quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

RESPONSABILIDADE DA ITÁLIA?


 
EM BREVE, TUDO MESMA
Está para ai meio mundo preocupado com as eleições italianas, o meio mundo dos ricos, não deixando muitos dos seus mais conhecidos representantes de insinuar uma espécie de censura por os italianos não terem sabido escolher como deveriam ou então, ainda pior, fazendo inequívocas pressões para que se entendam, com sacrifício dos seus próprios interesses, custe o que custar.
E nesta exemplar demonstração de democracia que, pelos vistos, nada incomoda Francisco Assis, nem António Costa, nem tão pouco Santos Silva, todos eles muito mais preocupados em assegurar a liberdade de expressão do Relvas contra as “manifestações totalitárias” dos estudantes do ISCTE, verifica-se, para além deste eloquente silêncio, a inaudita situação de a preocupação pela situação italiana parecer tão genuinamente sentida por aqueles que são verdadeiramente a causa de tudo o que se está a passar na Europa como pelos que são, em grande medida, as suas vítimas.
De facto, as eleições italianas exprimem com razoável clareza a rejeição da política europeia através de um conjunto de manifestações variadas, por meio das quais os eleitores tentaram encontrar um caminho alternativo que ponha definitivamente termo àquilo que inequivocamente não querem. Elas representam, por outras palavras, a derrota inequívoca das políticas impostas por Berlim, com o subserviente apoio do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia, além naturalmente da do grande representante do capital financeiro no plano mundial - o Fundo Monetário Internacional.
A derrota de Monti, imposto como primeiro-ministro pelas entidades acima referidas, e depois “levado ao colo” durante meses a fio por aqueles mesmos interesses não tem duas explicações possíveis. Os eleitores não querem ser governados pela longa manus da Goldman Sachs, nem aceitam que sejam os estrangeiros a ditar as políticas do seu país.
E tendo presente esse objectivo reagem como sabem ou podem sem nunca perderem de vista o contexto em que todo este grande drama se está a desenrolar. Há eleitores que têm fundadas razões para desacreditarem dos políticos e os associarem às mais variadas formas de corrupção, supondo que o meio mais eficaz para ultrapassar essa degradação moral que corrói hoje a maior parte das classes políticas é entregarem o poder a não políticos. E depois são esses mesmos políticos e os comparsas que diariamente os defendem nos media, tentando sempre encontrar uma boa justificação para comportamentos reprováveis, que apodam de populistas aqueles que os rejeitam em vez de imputarem a esses políticos e a essa degradação da política o resultado a que se chegou.
Mas a derrota de Monti está ainda muito presente na votação daqueles que abertamente se opuseram às políticas de austeridade e recusam que a Itália seja conduzida a partir de fora com receitas que os italianos recusam. É inegável que a votação de Berlusconi só pode ser entendida em toda a sua dimensão se se entrar em linha de conta com estes novos factores, que nunca estiveram presentes em campanhas anteriores.
Dai as dificuldades que Bersani vai ter para formar governo. Ele não vai ter apoio nas câmaras para uma simples actuação cosmética relativamente às políticas de Bruxelas, o mesmo é dizer, impostas por Berlim.
Isto não quer dizer que não existam problemas graves na Itália. Existem problemas graves na Itália, como existem em muitos outros países. Agora, o que se sabe – e o hoje já só não sabe quem, além de não ser capaz aprender com os erros alheios, também se revela incapaz de aprender com os próprios – é que o caminho que tem sido seguido na Europa por imposição de Berlim não resolve, antes agrava, os múltiplos problemas com que a generalidade dos europeus se defronta.
E a prova de que o "edifício" está preso por arames é que à menor oscilação tudo fica de novo imediatamente posto em causa. Essa instabilidade, ao contrário do que se possa pensar, pode ser positiva e benéfica, apesar do agravamento momentâneo da situação de alguns (bastantes) países. Será esse desequilíbrio que porventura irá permitir que algum país se predisponha a fazer frente à Alemanha, ameaçando-a com a única arma que realmente a pode fazer tremer – a rotura do equilíbrio monetário.
Os europeus, os que estão a sofrer na pele as dramáticas consequências das políticas de austeridade, têm de se convencer que isto por que estão a passar não é o resultado de um desajustamento que possa ser corrigido, com mais ou menos sacrifício, com vista ao retorno a uma equilibrada situação anterior. Não, o ajustamento que está sendo feito em nome do desajustamento existente visa consolidar posições de hegemonia, agravar e fortalecer desigualdades sociais e entre países, de modo a garantir a permanência de situações de domínio.
O que se está a passar é uma guerra de tipo novo em que por via da economia se pretendem alcançar posições que antes só poderiam ser garantidas pela força das armas. E numa guerra só pode ganhar quem tiver a coragem de lutar.
É por isso que Churchill ficará para sempre na História, sendo com a passagem do tempo cada vez mais irrelevante que ele tivesse sido considerado um grande reaccionário, colonialista, causador de um dos maiores massacres da I Guerra Mundial e que inclusive tenha recusado render-se porventura por razões hoje muito pouco louváveis. O que conta, o que sempre ficará na História, é que ele lutou sozinho durante cerca de dois anos num tempo em que a derrota parecia inevitável.
É o que hoje faz falta!

domingo, 24 de fevereiro de 2013

LIMITAÇÃO DE MANDATOS AUTÁRQUICOS



TENHAM VERGONHA, LARGUEM O PODER!

É lamentável que em Portugal se continue a desacreditar a política com pseudo interpretações de normas que expressamente proíbem a renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais. É lamentável que essa mesma classe política se predisponha através de falácias e da mais pura chicana política torpedear o sentido de uma lei claríssima com base em minudências que nada significam mas que estão sendo manhosamente usadas para abrir uma frecha por onde possam infiltrar-se para, em defesa de interesses inconfessáveis, tentar perpetuar no poder autárquico certos agentes seus. Aliás, o afinco voraz com que se pretendem introduzir por essa pequena frecha, onde manifestamente não cabem sem derrube da estrutura, só demonstra a imensa má fé com que já estavam quando, antes da frecha se abrir, tentavam entrar, arrombando a porta!

sábado, 23 de fevereiro de 2013

ZECA AFONSO, SEMPRE!

GRÂNDOLA , VILA MORENA
 
O POVO É QUEM MAIS ORDENA!
 

