MAIS DO MESMO...
sexta-feira, 30 de abril de 2010
PASSOS COELHO REUNE ECONOMISTAS
MAIS DO MESMO...
Dizem os jornais on line que Passos Coelho convocou vários (muito conhecidos) economistas para discutir a crise financeira e encontrar saídas para a situação portuguesa.
Olhando para quem lá vai, ao Hotel da Lapa (estas coisas da falta de dinheiro não devem ser discutidas em lugares de pobres), não será de esperar algo de muito diferente do que aconteceria se um governante de um país em guerra convocasse uma reunião de generais derrotados em sucessivas batalhas para com eles encontrar uma estratégia vitoriosa.
A CRISE FINANCEIRA PORTUGUESA NO CONTEXTO DA ZONA EURO (II)
CONTINUANDO...
Dai que não tivessem comprendido, depois de dez nos de experiência, que os critérios de convergência tal como foram estabelecidos pelo “Pacto de Estabilidade e Crescimento” não só não asseguraram qualquer tipo de convergência, como, pelo contrário, tendem a afastar cada vez mais as economias à partida menos competitivas das mais competitivas. Insistir numa política que tenda a equilibrar as contas públicas (aliás, de nulos reflexos sobre a dívida, como se tem visto) à custa da degradação do trabalho em todos os seus aspectos, da fragilização o Estado, privando-o de meios – esses sim - que lhe permitiriam desempenhar um verdadeiro papel regulador da economia e de sucessivos cortes das despesas sociais com tendência, no limite, para a sua irrelevância financeira, é uma política suicidária que somente pode ser prosseguida por quem, estando completamente obcecado pelos dogmas neoliberais, ainda não compreendeu que o que sucede no plano interindividual acontece também no plano interestadual. Ou seja, os países mais fracos são permanente prejudicados em confronto com os mais fortes se não houver mecanismos de compensação susceptíveis de contribuir gradualmente para um certo equilíbrio do conjunto.
Supor que o equilíbrio das contas públicas geraria só por si maior nível competitivo capaz de assegurar o crescimento e o emprego é um erro que a experiência já se encarregou de demonstrar. Pode, eventualmente, em alguns países da zona euro, à partida menos competitivos, ter havido crescimento e um aumento conjuntural do emprego com base em actividades económicas (não financeiras) especulativas, mas, uma vez rebentada a “borbulha” que insuflou a economia, tudo volta à situação anterior, se não mesmo a uma situação ainda pior do que a anterior. Ou seja, o desemprego e o défice aumentam exponencialmente, a dívida privada dispara (aliás, em consequência das ditas actividades especulativas), a pública não cessa de crescer e a recessão alastra por vários anos.
Sendo a criação de uma moeda única um passo importante no processo de integração europeia, tem de reconhecer-se que o euro padece de vícios congénitos que só podem ser superados se houver uma reformulação muito profunda das políticas monetáris, financeiras e económicas que ele, em última instância, visa servir no interesse do conjunto.
Continuar a trilhar o mesmo caminho que até aqui tem sido seguido é caminhar abertamente para o desastre. O desemprego, o fraco ou nulo crescimento, o aumento exponencial da dívida na zona euro, embora com intensidade diferente consoante os países, não constituem um fenómeno conjuntural susceptível de ser vencido com o simples decurso do tempo. Pelo contrário, se nada for feito, a situação tenderá a agravar-se não apenas na Grécia e em Portugal, mas em muitos outros países a começar pela Espanha.
Tentar sair da crise através de políticas altamente recessivas e penalizadoras dos mais baixos rendimentos é à partida uma aposta completamente falhada, como a história económica do capitalismo também demonstra.
Assim sendo, os contornos mais graves da crise, paradigmaticamente ilustrados pela situação quase dramática da Grécia e de Portugal, têm de ser combatidos com políticas eficazes que representem um corte radical com tudo o que agora até se tem feito desde que a crise grega se começou a manifestar.
Os planos de resgate dos países endividados têm de passar pela concessão de créditos a juro muito baixo orientados para a criação de emprego e do crescimento económico sustentado. Simultaneamente, os critérios de Maaastricht têm de ser radicalmente alterados com vista a que as economias menos competitivas possam melhorar a sua perfomance económica.
Manter a actual situação e continuar com uma estratégia assente em políticas falhadas tornará o colapso inevitável e muito mais dramático.
Obviamente que não é fácil pôr em prática tais políticas, nomeadamente numa época em que o mundo é governado por uma quadrilha que actua impunemente por via da complacência de governos servis que tudo permitem ou, quando o não são – o que é raríssimo –, se mostram completamente incapazes de contrariar as suas políticas de saque e extorsão.
