.
Mas o que está fora de qualquer dúvida é que no conceito de
filhos caibam os irmãos ou mesmo os netos. Uma busca de sentido que vá para
além do sentido literal possível já não é interpretação, mas modificação do
sentido da lei. Não quer dizer que isso não seja possível, que ao juiz esteja
vedada a possibilidade de ir além do sentido literal possível, mas aí já
estaremos no domínio do desenvolvimento judicial do direito, ou seja, no domínio
da integração de lacunas, patentes ou ocultas, estas por via daquilo a que os
juristas chamam “redução teleológica”, ou, nos casos extremos, no domínio daquilo
a que se chama o desenvolvimento do Direito superador da lei.
Se a integração de lacunas ainda cabe no domínio da
interpretação lato sensu, embora a
sua constatação e consequente colmatação estejam subordinadas à verificação de
pressupostos muito estritos, já o desenvolvimento judicial do direito superador
da própria lei é uma actividade excepcional, muito excepcional mesmo, que
somente em casos muito contados poderá ser utilizada pelo juiz sob pena de se
subverter o princípio da separação de poderes e a própria legitimidade
democrática.
Pois bem, no caso da Lei n.º 406/2005 o problema de saber se um
presidente de câmara pode exercer quatro mandatos consecutivos nem sequer se põe.
Não é preciso ser jurista para perceber a lei, basta ter a 4.ª classe, como diz
o Paulo Morais!
De facto, para que pudesse prevalecer o sentido daqueles que entendem
que a mesma pessoa pode desempenhar quatro, seis, doze mandatos, enfim, uma vida, como presidente
de câmara, desde que fosse mudando de câmara de três em três
anos era preciso que houvesse uma lacuna na lei. E não há lacuna nenhuma. A lei
é clara. Três mandatos consecutivos é o máximo que a lei permite. Não há quarto mandato consecutivo previsto na lei, seja qual for a câmara.
Para os que falaciosamente dizem que a lei se refere ao órgão
e não à pessoa que o integra, enfim, o mínimo que se poderia dizer é que então a
maior parte das câmaras tinha de ficar com o órgão vago…porque já tinha sido
preenchido três vezes consecutivas.
Em conclusão: a recandidatura ao quarto mandato é uma
ilegalidade e acima de tudo uma batota de partidos e de candidatos para quem a lei não passa de um pequeno obstáculo sempre transponível!
quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013
VOOS DA CIA
A COLABORAÇÃO
PORTUGUESA ENTRE 2002 E 2006
O relatório ontem publicado em Nova York pela investigadora
Amrit Singh da Open Society Foundation não diz nada que antes se não soubesse
sobre os voos da CIA, apenas confirma, agora com mais provas, o que já
se sabia ser o envolvimento de 54 países, entre os quais Portugal (115 escalas
em território português), em detenções à margem da lei realizadas pela CIA em
diversos países.
O que se passou em Portugal só se pode ter passado com o
conhecimento e a autorização do governo português. De vários governos
portugueses, nas datas que se tornaram do domínio público depois que foi
conhecido o envolvimento de Espanha.
Como aqui se referiu em múltiplos posts, ninguém acreditaria, por mais irrelevante que fosse o Estado “colaborante”,
que os voos da CIA tivessem usado aeroportos portugueses e cruzado o espaço
aéreo português sem autorização do Governo.
Todos aqueles que no Parlamento negaram veementemente o seu próprio
envolvimento e o envolvimento de Portugal estavam a mentir. Mas isso também já
se sabia a partir do momento em que se tornaram públicos telegramas da Embaixada
americana em Lisboa versando o assunto.
A administração americana, principalmente a de Bush, contava com amigos
muito íntimos no seio do Governo português. Como eles lutaram pelo “reforço da relação transatlântica” …e agora a América, sem mais, retira-se praticamente das Lajes, fecha-lhes comandos em Oeiras, em suma, vira-lhes as
costas e volta-se para o Pacífico. Coitados, em menos de trinta anos ficaram
órfãos duas vezes: primeiro da Guerra Fria que era a razão de ser da sua existência
política e agora da relação transatlântica. Ainda vão ter de emigrar para as ilhas Salomão
para colaborarem no fortalecimento da “relação
transpacífica”.