LIMITAÇÃO DOS MANDATOS AUTÁRQUICOS - A RELEVÂNCIA DE NOVOS ELEMENTOS


 

O PROBLEMA DA RECTIFICAÇÃO

 


Soube-se agora que há uma divergência na lei de limitação dos mandatos autárquicos (Lei n.º 406/2005) entre o texto que foi remetido para publicação, depois de cumpridas todas as formalidades legais e constitucionais, e o texto publicado. Até aqui nada de novo, como adiante se explicará. A rectificação das leis existe exactamente para sanar estas divergências. Acontece, porém, que esta divergência não decorre de um típico erro material do processo de impressão e publicação da lei, mas de uma correcção feita pela Casa da Moeda Imprensa Nacional, ao que se diz, ao abrigo de um acordo (tácito ou expresso) com o Parlamento que teria autorizado a Imprensa Nacional a fazer, nos textos para publicação, as correcções de acordo com as regras de revisão.
O Parlamento pode combinar o que bem entender com a Imprensa Nacional em matéria de revisão de texto. O que não deve é permitir que a Imprensa Nacional modifique um texto, seja a que título for, depois de promulgado pelo Presidente da República, ou mais correctamente, depois de cumpridas todas as formalidades legais e constitucionais. Se o Parlamento ou o Governo querem ter a certeza que os textos aprovados estão redigidos em português correcto devem enviá-los à Casa da Moeda para esse efeito antes de os remeterem ao Presidente da República para promulgação ou assinatura. É certo que o Parlamento ou o Governo têm sempre à sua disposição o instituto da rectificação que poderá ser usado quando entendam que as correcções introduzidas alteram o sentido da lei. Também é certo que o Governo e o Parlamento dispõem de serviços que acompanham a conformidade dos textos publicados com os textos originais, mas nada disso justifica que a Casa da Moeda esteja autorizada a corrigir os textos que recebe para publicação.
Provavelmente, para não dizer seguramente, que este “acordo” com a Imprensa Nacional foi feito por tanto o Governo como o Parlamento acreditarem pouco na eficiência dos seus serviços de “fiscalização de conformidade”, evitando por aquela via os gravíssimos inconvenientes que sempre decorrem da publicação de textos legais defeituosos.
Seja por esta ou por outra razão quando há uma divergência entre o texto original e o texto publicado essa divergência pode ser sanada por via da rectificação.
A rectificação é feita mediante declaração do órgão que aprovou o texto original, tem lugar quando há uma divergência entre aquele texto e o texto publicado e destina-se a sanar com efeitos retroactivos esse erro material. Para que a rectificação possa fazer-se é necessário: 1.º que se trate de um diploma publicado na 1.ª série do DR; 2.º que exista uma divergência entre o texto original e o texto publicado; 3.º que a correcção seja feita até 60 após a publicação do texto rectificando.
A não observância deste prazo determina a nulidade da rectificação.
Para efeitos de rectificação o que é o texto original? O texto original só pode ser o que é remetido para publicação depois de cumpridas todos os requisitos legais e constitucionais. Só este texto assegura integralmente a seriedade das rectificações e impede que por via delas se façam verdadeiras alterações retroactivas aos diplomas publicados. É certo que relativamente aos diplomas aprovados pelo Parlamento, dada a natureza deste órgão e o seu modo de funcionamento, dificilmente a “batota” seria possível, mas já relativamente ao Governo (ou a outra entidade com acesso à 1.ª série) ela seria muito fácil de pôr em prática. E como não pode haver um regime para o Parlamento e outro para as demais entidades, o critério a ter em conta para efeito de aferição da existência de erro material tem de ser o acima indicado. Além de que, de outro modo, nos diplomas que exigem a promulgação ou outra intervenção do Presidente da República se estaria a dar força normativa a um texto que o PR efectivamente não promulgou ou no qual não interveio.
Dito isto, não há qualquer dúvida que a divergência existente na Lei n.º 406/2005 entre o texto original e o texto publicado já não pode ser rectificada. É esse o regime da Lei n.º 74/98 (com as alterações introduzidas pelas Leis n.ºs 2/2005, de 24 de Janeiro; 26/2006 de 30 de Junho; e 42/2007 de 24 de Agosto) que limita a rectificação, como acima se já disse, ao prazo de 60 dias após a publicação do texto rectificando.
Portanto, a lei de limitação dos mandatos autárquicos que está em vigor é a que foi publicada no Diário da República sob o n.º 406/2005. Não se trata de um texto apócrifo, logo inexistente, apesar da natureza do erro que contém. Trata-se de um erro que poderia ter sido corrigido se o Parlamento tivesse entendido que a divergência existente representava uma alteração do sentido da lei. Como não achou, deixou-a ficar como foi publicada de acordo com o tal entendimento existente com a imprensa Nacional sobre a revisão de textos.
Evidentemente que o Parlamento pode, se tiver a maioria necessária para esse efeito, fazer uma nova lei com a tal redacção que constava do texto original ou outra. Mas será uma nova lei. E mesmo que o Parlamento a denomine lei interpretativa, reproduzindo o texto original ou dando um novo sentido ao texto em vigor, ela não será uma lei interpretativa verdadeira e própria. Será uma lei que o Parlamento denominou interpretativa para, por essa via, lhe atribuir efeitos retroactivos. Só que neste caso, como a retroactividade tem limites constitucionais, será necessário averiguar se os infringe ou não.
Em conclusão: a descoberta de Cavaco (os jornais dizem que foi Cavaco que descobriu a divergência – sete anos sempre dão para alguma coisa…) não altera rigorosamente nada a interpretação que aqui havíamos feito. O texto legal tal como está redigido está num português perfeito; se estivesse redigido como consta do texto original quereria dizer exactamente a mesma coisa, apenas estaria redigido num português menos correcto. Para efeitos de interpretação, o texto original, mesmo que se lhe atribua o valor que se atribui aos chamados trabalhos preparatórios, já que outro não pode ter, não acrescenta nada de relevante. A lei, em sede interpretativa, não tem outro sentido que não seja a proibição do quarto mandato consecutivo aos presidentes da câmara e da junta de freguesia qualquer que seja a autarquia a que se candidatem.




sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

O EURO E NÓS


 