Quando alguém daqui a cem anos fizer a história do período que estamos a viver desde que a crise financeira rebentou vai ter muita dificuldade em explicar aos seus leitores como foi possível que uma crise exclusivamente motivada pela ganância e pelo espírito de rapina do capital financeiro e especulativo deixado à solta pela conivência ou inoperância dos governos se tenha transformado em pouco mais de dois anos num dos maiores saques que a história da humanidade regista. Um saque em que os saqueadores são exactamente os mesmos que provocaram a crise e que por força do seu peso e do seu poder económicos conseguiram que gigantescas quantias de dinheiros públicos tivessem ido em seu auxílio para com base nesse mesmo dinheiro promoverem o saque a que agora se está a assistir. E o mais grave é que tal conduta é considerada perfeitamente normal, usando-se, inclusive, para a qualificar, um tipo de linguagem destinada a induzir em quem a lê ou ouve aquela normalidade. E isto não é obra apenas dos quadrilheiros que actuam por conta e ao serviço da quadrilha, mas por aqueles que já se desabituaram de pensar e tendem a considerar normal algo que a história registará como uma das grandes aberrações da história do próprio capitalismo.
Supor que o equilíbrio das contas públicas geraria só por si maior nível competitivo capaz de assegurar o crescimento e o emprego é um erro que a experiência já se encarregou de demonstrar. Pode, eventualmente, em alguns países da zona euro, à partida menos competitivos, ter havido crescimento e um aumento conjuntural do emprego com base em actividades económicas (não financeiras) especulativas, mas, uma vez rebentada a “borbulha” que insuflou a economia, tudo volta à situação anterior, se não mesmo a uma situação ainda pior do que a anterior. Ou seja, o desemprego e o défice aumentam exponencialmente, a dívida privada dispara (aliás, em consequência das ditas actividades especulativas), a pública não cessa de crescer e a recessão alastra por vários anos.
Sendo a criação de uma moeda única um passo importante no processo de integração europeia, tem de reconhecer-se que o euro padece de vícios congénitos que só podem ser superados se houver uma reformulação muito profunda das políticas monetáris, financeiras e económicas que ele, em última instância, visa servir no interesse do conjunto.
Continuar a trilhar o mesmo caminho que até aqui tem sido seguido é caminhar abertamente para o desastre. O desemprego, o fraco ou nulo crescimento, o aumento exponencial da dívida na zona euro, embora com intensidade diferente consoante os países, não constituem um fenómeno conjuntural susceptível de ser vencido com o simples decurso do tempo. Pelo contrário, se nada for feito, a situação tenderá a agravar-se não apenas na Grécia e em Portugal, mas em muitos outros países a começar pela Espanha.
Tentar sair da crise através de políticas altamente recessivas e penalizadoras dos mais baixos rendimentos é à partida uma aposta completamente falhada, como a história económica do capitalismo também demonstra.
Assim sendo, os contornos mais graves da crise, paradigmaticamente ilustrados pela situação quase dramática da Grécia e de Portugal, têm de ser combatidos com políticas eficazes que representem um corte radical com tudo o que agora até se tem feito desde que a crise grega se começou a manifestar.
Os planos de resgate dos países endividados têm de passar pela concessão de créditos a juro muito baixo orientados para a criação de emprego e do crescimento económico sustentado. Simultaneamente, os critérios de Maaastricht têm de ser radicalmente alterados com vista a que as economias menos competitivas possam melhorar a sua perfomance económica.
Manter a actual situação e continuar com uma estratégia assente em políticas falhadas tornará o colapso inevitável e muito mais dramático.
Obviamente que não é fácil pôr em prática tais políticas, nomeadamente numa época em que o mundo é governado por uma quadrilha que actua impunemente por via da complacência de governos servis que tudo permitem ou, quando o não são – o que é raríssimo –, se mostram completamente incapazes de contrariar as suas políticas de saque e extorsão.
