terça-feira, 30 de novembro de 2010

WIKILEAKS E GUANTÁNAMO



AS DÚVIDAS QUE SUBSISTEM

A informação que tem vindo a público sobre a acção do "Departamento de Estado" em todo mundo deixa-nos uma ideia muito clara do modo como actua a diplomacia de uma superpotência. São eloquentes a este respeito as diligências realizadas pela diplomacia americana sobre Guantánamo.
Para já apenas se vai conhecendo o começo da parte final, sempre de acordo com os “critérios jornalísticos” do jornal que, dispondo de toda a informação, escolhe o que deve publicar.
O El País de hoje publica largos extractos de relatos de conversas entre Washington e alguns dos seus aliados, referidas ao período em que o governo americano, depois de ter sacado dos prisioneiros o que tinha para tirar, começa a querer ver-se livre de alguns deles, não só porque não sabe o que lhes há-de fazer, mas também para se libertar da imensa pressão internacional exercida pelas organizações de defesa dos direitos humanos e outras entidades, governamentais inclusive.
Pela documentação publicada percebe-se como foi difícil convencer os aliados americanos a aceitar os prisioneiros e como muitos deles resistiram, sem ceder, às pretensões de Washington.
Tudo foi discutido à americana, ou seja, como se de um negócio se tratasse. Umas vezes os americanos ofereciam dinheiro, muito dinheiro, outras influências, noutros casos eram os solicitados que pediam contrapartidas, sem nunca deixarem de exigir o pagamento das estadias dos prisioneiros que viessem a receber, mas tudo sempre muito regateado e retardado, a ponto de os embaixadores americanos ficarem frequentemente exasperados com as demoras, que tinham por dilatórias, na execução de compromissos já assumidos.
Nos documentos “filtrados” há muitíssima informação sobre Portugal. Em todo o caso em número inferior à de dois ou três outros países europeus, à dos países do Médio Oriente e do Golfo, à da China, à Rússia e pouco mais. Desconhece-se para já o número de telegramas tendo por objecto o nosso país ou tendo daqui sido emitidos. Apenas se sabe, segundo a classificação de El País, que são em número inferior a 3 mil.
Mas ainda nenhuma desta informação foi publicada pelo jornal espanhol que, naturalmente, tem dado prioridade aos grandes temas da política internacional e aos que se referem a Espanha.
No entanto, o que se vai conhecendo acerca dos outros, levanta inúmeras questões sobre o que se terá passado com Portugal na “recolha” dos prisioneiros de Guantánamo.
O que se sabe, o que o próprio Parlamento sabe, é muito pouco. Apenas as parcas explicações do Ministro dos Negócios Estrangeiros.
E é caso para perguntar: foi Portugal que se ofereceu (como o Ministro deu a entender) ou foram os americanos que “exigiram”? E como é que o negócio foi feito? Quem interveio? Intervieram os serviços de informação ou outros ministérios, como aconteceu nos demais países, ou somente interveio o Ministro dos Negócios Estrangeiros? Quem escolheu os presos? Houve contrapartidas? E se houve, de que tipo e quem beneficiou delas? E são os americanos que pagam a estadia dos ex-prisioneiros em Portugal ou somos nós?
Enfim, há muita coisa a escrutinar, coisas de que o Parlamento se deveria ocupar. Mas também a imprensa. Então, não haverá nenhum meio de comunicação social capaz de obter informação de um dos cinco jornais que receberam toda a informação? O “arco do poder” chegará tão longe, que até isto impede? Nem sequer os media que pertencem ao mesmo grupo de “El País” conseguem obter algo?
Já agora, o “prato completo”… Não estamos apenas interessados em saber como se passaram as coisas quando os americanos se quiseram ver livres dos presos, mas também o que se passou antes, quando os prenderam!

DUAS NOTAS SOBRE WIKILEAKS



AS SEMELHANÇAS E AS DIFERENÇAS

Primeira Nota - De todas as filtrações da diplomacia americana hoje publicadas pelos jornais de todo o mundo, e antes de mais no site de Wikileaks, a que mais me impressionou foi referente a Cristina kirchner. Os impérios em decadência tendem a considerar anormais aqueles que não concordam com eles.
Segunda Nota – Os Estados, quase todos os Estados, têm uma vigorosa agenda ilegal, às vezes mesmo criminosa. Sobre o dinheiro gasto com esta agenda os guardiões da ortodoxia neoliberal não dizem uma palavra. Do FMI ao Banco Mundial, passando pela OCDE e pela União Europeia, ninguém, mesmo ninguém, pede o “emagrecimento” do Estado neste tipo de acções. Eles só são contra o Estado que presta serviços. Contra o Estado que apoia o cidadão!

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A ISLÂNDIA E A IRLANDA


AS DIFERENÇAS

O modo como a Islândia está a sair da crise, com uma política económica alternativa, bastante diferente da imposta pela ortodoxia neoliberal aos países da zona euro sobreendividados ou com dificuldades de financiamento, está sendo seguida atentamente por todas aqueles que contestam a brutalidade das medidas impostas à Grécia, à Irlanda, a Portugal, à Espanha, e, provavelmente, a outros dentro de pouco tempo. Melhor dizendo: que estão sendo impostas ao trabalho nos países citados, já que o capital tem praticamente ficado incólume, não participando, ou participando apenas simbolicamente, nos sacrifícios pedidos.
Esta questão já foi abordada entre nós por Rui Tavares no Público e também por JVC no Moleskine. No seu blog, Paul Krugman escreveu também um saboroso post sobre o assunto – “Eating the irish”, no NYT, e no ESP, “Comendo os irlandeses”, aliás já citado em vários blogues nacionais.
É conhecida a anedota que há uns tempos atrás se costumava contar a propósito da situação da Irlanda: qual a diferença entre a Islândia (Iceland, em inglês) e a Irlanda (Ireland, em inglês)? Uma letra e cerca de seis meses.
Acontece que as duas situações, tendo partido de bases comuns ou quase idênticas – a mega falência de bancos especuladores com um volume de negócios equivalente a várias vezes o valor do PIB dos respectivos países -, estão a evoluir em sentido muito diferente.
A receita que foi aplicada à Irlanda é conhecida: o Estado assumiu o passivo dos bancos, o qual gerará no fim deste ano um défice de quase 40% do PIB, e obrigou os contribuintes a pagá-lo num prazo muito curto (com excepção das empresas que apenas continuam sujeitas à taxa de 12,5% de IRC), com base num orçamento altamente recessivo, condição imposta pela União Europeia para que a Irlanda pudesse aceder a cerca de 90 mil milhões de euros do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (European Financial Stability Facility).
Acontece que, sendo teoricamente a situação irlandesa menos grave que a islandesa, é a economia da Islândia que se está saindo muito melhor do atoleiro em que os bancos a meteram. Porquê?
Krugman aponta três razões:
Em primeiro lugar, a Islândia recusou-se a pagar (em referendo) as dívidas contraídas pelos bancos islandeses junto dos bancos estrangeiros, nomeadamente ingleses e holandeses;
Em segundo lugar, impôs o controlo temporário dos movimentos de capitais, limitando as transferências de capitais nacionais para o estrangeiro;
Em terceiro lugar, desvalorizou a moeda, tornando as exportações mais competitivas.
Além destas medidas, a Islândia pôs em prática uma política fiscal completamente diferente da seguida na UE que, como se sabe, privilegia os cortes na despesa, mantendo inalteradas ou quase as receitas fiscais.
Muitos dirão que as políticas que a Islândia pôs em prática não podem ser seguidas pelos Estados da União Europeia, sujeitos a um regime completamente diferente. Acontece que o problema é mesmo esse: de facto, o argumento apresentado é reversível. A União Europeia, ou a Alemanha em nome dela, impõe aos Estados membros medidas para a adopção das quais não tem a menor competência. Algumas delas até são inconstitucionais. E, todavia, justificam-se pela situação de emergência.
Ora é essa mesma emergência gerada pela crise que deveria justificar a adopção de regimes excepcionais, tanto mais que para a situação existente muito contribuíram os bancos e a sua insaciável ganância, bem como a deficientíssima estruturação da zona euro.
E voltamos sempre ao mesmo. O que a gente precisa é de uma outra diplomacia em Bruxelas.