Lamentável a actuação da Procuradoria Geral da República que
nada viu, nada soube, nada descobriu…
Quem se habitua a desprezar e a desrespeitar os direitos dos
outros acaba mais tarde ou mais cedo por ver desrespeitados os seus próprios direitos…
A REPORTAGEM DA SIC SOBRE O BPN
A INDEPENDÊNCIA DOS REGULADORES
A reportagem da SIC
sobre o BPN, que hoje começou a ser apresentada, é a prova evidente da
promiscuidade que existe no mundo financeiro entre os reguladores e o capital
financeiro, bem como entre estes e os chamados auditores externos, constituídos
por conhecidas multinacionais que operam em todo o mundo.
O que se diz dos reguladores
do capital financeiro pode dizer-se de quaisquer outros reguladores cuja
pretensa acção fiscalizadora incida sobre actividades apenas ao alcance do
grande capital, como a energia, os combustíveis, as telecomunicações, etc.
Todos eles são
realmente independentes da democracia e do poder democrático, ao qual não
prestam contas de nenhuma espécie, não obstante da sua actuação resultarem para
os cidadãos em geral consequências tão ou mais importantes do que as que resultam
da actuação dos governos e dos parlamentos. Mas dependem em todo o lado, tanto
na Europa como na América, daqueles cuja acção eles têm por função fiscalizar.
Só podem ser nomeados para os respectivos lugares se tiverem a aquiescência dos
“regulados” e as decisões que vierem a tomar estão sujeitas ao prévio controlo ou
são mesmo induzidas pela vontade real ou presumida do "regulados", que os reguladores,
por pertenceram ao mesmo meio, conhecem perfeitamente.
O caso do BPN é a
todos os títulos paradigmático: Oliveira e Costa, o banqueiro, já tinha
pertencido à supervisão do Banco de Portugal e Constâncio, o regulador, era e é
um homem desde sempre ligado ao capital financeiro.
Por que haveria de
actuar Constâncio se o essencial do que o BPN fazia era praticamente o mesmo que
todos os demais bancos estavam fazendo?
No caso BPN - e isso não
deveria dar lugar a dúvidas - não há maus e bons. São todos iguais: os que o
geriram, os que o fiscalizaram, os que o nacionalizaram e os que o venderam.
O grande erro foi ter-se
começado a dizer que o BPN era um “caso de polícia”. Não é isso o que o
distingue. O que o distingue é a incompetência dos seus gestores, que não souberam
apresentar como um “negócio financeiro normal” a actividade do banco e a
voracidade de um conjunto de ladrões recém-saídos da pobreza ou de uma situação
remediada que quiseram em muito pouco tempo acumular grandes fortunas pessoais,
coisa que nos bancos com tradição tem outro ritmo e outro tempo de concretização.
Essa a especificidade do BPN.
segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013
A MINI REMODELAÇÃO DOS “AJUDANTES”
O MINISTÉRIO DA
ECONOMIA
A remodelação dos secretários de Estado do Ministério da
Economia significa politicamente o reconhecimento da falência da acção política
do ministério. Como Passos Coelho e Relvas não podem mexer no Ministro, rodearam-no
de gente sua na esperança de que daqui para a frente as coisas possam ser um
pouco diferentes.
Não podem mexer no Ministro porque a sua substituição traria
imediatamente à tona os apetites do CDS pelo ministério, para cuja pasta se perfilam
desde o início dois conhecidos “gabirus” intimamente ligados ao grande capital e
à alta finança. E essa “prenda” era tudo o que Passos e Relvas jamais dariam ao
CDS na presente conjuntura política.