Quando alguém daqui a cem anos fizer a história do período que estamos a viver desde que a crise financeira rebentou vai ter muita dificuldade em explicar aos seus leitores como foi possível que uma crise exclusivamente motivada pela ganância e pelo espírito de rapina do capital financeiro e especulativo deixado à solta pela conivência ou inoperância dos governos se tenha transformado em pouco mais de dois anos num dos maiores saques que a história da humanidade regista. Um saque em que os saqueadores são exactamente os mesmos que provocaram a crise e que por força do seu peso e do seu poder económicos conseguiram que gigantescas quantias de dinheiros públicos tivessem ido em seu auxílio para com base nesse mesmo dinheiro promoverem o saque a que agora se está a assistir. E o mais grave é que tal conduta é considerada perfeitamente normal, usando-se, inclusive, para a qualificar, um tipo de linguagem destinada a induzir em quem a lê ou ouve aquela normalidade. E isto não é obra apenas dos quadrilheiros que actuam por conta e ao serviço da quadrilha, mas por aqueles que já se desabituaram de pensar e tendem a considerar normal algo que a história registará como uma das grandes aberrações da história do próprio capitalismo.
quarta-feira, 28 de abril de 2010
A CRISE FINANCEIRA PORTUGUESA NO CONTEXTO DA ZONA EURO
A DERROTA DE UMA ERRADA POLÍTICA ECONÓMICA ALICERÇADA NUMA DIPLOMACIA ECONÓMICA SUBSERVIENTE
A onze fusos horários de distância (já se antevia que a situação tendia a agravar-se...) não resta muito tempo para divagações inúteis. O que é pouco importante deixa de se ver e desaparece, enquanto o que é importante ganha uma dimensão que se impõe por si.
A crise financeira dos países periféricos da zona euro adivinhava-se antes mesmo de na Grécia terem surgido os primeiros sinais. Se há vários países que não crescem ou crescem muito pouco durante mais de uma década e se simultaneamente se endividam a um ritmo cada vez mais intenso de tal forma que a dívida contraída por referência ao produto interno bruto não cessa de aumentar, sendo cada vez maior em cada ano a parcela do rendimento nacional afectada ao seu pagamento (capital e juros), é porque alguma coisa está estruturalmente errado no modelo em que tais países actuam.
E se à analise da situação dos países periféricos se juntar a análise da situação financeira de cerca de uma dezena de países pertencentes à mesma zona, então a conclusão ainda se torna mais evidente.
Como a maior parte dos nossos economistas mantém com a ciência uma relação semelhante à que a astrologia tem com a astronomia (esta ideia é repetida, mas é necessário insistir nela para se perceber o que se passou), é natural que não tenha compreendido o que se estava a passar e tenha, portanto, com a sua ignorância contribuído para agravar uma situação que em si já era muito grave.
Influenciados pelas concepções ideológicas que perfilham, os economistas do sistema não foram capazes de compreender a realidade e actuaram (e continuam a actuar) permanentemente em função de um "previsível"quadro económico realmente inalcançável, salvo na sua imaginação. O que se diz dos economistas, vale para o Governo já que é em função de análises económicas perfilhadas pelos economistas do sistema, integrados no seu seio, que ele actua. Por isso, do Governo, se poderá dizer que, mais do que as políticas ineficazes, o que contribuiu para a presente situação foi a incompreensão da própria realidade.
Não se trata de supor que todos tem de adoptar as mesmas opções de política económica para se chegar a uma “solução economicamente correcta”. Seria estúpido pressupor tal coisa. A sociedade em que vivemos é uma sociedade plural principalmente no sentido de que está atravessada por interesses diametralmente antagónicos e conflituantes, logo é natural que as opções políticas protagonizadas pelos representantes desses interesses sejam diferentes, muito diferentes. O que não é natural é que essa fundamental divergência ideológica influencie tão drasticamente o conhecimento da realidade.
Se a economia é uma ciência – e é no sentido de que deve operar até aos limites do possível de acordo com o método científico – a análise da situação economica referida a um longo período – um período já decorrido, passado, portanto, ininfluenciável pelas opções políticas presentes – não pode diferir muito de economista para economista, na medida em que se trata da análise de uma situação de facto pretérita. De mais difícil convergência, obviamente já influenciável pelas respectivas posições ideológicas, salvo se houver dados empíricos indiscutíveis susceptíveis de análise e avaliação analógica, é a enumeração das causas que estão na base de tal situação. Mas também neste domínio o esforço que tem de ser feito por quem queira realmente actuar sobre a situação sob análise é um esforço de objectividade que tenda a ver as relações de causa efeito da mesma maneira como as “vê” uma ciência da natureza.
Chegados a este ponto, e supondo correctamente analisada a situação de facto, é que entram em acção as opções ideológicas de quem governa, agora transformadas em verdadeiras opções políticas. Dito de outro modo: é perfeitamente natural que uma análise rigorosa (logo, convergente) no sentido acima exposto de uma determinada situação de facto leve a “soluções” políticas muito diferentes, melhor dizendo: a propostas de “solução política” muito diferentes, ditadas pelas opções ideológicas de quem governa e pelos resultados que se pretendem obter.