A NOVA DESCOBERTA DE MARCELO REBELO DE SOUSA


O PASSADO ALTERNATIVO

MRS não pára de nos surpreender. Enfim, depois das habituais incursões que estamos habituados a ver-lhe fazer nos mais variados domínios, eis que ontem o vimos enveredar por um campo só mesmo ao alcance dos videntes: a prognose póstuma de um passado alternativo!
Só mesmo ao alcance de MRS. É que, segundo São Thomaz de Aquino, Deus pode fazer tudo, excepto alterar passado. Pois não é que ontem Marcelo "ousou desafiar" Deus.
Assistiu-se então a uma coisa nunca vista: Marcelo, com a maior tranquilidade deste mundo e com todo o descaramento que um mortal pode ter, explicou, com nomes e factos, o que teria sido até hoje a política portuguesa se não tivesse havido Camarate! Como teriam sido os governos, as coligações, o papel de Cavaco, o dele, o de Barroso. Enfim, não há como descrever. Só vendo se acredita.
A política portuguesa está a entrar numa fase de para-normalidade!

sábado, 27 de novembro de 2010

BELMIRO APOIA CAVACO


Posted by Picasa

O APOIO DE BELMIRO E A COERÊNCIA DE CAVACO



O candidato Cavaco Silva, tão independente, tão assertivo nos seus conselhos, tão impoluto nas suas reformas e nos seus negócios com o BPN ou SLN, para o caso tanto faz, teve o que merece: o apoio de Belmiro de Azevedo.
Embora seja um apoio relativamente coxo – uma espécie de: nas actuais circunstâncias, como não há outro melhor – não deixa de ser um apoio!
Só que daqui em diante todos nós estamos ansiosos por saber como é que Cavaco vai conciliar os seus apelos à poupança com o apoio de Belmiro de Azevedo. Pois não é verdade que BA é, em Portugal, o maior inimigo da poupança. Pois não para ele, através das "catedrais de consumo" com que enxameou Portugal de norte a sul, que é drenada a maior parte dos recursos dos portugueses na fúria consumista que ele fomenta e incentiva com crédito barato e promoções permanentes?
Mas ainda há mais: como é que o candidato Cavaco Silva, outrora o “rei do betão” e agora convertido à luta contra os “bens não transaccionáveis”, vai conciliar o seu apego a esta nova paixão com um não menor inimigo dos “bens transaccionáveis”?
E mais ainda: como vai o candidato Cavaco Silva conciliar os seus apelos contra o endividamento com o apoio do “patrão” de um dos grupos económicos que mais dívidas contrai? Bem aqui a resposta é simples: o candidato Cavaco Silva apenas se refere ao endividamento público que é “vicioso” e não ao privado que é, obviamente, “virtuoso”.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

FMI: AS CAUSAS DA CRISE



MAIS VALE TARDE DO QUE NUNCA

Depois de já se ter pronunciado sobre a crise por várias vezes, o FMI, por intermédio de dois dos seus economistas, vem agora reconhecer, no fim de 2010, que a sua principal causa é a desigual distribuição de rendimentos. Mas diz mais: novas políticas redistributivas são mais eficazes para combater a crise do que os resgates ou as reestruturações da dívida.
Enfim, mais vale tarde do que nunca. O FMI chegou a uma conclusão que somente não era aceite pelos vigaristas que dominam e governam a economia mundial. De todas as vezes que a crise financeira era analisada nas suas verdadeiras causas, lá vinha esta como a principal. Causa que engendrava uma consequência – o endividamento – que está, por seu turno, no cerne da questão.
Paul Krugman até escreveu um livro, logo nos fins de 2007 – The conscience of a liberal -, para demonstrar, com dados irrefutáveis, como evoluiu a economia americana desde que o neoliberalismo tomou conta dela até hoje e as grandes diferenças entre a política económica da actualidade e a do período a que ele chama de “Grande compressão”, que vai desde o New Deal até aproximadamente ao fim do mandato do Nixon.
O FMI tem uma triste história e um largo cadastro nestes últimos 30 anos, a ele se devendo a imposição das políticas neoliberais em praticamente quase todo o mundo. Daí que ainda ontem aqui tenha sido denominado de “execrável instituição”.
É certo que algo mudou nestes últimos tempos. Desde logo o seu director. Dominique Strauss-Kahn não pode comparar-se aos seus antecessores, nem sequer aos “selvagens” que a Administração Bush nomeou para a presidência do Banco Mundial, instituição que, por tradição, até tinha uma política económica menos ortodoxa do que a do FMI. Não é impunemente que por lá passaram pessoas como Joseph Stiglitz (vice-presidente).
Mas a história também nos ensina que quem manda no FMI é o Tesouro americano e quem manda no Tesouro americano é Wall Street. Por diferentes que as coisas hoje sejam – e são –, elas não são suficientemente diferentes a ponto de se ter alterado a hegemonia adquirida pelo sector financeiro.
Obama terá tido essa oportunidade. Mas não soube aproveitá-la. Rodeado de uma equipa económica onde prevalecia o poder de Wall Street – como neste blogue imediatamente se denunciou (28/11/08) - acabou por tentar resolver a crise salvando o capital financeiro à custa dos contribuintes, e, dentre estes, daqueles que menos rendimentos têm. O modelo rapidamente se propagou por todo o mundo desenvolvido, tendo sido em algumas latitudes refinado a ponto de ser esse mesmo sector financeiro resgatado que agora impõe ao Estado as condições em que este deve sobreviver!
Portanto, não será de acreditar que o estudo dos dois técnicos do FMI venha a ter qualquer efeito prático na condução da política económica mundial, nem que o modelo universalmente adoptado para combater a crise se altere.
A resposta tem de vir de outro lado. Do lado de quem esteja disposto a lutar com os meios adequados contra esta violência que por todo o lado se abate sobre quem trabalha…

HOJE É UM DIA TRISTE


35.º ANIVERSÁRIO DO 25 DE NOVEMBRO DE 1975

Hoje é um dia triste. Há precisamente 35 anos terminava o sonho de uma geração que acreditava num mundo melhor.
Há 35 anos a democracia sofreu em Portugal uma derrota histórica cujos efeitos nunca deixaram de ser evidenciados pelas governações subsequentes, mas de que somente agora nos apercebemos em toda sua dimensão.
Nesta derrota, como em qualquer outra, seja ela de que natureza for, nunca se pode acusar o inimigo de ser o responsável pela nossa derrota. A responsabilidade é nossa. De quem na euforia de vitórias pouco estáveis actuou sectariamente, com triunfalismo despropositado e sem capacidade para consolidar alianças que, num espírito de compromisso, garantissem a vitória.
A História, sem deturpações, é conhecida. A partir do momento em que o genuíno MFA se fraccionou, depois de já terem sido politicamente eliminados os elementos espúrios que por oportunismo político tinham alinhado no 25 de Abril, ficou selada a derrota. Tudo começa e acaba ai.
Importa também dizer que nem todos, embora fossem poucos, os que estavam com o 25 de Novembro concordaram posteriormente com os seus desenvolvimentos ou sequer suspeitavam da amplitude das mudanças de que estavam sendo protagonistas. Não assim com a maioria, que actuou então, como actua hoje: integrada na lógica da direita, ao serviço das suas estratégias consoante a exigência histórica do momento.
Outros há também, e são muitíssimos, que tendo estado do lado das forças derrotadas, hoje as renegam, fazendo crer aos vindouros que sempre estiveram do “lado certo” da História. Só que estes contam pouco, porque se tivéssemos saído vitoriosos, eles teriam ficado onde estavam pela mesma razão que os leva agora a estar do outro lado.

GOVERNO CONFIRMA CONFISCO APENAS A FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS




...E ISENTA VENCIMENTOS E PRÉMIOS DE GESTORES PÚBLICOS

As medidas acabadas de aprovar na Assembleia da República, sob proposta do Governo, com voto favorável do PS e abstenção cúmplice do PSD sobre a isenção da obrigação de redução salarial a empresas públicas e equiparadas deitam por terra qualquer pequena ilusão que porventura ainda existisse sob a natureza da gente que nos governa.
Há limites para tudo e o que o Governo acaba de fazer relativamente às empresas públicas e equiparadas (eles dizem algumas, mas a verdade é bem mais simples: são todas as que tiverem força para impor a sua vontade) é a prova provada de que este Governo vê no funcionário público um inimigo a abater, nem que para isso tenha que utilizar o confisco que é a arma normalmente usada para desqualificar o oponente que se despreza.
O funcionário público serve o Estado e como o Governo é o principal inimigo do Estado, vendo nele uma entidade reduzível às simples funções de segurança, ataca o funcionário público em nome da ideologia neoliberal que o guia.
O que está escrito pode parecer exageradamente forte para qualificar a actual situação, mas, infelizmente, não é mais do que um retrato aquém da realidade.
A isenção ontem votada, de que vão indirectamente beneficiar alguns trabalhadores de empresas públicas, tem como único objectivo isentar os executivos mais bem pagos das medidas de redução salarial, garantindo-lhes salários e prémios intactos.
É a mesma razão que leva o Governo a nada fazer relativamente às empresas que decidiram antecipar a distribuição de dividendos para assim escaparem à carga fiscal do ano que vem.
Como se não bastasse ter recaído sobre o contribuinte as consequências da crise financeira, de que os especuladores e os bancos em geral são os únicos responsáveis, o Governo português, impudicamente, decide que quem tem de pagar a maior fatia dessa crise são os que ganham menos. Para esses não há direitos adquiridos, não há princípios do estado de direito, não há protecção de nenhuma espécie – há confisco.
A protecção vai inteirinha para aqueles que tendo estado três ou quatro anos na administração da CGD, com altíssimos salários e todas as mordomias, passaram a receber por esse “enorme sacrifício” uma reforma de 19 mil euros! Ou para aqueles que endividando o pais à frente de empresas públicas, ou com participação pública, recebem no fim do ano milhões de euros de prémio. Ou ainda para os que tendo tido um emprego a tempo inteiro numa instituição pública recebem hoje duas ou três reformas correspondentes a trabalho a tempo inteiro noutras actividades. Esses e muitos outros como eles é que têm de ser protegidos, ora porque exercem hoje cargos de alta responsabilidade política, ora porque são demasiado ricos para terem que se sujeitar a essa abjecta obrigação de colaborar no combate à crise. Para isso há os pobres, que ainda por cima são muitos!
O modo como desde o início esta questão foi tratada e as questões que logo se levantaram quanto à sua execução, percebe-se agora, não se deveu à incompetência do Governo ou à sua incapacidade, mas à má fé que desde o princípio lhe esteve associada. De facto, se o Governo queria, como aqui já se disse, tomar uma medida para atalhar a uma situação por ele considerada de emergência nacional, deveria ter criado um imposto excepcional temporário incidente autónoma e progressivamente sobre todos os rendimentos acima de um certo montante. Não o fez. Optou pelo confisco do património dos mais fracos. E ninguém melhor do que Lacão para explicar a razão.
Daí que seja mais actual do que nunca a seguinte máxima: “Há tantos burros mandando em homens de inteligência que às vezes fico pensando que a burrice é uma Ciência”. Frase que tenho visto atribuída a António Aleixo, mas que no Brasil é considerada da autoria de Ruy Barbosa.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

CRISE FINANCEIRA OU CRISE ATLÂNTICA?