NÓS E A ALEMANHA

  Continuo a supor que, se nos longínquos anos de meados da década de sessenta do século passado, na prova escrita de Moeda, tivesse sido perguntado aos alunos do terceiro ano da Faculdade de Direito de Coimbra, que vantagens e desvantagens decorreriam para Portugal, no plano estritamente económico, sem entrar em linha de conta com considerações de ordem política, da adopção do dólar americano, em substituição do escudo, como moeda corrente na “Metrópole e Ilhas adjacentes”, a resposta seria seguramente negativa porque todos estavam em condições de perceber, depois do que tinham estudado e dos debates havidos nas aulas sobre a então ainda hipotética mas muito falada desvalorização da libra no governo de Harold Wilson, que as desvantagens dessa alteração monetária seriam ruinosas para a economia portuguesa.
Algumas décadas mais tarde, os ministros das Finanças de Cavaco e de Guterres – todos, sem excepção – bem como os governadores e os técnicos superiores do Banco de Portugal, encararam a entrada na moeda única europeia, o euro, como uma grande vitória de Portugal. Importante era estar no pelotão da frente, como eles então diziam.
Ao reler hoje as páginas escritas por muitos desses especialistas percebe-se como as grandes opções de política económica, não apenas em matéria de moeda, mas em todos os domínios, nada tem de racional e muito menos de científico. São acima de tudo ditadas por considerações de ordem ideológica. E pelas múltiplas fantasias que a partir delas se concebem.
E na altura até havia dados empíricos muito recentes, decorrentes da crise monetária de 1992/93 e do posterior colapso do SME, que numa análise prudente levariam exactamente à conclusão oposta. Mas nada disso foi tomado em conta, apesar dessa crise monetária ter tido consequências em Portugal, traduzidas em desvalorizações do escudo, aliás sobreavaliado pela política monetária de Cavaco.
Quem não se lembra de uma entrevista de Miguel Beleza, ex-Ministro das Finanças de Cavaco, exultando com a adesão de Portugal ao euro, por assim se poder concretizar, dizia ele, um “dos grandes desígnios” (eles gostam muito da palavra, talvez por cheirar a Providência Divina) do Prof. Cavaco Silva, que era o de Portugal poder contrair empréstimos no mercado internacional ao mesmo juro da Holanda!
Acreditava-se, à revelia das experiências históricas conhecidas, que a adesão à moeda única integrava rapidamente as economias, com diferentes graus de desenvolvimento e de competitividade, pertencentes ao mesmo espaço económico quando na realidade as afasta, tanto mais quanto mais inexistentes forem os mecanismos de compensação. E mais grave ainda, o facto de realmente se tratar de várias economias e não de uma única economia com estadios e ritmos de desenvolvimentos  diferentes, acaba por empurrar as menos competitivas para insustentáveis situações de endividamento.
Pois bem, a adesão ao euro deu no que se está a ver. Mas não só. O euro, como toda a gente hoje (parece que já) percebeu, é uma moeda alemã, criada à imagem e semelhança do deutsche Mark, para vigorar numa União Monetária constituída por economias profundamente desiguais e dirigida por um banco central que obedece às mesmas regras que antes regiam o Bundesbank. Uma moeda de que a Alemanha hoje se serve para oprimir as economias europeias que com ela integram a mesma união monetária.
O euro, apesar da crise que o afecta e que está sendo relativamente superada à custa de sacrifícios brutais impostos pela Alemanha às demais economias da zona monetária comum, mais exactamente, a todas as economias que não fazem parte do chamado núcleo do deutsche Mark - Áustria, Holanda e Finlândia – o euro, dizíamos, não obstante a crise que o afecta, continua a valorizar-se face ao dólar.
Segundo a Morgan Stanley, a Alemanha pode suportar uma taxa de câmbio de 1,53 dólar, embora segundo o Deutsche Bank essa taxa pudesse subir, sem risco para os interesses alemães, até 1,94 dólar. Economias muito mais fortes do que a portuguesa, como, por exemplo, a francesa, já começam a ter grandes dificuldades quando a taxa de câmbio ultrapassa 1,23 dólar.
E por que razão a Alemanha suporta o euro forte e os outros não?
Como a Alemanha exporta produtos de alta gama, a questão do preço desses produtos no mercado internacional, embora não seja despicienda, não assume a mesma importância que assume em economias como a portuguesa, cujos produtos se forem caros podem facilmente ser substituídos por outros equivalentes mais baratos. Mesmo as economias com produtos de gama média, como a francesa, ressentem-se profundamente com a valorização cambial do euro.
É esta política vantajosa para a Alemanha? Sabe-se que uma velha aspiração alemã, conhecida desde o início do seculo XX, era a desindustrialização da Europa, reduzindo-a a zonas de produção agrícola e de recreio - assim uma coisa à moda do que Portugal está sendo hoje -, hegemonizando ela a grande produção industrial.
Dir-se-á: mas essa política é ruinosa para a Alemanha que tem na zona euro o seu principal mercado. Certamente. O euro forte, pelos efeitos que provoca nas demais economias europeias, acabará por ser prejudicial à Alemanha, da mesma forma que as políticas recessivas que a Alemanha está impondo à Europa também acabarão por lhe ser prejudiciais. E todavia…a Alemanha não muda, nem mudará de rumo enquanto se mantiver como potência económica hegemónica.
É que para a Alemanha as coisas não são assim tão claras como a nós nos parecem. Basta olhar para o passado. Indo ao mais recente: o modo como a Alemanha conduziu a última guerra tanto no plano político como militar; como tratou os povos dos territórios conquistados, principalmente os Untermenchen; como pretendeu “resolver o problema dos judeus”, entre tantas outros exemplos que poderiam ser apontados, são a prova de uma profunda irracionalidade. E todavia…tudo foi feito até ao fim.
É bom nunca esquecer que para os alemães “tudo o que é real é racional…”
Por isso, perante este dramático quadro em que a adesão europeia e a moeda única nos enredaram, nós encontramo-nos numa situação muito difícil.
Uma situação em que ficar onde estamos significa a degradação sucessiva e acentuada da nossa soberania, da nossa dignidade, em suma, do nosso futuro. Hoje os mais jovens ainda vão tendo capacidade para emigrar em condições muito diferentes das da década de sessenta do século passado e de outros períodos da nossa história, porque estudaram, porque se prepararam tão competentemente como os demais; amanhã, cada vez serão menos os que terão acesso a essa educação superior e indiferenciados é tudo o que a globalização não precisa.
Mas é também uma situação em que sair (deste quadro em que estamos inseridos e do modo como estamos inseridos) significa regressar a um ponto anterior ao ponto de partida. De facto, não obstante todos os progressos havidos em vários domínios, não podemos perder de vista que muitos deles não são sustentáveis e outros servem hoje mais quem está fora do que quem está dentro. Seria preciso, portanto, começar de novo em todas aqueles domínios em que a destruição de que fomos vítimas não causou danos irreparáveis. É uma via difícil, mas é a única com futuro, a única que assegura um futuro às gerações vindouras.
E teria uma vantagem indiscutível cujo efeito ninguém pode prever em toda a sua extensão: a vantagem de afrontar a hegemonia alemã sobre a União Europeia. Algo que fatalmente vai acontecer na Europa e que só ainda não aconteceu porque a Inglaterra está fora da moeda única.