Nada poderia ilustrar melhor a negação daqueles princípios do aquilo que se passou com a análise da situação económica portuguesa depois da adesão ao euro.
O Governo e os economistas do sistema tendo começado por aderir acriticamente aos “critérios de Maastricht” foram, a partir dai, absolutamente incapazes de analisar a situação económica fora do enquadramento ideológico, deturpador da própria realidade, em que tais criterios estavam inseridos. Foram, por isso, incapazes de comprender que aquilo que eles tomavam como uma realidade económica empírica não passava, para quem os impôs, de uma clara opção de política económica. Dai que continuassem a lutar, qual D. Quixote, por um resultado que tinham por tanto mais certo quanto mais longe estavam de o conseguir. E é a partir daqui que tudo se complica cada vez mais irremediavelmente a cada dia que passa.
(Os fusos impõem a sua lei, logo, este post só amanhã poderá ser concluido...)
A crise financeira dos países periféricos da zona euro adivinhava-se antes mesmo de na Grécia terem surgido os primeiros sinais. Se há vários países que não crescem ou crescem muito pouco durante mais de uma década e se simultaneamente se endividam a um ritmo cada vez mais intenso de tal forma que a dívida contraída por referência ao produto interno bruto não cessa de aumentar, sendo cada vez maior em cada ano a parcela do rendimento nacional afectada ao seu pagamento (capital e juros), é porque alguma coisa está estruturalmente errado no modelo em que tais países actuam.
E se à analise da situação dos países periféricos se juntar a análise da situação financeira de cerca de uma dezena de países pertencentes à mesma zona, então a conclusão ainda se torna mais evidente.
Como a maior parte dos nossos economistas mantém com a ciência uma relação semelhante à que a astrologia tem com a astronomia (esta ideia é repetida, mas é necessário insistir nela para se perceber o que se passou), é natural que não tenha compreendido o que se estava a passar e tenha, portanto, com a sua ignorância contribuído para agravar uma situação que em si já era muito grave.
Influenciados pelas concepções ideológicas que perfilham, os economistas do sistema não foram capazes de compreender a realidade e actuaram (e continuam a actuar) permanentemente em função de um "previsível"quadro económico realmente inalcançável, salvo na sua imaginação. O que se diz dos economistas, vale para o Governo já que é em função de análises económicas perfilhadas pelos economistas do sistema, integrados no seu seio, que ele actua. Por isso, do Governo, se poderá dizer que, mais do que as políticas ineficazes, o que contribuiu para a presente situação foi a incompreensão da própria realidade.
Não se trata de supor que todos tem de adoptar as mesmas opções de política económica para se chegar a uma “solução economicamente correcta”. Seria estúpido pressupor tal coisa. A sociedade em que vivemos é uma sociedade plural principalmente no sentido de que está atravessada por interesses diametralmente antagónicos e conflituantes, logo é natural que as opções políticas protagonizadas pelos representantes desses interesses sejam diferentes, muito diferentes. O que não é natural é que essa fundamental divergência ideológica influencie tão drasticamente o conhecimento da realidade.
Se a economia é uma ciência – e é no sentido de que deve operar até aos limites do possível de acordo com o método científico – a análise da situação economica referida a um longo período – um período já decorrido, passado, portanto, ininfluenciável pelas opções políticas presentes – não pode diferir muito de economista para economista, na medida em que se trata da análise de uma situação de facto pretérita. De mais difícil convergência, obviamente já influenciável pelas respectivas posições ideológicas, salvo se houver dados empíricos indiscutíveis susceptíveis de análise e avaliação analógica, é a enumeração das causas que estão na base de tal situação. Mas também neste domínio o esforço que tem de ser feito por quem queira realmente actuar sobre a situação sob análise é um esforço de objectividade que tenda a ver as relações de causa efeito da mesma maneira como as “vê” uma ciência da natureza.
Chegados a este ponto, e supondo correctamente analisada a situação de facto, é que entram em acção as opções ideológicas de quem governa, agora transformadas em verdadeiras opções políticas. Dito de outro modo: é perfeitamente natural que uma análise rigorosa (logo, convergente) no sentido acima exposto de uma determinada situação de facto leve a “soluções” políticas muito diferentes, melhor dizendo: a propostas de “solução política” muito diferentes, ditadas pelas opções ideológicas de quem governa e pelos resultados que se pretendem obter.
Nada poderia ilustrar melhor a negação daqueles princípios do aquilo que se passou com a análise da situação económica portuguesa depois da adesão ao euro.