FIM DA HEGEMONIA OCIDENTAL?

E se parássemos um pouco para pensar as coisas num outro enquadramento? E se a crise vista numa perspectiva não ocidental mais não fosse do que uma crise atlântica? Ou seja, o primeiro sinal inequívoco do próximo dobre a finados da hegemonia ocidental?
Vale a pena ler este artigo sobre como a Ásia pensa a crise e as suas consequências

terça-feira, 23 de novembro de 2010

A DIREITA QUER O FMI


LOGO A SEGUIR À APROVAÇÃO DO ORÇAMENTO

Hoje já não há dúvidas. Depois das declarações de Passos Coelho no domingo e de Cavaco, candidato presidencial, na Universidade Católica, ficou claro que a direita quer o FMI em Portugal rapidamente.
É claro que hipocritamente os responsáveis políticos vão dizendo que não. Os apoiantes que diariamente nos fustigam na televisão, esses já nem sequer disfarçam: que o FMI venha depressa.
As palavras de Cavaco também não deixam dúvidas. Contrariamente ao que se poderia supor está quase a dizer o mesmo do que já foi dito pelo governador do Banco de Portugal. Só que o candidato Cavaco Silva, movido pela sua extrema megalomania, continua a afirmar que tal não seria necessário se tivessem seguido os seus conselhos.
O candidato Cavaco Silva, além se expor ao ridículo de quem o ouve com tanto auto-elogio, deixa também perceber pela própria natureza dos conselhos prodigalizados que o seu grau de convencimento sobre as causas da crise é inversamente proporcional à sua aptidão para as perceber.
Bem, mas a direita quer o FMI, porque com o FMI no Terreiro do Paço, ela mata dois coelhos com uma cajadada. Em primeiro lugar, pode reclamar eleições antecipadas sem receio do que vem a seguir…porque o FMI já cá está, trazido por outros, para estes e para o próprio FMI se reorientando grande parte do odioso da situação; e, em segundo lugar, porque com o FMI por cá a direita pode esquecer a revisão constitucional e prosseguir com o beneplácito, ou até com a imposição, da execrável instituição a política de destruição do estado social, que noutras circunstâncias teria muitas mais dificuldades em pôr em prática.
Aprovado que esteja o orçamento (e cumprida, perante o eleitorado, a “patriótica obrigação” da abstenção), a “música” que todos os dias vamos passar a ouvir vai ser esta: sem o FMI a execução orçamental será um desastre. Portanto…
E bem pode Lacão deixar raspanetes a Cavaco…porque os dados já estão lançados e a política da direita definida…

DEPOIS DA FESTA, A CRISE CONTINUA



E AGORA HÁ QUE ACTUAR

Submetido, como toda a gente, neste último fim-de-semana, a intensa propaganda, muita desinformação e pouco realismo, fiquei, não digo atordoado, mas sem vontade de escrever, tantas e tais eram as indignações suscitadas pelo que ia ouvindo naqueles dias em que os nossos atlantistas da Guerra Fria tiveram um “banquete” como há muito se não servia.
Mas ainda não é tempo de falar da NATO e do seu novo conceito estratégico, do Afeganistão, do escudo antimíssil e da parceria com a Rússia. É preciso deixar assentar a poeira levantada por tantas e tão ilustres comitivas e ficar atento ao que se vai passa em Washington, em Moscovo e no Afeganistão. Daqui a algum tempo teremos indicações mais correctas e interpretações muito mais fiáveis sobre o que se passou e o que se não passou na Cimeira de Lisboa. Pode até acontecer que somente daqui a dois anos as coisas comecem a ficar claras.
Também não adianta tomar a nuvem por Juno e fazer de conta que a Cimeira foi uma grande vitória da diplomacia portuguesa. Tal como num casamento ou noutra qualquer importante festividade convém não confundir a organização da festa com o evento em si. É que há quem tenha muito jeito para fazer festas e nenhuma aptidão para tratar dos eventos que realmente interessam.
Tudo isto vem a propósito da crise que inexoravelmente vai continuar. Crise agravada pelo aumento da pressão especulativa sobre a dívida de que a Irlanda está sendo a actual vítima, com a suspeita (quase certeza) de que outras se seguirão (Portugal, Espanha, Itália, por esta ordem), se não forem – e provavelmente não serão - rapidamente tomadas medidas que ponham por termo a esta escalada de efeitos múltiplos. Crise, de resto, agravada por um governo muito identificado com as políticas que apenas a podem potenciar.
De facto, a actual crise da dívida começando por ser um vasto movimento destinado a garantir a posição dos bancos à custa dos contribuintes, com ganhos especulativos potenciados pela situação económica dos países deficitários, tornou-se também, nos seus desenvolvimentos, numa excelente oportunidade para o capital e os seus ideólogos imporem, no plano social, um regresso às sociedades capitalistas anteriores à primeira Guerra Mundial. A crise está sendo ideologicamente aproveitada interna e externamente para eliminar o estado social nas suas áreas mais sensíveis: saúde, educação e segurança social.
Internamente tal objectivo é muito visível no modo como são conduzidas a política económico-financeira e a política externa portuguesa no quadro da União Europeia, tanto no plano estritamente político, como no económico-financeiro.
De facto, pelas manifestações vindas a público dos primeiros responsáveis por estas políticas percebe-se que a posição deles se identifica com as premissas que contextualizam a acção do “inimigo”. E como as batalhas que estão em curso jamais poderão ser ganhas se travada no campo do “inimigo”, isto é, com recurso à lógica por ele imposta, impõe-se uma alteração substancial das políticas que tem vindo a ser seguidas.
Discutir se isso se resolve com a simples substituição dos seus protagonistas, embora seja uma evidência, acaba por ser uma questão pouco importante, se tal substituição não implicar uma radical alteração das respectivas políticas e uma acção política muito perseverante conduzida simultaneamente em dois planos: uma, no plano A, no quadro da União Europeia, com vista à conjugação de esforços e vontades tendentes a pôr em pratica um verdadeiro governo económico da União no qual participem democraticamente todos os Estados; outra, no plano B, destinada a intensificar, com total independência e tanto quanto possível fora dos constrangimentos impostos por Bruxelas, a diversificação das relações de Portugal com outros países, nomeadamente aqueles que possam constituir uma âncora segura para relacionamentos mais estreitos no quadro de novas relações especiais.
No plano A, Portugal, em vez de estupidamente se estar a esgotar em esforços inúteis – e às vezes até hipócritas – destinados a demonstrar que não é a Grécia, ou que a sua situação é muito diferente da da Irlanda, deve – como aqui tem sido repetidamente aconselhado desde há mais de seis meses – assumir sem reservas a existência de um grave problema estrutural da zona euro – e da própria União Europeia – que afecta de maneira muito desigual os diversos países que a compõem, sem a solução do qual não há políticas que possam pôr termo aos desequilíbrios existentes.
Obviamente, que esta alteração qualitativa da política externa portuguesa, além de precisar de intérpretes à medida da sua exigência, precisa também de conjugar esforços junto de países com os mesmos ou idênticos problemas que, pela própria força das circunstâncias, tenham condições para perceber que somente afrontando os poderes “político-fácticos” que governam a União, com vista a uma alteração das actuais políticas, se tornará possível encontrar um caminho para a reconstituição de uma União Europeia mais homogénea e equilibrada.
No plano psicológico, é da máxima importância partir para esta verdadeira campanha contra a “germanização” da União Europeia sem sentimentos de culpa, nem complexos de inferioridade, não apenas por louváveis sentimentos de auto-estima e amor-próprio, mas também porque é preciso compreender que, consciente ou inconscientemente, há uma apreciável dose de bluff na posição da Alemanha, secundada por esse político medíocre que é Sarkozy. De facto, a Alemanha tem feito imposições atrás de imposições, escudadas na força da sua economia e amplamente facilitadas pelo extraordinário superávide comercial de que beneficia no seu relacionamento com os parceiros europeus, sem que ninguém verdadeiramente se lhe tenha oposto – salvo pontualmente J. C. Trichet nos casos extremos de dogmatismo monetarista. Todavia, se o euro soçobrar – e isso acontecerá fatalmente se três ou quatro países o abandonarem (quem sabe, apenas um) – a União Europeia acabará também por se desagregar. E a Alemanha terá muito mais a perder do que qualquer outro país com a desagregação da Europa.
Portanto, uma política concertada de oposição aos poderes político-fácticos dominantes, de que a Alemanha é o principal intérprete, não é uma utopia, nem um sonho sem sentido, é uma possibilidade bem real, desde que bem conduzida.
Uma vez ganha a Espanha – que está prestes a ser seriamente atacada – para este movimento, tudo se tornaria mais fácil, embora tenha de reconhecer-se que a Espanha por motivos históricos difíceis de erradicar tenha sempre muita dificuldade em reconhecer as suas fragilidades.
Portanto, para combater a crise, o primeiro combate a travar não é cá dentro, mas lá fora, em Bruxelas, digamos assim por conveniência de expressão e simbolismo político, embora toda a gente hoje saiba que Bruxelas, como centro de poder, já conta muito pouco ou quase nada. O poder, principalmente depois do tratado de Lisboa e das vicissitudes que acompanharam a sua negociação, deslocou-se quase completamente, ou mesmo completamente, para o eixo franco-alemão e seus fiéis acólitos, no qual a França, por ineptidão de Sarkozy, desempenha o papel de “idiota útil”, com eventual participação do Reino Unido, sempre que, pelo menos, seja necessário assegurar a sua abstenção.
Quando há muitos meses atrás, no dealbar da crise grega, aqui repetidamente alertávamos para a necessidade de concertar políticas entre os países mais afectados pelo défice e pela dívida tais avisos não tinham qualquer eco tal a força do individualismo reinante entre os Estados Membros da União Europeia e dos seus dirigentes. É certo que hoje já há muita gente a dizer aquilo que desde o princípio era óbvio, ou seja, que somente uma acção diplomática conjugada entre os vários países em crise poderá contribuir para alterar o status quo e fazer recuar a Alemanha. Infelizmente, os nossos governantes continuam a actuar politicamente dentro do terreno demarcado pelo “inimigo”, quer repetindo cá dentro o que ele impõe ou tenta impor de fora (como a constitucionalização dos limites do défice ou da dívida; ou as sanções automáticas ou não para os países incumpridores, etc.) ou ainda repetindo imbecilmente aquilo que já se tornou um refrão sem sentido: “Nós não somos a Grécia”; ou, mais recentemente, “Nós não somos a Irlanda”; a Espanha a dizer: “Nós não somos a Irlanda, nem a Grécia” e amanhã, certamente, a acrescentar: “Nós também não somos Portugal” e outras afirmações semelhantes.
A Alemanha e outros (que com ela estreita e subservientemente colaboram) terão de perceber – e só uma diplomacia à beira do abismo os fará perceber – que os défices e as dívidas dos países endividados não resultam dos “vícios” de quem se endivida, ou da falta de trabalho ou de outras pretensas razões morais com que tentam escudar a posição que defendem. Resultam de “vícios” estruturais ligados à constituição da zona euro que, além de não dispor de verdadeiros de verdadeiros instrumentos destinados a esbater as diferenças de competitividade entre os respectivos parceiros, permite que políticas altamente restritivas de contracção da procura interna dos países mais competitivos se reflictam catastroficamente na economia dos países mais frágeis. Por outro lado, é impensável manter a concepção que presidiu à constituição do BCE, ou, no mínimo manter inalteradas as suas políticas, moldada na concepção do banco central da potência economicamente dominante (Bundesbank), só a ela servindo, com total desprezo pela situação económica, nomeadamente do crescimento e do emprego, dos demais países.
As consequências – que estão à vista de todos – da construção da União Europeia e do modo como está estruturada União Económica e Monetária constituem uma inevitabilidade que nenhum governo, no actual quadro normativo vigente, poderá evitar.
O desenvolvimento do plano B fica para outra ocasião…