POLITEIA - V ANIVERSÁRIO

A LUTA CONTRA A DEGENERAÇÃO DA DEMOCRACIA
 
 
Faz cinco anos que a Politeia nasceu - o tempo de uma licenciatura à moda antiga. Tem sido um tempo difícil, marcado pela acentuada degeneração da democracia, que gradualmente se vai transformando numa triste e perigosa caricatura daquilo que realmente é.  
Este blogue tem pautado a sua linha de actuação contra essa degeneração da democracia em todos os domínios da vida pública.
O nosso alvo é o poder instituído. O poder que desde há décadas se apropriou da democracia, baseado numa insuficiente, porém excludente, legitimidade procedimental, para a corromper e degradar, fazendo dessa apropriação o instrumento privilegiado de defesa de interesses particulares.
O nosso objectivo é contribuir por pouco que seja para a restauração dos princípios democráticos; o nosso objectivo é participar na luta por um governo para o Povo!
 

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O PS E A LEI DAS RENDAS


 

O QUE QUER REALMENTE O PS?
Manifestação, junto ao ministério da agricultura, da Associação dos Inquilinos de Lisboa para pedir a revogação da lei do arrendamento



O líder parlamentar do PS, Carlos Zorrinho, anunciou hoje que o seu partido iria pôr a debate na próxima semana uma proposta de alteração da Lei das Rendas.

É bom que se perceba com clareza o que pretende o PS. As informações prestadas por Zorrinho à comunicação social estão longe de ser concludentes.

Quando Zorrinho diz que o PS quer repor um período de transição de 15 anos (que era, pelos vistos, o que constava do programa eleitoral do PSD e do programa de governo) de que é que Zorrinho está a falar? Do chamado período de transição que consta da lei, estendendo-o de 5 para 15 anos?

Se é isto mais vale que o PS esteja quietinho. Como aqui neste blogue já se demonstrou não há nenhum período de transição na lei em vigor. Há, no essencial, para os arrendamentos para habitação anteriores a 1990, dois regimes consoante o rendimento bruto do agregado familiar (RABC) do inquilino é superior ou inferior a cinco retribuições mínimas anuais nacionais (RMNA), qualquer que seja a sua idade ou o seu grau de deficiência.

O período de cinco anos previsto na lei não constitui por si só um verdadeiro regime de transição, porque, para os inquilinos com rendimento bruto do agregado familiar superior a 5 RMNA, ele terá pouquíssimas hipóteses de ser aplicado em virtude de a sua aplicação elevar o montante da renda para valores incomportáveis com aumentos da ordem dos 400, 500 e até 1000%! Não há com esta configuração nenhum regime jurídico que possa ser apelidado de transição! É um regime inovador, perversamente chamado de transição, bem ao estilo da governação do CDS e dos seus ministros.

Mas o regime também não é de verdadeira transição para os inquilinos cujo rendimento bruto do agregado familiar seja inferior a 5 RMNA, porque os aumentos de renda a que ficam sujeitos, nomeadamente – mas não só – os rendimentos superiores a 1500 € mês, são igualmente incomportáveis, atingindo frequentemente 50, 60%, ou até mais, do rendimento líquido das famílias, em virtude dos brutais cortes e da onerosíssima carga fiscal incidente sobre os ordenados e as pensões.

Portanto, se a ideia do PS é aumentar para 15 anos o período de 5 anos previstos na lei, como pareceu já ter sido essa a sua vontade na fase de discussão e votação no Parlamento da proposta de lei, teremos, mais uma vez, o PS no seu melhor.

É o PS sócio da Troika que em nada se distingue, no essencial, do PSD e das suas políticas. Muita conversa, muita abstenção violenta, mas na hora da verdade o que realmente fica é a imagem de uma tosca maquilhagem feita com produtos de barata demagogia.

Se o PS realmente quer estabelecer um período de transição digno desse nome e em consonância com os princípios estruturantes do Estado de direito democrático, a primeira coisa que tem a fazer é propor, na ausência de acordo entre as partes, a fixação legal da renda em 3%, o máximo 3,5%, do valor patrimonial tributário do locado a atingir num período de 15 anos, mediante aumentos escalonados ao longo desse período (sobre os quais incidiria, em cada ano, o coeficiente de aumento das rendas) e continuar a admitir a atribuição de subsídios (directamente entregues aos senhorios) para os rendimentos abaixo de certo montante.

E mesmo assim ficaria por resolver uma questão importante: a influência do grau de conservação do locado na fixação da renda.

Se alguém interessado quiser fazer chegar este post e o anterior ao Grupo Parlamentar do PS, enfim, seria pelo menos suficiente para doravante se saber que o PS não actuou por ignorância…



quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

O ÊXITO CONTINUA


 
 
É A VERTIGEM DO SUCESSO!
 
Gaspar anunciou no Parlamento o que qualquer pessoa minimamente informada já sabia. Melhor: Gaspar começou a anunciar o que vai acontecer. Porque o que vai acontecer não é o que Gaspar comunicou. A recessão não vai ser em 2013 o dobro da prevista. Vai ser muito maior. No mínimo, o triplo, ou seja, 3%, mas é provável que vá além.
Porquê? Porque depois do ataque que eles fizeram à procura interna este ano, superior ao que fizeram no ano passado, acompanhado da recessão na Europa, principalmente em Espanha, nosso principal cliente, a recessão só poderá aumentar.
Os gauleiters da Merkel estão a destruir este país. Temos de correr com eles. É uma exigência da democracia.
Justifica-se uma reflexão, de preferência à escala europeia, no mínimo à escala nacional, sobre o papel da Alemanha nesta crise. Uma reflexão que tome na devida conta a história da Alemanha no relacionamento com os outros povos, principalmente no século XX.
Por agora ficamos aqui, na certeza de que esta não é uma questão menor.

A DIATRIBE DO SR. SANTOS SILVA (AUGUSTO)


 

TENHA VERGONHA!
 

