quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

AINDA SOBRE O AFEGANISTÃO



O TESTEMUNHO DE UM VETERANO SOVIÉTICO

O El País de ontem traz um interessante artigo sobre o Afeganistão, no qual se regista o testemunho de um veterano soviético, que tece várias considerações sobre a natureza da guerra e sobre o seu mais que provável desfecho.
Franz Klintsévich, assim se chama o ex-combatente soviético, passa em revista as principais fragilidades da estratégia americana, que, a avaliar pelo seu depoimento, se depara com dificuldades muito superiores às que foram experimentadas pelos soviéticos.
É interessante sublinhar que os americanos (e os seus aliados) não mantêm contactos normais com as populações locais, não frequentam os mercados, não têm amigos afegãos, enfim, estão lá de forma muito semelhante à que estavam no Vietname. Se os soviéticos com uma política de convivência com as populações muito mais próxima daquilo que foi a experiência das tropas coloniais portuguesas tiveram os resultados que se conhecem, não será muito difícil prever a sorte que espera os americanos.
É também convicção daquele ex-combatente soviético que o governo de Karzai, sem a protecção das tropas invasoras, não terá qualquer futuro.
Tudo se conjuga para que esta política de colocar lá mais gente para preparar a retirada se assemelhe cada vez mais ao que se passou no Vietname. Infelizmente, no Afeganistão não temos mar e por isso não vamos poder assistir àquele épico espectáculo que foi a debandada final dos americanos no porto de Saigão!
Com uma diferença: a intervenção dos americanos no Vietname resulta de uma mal calculada jogada de guerra fria; no Afeganistão, estão a colher o que semearam!

3 comentários:

Anónimo disse...

O íntimo regozijo que se vislumbra no doutor Correia Pinto pela provável vitória do obscurantismo talibã nunca deixará de me espantar. Valerá tudo, em nome da aliança contra os Estados Unidos? Pela mesma ordem de ideias,em 1939-1940,o doutor Correia Pinto desejaria decerto a vitória do Eixo nazi-fascista.

JMCPinto disse...

O meu estimado Leitor esquece-se ou faz que se esquece da responsabilidade americana na ascensão do obscurantismo talibã. Quem recorreu ao que de mais retrógrado havia no mundo para derrotar a URSS no Afeganistão foram os americanos.
Certamente que seria preferível para todos ter no Afeganistão a situação anterior ao golpe de 1973,data a partir da qual não mais deixou de haver instabilidade. A verdade é que a partir do golpe de Daud Kahn tudo se complicou. Daud privilegiou uma política de aproximação aos muçulmanos. Melhor: ao que de mais reaccionário havia no Islão. É também por essa altura que começa a germinar a ideia das repúblicas islâmicas. É natural, portanto, que a URSS, com uma imensa fronteira com o Afeganistão, e tendo por outro lado no seu seio várias repúblicas de forte ascendência islâmica, se tenha preocupado com os ventos obscurantistas que sopravam do sul. É neste contexto que surge o golpe de 1978, promovido pelo Partido democrático de povo afegão, liderado por Nur Taraki.
Taraki, um homem moderado e vagamente pró-soviético, foi afastado em 1979 pelo ditador sanguinário Hafizullah Amin. No curtíssimo espaço da sua governação, pouco mais de três meses, Amin cometeu barbaridades sem conta. Mais uma vez a União Soviética interveio, colocando no poder Brabak Karmal, até então embaixador na Checoslováquia.
Um coro de vozes histéricas levantou-se no “mundo ocidental” contra esta “ocidentalização” do Afeganistão. Em Portugal, Sá Carneiro, em declarações ridículas quase se dizia disposto a lutar pela “liberdade” ameaçada do Afeganistão. Por seu turno, a América preparava-se para viver o período mais reaccionário da sua história recente com a chegada ao poder de Ronald Reagan. Daí ao apoio a gente tão obscurantista como a que governava em Washington foi um passo que a América deu com toda a tranquilidade. Para afastar Karmal valeu tudo. Foi nessa luta pela “liberdade” que Bin Laden se formou! Sempre com o generoso apoio americano.
Tomara a América ter hoje no Afeganistão um Karmal. Não tem. Tem um Karzai corrupto até à raiz dos cabelos e metido no negócio da droga.
Para concluir, devo dizer ao meu estimado Leitor que não estou nada preocupado com o que possa acontecer aos americanos. Estou preocupado connosco, vítimas quase indefesas da política americana.

Anónimo disse...

Contrariamente ao "anónimo" acima, não me parece que no texto se pressinta qualquer regozijo por que venha a acontecer o que toda a gente vislumbra:a encenação de uma "afeganistização" do conflito e a consequente saída de rafeiro (com o rabinho bem recolhido).
Dito isto, o que talvez "espante" aquele o leitor, a mim também, é a adopção por muita gente, dita de esquerda, de líderes e movimentos eivados de estarrecedor obscurantismo, apenas porque exalam um odor, aparentemente, anti-americano (atenção, dizem os químicos que nesta matéria o nosso olfacto é pouco fiável). Até as femininistas mais empedernidas cedem ao charme do Mollhas, Imãs, Sheiks etc. Dá que pensar..