HÁ MUITA CONFUSÃO NO AR
Apesar de estar muito ocupado durante uns dias com outros assuntos inadiáveis, não posso deixar de voltar à questão do Afeganistão, depois de ter lido algumas incorrecções quer sobre o que aqui se tem escrito, quer sobre o que parece ser a estratégia ocidental.
Como muitos se recordarão, o objectivo invocado pelo Estados Unidos quando intervieram no Afeganistão, em Outubro de 2001, era o desmantelamento do Estado talibã, pela sua ligação com a Al Queda, de modo a evitar que essa ligação se reforçasse e pudesse favorecer os actos de terrorismo.
Qualquer que tenha sido o móbil do ataque da administração Bush, e não seria de pôr de parte uma ideia de retaliação pelos atentados de 11 de Setembro, a razão invocada foi aquela. E, como é óbvio, ao alcançar-se aquele objectivo, ficava também razoavelmente satisfeito o desejo de vingança.
Conforme todos igualmente se recordarão, o desmantelamento do Estado talibã foi facilmente conseguido pela operação Liberdade Duradoira (apesar de esta continuar em curso). Escorraçados os talibãs do Estado, Bush pediu o apoio dos seus aliados (e é aí que entra a NATO, além de outros) para garantir a segurança do país e a sua reconstrução, objectivo de que se ocupa a ISAF.
E a ideia que saiu da Conferência de Bona, de Dezembro de 2001, foi, no fundo, a de fazer do Afeganistão um Estado “ocidentalizado”. Um Estado democrático, respeitador dos direitos humanos, um Estado em que imperasse a igualdade entre os sexos e que combatesse o narcotráfico.
Karzai seria o homem do leme que com o apoio da ISAF criaria um novo Estado, com exclusão dos talibãs.
Mais de nove anos depois, a conclusão a que se chega é que este objectivo de construir um Estado à nossa imagem é completamente irrealista, daí o enorme falhanço da ISAF e mesmo o outro objectivo, o de continuar a combater os talibãs até à sua completa neutralização, a cargo da Liberdade Duradoira, também está longe de conseguir ter êxito, porque uma coisa foi afastar os talibãs do governo (formal) do país, outra muito diferente é afastá-los do Afeganistão e eliminar a sua influência.
Hoje não se sabe bem qual é a estratégia das forças ocidentais. E sem objectivos claros, realizáveis, e uma adequada estratégia para os alcançar ninguém ganha uma guerra.
A primeira coisa que a América e os seus aliados deveriam ter percebido é que os atentados consumados (e foram vários e graves), frustrados ou tentados pela Al Queda depois do 11 de Setembro, entendendo-se por Al Queda os combatentes “Jiahadistas internacionalistas”, passe o pleonasmo, ocorreram depois de desmantelado o Estado dos talibãs. Isto não quer dizer que não haja talibãs, como há sauditas, yemnitas, egípcios, etc, etc, militantes da Al Queda, o que quer dizer é que é um erro confundir uns com os outros.
A Al Queda, nunca é demais repeti-lo, aparece no Afeganistão, apoiada pelos americanos, aliada aos talibãs, para combater os soviéticos. E dessa aliança táctica resultou alguma proximidade, mas não ao ponto de os talibãs e os demais senhores da guerra do Afeganistão se deixarem dominar pela Al Queda. Por isso, a convicção de quem se opõe à guerra do Afeganistão é a de que quanto mais tropas estrangeiras lá houver, quanto mais civis a ISAF e os soldados da operação Liberdade Duradoura matarem, mais se reforça a aliança entre os talibãs e a Al Queda.
Se os afegãos forem entregues a si próprios acabarão, mais tarde ou mais cedo, por entender-se. E acabarão também por evoluir com o tempo, porventura necessitando de muito tempo, o que acaba sempre por ser preferível a qualquer tentativa de impor essa evolução a partir de fora e contra o sentir da própria sociedade.
O objectivo actualmente prosseguido pelas tropas ocidentais é confuso e irrealista. É confuso, porque não obstante a retórica que actualmente justifica a sua presença no Afeganistão, continua tributário da ideia de que é preciso impedir a todo o custo que os talibãs alcancem novamente o poder. E é irrealista porque jamais se pode impor um modelo de Estado contra a vontade dos seus nacionais. Por isso, todas as análises lúcidas chegam á conclusão de que o modo de governo que os ocidentais estão a impor no Afeganistão não sobrevive à sua saída.