 Para o sr. Santos Silva (Augusto) a democracia é um jogo, um joguinho floral, que se pratica ali para os lados de S. Bento: ora dizes tu, ora digo eu (ai que interessante fomos, ai que bem nos saímos…) e logo à noite encontramo-nos todos no Gambrinos ou no Procópio, mesmo que em mesas diferentes.
Mas para os professores que perderam o emprego e a casa, para os estudantes que não podem estudar porque não têm dinheiro para pagar a estadia e as propinas, para os velhos que a Cristas vai despejar, para os doentes que não vão ao hospital porque não têm dinheiro para o co-pagamento e para tantos e tantos outros que os “relvas” deste país marginalizaram e remeteram para uma vida sem futuro, a democracia não é um joguinho. É a vida. E pela vida luta-se com as armas que temos na mão!

O RELVAS E CERTOS COMENTADORES DO PS


 

DUAS CONCEPÇÕES DE DEMOCRACIA
Estudantes obrigam Relvas a abandonar conferência

 

É difícil não dizer, com muita mágoa nossa, que o Relvas esteve melhor nas vaias de ontem e de hoje do que alguns responsáveis do PS que as comentaram (Santos Silva e Proença).
 
Relvas, mal ou bem, com aquela cara sem vergonha que Deus lhe deu, lá foi dizendo que eram ossos do ofício aquilo por que passou e que estava preparado para continuar a passar. Não interessa o que ele estava a pensar nem o que provavelmente vai tentar fazer. Interessa o que ele disse.

Mas para Santos Silva (Augusto) e Proença (UGT) foram actos antidemocráticos que empobrecem e envergonham a nossa democracia.

Felizmente, os estudantes responderam com toda a propriedade a todos aqueles que lhes perguntaram se os protestos não teriam sido exagerados.

Responderam bem. Democraticamente, enumerando os exageros e a violência do Governo.

Há aqui duas concepções de democracia: a do Governo e a dos responsáveis do PS que entendem que tudo o que o Governo faz é legítimo…porque foi eleito, independentemente de eles concordarem ou não com a governação. E a dos estudantes – que é também a nossa - que é uma concepção substantiva de democracia: se é preciso ser eleito para governar, não basta ser eleito para que todos actos de governação sejam legítimos.

Por favor, não desmobilizem. Mantenham-se violentamente abstencionistas, mas não desmobilizem!

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

LEI DAS RENDAS – AS MENTIRAS DA MINISTRA CRISTAS



AS VERDADES QUE A MINISTRA ESCONDE

Sobre a lei das rendas – novo regime do arrendamento urbano, Lei n.º 31/2012 de 14 de Agosto – tem havido muita contra-informação, muitas mentiras que tentam esconder o verdadeiro regime da lei elaborada pela Ministra Cristas - certamente com a colaboração da Ministra Von Hafe, pelo menos em matéria de despejo -  que o Parlamento aprovou, sob proposta do Governo.

A lei, apesar de complexa e redigida de forma confusa, quase incompreensível para a generalidade daqueles que têm de suportar as consequências mais dramáticas da sua aplicação, pode com algum trabalho de síntese ser explicada em termos simples.

Não é bem isso que vamos fazer neste post por este blogue não ser um lugar de comentário jurídico; vamos apenas enunciar, em termos compreensíveis por toda a gente, as grandes linhas do regime jurídico previsto na lei, nomeadamente no que se refere aos arrendamentos para habitação anteriores a 1990 (arrendamentos de pretérito).

A primeira conclusão que se pode tirar da leitura da nova lei é que ela consagra em toda a linha os princípios neoliberais que tem norteado a política económica do Governo, agravando e precarizando a posição do inquilino, tratando-o como uma espécie de intruso tolerado com o qual se pode “correr” à menor contrariedade. É bom que se diga que, com excepção dos arrendamentos anteriores a 1990, o contrato de arrendamento desde há muitos anos deixou de estar sujeito em Portugal à chamada legislação vinculística, contrariamente ao que por aí é veiculado, quando se pretende imputar à legislação pré-existente a ausência de um mercado de arrendamento. Nos termos da legislação agora em vigor, a grande diferença relativamente ao regime dos arrendamentos posteriores a 1990 é o agravamento da posição contratual do inquilino, precarizando-a, a ponto de se poder dizer que neste tipo de contrato, porventura mais do que em qualquer outro, salvo o contrato de trabalho, a lei desequilibra impositivamente as obrigações e os direitos de cada uma das partes tornando-as ainda mais desiguais do que realmente seriam se a lei as considerasse iguais – esta a verdadeira essência do neoliberalismo!

Se esta é a caracterização jurídica dos arrendamentos posteriores a 1990, pode afirmar-se sem receio de errar que o regime jurídico a que ficam sujeitos os arrendamentos anteriores a 1990 ainda é mais grave. De facto, no estabelecimento do novo regime a lei fez tábua rasa dos grandes princípios constitucionais estruturantes do Estado de direito. Quando a direita em Portugal clama contra a Constituição, como se nela residissem os males que afligem o país, o que verdadeiramente pretende atacar é o Estado de direito e substituir os conhecidos princípios da igualdade, da proibição do excesso, da proporcionalidade, da confiança e da segurança jurídica, entre outros, pelos “princípios” da arbitrariedade e da prepotência legislativa. É por essa prática se ter tornado cada dia mais evidente que igualmente se torna mais imperdoável o comportamento de certos constitucionalistas que, depois de se terem arvorado nos grandes arautos do Estado de direito democrático, se refugiam agora em complexas “problematizações da problemática” com que o Governo se defronta, tentando com essas pretensas teorizações encontrar ou deixar implícita uma via de justificação para o que está sendo feito em todos os domínios da vida pública portuguesa.

Indo agora directamente à explicação do regime legal:

1 - No que respeita aos arrendamentos de pretérito, a lei estabelece um pseudo regime de transição de 5 anos para os inquilinos com idade igual ou superior a 65 anos; com deficiência comprovada superior a 60% de incapacidade física; e com um rendimento bruto do agregado familiar (RABC) inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA).

É um pseudo regime de transição por duas razões: primeiro, porque não é um regime de transição, é um regime novo – inovador sob todos os aspectos, alterando profundamente o regime anterior; e depois, porque poucos serão os inquilinos que terão possibilidade de manter as casas que actualmente habitam durante os próximos cinco anos.