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

MARCELO REBELO DE SOUSA E A POBREZA


OS “REMÉDIOS” DA DIREITA PARA COMBATER A CRISE

A direita está eufórica como já não estava há muitas décadas. Tanto a direita internacional como a doméstica. Insatisfeita com as vitórias acumuladas nestes últimos trinta anos, a direita quer agora uma vitória sem resgate, sem “prisioneiros”.
A sua meta mais imediata é reduzir a escombros o que resta do estado social. Começará pelos Estados em crise e depois de nestes ter arrasado o estado social partirá para outras conquistas.
A crise é a desculpa e o pretexto, mas a razão profunda é de natureza ideológica. O capitalismo financeiro não quer que nada possa tolher a sua voracidade especulativa. Quanto menos o Estado intervier, melhor. Apenas exige que o Estado intervenha para defender a sua liberdade e a sua propriedade, conceitos que nesta fase do desenvolvimento capitalista tendem a ser cada vez mais sinónimos.
No caso português, há ainda outras razões. Tendo estado a generalidade do povo português afastada do chamado “welfare state” durante as largas décadas que decorreram entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o 25 de Abril, por força de uma política salazarista retrógrada que propositadamente defendia a estratificação das classes e era inimiga do crescimento económico, tudo fazendo, inclusive com recurso a medidas brutalmente repressivas, para impedir a redistribuição dos rendimentos, nunca a consagração dos direitos económicos, sociais, laborais, culturais, etc., conquistada com o 25 de Abril e que, sempre com muita dificuldade, foram sendo parcialmente materializados, foi aceite pela direita portuguesa como elemento estruturante da nossa sociedade.
As manifestações de rejeição, nos tempos que correm, de tudo o que "cheire" a conquistas sociais aparecem em cada discurso, mais ou menos abertamente, embora muitas vezes matizadas pela linguagem hipócrita de conhecidos lugares comuns enganadores: é preciso fazermos sacrifícios agora (deixando implícito que os sacrifícios são de todos) para podermos viver melhor amanhã; ou ainda, para redistribuir é preciso crescer; vamos crescer primeiro e depois se redistribuirá (como se o “bolo” de que estamos a falar fosse sempre um hipotético e inatingível “bolo” futuro, quando o que nos interessa é fatiar com justiça o “bolo” que existe).
Mas às vezes a hipocrisia da linguagem da direita é traída pela euforia com que está vivendo o tempo presente. Aconteceu isso, ontem, com Marcelo Rebelo de Sousa por mais de uma vez.
A primeira foi quando “rapou” de uma cábula que tinha no bolso para ler embevecido as medidas de austeridade que a Irlanda vai ter de aplicar e que, segundo ele, dentro de muito pouco tempo serão igualmente aplicáveis em Portugal. Havia naquele entusiasmo um indiscutível sentimento de desforra de quem não esperou 35 anos em vão!
Mas o pior, muito pior, veio depois, quando afincadamente defendeu o afastamento do Estado de todos os eventuais programas de emergência de combate à pobreza extrema, reclamados pela actual situação. Aí, sem disfarces, defendeu a esmola e a humilhação que ela encerra. Como nos “bons velhos tempos” salazaristas, não haverá direitos. Haverá esmolas. Quando muito, os pobres poderão contar, como no tempo de Salazar, que haverá quem deles se ocupe num dos dias da semana: “Hoje é o dia do meu pobre”. Nos outros dias que procurem outro dono!
No fundo, Marcelo quando pediu à TAP para distribuir os restos da comida que sobra nos aviões pelos pobres mais não fez do que defender uma máxima do Estado neoliberal dos nossos dias: afastar o cidadão do Estado, eliminando-lhe os direitos e fazendo-o aproximar, sem direitos e em condição humilhante, de quem na lógica neoliberal o deve substituir.
É claro, que eles estão a ir longe de mais. Estão a cavalgar exageradamente o sucesso e ainda nem sequer se aperceberam que estão a destruir todos os laços que formam uma sociedade; estão a destruir aquela fina membrana que liga os interstícios do tecido social. Depois não se queixem!

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

TANTA NATO, TANTA NATO



E, AFINAL, PARA QUE SERVE?

Reina uma grande excitação nas hostes lusitanas com as trombetas da guerra soando sob os céus de Lisboa.
O apelo ao voto do PSC da Catalunha comparado com a excitação que num frémito de prazer percorre as mentes dos nossos “natistas” não é nada. É coisa pouca.
É vê-los nas televisões, ouvi-los nas rádios, lê-los na imprensa e logo se percebe a emoção que por ali vai, desde os mais credenciados por Langley, aos aspirantes à credenciação até aos simples idiotas úteis sempre muito presentes nestas ocasiões.
É o novo conceito estratégico, são as parcerias, é o escudo antimíssil e ainda os que, tendo introduzido no documento final para sua grande felicidade e contentamento aquele acrescento tão importante “através e além dos quadros existentes”, continuam sonhando esse sonho impossível de meter na NATO, ou em parceria com ela, o Brasil e Angola. Mon Dieu, ao que chega o delírio “natista” dos nossos atlantistas.
Depois de tanta excitação, fica-se gelado quando se ouve vários afegãos escolhidos ao acaso, em Cabul, dizer à repórter da televisão que o que eles mais desejam é que esses tipos que para ai estão a fazer guerra se vão embora o mais depressa possível.
Afinal, para que serve a NATO? Como se tem visto, para fazer a guerra. Não, obrigado!

A FUGA AOS IMPOSTOS CONTINUA








VALE TUDO

De facto, já vale tudo. Mais duas grandes empresas anteciparam a distribuição de dividendos para impedir o agravamento da tributação. Perante isto, nem sequer adianta esgrimir argumentos morais contra o grande capital. De que serve comparar o seu comportamento com o daqueles que têm de suportar as privações do desemprego, da redução salarial, da perda de apoios sociais, do agravamento de impostos, de que serve, se eles se ficam a rir?
Eles têm de ser tratados como ladrões. E do Governo nós apenas queremos saber se contemporiza com estes ladrões ou se age contra eles. E há várias formas de agir contra estes ladrões: uma é tributá-los normalmente em 2011, como se os rendimentos distribuídos este ano fossem distribuídos no ano que vem. Eles que vão para tribunal. Será de acreditar que nenhum tribunal deste país sancione uma fraude à lei.
Outra é aprovar imediatamente uma lei que não permita o que se está a passar.
Provavelmente, não vai acontecer nem uma coisa nem outra. Nós, como toda a gente, ouvimos Salgado falar na televisão sobre o assunto. E quando Salgado afirmou que se o conselho de administração da PT não distribuísse os dividendos este ano seria corrido, o que ele verdadeiramente quis dizer é que se o “conselho de administração”, que governa este país sob a vigilância dos accionistas (os bancos), taxasse a os dividendos distribuídos este ano, seria corrido!