O Governo e os economistas do sistema tendo começado por aderir acriticamente aos “critérios de Maastricht” foram, a partir dai, absolutamente incapazes de analisar a situação económica fora do enquadramento ideológico, deturpador da própria realidade, em que tais criterios estavam inseridos. Foram, por isso, incapazes de comprender que aquilo que eles tomavam como uma realidade económica empírica não passava, para quem os impôs, de uma clara opção de política económica. Dai que continuassem a lutar, qual D. Quixote, por um resultado que tinham por tanto mais certo quanto mais longe estavam de o conseguir. E é a partir daqui que tudo se complica cada vez mais irremediavelmente a cada dia que passa.
(Os fusos impõem a sua lei, logo, este post só amanhã poderá ser concluido...)
sábado, 24 de abril de 2010
A DESCOLONIZAÇÃO SEGUNDO EANES
UMA POSIÇÃO SENSATA
A oito fusos horarios de distância, que tendem a agravar-se, só vai ser possível, se for, manter os "serviços mínimos", como dizia outro dia um amigo meu, entre muitas outras coisas, também blogger.
Acabei de ler umas citações das declarações do general Eanes sobre a descolonização. A descolonização é um tema que me é caro. Vivi-a de muitas maneiras e durante muito tempo. Eanes diz que a descolonização foi a possível. Não conheço o texto integral da entrevista, nem tenho tempo para o procurar. Mas a afirmação, em si, parece-me sensata. A colonização levada ao extremo pelo intolerância de Salazar e Caetano ditou a descolonização. Não havia outra. Era aquela e só pecava por muito tardia.
A descolonização tem como actor principal a luta armada dos povos colonizados, facto frequentemente esquecido pelos "saudosistas do império" que sempre falam nela como se de um assunto "nosso", exclusivamente "nosso" se tratasse.
Vista pelo lado que deve ser vista, a descolonização é um acto libertador que orgulha quem nela participou e restitui a dignidade a quem durante séculos sofreu a humilhação de ser tratado como inferior.
Igualmente sensato é o que Eanes diz sobre a independência de Cabo Verde. Sensato e delicado. Poderia ter sido mais contundente. Ele que até tem a seu crédito ter dado um contributo valiosíssimo para o estabelecimento de relações normais de Portugal com as ex-colónias, em plena guerra-fria, num período e num tempo em que outros se esforçavam por "envenenar"o ambiente político e em criar dificuldades de toda a ordem a um simples relacionamento institucional.
Eanes não está só, evidentemente, nesta caminhada em prol de um relacionamento normal e, se possível, fraterno com as-colónias portuguesas e os seus povos. Outros antes dele e depois dele igualmente se notabilizaram pelos esforços que fizeram para contrariar uma política que estupidamente sacrificava os interesses nacionais aos interesses da guerra-fria. Mas, pelo lugar que ocupava e pelo contexto em que actuou, a sua actuação neste domínio deve continuar a merecer hoje, véspera do 25 de Abril, o nosso aplauso.
quinta-feira, 22 de abril de 2010
POBRE McCAIN
McCAIN NAS MÃOS DE PALIN
John McCain durante anos a fio senador pelo Arizona tem o seu lugar relativamente em risco na próxima eleição de Novembro. Conhecido como ”rebelde” entre as “tropas” republicanas, e ele próprio se auto-definindo como tal, por não alinhar incondicionalmente com a facção neoconservadora hegemónica do partido, McCain tem vindo desde que perdeu a eleição presidencial a orientar o seu comportamento no Senado por posições cada vez mais à direita e por um alinhamento sem falhas com a política obstrucionista do seu partido.
Em princípio, a sua reeleição estaria assegurada por não haver nas hostes republicanas quem se atrevesse a disputar-lhe o lugar. Mas apareceu há pouco um locutor radiofónico, J. D. Hayworth, de seu nome, com uma clara ascensão nas sondagens.
McCain, desorientado com a fogosidade deste rival inesperado, pediu auxílio a Sarah Palin com quem praticamente se havia incompatibilizado depois da derrota de 2008. Sarah Palin que desde então tem aparecido ligada a tudo o de que mais reaccionário há na América, desde o Tea Party até à qualificação dos congressistas democratas como alvos a abater por terem mudado o sentido do voto, permitindo desse modo a aprovação da reforma da saúde, lá esteve num meeting de McCain onde foi, e não ele, a verdadeira protagonista. Nos cartazes que se exibiam entre a assistência lia-se “Palin 2012” e nenhuma referência a McCain.