2 - Por outro lado, é igual falso que a lei proteja especialmente os mais velhos e os deficientes. Estas características na prática não induzem a aplicação de um regime legal diferente do que é aplicado aos inquilinos com menos de 65 anos e sem deficiência física relevante, nem levam ao cálculo de uma renda distinta da exigida a estes. Tanto a uns como a outros acaba por aplicar-se o regime imposto por lei que fixa uma renda equivalente a 1/15 avos do valor patrimonial tributário do prédio, calculado nos termos do art.º 38.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), ou seja, uma renda estratosférica traduzida na esmagadora maioria dos casos em aumentos de 300, 400, 500 e até 1000%!

3 - A única diferença juridicamente relevante é a que se baseia no rendimento bruto do agregado familiar do inquilino (RABC), consoante ele for superior ou inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA). Enquanto no primeiro caso a renda acaba por ser estabelecida por referência ao valor patrimonial tributário do prédio, no segundo ela será fixada por referência ao rendimento bruto do agregado familiar – 10% para o rendimento bruto mensal inferior a 500 €; 17% para o rendimento bruto mensal inferior a 1500 €; e 25% para o rendimento bruto mensal superior a 1500 €.

O facto de existir esta diferença de regime com base no rendimento - a única na prática verdadeiramente relevante – não significa que haja uma verdadeira protecção para os rendimentos inferiores a cinco retribuições mínimas nacionais anuais. Primeiro, porque se trata do rendimento do agregado familiar e depois porque o rendimento que se toma em conta é o rendimento bruto. Ora, considerando os brutais “cortes” que têm sido feitos nas pensões e nos vencimentos do sector público, bem como os impostos que incidem sobre o rendimento em geral, o montante da renda a pagar nada terá a ver com as percentagens anunciadas, podendo antes ir nos rendimentos superiores a 1500 € a mais de 50% ou 60% do rendimento líquido!

4 - É também falso que a indemnização prevista na lei por denúncia do contrato por parte do senhorio, equivalente a 60 meses do valor médio da proposta inicial do senhorio e da contraproposta do inquilino, seja na prática operativa. De facto, nenhum senhorio no quadro deste regime legal vai denunciar o contrato para reaver o prédio mediante o pagamento de uma indemnização quando tem à sua disposição um meio alternativo que lhe assegura o mesmo resultado ou, não sendo esse o caso, uma retribuição óptima do local arrendado. Na verdade, a alternativa que a lei lhe concede – fixação da renda em 1/15 do valor patrimonial do locado – torna a renda incomportável para mais de 90% dos inquilinos. Por que pagar o que pode obter de graça?

5 - Finalmente, é preciso acrescentar que a renda é fixada sempre nos mesmos termos qualquer que seja o grau de conservação do imóvel. Tanto vale que o locado se encontre em péssimas condições como razoavelmente conservado. Por outro lado, o modo de fixação da renda que a lei prevê pressupõe uma amortização em 15 anos do valor patrimonial do locado, ou seja, cerca de 6,7% ao ano, o que não deixa de ser um negócio “tipo BPN”!

6 - Comentários finais - É como se vê uma lei extremamente perversa, elaborado por uma mente pérfida, bem à imagem do que é o CDS, os seus ministros e Paulo Portas. Para além da campanha que Mota Soares tem feito contra os pobres, limitando-lhes os subsídios sociais, deixando-os na maior indigência, encarando-os como um fardo que importa alijar, veio agora a Cristas bem na linha do seu partido arremeter contra os velhos, criando juridicamente todas as condições para que possam ser postos na rua da casa onde habitam há várias décadas. Como convém acabar com esta “fonte de despesa” para o Estado que são os pobres, os deficientes e os velhos, o CDS usa os meios adequados consoante a época. Se tivesse governado na década de trinta do século passado teria usado outros…Como estamos na época do neoliberalismo, usa os económicos...

Esta lei não foi aprovada para “liberalizar” o mercado de arrendamento como eles cinicamente dizem. Esta lei foi aprovada exclusivamente para despejar os inquilinos dos arrendamentos mais antigos. Esse o seu único objectivo. É uma lei onde o racismo social de que o CDS é o principal intérprete na governação está sempre presente. É uma lei contra os velhos, contra os deficientes e contra os pobres.

Para concluir uma palavra sobre Cavaco. Cavaco nada fez para impedir que as arbitrariedades e iniquidades desta lei entrassem em vigor. Aceitou sem pestanejar o regime que ela consagra de imediato e contentou-se relativamente ao que possa acontecer daqui a 5 anos (e daqui a 5 anos para a maior parte das pessoas não acontecerá nada, porque o que tinha que acontecer já aconteceu antes) com uma declaração pessoal da Cristas prometendo-lhe que até lá tomará providências! Contado não se acredita…mas como está escrito tem de se acreditar. Mas acredita-se com mais facilidade se nos lembrarmos que Cavaco é aquela pessoa que trocou com alguém ligado à SLN uma moradia por um terreno…tendo-lhe depois aparecido no sítio do terreno uma moradia nova bem melhor do que a anterior ou que comprou à dita SLN um lote de acções que pouco tempo depois revendeu a essa mesma SLN, por ajuste directo, com um lucro de 140%!

Em Portugal tudo é possível, portanto! Até ver…

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

O QUARTO MANDATO CONSECUTIVO


BATOTA AUTÁRQUICA
 
 

 

A Associação Transparência e Integridade vai pedir a declaração de ilegalidade das candidaturas autárquicas que estão sendo anunciadas por candidatos que já desempenharam três mandatos autárquicos consecutivos como presidente de câmara.

De facto, nem se percebe como é possível a apresentação de candidaturas de pessoas que se encontram naquelas condições.

É que tanto infringe a lei o comportamento de quem a viola directamente (o que aliás é o caso) como aquele que a frauda, isto é, que contorna uma disposição legal, tentando chegar por caminhos diversos ao resultado que a lei proibiu.

A distinção que certos políticos – e certos partidos políticos - pretendem fazer entre a mesma autarquia e uma autarquia diferente para depois concluírem que a proibição só se refere à mesma autarquia não passa dum batota que nem sequer pode ser considerada uma variante interpretativa errada da letra e do sentido do texto legal.

Se é certo que o velho princípio romano “ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus” deve ser aplicado com cautela em matéria de interpretação das leis, também não é menos verdade que qualquer interpretação tem de partir das próprias palavras da lei. E as palavras da lei, salvo algumas situações que no caso em apreço se não verificam, devem ser interpretadas de acordo com o seu sentido comum e corrente já que é aos cidadãos que a lei se dirige e, portanto, deve entender-se que ela reflecte tanto quanto possível aquele sentido.