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

OBAMA E A SITUAÇÃO ECONÓMICA PORTUGUESA

ENFIM…

Dizem os jornais on line desta noite que Obama vai discutir a situação económica portuguesa com as nossas autoridades.
Não sei se dessa discussão nascerá a luz ou se dela resultará proveito para qualquer das partes.
Do lado, português talvez possam ensinar a Obama o caminho mais curto para a recessão e como se (não) governa uma economia com uma moeda excessivamente valorizada para o seu nível de competitividade.
Obama, por seu turno, talvez possa explicar aos governantes portugueses como se delapida em dois anos altos níveis de popularidade, assim como as consequências político-económicas resultantes da realização de reformas que não exprimem os pontos de vista de quem as faz, nem de quem as contesta.
Enfim, experiências muito instrutivas as de uns e de outros…se delas soubessem tirar as devidas consequências.
Mas não sabem, uns porque não tem coragem, outros porque não tem força nem coragem…
Ouçam a lição de Lula: “Quando as crises eram dos outros, não faltavam receitas. Agora que a crise é deles, não sabem o que hão-de fazer. Mas nós sabemos; se nos pedirem, a gente explica…”

terça-feira, 16 de novembro de 2010

PORTUGAL NÃO PRECISA DE UM GOVERNO SERVIL



ESTE É UM POST DIFÍCIL DE ESCREVER...

Os jornais do fim-de-semana, nomeadamente os semanários, estão repletos de intrigas e de declarações de responsáveis políticos todas elas destinadas a criar na opinião pública um clima favorável à substituição deste governo por um governo de…qualquer nome serve, contanto que nele caibam, além da direita do PS, gente do PSD ligada a Cavaco e, eventualmente, também alguém do CDS, contanto que descendente em linha recta do “genuíno” CDS saído do marcelismo nos alvores da democracia de Abril.
À frente destas movimentações, no PS, estão Luis Amado e Mário Soares, cada um pelo seu lado, além de algumas almas inquietas, descontentes com Sócrates, por não lhes ter reconhecido o mérito de que se julgam credoras.
Estas movimentações são acolhidas com agrado do lado do PSD, em geral, mesma da parte dos que não pretendem participar num governo de coligação, por verem no afastamento de Sócrates uma espécie de via verde para a sua própria chegada ao poder. Nos sectores cavaquistas, a eventualidade de constituição de um governo com as características de que se vem falando na comunicação social, e que Amado abertamente defendeu, representaria a possibilidade de Cavaco, no próximo mandato, assumir um protagonismo que as condições políticas em que exerceu o primeiro estavam muito longe de lhe permitir.
Do lado do CDS, o afastamento explícito de Portas ou da sua gente, poderia gerar consequências relativamente imprevisíveis, em qualquer caso sempre despiciendas ou quase.
É claro que as coisas não são apresentadas com a crueza com que neste blogue são relatadas. A hipocrisia usa outra linguagem: é a grave situação do país que exige um entendimento entre os principais parceiros, ou como alguns gostam de dizer, entre os partidos do “arco do poder”. Que coisa mais linda esta do arco…
Se um entendimento parlamentar não for possível, que seja uma coligação ou algo que faça as suas vezes. Só que depois vem o “mas”. Aliás, esta conversa é feita exactamente para suscitar o “mas” na contraparte. E o “mas” na contraparte exprime-se numa ideia muito simples: “Sim, isso seria possível, mas com Sócrates não”.
Seguidamente não faltará no PS e, principalmente, cá fora, nas rádios, nos jornais, nas televisões, quem pressione Sócrates para sair em nome do interesse nacional.
Acontece, como aqui já foi dito, que este governo, se por azar deste país se viesse a formar, seria muito pior do que o actual. E ninguém, nem a esquerda parlamentar, tiraria qualquer vantagem de ter a direita toda no governo ao mesmo tempo. Fazer um cálculo puramente eleitoral a partir dessa (eventual) nova configuração seria um erro de graves consequências.
Portugal ficaria com um governo completamente servil em todos os domínios. No plano interno, com um governo dependente das forças neoliberais que rapidamente exigiriam o desmantelamento do que vai restando do estado social; dependente dessas mesmas forças em todos os demais planos, laboral inclusive, onde passaria a vigorar a lei da selva. O Estado, tal como o conhecemos, desapareceria para dar lugar ao chamado “Estado mínimo”, com transferência para o capital privado de tudo o que agora é público e possa dar lucro. Finalmente, pior que tudo: a Constituição seria desfigurada, permitindo à direita a desforra que obsessivamente persegue desde o 25 de Abril.
No plano externo, as consequências também seriam incalculáveis. As poucas manifestações de independência até agora traduzidas numa política de consolidação gradual da diversificação das relações internacionais seria imediatamente substituída por uma política de puro servilismo, tanto perante o directório da União Europeia, como perante as orientações impostas pela sempre presente “relação transatlântica”, a ponto de algumas manifestações desta política entrarem necessariamente em conflito com novos e velhos relacionamentos até agora mantidos à margem daquelas relações.
Neste contexto, a Sócrates só lhe resta remodelar com urgência o governo, substituindo imediatamente Luís Amado e Teixeira dos Santos, além de outros ministros que ao longo destes últimos meses se têm revelado uma verdadeira nulidade.
Amado, depois do que disse - e mesmo do que desdisse – não pode ficar no governo, sob pena de descredibilização completa do Primeiro-ministro. E Teixeira dos Santos, como aqui tem sido dito, está completamente perdido. Habituou-se a ver a crise a um palmo do nariz. E a crise é uma coisa grande demais para ser vista de tão perto…
Esta é a última oportunidade de Sócrates: ou toma a iniciativa ou outros a tomarão por ele. Todavia, permanecer no governo somente teria sentido se fosse para continuar a consolidar a diversificação das relações de Portugal e para preparar o inevitável afrontamento com os poderes “fáctico-políticos” que governam a União Europeia em exclusivo proveito próprio com olímpico desprezo pelos interesses alheios, com vista a que internamente se possa fazer uma política de relançamento da economia e de combate à recessão (que inevitavelmente ai vem) …
Se não for para isto, se Sócrates continuar a permitir que nos Estrangeiros e nas Finanças se prossiga uma política de puro servilismo perante o directório, se Sócrates não tiver coragem para entre os arruinados pela crise tentar encontrar convergências que levantem uma barreira à prepotência alemã e seus aliados voluntários, enganados ou forçados, por mais fortes que eles sejam, qualquer remodelação governamental está de antemão condenada ao mais rotundo fracasso.
É um post difícil de escrever...(mais cómodo seria não o escrever), além do mais por fazer pressupor uma certa ingenuidade facilmente confundível com outros atributos menos recomendáveis...

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A MORAL POLÍTICA DE CAVACO


EIS AQUI A ACTUAÇÃO DE QUEM TANTO SE AUTO-ELOGIOU

Cavaco Silva em não sei que acção de campanha eleitoral ou presidencial – é sempre difícil distinguir – afirmou para quem o quis ouvir que lhe chegam muitas queixas à Presidência da República – ah, afinal sempre foi como Presidente que falou – sobre o comportamento do Ministério da Educação.
Diz ele que o poder político tem de ser previsível. Que a previsibilidade é um valor que os governantes devem respeitar.
Cavaco, tomando as dores do ensino privado, criticou o Governo por ter “cortado” 70 milhões nos apoios às escolas privadas, que, segundo ele, desempenham um importante papel, a preservar, de concorrência com o ensino público.
Esta intervenção de Cavaco ilustra na perfeição aquilo que é e o que pensa a direita portuguesa sobre o défice, a dívida e a Constituição.
Pois este “homem independente”, que desempenha o cargo de Presidente da República e que tanto se auto-elogia, invoca o princípio constitucional da confiança, que é uma espécie de subprincípio da segurança jurídica e elemento integrador do conceito de Estado de direito, para criticar o tal “corte” nos apoios de que o ensino privado beneficiava e que para o ano não vai ter com a mesma dimensão.
Curiosa crítica esta. Em primeiro lugar, esta crítica demonstra que a direita, de que Cavaco é a expressão institucional mais elevada, concorda com cortes na despesa desde que tal despesa incida sobre as obrigações constitucionais do Estado. Mas já conta com a sua oposição, desde que incida sobre despesas “virtuosas”.
Cavaco esquece, ou faz que não sabe, que o Estado não tem nenhuma obrigação constitucional de apoiar o ensino privado. O Estado está constitucionalmente obrigado a criar uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população, incumbino-lhe ainda materializar os princípios consagrados no art. 74.º da Constituição. Quanto ao ensino privado e cooperativo, o Estado apenas o reconhece e fiscaliza.
Estas são as suas obrigações constitucionais. Claro, que se o Estado tiver recursos suficientes poderá ajudar o ensino privado e cooperativo nos casos em que, segundo critérios objectivos constitucionalmente aceitáveis, tal apoio se justifique.
Mas se tiver de cortar na despesa na área do ensino é pelo ensino privado que deve começar.
O ensino privado não concorre constitucionalmente com o ensino público. O ensino privado é um negócio; o ensino público uma obrigação. O Presidente da República que tanto se gaba de conhecer a Constituição deveria saber isto.
Mas há mais: a moral de Cavaco, do tal “homem independente”, repleto de predicados para desempenhar o cargo, leva-o a estar muito preocupado com o “corte” na despesa no ensino privado, mas ainda não disse uma palavra sobre o “corte” nos vencimentos dos funcionários públicos, essa sim, uma inconstitucionalidade brutal, que lesa vários princípios estruturantes do Estado de direito. Não disse é como quem diz: porque quando ele e outros insistem na tese de que há uma “questão laboral” que dificulta a competitividade da economia portuguesa é ao corte de salários que se estão a referir.
Portanto, para Cavaco, há cortes na despesa, virtuosos, e outros, viciosos. Só que uns e outros nada tem a ver com a Constituição, mas com as suas opções ideológicas.