Ontem na SIC N, Jon Stewart mostrou imagens patéticas desse comício no qual o velho senador do Arizona, meio aparvalhado, ouvia Palin dizer que ele era um dos americanos que tinha estado presente na linha da frente das batalhas pela independência da América contra os colonizadores…
John McCain durante anos a fio senador pelo Arizona tem o seu lugar relativamente em risco na próxima eleição de Novembro. Conhecido como ”rebelde” entre as “tropas” republicanas, e ele próprio se auto-definindo como tal, por não alinhar incondicionalmente com a facção neoconservadora hegemónica do partido, McCain tem vindo desde que perdeu a eleição presidencial a orientar o seu comportamento no Senado por posições cada vez mais à direita e por um alinhamento sem falhas com a política obstrucionista do seu partido.
Em princípio, a sua reeleição estaria assegurada por não haver nas hostes republicanas quem se atrevesse a disputar-lhe o lugar. Mas apareceu há pouco um locutor radiofónico, J. D. Hayworth, de seu nome, com uma clara ascensão nas sondagens.
McCain, desorientado com a fogosidade deste rival inesperado, pediu auxílio a Sarah Palin com quem praticamente se havia incompatibilizado depois da derrota de 2008. Sarah Palin que desde então tem aparecido ligada a tudo o de que mais reaccionário há na América, desde o Tea Party até à qualificação dos congressistas democratas como alvos a abater por terem mudado o sentido do voto, permitindo desse modo a aprovação da reforma da saúde, lá esteve num meeting de McCain onde foi, e não ele, a verdadeira protagonista. Nos cartazes que se exibiam entre a assistência lia-se “Palin 2012” e nenhuma referência a McCain.
Ontem na SIC N, Jon Stewart mostrou imagens patéticas desse comício no qual o velho senador do Arizona, meio aparvalhado, ouvia Palin dizer que ele era um dos americanos que tinha estado presente na linha da frente das batalhas pela independência da América contra os colonizadores…
MNE - ADITAMENTO AO ÚLTIMO POST
A CHAMADA “RACIONALIDADE” ECONÓMICA
Quem se disponha a consultar a II Série do DR encontra coisas interessantíssimas, com que a maioria dos mortais nem sequer sonha.
Ai vai mais uma: o MNE tinha um conselheiro social em Pretória cuja comissão terminava em 8 de Maio de 2011. E então o que fez o Secretário de Estado? Transferiu-o para Caracas, onde terminará a comissão na mesma data (DR n.º 65, de 05/04/2010, II série, MNE, Despacho n.º 5944/2010).
Alguém imagina o custo desta transferência por um ano? Alguém acha normal que um país que está financeira e economicamente na situação que todos conhecemos (e que os especuladores conhecem melhor do que ninguém) se possa dar ao luxo de ter esta política de pessoal?
Mas vale a pena estar atento. Talvez a decisão não seja tão absurda como se supõe. Em 11 de Junho não vai começar qualquer coisa na África do Sul? Será que o conselheiro que foi para Caracas se dava mal com grandes manifestações de massas e pediu a transferência? Ou será que…? Vale a pena estar atento
TRÁFICO DE INFLUÊNCIAS NO MNE?
DÚVIDAS E CERTEZAS
Os jornais Diário de Notícias e i deram conta de várias irregularidades num recente concurso de admissão de diplomatas, uma das quais terá sido levada a tribunal, sob a forma de providência cautelar, por uma candidata excluída, com vista a integrar na respectiva lista final.
Como tal providência obteve ganho de causa, afirmam os jornais haver outros candidatos que, encorajados por aquela decisão, irão também recorrer a tribunal com fundamento na mudança das regras do concurso durante vigência do mesmo. E afirmam ainda que tal mudança se destinou a favorecer familiares de embaixadores e uma neta de um ministro do “Estado Novo”.
É muito difícil falar ou escrever sobre o que não se conhece, apenas com base na informação colhida na imprensa, nomeadamente quando ela é de carácter técnico, matéria frequentemente pouco acessível aos autores das notícias.
Mas há factos que todos conhecemos e sobre esses podemos falar sem receio
Por exemplo, por mais famoso que seja um cantor ou um artista, de qualquer outra arte, dificilmente o seu filho atingirá a mesma notoriedade e qualidade artística pelo facto de ser seu filho. Para que isso aconteça tem de ser igualmente bom. E é por isso que na história da pintura são tão raros os grandes pintores filhos de grandes pintores. E o mesmo se diga relativamente aos filhos de escritores, de artistas de cinema, de teatro, de cantores, etc.
O mesmo se passa no desporto. Não é por Pelé ter sido quem foi ou outros grandes jogadores que os seus filhos vão ser futebolistas nas equipas de top. Só assim acontecerá se de facto forem grandes jogadores e isso é raro, muito raro.