Contudo, os vocábulos utilizados pelo legislador para exprimir o seu pensamento raramente são unívocos e envolvem frequentemente múltiplos sentidos, como aliás acontece com a linguagem em geral. Pois bem, a interpretação verdadeira e própria, ou se se preferir, a interpretação stricto sensu, é aquela que cabe no sentido literal possível dos vocábulos utilizados. Por exemplo, se a lei diz que determinada situação se aplica aos filhos, poderemos discutir a abrangência deste conceito na linguagem comum e corrente, sendo certo que ele abrange situações diversas, algumas delas até relativamente distantes daquilo a que se poderia chamar o “núcleo” do conceito, mas que por caberem no seu domínio marginal fazem parte do seu sentido literal possível.

E de todos esses sentidos teremos de partir para, na sequência de um processo interpretativo mais ou menos complexo, se concluir qual o sentido com que a lei se deve aplicar. Para esse feito a teoria jurídica da interpretação da lei dispõe de múltiplos instrumentos a que o intérprete deve recorrer para saber, no exemplo dado, se a lei apenas se aplica aos filhos no sentido jurídico-biológico do termo, ou se também abrange os adoptados, mas não já porventura os enteados, os pupilos e os cônjuges dos nossos filhos, todos eles englobáveis no sentido literal possível do conceito.
Mas o que está fora de qualquer dúvida é que no conceito de filhos caibam os irmãos ou mesmo os netos. Uma busca de sentido que vá para além do sentido literal possível já não é interpretação, mas modificação do sentido da lei. Não quer dizer que isso não seja possível, que ao juiz esteja vedada a possibilidade de ir além do sentido literal possível, mas aí já estaremos no domínio do desenvolvimento judicial do direito, ou seja, no domínio da integração de lacunas, patentes ou ocultas, estas por via daquilo a que os juristas chamam “redução teleológica”, ou, nos casos extremos, no domínio daquilo a que se chama o desenvolvimento do Direito superador da lei.

Se a integração de lacunas ainda cabe no domínio da interpretação lato sensu, embora a sua constatação e consequente colmatação estejam subordinadas à verificação de pressupostos muito estritos, já o desenvolvimento judicial do direito superador da própria lei é uma actividade excepcional, muito excepcional mesmo, que somente em casos muito contados poderá ser utilizada pelo juiz sob pena de se subverter o princípio da separação de poderes e a própria legitimidade democrática.

Pois bem, no caso da Lei n.º 406/2005 o problema de saber se um presidente de câmara pode exercer quatro mandatos consecutivos nem sequer se põe. Não é preciso ser jurista para perceber a lei, basta ter a 4.ª classe, como diz o Paulo Morais!

De facto, para que pudesse prevalecer o sentido daqueles que entendem que a mesma pessoa pode desempenhar quatro, seis, doze mandatos, enfim, uma vida, como presidente de câmara, desde que fosse mudando de câmara de três em três anos era preciso que houvesse uma lacuna na lei. E não há lacuna nenhuma. A lei é clara. Três mandatos consecutivos é o máximo que a lei permite. Não há quarto mandato consecutivo previsto na lei, seja qual for a câmara. 

Para os que falaciosamente dizem que a lei se refere ao órgão e não à pessoa que o integra, enfim, o mínimo que se poderia dizer é que então a maior parte das câmaras tinha de ficar com o órgão vago…porque já tinha sido preenchido três vezes consecutivas.

Em conclusão: a recandidatura ao quarto mandato é uma ilegalidade e acima de tudo uma batota de partidos e de candidatos para quem a lei não passa de um pequeno obstáculo sempre transponível!

 

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

VOOS DA CIA


 

A COLABORAÇÃO PORTUGUESA ENTRE 2002 E 2006

O relatório ontem publicado em Nova York pela investigadora Amrit Singh da Open Society Foundation não diz nada que antes se não soubesse sobre os voos da CIA, apenas confirma, agora com mais provas, o que já se sabia ser o envolvimento de 54 países, entre os quais Portugal (115 escalas em território português), em detenções à margem da lei realizadas pela CIA em diversos países.

O que se passou em Portugal só se pode ter passado com o conhecimento e a autorização do governo português. De vários governos portugueses, nas datas que se tornaram do domínio público depois que foi conhecido o envolvimento de Espanha.

Como aqui se referiu em múltiplos posts, ninguém acreditaria, por mais irrelevante que fosse o Estado “colaborante”, que os voos da CIA tivessem usado aeroportos portugueses e cruzado o espaço aéreo português sem autorização do Governo.

Todos aqueles que no Parlamento negaram veementemente o seu próprio envolvimento e o envolvimento de Portugal estavam a mentir. Mas isso também já se sabia a partir do momento em que se tornaram públicos telegramas da Embaixada americana em Lisboa versando o assunto.

A administração americana, principalmente a de Bush, contava com amigos muito íntimos no seio do Governo português. Como eles lutaram pelo “reforço da relação transatlântica” …e agora a América, sem mais, retira-se praticamente das Lajes, fecha-lhes comandos em Oeiras, em suma, vira-lhes as costas e volta-se para o Pacífico. Coitados, em menos de trinta anos ficaram órfãos duas vezes: primeiro da Guerra Fria que era a razão de ser da sua existência política e agora da relação transatlântica. Ainda vão ter de emigrar para as ilhas Salomão para colaborarem no fortalecimento da “relação transpacífica”.

Lamentável a actuação da Procuradoria Geral da República que nada viu, nada soube, nada descobriu…

Quem se habitua a desprezar e a desrespeitar os direitos dos outros acaba mais tarde ou mais cedo por ver desrespeitados os seus próprios direitos…

A REPORTAGEM DA SIC SOBRE O BPN


 

A INDEPENDÊNCIA DOS REGULADORES

A reportagem da SIC sobre o BPN, que hoje começou a ser apresentada, é a prova evidente da promiscuidade que existe no mundo financeiro entre os reguladores e o capital financeiro, bem como entre estes e os chamados auditores externos, constituídos por conhecidas multinacionais que operam em todo o mundo.

O que se diz dos reguladores do capital financeiro pode dizer-se de quaisquer outros reguladores cuja pretensa acção fiscalizadora incida sobre actividades apenas ao alcance do grande capital, como a energia, os combustíveis, as telecomunicações, etc.