domingo, 14 de novembro de 2010

MARCELO REBELO DE SOUSA, A NOTÍCIA E O COMENTÁRIO


NEM TUDO SE PODE DESCULPAR
Desculpa-se muita coisa a Rebelo de Sousa como comentador político. Umas vezes porque tem graça; outra, porque espeta farpas en passant, como quem come tremoços; outras ainda, porque é maledicente, conspira e intriga para nos divertir e se divertir; finalmente, porque a maior parte das vezes exibe-se com inteligência e quem assiste a espectáculos divertidos sente-se recompensado com a inteligência do entertainer.
Mas tudo tem os seus limites. A incorrecção dos factos; a omissão de certos comportamentos; e a interpretação de algumas posições por vezes agridem a inteligência do telespectador. E ai é o entertainer que deixa de ser inteligente.
Cito exemplos do comentário de hoje.
Dizer que a NATO foi criada no tempo da Guerra Fria como organização militar de defesa contra o Pacto de Varsóvia é um pouco aquilo a que Eça chamava a “impossibilidade metafísica” quando acusaram o “Crime do Padre Amaro” de ser um plágio de “La Faute de L’ Abbé Mouret”.
Marcelo deveria saber que a NATO foi constituída em 1949…e o Pacto de Varsóvia em 1955. Aliás, deveria saber mais. Deveria saber que antes da constituição do Pacto de Varsóvia, a URSS até pediu a adesão à NATO. Se a NATO era uma organização defensiva, criada para defender a Paz, a URSS também queria pertencer a uma organização com essas características, disseram a Eisenhower os dirigentes soviéticos. Aqui os pormenores.
Segundo exemplo: Marcelo sempre tão atento a tudo o que se passa, principalmente a todos os deslizes grandes e pequenos dos nossos políticos, omitiu a intervenção do governador do Banco de Portugal, numa reunião luso-espanhola, sobre os juros da dívida pública. Nada, nem uma palavra.
Em terceiro lugar, não deixa de ser espantoso que Marcelo venha elogiar o PSD por não ter falado tanto, como habitualmente, sobre tudo o que se refere à dívida, aos juros e ao défice. De facto, o que Marcelo deveria ter dito é que o PSD depois de meses a fio a dizer asneiras e a fazer ameaças, a ponto de ter sido desautorizado pelo patrão de Belém, como que se envergonhou de continuar a falar no mesmo tom. Mas isso não tem nenhum mérito. O mérito está todo do lado de quem não lhe suporta as asneiras e as ameaças.
Moral da história: quando cheira a poder, até Marcelo muda de faro…

CAVACO E AMADO EM UNÍSSONO


AFASTAR SÓCRATES NÃO BASTA

Antes que alguém tivesse falado do que hoje toda a gente fala – afastamento de Sócrates e formação de um governo de…qualquer coisa que os meta todos – abordei aqui o tema sob a forma de premonição, adiantando desde logo os dois grandes protagonistas do processo que, por entre as brumas da dívida e do défice, emergiam como grandes artífices da solução que o establishment do regime ansiosamente aguarda: Cavaco e Amado.
Cavaco não tem confiança pessoal nem política em Sócrates. Acreditou que o poderia substituir nas últimas eleições por uma pessoa sua, fez o que pôde para o conseguir, mas saiu-se muito mal. Aliás, deu até uma grande barraca. Tão grande que somente num país como Portugal é que ela passou sem consequências.
Entretanto, a crise grega, melhor dizendo, a crise da zona euro, que a Alemanha tudo fez para reduzir à crise grega, não parou de alastrar. Primeiro, através da imposição de prazos curtíssimos para a redução do défice, quando a própria Comissão Europeia – facto de que hoje já ninguém se lembra – dizia ainda em 2009 que os Estados que se empenharam no combate à crise financeira iriam naturalmente gozar de um prazo alargado para pôr as suas contas em ordem. Prazo que, por magia, desapareceu de um dia para o outro, sendo o discurso da compreensão imediatamente substituído pelo da repressão. Mas continuando: a crise não parou de alastrar, porque a seguir ao encurtamento dos prazos, veio a escalada, ainda sem fim à vista, dos juros da dívida.
Com as cautelas que a situação requer, não apenas pela situação em si, mas também por se estar em pré-campanha presidencial, Cavaco foi e vai movimentando as suas pedras, dando a entender que, além de não querer Sócrates, também não quer Passos Coelho. Mas..
A direita ideológica do PS – ou seja aquela gente que está no PS como poderia estar no CDS ou no PSD – percebe a mensagem, sente-se em consonância com largos sectores da dita “sociedade civil” que vive sempre muito próxima do regime, e faz alastrar a opinião que a única forma de o PS se manter no governo é deixar cair Sócrates.
Amado é o primeiro a manter uma grande consonância com Cavaco. Desde que a crise se agravou, ambos falam a uma só voz. Mas outros sectores, tradicionalmente ligados a Soares, embora com mais cautelas, vão exprimindo publicamente as mesmas opiniões. Soares, como convém, só fala em entendimentos. Insiste. Volta a insistir. Quem o compreende percebe que para o velho político a questão do poder, mesmo repartido, é a questão fundamental. Se para o manter tiver de haver sacrifícios, paciência. Como sinal inequívoco da sua orientação, deixa de fazer elogios a Sócrates. Deixa até de o citar. O caminho por ele está aberto…
Do lado do PSD, les jeux sont faits. Cavaco quer gente sua. Gente em quem confie pessoal e politicamente. Amado dá-lhe todas as garantias de encontrar essa gente. Passos Coelho não terá muita margem. Na melhor das hipóteses acontecer-lhe-á o mesmo que lhe aconteceu na negociação do orçamento. De qualquer modo, não terá gente, no Parlamento, para contrariar com êxito uma directiva de Cavaco. O próprio Portas vai ser ultrapassado.
Assim sendo, no PS a decisão vai jogar-se entre a fidelidade dos que não tem outra alternativa e aqueles cuja fidelidade varia não apenas em função de quem lá está mas principalmente de quem lhes garanta que eles continuarão lá!
Como disse um ilustre comentador deste blogue, tudo vai depender, em última instância, da capacidade de resistência de Sócrates. Uma incógnita, mas também uma excelente ocasião para testar a sua independência…e mais não digo.
Uma coisa, porém, parece certa. A substituição que estão a tentar pôr em prática não terá nenhuma vantagem para os portugueses. Porventura representará até, paradoxalmente, mais sofrimento e mais austeridade para quem já paga a crise.
Quer isto dizer que Sócrates não deve ser substituído? Não. Quer apenas dizer que a via de solução para as dificuldades do país não passa por um entendimento alargado entre aqueles que tem da crise uma visão estritamente nacional. A crise que Portugal atravessa não pode resolver-se cá dentro. As medidas tomadas, ou a tomar, nesta perspectiva apenas agravarão cada vez mais a crise até à inevitável ruptura social.
Ora, nem Cavaco nem Amado pronunciaram até hoje uma única palavra – nem seguramente a vão pronunciar – que não fosse a de encararem a crise como um “pecado” interno a que urge rapidamente pôr cobro.
Nem Cavaco nem Amado pelo seu passado político na cena internacional dão quaisquer garantias de defesa de uma política alternativa face aos grandes poderes, eu diria, político-fácticos da União Europeia. Pelo contrário, tanto um como outro já se exprimiram publicamente num sentido concordante com o que de mais gravoso há nessa política. Amado já pediu para constitucionalizar o limite do défice e da dívida. Daí à aceitação de sanções inadmissíveis, como as que estão propostas, vai apenas um pequeno passo. E Cavaco não perde oportunidade de enaltecer o papel corrector e orientador dos “mercados”.
Portanto, a solução que está em curso é uma falsa solução. Isto só lá vai com outra gente!

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

GOVERNADOR DO BP - OUVE-SE E NÃO SE ACREDITA


SERÁ POSSIVEL?


Algum presidente de um Banco Central da Libéria a Washington DC seria capaz de proferir declarações semelhantes às que o Sr. Carlos Costa acaba de proferir sobre a credibilidade do seu país?
Isto vai de mal a pior.
Constâncio, com aquela manha católica de quem se pode confessar amanhã e obter a absolvição dos pecados que cometeu hoje, protegia os bancos, não os vigiava devidamente, pedia sacrifícios aos trabalhadores, mas nunca chegou ao ponto de vir declarar publicamente que o seu país não tinha credibilidade.
Cavaco deu um passo no sentido da defesa dos “mercados”, quando pediu às forças políticas portuguesas para não os atacar por entender que essa “retórica” seria prejudicial aos interesses de Portugal. É uma posição típica de quem se inclina perante as tais forças superiores, bem lá no fundo porque as venera e com cuja lógica concorda. Pode até mesmo ser indirectamente responsável pelas declarações do governador de Banco de Portugal. Mas tem de reconhecer-se que, enquanto Presidente da República, jamais disse em público que o país a que preside não merece credibilidade. Nem tão pouco se pode aceitar que Cavaco tenha intencionalmente potenciado declarações com as de Carlos Costa.
Com o actual governador do Banco de Portugal todas as fronteiras da decência institucional foram ultrapassadas. Pessoalmente devo declarar que as suas declarações não me causam qualquer surpresa, apenas muita indignação. O governador do Banco de Portugal é um daqueles burocratas que fez carreira nas organizações internacionais, nomeadamente na União Europeia, para quem o país a que pertencia e que em larga medida lhe possibilitou o acesso a esses lugares nada representava. O que era importante do seu ponto de vista era manter-se “independente”, quaisquer que fossem as consequências da sua conduta para Portugal.
Ninguém nas organizações internacionais se comporta assim. E muito menos na União Europeia, onde as pessoas são lá colocadas para defender os interesses do país de que são nacionais. Infelizmente, é muito frequente encontrar entre os portugueses comportamentos como os de Carlos Costa.
Só que este burocrata que Sócrates foi desencantar a Bruxelas esqueceu-se que é governador do Banco de Portugal e continuou a actuar nas suas novas funções como se estivesse ao serviço dos tais “mercados”.
Depois do que ele disse hoje, apenas uma solução se impõe: a demissão. Imediata. Quaisquer que sejam as consequências!
Se o Governo nada fizer, que o Parlamento não deixe ficar impune o vergonhoso comportamento de Carlos Costa!