Não é isso que se passa em algumas das faculdades das nossas Universidades, onde nos últimos vinte, trinta anos se assistiu a uma verdadeira reprodução por via parental de professores. Quando frequentei a Faculdade os escrúpulos de quem avaliava eram de tal ordem relativamente a filhos ou parentes muito chegados de outros professores que até acontecia eles serem ligeiramente prejudicados pelo facto de serem parentes de quem eram. Se este excesso de zelo não era recomendável, a situação oposta muito menos o é. De um momento para o outro, em certas faculdades, os filhos dos professores passaram a ter como destino quase certo serem também professores na mesma escola.
No MNE, desde longa data, se passa o mesmo. Quando não havia concursos ou quando os concursos não passavam de uma farsa essa prática era frequente. E, infelizmente, essa mesma prática não deixou de se verificar com concursos mais regulados. Pode ser uma coincidência, mas o sentido desta coincidência só se desfaz, demonstrando estatisticamente a ausência de coincidência.
Se há tráfico de influências ou não é conclusão que apenas o tribunal pode tirar. Agora, o que não há dúvida é que há situações que levantam dúvidas.
Mas não é tudo. No início do primeiro Governo Sócrates, Freitas do Amaral, Ministro dos Negócios Estrangeiros, despediu cerca de duas dezenas de conselheiros técnicos e adidos com o pretexto de que era preciso poupar. Pois o próprio Freitas e o Ministro que lhe sucedeu nomearam mais de cinquenta (!!!) novos conselheiros para os mesmos lugares, com a diferença de estes terem sido escolhidos, por eles, dentre gente de confiança partidária.
A vergonha é tão pouca que até o principal porta-voz daquela política, o sr. Carneiro Jacinto, depois de ter feito afirmações demagógicas de toda a ordem, em nome do Ministro de então, foi nomeado por Luis Amado conselheiro de imprensa em Washington. E até disse no jornal: o dr. Luis Amado teve a amabilidade de me convidar depois de o aparelho do PS, em Silves, me ter recusado como candidato a presidente da câmara!
Nomear um sujeito que no Ministério se fez passar por licenciado em direito é obra! E toda a gente no MNE conhece esta história, a começar pelo Ministro. E toda a gente sabe que foi preciso colocar em Nova York (criando mais um lugar) o conselheiro de imprensa que estava em Washington para instalar na capital o sr. Carneiro Jacinto!
Os jornais Diário de Notícias e i deram conta de várias irregularidades num recente concurso de admissão de diplomatas, uma das quais terá sido levada a tribunal, sob a forma de providência cautelar, por uma candidata excluída, com vista a integrar na respectiva lista final.
Como tal providência obteve ganho de causa, afirmam os jornais haver outros candidatos que, encorajados por aquela decisão, irão também recorrer a tribunal com fundamento na mudança das regras do concurso durante vigência do mesmo. E afirmam ainda que tal mudança se destinou a favorecer familiares de embaixadores e uma neta de um ministro do “Estado Novo”.
É muito difícil falar ou escrever sobre o que não se conhece, apenas com base na informação colhida na imprensa, nomeadamente quando ela é de carácter técnico, matéria frequentemente pouco acessível aos autores das notícias.
Mas há factos que todos conhecemos e sobre esses podemos falar sem receio
Por exemplo, por mais famoso que seja um cantor ou um artista, de qualquer outra arte, dificilmente o seu filho atingirá a mesma notoriedade e qualidade artística pelo facto de ser seu filho. Para que isso aconteça tem de ser igualmente bom. E é por isso que na história da pintura são tão raros os grandes pintores filhos de grandes pintores. E o mesmo se diga relativamente aos filhos de escritores, de artistas de cinema, de teatro, de cantores, etc.
O mesmo se passa no desporto. Não é por Pelé ter sido quem foi ou outros grandes jogadores que os seus filhos vão ser futebolistas nas equipas de top. Só assim acontecerá se de facto forem grandes jogadores e isso é raro, muito raro.
Não é isso que se passa em algumas das faculdades das nossas Universidades, onde nos últimos vinte, trinta anos se assistiu a uma verdadeira reprodução por via parental de professores. Quando frequentei a Faculdade os escrúpulos de quem avaliava eram de tal ordem relativamente a filhos ou parentes muito chegados de outros professores que até acontecia eles serem ligeiramente prejudicados pelo facto de serem parentes de quem eram. Se este excesso de zelo não era recomendável, a situação oposta muito menos o é. De um momento para o outro, em certas faculdades, os filhos dos professores passaram a ter como destino quase certo serem também professores na mesma escola.