Todos eles são realmente independentes da democracia e do poder democrático, ao qual não prestam contas de nenhuma espécie, não obstante da sua actuação resultarem para os cidadãos em geral consequências tão ou mais importantes do que as que resultam da actuação dos governos e dos parlamentos. Mas dependem em todo o lado, tanto na Europa como na América, daqueles cuja acção eles têm por função fiscalizar. Só podem ser nomeados para os respectivos lugares se tiverem a aquiescência dos “regulados” e as decisões que vierem a tomar estão sujeitas ao prévio controlo ou são mesmo induzidas pela vontade real ou presumida do "regulados", que os reguladores, por pertenceram ao mesmo meio, conhecem perfeitamente.

O caso do BPN é a todos os títulos paradigmático: Oliveira e Costa, o banqueiro, já tinha pertencido à supervisão do Banco de Portugal e Constâncio, o regulador, era e é um homem desde sempre ligado ao capital financeiro.

Por que haveria de actuar Constâncio se o essencial do que o BPN fazia era praticamente o mesmo que todos os demais bancos estavam fazendo?

No caso BPN - e isso não deveria dar lugar a dúvidas - não há maus e bons. São todos iguais: os que o geriram, os que o fiscalizaram, os que o nacionalizaram e os que o venderam.

O grande erro foi ter-se começado a dizer que o BPN era um “caso de polícia”. Não é isso o que o distingue. O que o distingue é a incompetência dos seus gestores, que não souberam apresentar como um “negócio financeiro normal” a actividade do banco e a voracidade de um conjunto de ladrões recém-saídos da pobreza ou de uma situação remediada que quiseram em muito pouco tempo acumular grandes fortunas pessoais, coisa que nos bancos com tradição tem outro ritmo e outro tempo de concretização. Essa a especificidade do BPN.

 

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

A MINI REMODELAÇÃO DOS “AJUDANTES”






 
O MINISTÉRIO DA ECONOMIA
 
A remodelação dos secretários de Estado do Ministério da Economia significa politicamente o reconhecimento da falência da acção política do ministério. Como Passos Coelho e Relvas não podem mexer no Ministro, rodearam-no de gente sua na esperança de que daqui para a frente as coisas possam ser um pouco diferentes.
Não podem mexer no Ministro porque a sua substituição traria imediatamente à tona os apetites do CDS pelo ministério, para cuja pasta se perfilam desde o início dois conhecidos “gabirus” intimamente ligados ao grande capital e à alta finança. E essa “prenda” era tudo o que Passos e Relvas jamais dariam ao CDS na presente conjuntura política.
No Ministério da Economia manteve-se o homem do Relvas, ligado às privatizações, feitas ou a fazer, na área da sua competência. É também por intermédio dele ou sob a sua influência que se contratam para “acompanhar” as privatizações os escritórios de advogados de gente do PSD politicamente íntima de Relvas. Para além do dinheiro que esses escritórios ganham na “nobre tarefa” de que são incumbidos, em regra uma tarefa para o desempenho da qual as Finanças já lá tinha os seus, eles ficam também a saber tudo o que se passa nas respectivas empresas e sobre as respectivas empresas. E esse conhecimento é muito importante…pois permite à gente do Governo que os recomendou ficar muito “habilitada” para as conversas que costuma ter com os potenciais compradores, conversas, como eles reconhecem, indispensáveis para a realização de um “bom negócio”. As coisas ainda se tornam mais interessantes quando por um daqueles acasos em que a vida é fértil existe uma ligação estreita entre os que assessoram o Governo e os que assessoram os potenciais compradores…
Entre os novos, lá vem o homem da SLN. Uma escolha na qual é impossível não ver a mão de Relvas e do seu “irmão siamês”, Passos Coelho….bem como daqueles que estando afastados lhes são próximos. Todavia, o Álvaro pode não estar completamente inocente na escolha de Franklim Alves. A “Viseu connection” é muito provável que tenha desempenhado aqui algum papel, dado a importância que teve e continua a ter na SLN, bem como no PSD. Mas esta escolha é também um aviso e um xeque-mate a Cavaco. Como Cavaco tem por resolver aquela questão das acções da SLN, eles acharam que o poderiam formalmente co-responsabilizar pela nomeação, já que lhe faltava autoridade para formular qualquer objecção, mesmo em jeito de conselho paternal.
O comentário do Prof. Marcelo sobre a conversa que teve com Franklim é uma boa explicação …mas apenas para aquelas aulas das disciplinas que o Relvas frequentou para se licenciar….
Por explicar fica a substituição da Secretária do Estado do Turismo. Provavelmente alguma questão interna do CDS. Quanto ao do Emprego, é um “rebuçado” à UGT que juntamente com o Álvaro muito tem feito pela “reforma” do trabalho…
Para terminar: é óbvio que o que se passa no Ministério da Economia em matéria de “crescimento” não tem nada a ver, ou tem pouquíssimo a ver, com a inoperância do Álvaro. O Álvaro tem feito, com a colaboração da UGT, o que lhe é pedido na destruição da regulamentação laboral e nessa medida tem cumprido integralmente. Seria difícil ir mais longe. Mas quanto ao resto, por muita capacidade que ele tivesse, nada poderia fazer. Posto perante uma política de deflação salarial em grande escala, que ele continua a ajudar a pôr em prática, de cortes maciços no investimento público, com vista à brutal retracção da procura interna, como iria ele promover o crescimento? Com incentivos à exportação? Isso até já se fez em muito maior escala no governo anterior. Mas não chega. Embora os resultados sejam relativamente favoráveis, não se pode perder de vista que num país com uma estrutura económica como a do nosso as exportações serão sempre insuficientes para relançar o crescimento. Mas  já teriasido possível, se as coisas não estivessem a ser tratadas no domínio do mais obcecado fundamentalismo, promover o crescimento da produção interna com vista à substituição ou, pelo menos, à redução das importações, em sectores importantes da economia portuguesa. Só que disso o Governo não cura, convencido como está de que uma fénix acabará por renascer das cinzas resultantes da destruição do modelo económico herdado.
E assim se vai afundando o país para níveis anteriores ao 25 de Abril, como já acontece com o consumo de cimento! Nenhum país pode aspirar a um nível razoável de bem-estar sem uma robusta procura interna por mais pequeno que seja o seu mercado no contexto mundial. A arte está em saber direccioná-la para a produção nacional, ou de grande valor acrescentado nacional, nos domínios onde tal seja possível. E isso o Governo não faz, nem quer fazer.