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

ANGOLA, 35 ANOS



PARABÉNS, ANGOLA!



Há trinta e cinco anos, muita paixão. Mas também quem friamente tivesse subordinado os interesses de Portugal aos interesses americanos, apoiados no terreno, a norte, por Mobutu e, a sul, pelos racistas sul-africanos.
Costa Gomes tentou reconhecer, no dia, mas não conseguiu. Ainda hoje se não conhecem bem todos os detalhes do regresso a Lisboa do avião da TAP, que levava uma delegação mandatada pelo Conselho da Revolução para assistir à proclamação da independência,
Mais tarde, Costa Gomes conseguiu impor a sua vontade e Angola foi reconhecida. Mário Soares, que chegou ao Governo em 1976, continuou a tentar, com relativo êxito, boicotar as relações com Angola.
Para Soares os interesses estratégicos da Guerra Fria, tal como ele os interpretava (isto é, tal como os Estados Unidos os interpretavam), valiam mais do que os interesses nacionais.
Primeiro, Eanes e depois Cavaco, por intermédio de Durão Barroso, normalizaram as relações com Angola. Mais tarde o PS de Guterres, com Gama no MNE, não insistiu mais na política de Soares. Seguiu e deu continuidade à política de aproximação com Angola.
Sempre que podem, Soares e as “viúvas” de Savimbi, ainda tentam lançar a confusão. Sem qualquer êxito. Além destes, há ainda uns tontos que, de vez em quando, nas televisões ou nos jornais, sob o indisfarçável sentimento de colonizador frustrado, disfarçado sob uma capa de esquerda, querem dar lições…
Viva Angola independente!

NOTÍCIAS DE ROMA E DO VATICANO


ITÁLIA, QUE TRISTEZA

1- Há “coisas” que tanta falta fazem à Itália…Melhor dizendo, desde que Acchille Occhetto transformou em “cosa”, com a “Svolta della Bolognina”, o que de mais esperançoso havia na Itália do século XX, nunca mais a Itália foi a mesma…Por isso, não admira que Berlusconi deixe ruir em Pompeia a Casa dos Gladiadores. Se fosse o Lupanar, certamente teria sido outra a sua atenção.


2- No Vaticano as coisas não vão melhor. Ali Agca, em declarações à televisão turca, implica a Santa Sé no atentado contra o Papa Woytila. Agca acusa o Secretário de Estado do Vaticano, Agostino Casaroli, de estar directamente envolvido no atentado. E diz que o Papa, quando falou com ele, já sabia. Só queria obter a confirmação.


3- Sabe-se também agora que a pedofilia que, desde há muito grassa na Igreja, em todos os continentes, só tomou as proporções que hoje tem, porque Bush, “chateado” com (o ingrato) João Paulo II, por se ter oposto à invasão do Iraque, mandou pôr cá fora o que há muito era do conhecimento das autoridades americanas, mas estava escondido.


4- Finalmente, e nem tudo são más notícias para o Vaticano. Zapatero “deixou cair” a lei da liberdade religiosa, que, se fosse aprovada, substituiria a de 1980. Mais do que a cruzada do Papa em Espanha, no passado fim-de-semana, apoiada pela hierarquia reaccionária Igreja, o que ditou esta atitude de Zapatero foi a posição do PNV e da Coligação Canária, partidos com os quais o PSOE tem um acordo até ao fim da legislatura. Entre recorrer à Esquerda Unida e à Esquerda Republicana da Catalunha para aprovar a lei e indispor os seus actuais aliados ou desistir da proposta de lei, Zapatero optou por esta segunda via, alegando falta de consenso social e político. É um passo atrás na luta pela separação entre o Estado e a Igreja, ainda por cima num país, como a Espanha, onde a Igreja (a maior parte da Igreja) irmanada com a extrema-direita não prescinde de ser uma quase religião de Estado. Pois, mas em política nem sempre se pode ter tudo…

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

SÓ COM PALAVRAS ISTO NÃO VAI LÁ













É PRECISO MUITO MAIS

Não se pode aplicar a todas as épocas e a todas as situações a mesma receita. Em situações normais, de relativa estabilidade, a luta através da palavra pode ser suficiente. Normalmente, até é. Em situações de grave crise, como a actual, a palavra só não chega.
A dificuldade em passar da palavra à acção está certamente no facto de para muitas pessoas a crise ainda não ser uma evidência. É uma ameaça mas ainda não é uma vivência. Mas vai ser e dentro de muito pouco tempo. O Estado português, na situação em estão as contas públicas, não tem condições para contrair por muito mais tempo empréstimos a 7%.
Mais dia, menos dia vai deixar de os pagar e deixando de os pagar deixam de lhe emprestar dinheiro. E não tendo dinheiro vai deixar de pagar muita coisa também cá dentro. Nem será difícil imaginar, com a gente que nos governa, ou que a que se propõe substituir a que nos governa, quais serão nesse caso as suas prioridades. Tal como já acontece agora, também nessa altura quem tem menos é quem mais vai sofrer.
Para denunciar esta e outras situações semelhantes a palavra serve, mas daqui para a frente, por mais que se multipliquem outros tipos de luta contra quem governa, deixa de servir. E os outros tipos de lutas contra quem governa, também.
De facto, estes tipos que nos governam portaram-se pessimamente: fizeram asneiras e praticaram outro tipo de actos pelos quais um dia terão de ser julgados. Mas se fossem gente séria, isto é, se apenas tivessem tido alguns erros de cálculo, e quanto ao resto, se tivessem portado correctamente, a situação seria sensivelmente a mesma.
Isto pode parecer cínico, mas é verdade. Zapatero, que é um homem sério em matéria de dinheiros públicos, tinha um apreciável superávide nas contas públicas quando a crise começou; nas poucas parcerias público-privadas que contratou defendeu o interesse do Estado, como se está a ver com as auto-estradas: os prejuízos decorrentes de um errado cálculo sobre o número de utentes recaíram na íntegra sobre os privados. E, todavia, está numa situação semelhante à nossa, nalguns aspectos melhor, noutros bem pior, com tendência para se agravar.
Portanto, por detrás de tudo isto estão outras forças: Forças que os governos não querem contrariar, não têm coragem para contrariar ou não podem contrariar.
Na Europa, quem está por detrás de tudo isto é a Alemanha, com o apoio acrítico de Sarkozy. E o silêncio cúmplice e covarde dos demais, inclusive dos mais prejudicados por estas políticas. As responsabilidades da Alemanha são imensas: em primeiro lugar foi ela que mais vantagens tirou do endividamento dos países do sul, quer pelo que lhes vendeu, quer pelo que os financiou. E por ter, internamente, praticado uma política de cerceamento da procura interna. É a Alemanha, também, que, depois de ter beneficiado de todas as vantagens do endividamento, impôs draconianas medidas de austeridade aos seus parceiros para se assegurar de que as dívidas contraídas junto dos seus bancos serão pagas pontualmente. E é ainda a Alemanha que simultaneamente vai incendiando os “mercados” para que estes em plena crise possam dela retirar dela todas as vantagens.
É a Alemanha, por fim, que defende e impõe a grande mistificação de o dinheiro dever ser tratado como uma entidade independente. Em palavras simples, a Alemanha diz: o Banco Central tem de ser tratado como os tribunais. É uma entidade independente na qual os governos não podem interferir. Como toda a gente sabe isto é uma vergonhosa mistificação ideológica. Em toda a parte os bancos centrais estão ao serviço da política dos países a que pertencem. O BCE também. Com uma grande diferença: é que o BCE é de vários, mas quem manda nele é só um – a Alemanha ao serviço da qual está. E dentro de pouco tempo, se nada se fizer, ainda estará mais, quando Trichet for substituído pelo actual presidente do Bundesbank.
É preciso, portanto, que a Alemanha comece a sentir em toda a União Europeia, ou, pelo menos, nos países da União Europeia que ela abertamente prejudica, a animosidade dos seus habitantes.
Como os nossos políticos nada fazem, nem os que estão no poder nem aqueles que os pretendem substituir, têm de ser o povo a tomar a defesa do interesse nacional em suas mãos. De facto, têm de se considerar imbecis tanto as justificações do governo para explicar a actual situação como os remédios que ele propõe para a superar; igualmente se têm de considerar uma vergonha as declarações de Cavaco sobre o “apaziguamento” dos mercados, bem como as irrelevâncias do irrelevante Passos Coelho.
Aproxima-se duas datas que têm de ser aproveitadas para manifestar sem hesitações a nossa hostilidade face à política alemã: a cimeira da NATO e a Greve Geral do dia 24 de Novembro.
Como aqui tenho dito sempre a nossa luta não deve ser como a dos animais. Não adianta bater em que está mais perto, se por esse lado nada se resolve. A palavra de ordem tem de ser outra: hostilidade à Alemanha. Mais tarde ou mais cedo, se houver na Europa, ou numa parte dela, um clima verdadeiramente hostil, ela vai compreender…
Post Scriptum - É com inegável satisfação que vejo finalmente alguém (João Rodrigues e Nuno Teles, Público de hoje) defender a recusa dos programas de austeridade impostos pela Alemanha, com a aquiescência do directório e a obediência servil dos demais, através de uma acção concertada das economias em crise, proposta que neste blogue tem sido frequentemente advogada.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