Basta ler as declarações e as entrevistas que Stanley McCrystal tem dado sobre o que pretendem as tropas sob o seu comando para se perceber que a sua ideia não é assim muito diferente dos que no fim da guerra do Vietname preconizavam a vietnamização do conflito ou da daqueles que no estertor das guerras coloniais “sonhavam” em pôr lá a governar alguém que, sendo formalmente da “casa”, na realidade os representasse!
Ligar o Afeganistão ao terrorismo é uma grande simplificação, que a realidade diariamente desmente. Por essa lógica muitos outros países vão ter de ser ocupados. O que quer dizer que o terrorismo tem de ser combatido por outros meios e de outro modo.
Se a próxima Conferência de Londres prosseguir na mesma senda, e dificilmente deixará de o fazer, depois de Obama em Washington haver claudicado, não se augura nenhum futuro feliz para a ISAF no Afeganistão.
2 comentários:
Sabe que, desde a retirada dos soviéticos até à entrada dos americanos, os afegãos não viram ninguém entrar-lhes pela terra adentro?
Quanto tempo isso foi? Desde 1989 a 2001, grosso modo, 12 anos.
O que é que os afegãos fizeram nesses 12 anos? Plantaram ópio, fizeram Guerra civil, puseram no poder os talibans, fizeram campos de treino para a Al Qaeda treinar os terroristas que fizeram o 11 de Setembro, o USS Cole, o ataque às embaixadas americanas em África, os atentados de Madrid, os atentados de Londres, fora os atentados abortados.
Será que, se a NATO saísse de lá, não voltaria a acontecer tudo de novo? Claro! Com uma agravante: é que os talibans (de longe, a força melhor organizada e equipada que está no terreno a seguir à NATO) iam julgar-se inconvencíveis, pois acabavam de derrotar a NATO.
Quem fez os atentados acima citados eram todos afegãos? Não. Nem sequer a maioria. No entanto, passaram todos pelo Afeganistão e pelo Norte do Paquistão, em campos de treino.
Os últimos atentados já não envolvem gente que tenha passado pelo Afeganistão. Porquê? Tente instalar um campo de treino numa zona montanhosa em guerra que vai ver o que acontece. O campo é destruído.
Daí a estória do Iemen, e da forte possibilidade da Al Qaeda lá instalar campos de treino. Também houve invasão soviética do Iemen, para a Al Qaeda lá estar?
Esta guerra nunca foi convencional, foi sempre uma guerra de guerrilha, coisa que os americanos nunca souberam travar, pois não sabem cativar as populações para o seu lado. Têm medo dos locais, pois cada habitante local, para eles, pode ser um taliban escondido.
Vejam lá se há problemas nas áreas onde estão os europeus!
Se quiserem ganhar a guerra, não é tanto com mais soldados, mas é com mais aproximação à população, de modo a resolver-lhes os seus problemas do dia-a-dia.
Toda a gente está espantada com a capacidade demonstrada pelos talibans em organizar atentados terroristas no meio de Cabul. Não sei porquê. Para eles é fácil. Foi só perguntar à Al Qaeda como se faz. Quem faz atentados em Washington, Madrid e Londres, consegue fazê-los em Cabul com a maior das facilidades.
Já viu que a China e o Irão são vizinhos do Afeganistão? Resta saber qual a influência destes 2 países no meio disto tudo! Não os estou a ver a assistir a tudo de braços cruzados.
JCP diz que o terrorismo tem de ser combatido de outra maneira e, muito provavelmente, haverá mesmo melhores maneiras de o fazer. Só que, até hoje, nenhum Estado foi capaz de pôr em prática outras soluções capazes de vencer o terrorismo. Pelo contrário, os EUA,certamente com muitos erros pelo meio; mudando demasiadamente de estratégia e, enfim, com todas as contigências que se deparam a quem põe a mão na massa, conseguiram travar o terrorismo no seu território e muito contribuiram para o debelar nos países aliados.
Não bastará esta constatação para, exactamente, acreditar que vale a pena não ser derrotista?
Enviar um comentário