No Ministério da Economia manteve-se o homem do Relvas, ligado
às privatizações, feitas ou a fazer, na área da sua competência. É também por
intermédio dele ou sob a sua influência que se contratam para “acompanhar” as
privatizações os escritórios de advogados de gente do PSD politicamente íntima
de Relvas. Para além do dinheiro que esses escritórios ganham na “nobre tarefa”
de que são incumbidos, em regra uma tarefa para o desempenho da qual as
Finanças já lá tinha os seus, eles ficam também a saber tudo o que se passa nas
respectivas empresas e sobre as respectivas empresas. E esse conhecimento é
muito importante…pois permite à gente do Governo que os recomendou ficar muito “habilitada”
para as conversas que costuma ter com os potenciais compradores, conversas, como
eles reconhecem, indispensáveis para a realização de um “bom negócio”. As
coisas ainda se tornam mais interessantes quando por um
daqueles acasos em que a vida é fértil existe uma ligação estreita entre os que
assessoram o Governo e os que assessoram os potenciais compradores…
Entre os novos, lá vem o homem da SLN. Uma escolha na qual é impossível
não ver a mão de Relvas e do seu “irmão siamês”, Passos Coelho….bem como
daqueles que estando afastados lhes são próximos. Todavia, o Álvaro pode não
estar completamente inocente na escolha de Franklim Alves. A “Viseu
connection” é muito provável que tenha desempenhado aqui algum papel,
dado a importância que teve e continua a ter na SLN, bem como no PSD. Mas esta escolha é também um aviso e um xeque-mate a Cavaco. Como Cavaco
tem por resolver aquela questão das acções da SLN, eles acharam que o poderiam formalmente co-responsabilizar pela nomeação, já que lhe faltava autoridade para formular qualquer objecção, mesmo em jeito de conselho paternal.
O comentário do Prof. Marcelo sobre a conversa que teve com
Franklim é uma boa explicação …mas apenas para aquelas aulas das disciplinas
que o Relvas frequentou para se licenciar….
Por explicar fica a substituição da Secretária do Estado do
Turismo. Provavelmente alguma questão interna do CDS. Quanto ao do Emprego, é
um “rebuçado” à UGT que juntamente com o Álvaro muito tem feito pela “reforma”
do trabalho…
Para terminar: é óbvio que o que se passa no Ministério da
Economia em matéria de “crescimento” não tem nada a ver, ou tem pouquíssimo a ver,
com a inoperância do Álvaro. O Álvaro tem feito, com a colaboração da UGT, o que
lhe é pedido na destruição da regulamentação laboral e nessa medida tem
cumprido integralmente. Seria difícil ir mais longe. Mas quanto ao resto, por muita
capacidade que ele tivesse, nada poderia fazer. Posto perante uma política de
deflação salarial em grande escala, que ele continua a ajudar a pôr em prática, de
cortes maciços no investimento público, com vista à brutal retracção da procura
interna, como iria ele promover o crescimento? Com incentivos à exportação?
Isso até já se fez em muito maior escala no governo anterior. Mas não chega. Embora os resultados sejam relativamente favoráveis, não se pode perder de vista que num
país com uma estrutura económica como a do nosso as exportações serão sempre
insuficientes para relançar o crescimento. Mas já teriasido possível, se as coisas não
estivessem a ser tratadas no domínio do mais obcecado fundamentalismo, promover o crescimento da produção interna com vista à
substituição ou, pelo menos, à redução das importações, em sectores importantes
da economia portuguesa. Só que disso o Governo não cura, convencido como está de
que uma fénix acabará por renascer das cinzas resultantes da destruição do
modelo económico herdado.
E assim se vai afundando o país para níveis anteriores ao 25
de Abril, como já acontece com o consumo de cimento! Nenhum país pode aspirar a
um nível razoável de bem-estar sem uma robusta procura interna por mais pequeno
que seja o seu mercado no contexto mundial. A arte está em saber direccioná-la para
a produção nacional, ou de grande valor acrescentado nacional, nos domínios
onde tal seja possível. E isso o Governo não faz, nem quer fazer.