O MUNDO NUM TURBILHÃO


A "GUERRA" DAS DIVISAS, A CRISE DA DÍVIDA … E O RESTO

A crise financeira lançou o mundo num verdadeiro turbilhão, cujos efeitos só agora, verdadeiramente, começam a atingir toda a gente. Certamente que os desempregados são as principais vítimas da crise em que o capital financeiro mergulhou o mundo, sendo esta consequência a mais grave de todas. Mas não são apenas os desempregados que foram ou vão ser atingidos pela crise. Ela está em pleno desenvolvimento e o mais que se pode dizer é que ninguém agora faz ideia de como acabará.
Os governantes são impotentes para lhe fazer frente: umas vezes porque representam o capital financeiro, partilham os mesmos pontos de vista e os mesmos interesses; outras, por falta de coragem; outras, ainda, por manifesta falta de força para isoladamente lhe fazer face.
Perante este cenário, a política que começa a ganhar terreno é a de exportar a crise para o terreno do vizinho. A “guerra das divisas” é um bom exemplo dessa política.
A China tem uma moeda subvalorizada e é detentora de biliões em créditos sobre os Estados Unidos e outros países. Como os Estados Unidos não conseguem que as autoridades chinesas valorizem a sua moeda, optam por uma desvalorização indirecta do dólar, mediante massivas injecções de liquidez feitas pela Reserva Federal, destinadas à compra da dívida pública, inundando o mercado de dólares. A moeda americana desce. Por outro lado, por via dessas injecções o dólar procura rentabilidade na moeda de outros países em prosperidade, fazendo subir o valor da moeda dos países para onde migra. E, então, os que estavam prósperos e de boa saúde, como o Brasil e outros emergentes, passam a temer o pior. Porque subindo o real, as exportações brasileiras baixam e as importações sobem.
A Alemanha, que se tem cevado à grande e à francesa nos países periféricos do sul da Europa, não fica, para já, prejudicada por estas movimentações, porque ficando mais valorizada a moeda dos emergentes, as suas exportações sobem. Ou seja, além de vender o que, em princípio sempre venderia, porque somente ela produz ou produz em condições mais competitivas que os demais, passa também a vender o que antes não vendia por ser caro. Daí que, para já, as reacções da Alemanha à guerra das divisas sejam muito tímidas…
No meio de toda esta grande movimentação, o presidente do Banco Mundial, um neocon nomeado por Bush, Robert Zoellick (que aliás entrou para o BM em substituição de um outro neocon (Wolfowitz) que para lá tinha ido para combater a corrupção, tendo sido corrido por nepotismo ao fim de dois anos), acaba de defender a peregrina ideia de uma espécie de regresso ao padrão ouro. Ideia imediatamente rechaçada por JC Trichet, presidente do BCE, que pediu mais flexibilidade para as taxas de câmbio. Mais contundente foi Bradford DeLong, professor de economia em Berckeley, que no seu blogue chamou a Zoellick “o maior estúpido vivente”, atributo que Paul Krugman considerou demasiado amável…De facto, a última coisa que a economia mundial necessita é de mais fontes de deflação.
Provavelmente, não se vai chegar a nenhum consenso em Seul, na próxima cimeira do G 20. Algumas das ideias que têm sido lançadas para travar estes movimentos não são verdadeiramente para levar a sério, ou porque não são aceitáveis pelos demais, ou porque são puras manobras de diversão. Se a história nos servisse de alguma coisa, e nem sempre serve, o mais provável seria seguir-se a toda esta movimentação uma onda proteccionista, com as consequências que se conhecem… Ver o que se passou antes da Primeira Guerra Mundial e entre as duas guerras.
Simultaneamente, na Europa, a dívida dos países periféricos do sul e da Irlanda não cessa de subir. E um facto é indesmentível: sempre que os juros tendem a estabilizar, mesmo a níveis inaceitáveis, a Alemanha lança uma mecha para a fogueira. Fê-lo durante a primeira fase da crise espanhola, para obrigar Zapatero a obedecer aos “mercados”, fê-lo permanentemente durante a crise grega e está a fazê-lo agora relativamente a todos.
É a Alemanha que permanentemente reaviva as suspeitas sobre a suspensão de pagamentos, sobre a capacidade de certos Estados executarem as políticas que ela impôs; enfim, é a Alemanha que tange o essencial do que se está a passar.
O que dizem os nossos políticos? Calam-se.
Sobre isto o que diz Cavaco? O que hoje à noite todos ouvimos…
Uma vergonha!

CAVACO, UM PÉSSIMO EXEMPLO


NÃO, ESTE HOMEM NÃO SERVE

Enquanto os bancos alemães e outros predadores financeiros se cevam com os juros da dívida pública portuguesa, grega, irlandesa, espanhola e também italiana, Cavaco – o Presidente da República – dá um péssimo exemplo a todos os portugueses ao condenar os ataques aos “mercados”, qualificando-os como manobra retórica que apenas prejudica Portugal.
Não, este homem não serve para Presidente da República. Este homem ofende a dignidade de quem luta contra este roubo descarado que o sistema financeiro internacional está fazendo aos contribuintes do mundo desenvolvido.
Depois de terem mergulhado os Estados Unidos e a Europa numa crise sem precedentes, depois de terem transferido para a dívida pública uma fatia significativa da dívida privada, os predadores financeiros, insaciáveis, continuam impiedosamente a extorquir dia após dia o ganha mão de milhões de pessoas, operando um dos maiores saques que a história regista. Perante tudo isto o que o Presidente da República tem para dizer aos portugueses é: não se oponham, deixem-nos cevar-se à vontade, fiquem imóveis para os tranquilizar.
No fundo, os conselhos de Cavaco são semelhantes aos que a polícia, que não policia, costuma dar às pessoas que caem na mão de um assaltante num qualquer país de alta criminalidade.
Acontece que nesses países a polícia é corrupta, está frequentemente “feita” com os assaltantes, procede dos mesmos meios em que eles se criaram e onde desenvolvem a sua actividade, é farinha do mesmo saco!

FELIPE GONZÁLEZ E A ETA


QUEM É O SR. X?

Está gerando grande polémica em Espanha a extensa entrevista que Felipe González concedeu a El Pais (J.J. Millás), publicada no domingo passado no suplemento Domingo, daquele jornal.
González confessou que teve uma única oportunidade na sua vida de dar uma ordem para liquidar toda a cúpula da ETA. Todavia, não o fez, mas ainda hoje não sabe se terá agido correctamente.
Os serviços secretos espanhóis tinham conhecimento do lugar, do dia e da hora em que se reuniria em França toda a direcção da ETA. À época, não tinham qualquer hipótese de os prender, mas havia a possibilidade de os matar a todos. González disse não, mas…
A longa passagem de Gonzalez à frente do governo de Espanha ficou assinalada pela consolidação da “transição”, pelo desenvolvimento das principais bases do estado de direito e do estado social, pela adesão da Espanha à CEE e pelo realinhamento do PSOE à direita, fazendo dele um típico partido social-democrata de centro-esquerda, à semelhança, de resto, do que então se passava com toda a social-democracia europeia.
Como pontos negros da sua governação ficam o terrorismo de Estado e a corrupção.
Muito discutível também, inclusive pelo próprio, é o modo como o passado franquista foi tratado. Sendo a ditadura de Franco uma das mais sanguinárias da Europa, internamente até mais do que a de Hitler, todos, sem excepção, ficaram impunes. Passou-se uma “esponja” sobre o franquismo, a ponto de nem a memória das suas atrocidades ser invocada. As condições específicas da transição parecem ter justificado um “pacto de silêncio” ou antes uma “amnistia pelo silêncio”, que anos mais tarde a direita aproveitou em seu benefício.
Da corrupção González defende-se dizendo que a princípio não acreditou no se dizia e que depois, quando quis actuar, já era tarde. É uma justificação pouco ou nada convincente, porque, como dizem os brasileiros, as provas caiam todos os dias em “cachoeira”, sendo impossível ignorá-las.
Quanto ao terrorismo de Estado, não há dúvida de que o Governo estava por detrás do chamado “jogo sujo” contra a ETA, que levou a que a organização separatista basca fosse atacada pelos GAL pelos mesmos métodos que ela utilizava para combater o governo espanhol.
Um ministro e um secretário de Estado foram condenados, mas nunca se veio a saber quem era o “senhor X”, o homem que, em última instância, validava todas as ordens para os ataques (sujos) à ETA.
Há, como se sabe, gente portuguesa, ligada aos serviços secretos, metida nestas acções, que igualmente foi condenada, mas, apesar de todas as ramificações, nunca se veio a provar (juridicamente) quem era o "Sr. X".
Foi em consequência da denúncia de todos estes factos que Aznar (imagine-se), apoiado por uma intensa e virulenta campanha de J. J. Ramirez, do El Mundo, chegou ao poder e governou durante duas legislaturas.
Pois agora, a questão que se põe é saber se aquela confissão de González não representa implicitamente o reconhecimento de que ele era o Sr. X.
Fraga Iribarne, velho franquista, reconvertido à democracia, líder da oposição ao governo nos anos 80, diz do alto da sua quase nonagenária sabedoria: “Quanto menos se fale dos GAL, melhor para Espanha e para Felipe González”.