No MNE, desde longa data, se passa o mesmo. Quando não havia concursos ou quando os concursos não passavam de uma farsa essa prática era frequente. E, infelizmente, essa mesma prática não deixou de se verificar com concursos mais regulados. Pode ser uma coincidência, mas o sentido desta coincidência só se desfaz, demonstrando estatisticamente a ausência de coincidência.
Se há tráfico de influências ou não é conclusão que apenas o tribunal pode tirar. Agora, o que não há dúvida é que há situações que levantam dúvidas.
Mas não é tudo. No início do primeiro Governo Sócrates, Freitas do Amaral, Ministro dos Negócios Estrangeiros, despediu cerca de duas dezenas de conselheiros técnicos e adidos com o pretexto de que era preciso poupar. Pois o próprio Freitas e o Ministro que lhe sucedeu nomearam mais de cinquenta (!!!) novos conselheiros para os mesmos lugares, com a diferença de estes terem sido escolhidos, por eles, dentre gente de confiança partidária.
A vergonha é tão pouca que até o principal porta-voz daquela política, o sr. Carneiro Jacinto, depois de ter feito afirmações demagógicas de toda a ordem, em nome do Ministro de então, foi nomeado por Luis Amado conselheiro de imprensa em Washington. E até disse no jornal: o dr. Luis Amado teve a amabilidade de me convidar depois de o aparelho do PS, em Silves, me ter recusado como candidato a presidente da câmara!
Nomear um sujeito que no Ministério se fez passar por licenciado em direito é obra! E toda a gente no MNE conhece esta história, a começar pelo Ministro. E toda a gente sabe que foi preciso colocar em Nova York (criando mais um lugar) o conselheiro de imprensa que estava em Washington para instalar na capital o sr. Carneiro Jacinto!
quarta-feira, 21 de abril de 2010
DUAS OU TRÊS NOTAS SOBRE A CRISE FINANCEIRA E A DÍVIDA
DÚVIDAS E CERTEZAS
Agora que se sabe, sem margem para qualquer espécie de dúvida, não apenas que os bancos foram os grandes responsáveis pela crise que hoje se continua a viver em muitas partes do mundo, mas que a própria crise está intimamente ligada à orquestração, pelos bancos, de gigantescos saques sobre o erário público…a que o erário público respondeu dando-lhes ainda mais dinheiro, fica ainda mais clara, depois das declarações que ontem prestou, a actuação de Constâncio à frente do Banco de Portugal. Com a total impunidade que tem caracterizado a sua passagem pela vida pública portuguesa, Constâncio vem aconselhar os Estados europeus, do alto do seu novo cargo, a ter muito cuidado (prudência, é a palavra que usa) na taxação dos lucos da banca e na regulação das suas actividades.
Se vivêssemos numa democracia, numa verdadeira democracia como era a democracia directa ateniense, Constâncio seria votado ao ostracismo e proibido de entrar na Cidade por tempo indeterminado. Como não vivemos, vai para Frankfurt defender os banqueiros e os especuladores.
A dívida pública portuguesa cresceu exponencialmente nestes últimos anos, ouve-se dizer com muita frequência. Aparentemente assim é, mas só aparentemente. A relação entre a dívida e o PIB subiu porque o PIB não cresceu nestes últimos dez, doze anos. Se tivesse crescido, a dívida apesar de ter aumentado, teria uma relação com o PIB completamente diferente da que hoje tem.
Logo, a questão não está apenas em saber por que razão a dívida cresceu, mas também por que razão o PIB estagnou. Certamente que houve muita asneira, houve dinheiros públicos malbaratados, o Estado conclui negócios que nenhuma empresa teria feito, tudo isto é sem dúvida verdade. O pior é que, mesmo que tivesse havido uma gestão diferente dos dinheiros públicos, o resultado (do ponto de vista acima referido) não seria substancialmente diferente, como se está a ver com o que se passa noutros países da zona euro.
Já aqui se disse que apenas há três formas de diminuir o peso da dívida pública no PIB, de preferência cumulativamente aplicadas: crescimento económico, inflação e uma distribuição mais equitativa do rendimento nacional.
A economia não cresce, porque o euro não deixa; inflação não existe porque as correntes monetaristas que governam o BCE não a permitem; a distribuição mais equitativa dos rendimentos não se faz porque temos sido governados há várias décadas por gente de direita avessa a doutrinas igualitárias. Perante este cenário todos conhecemos sem surpresa as propostas de solução apresentadas pelos nossos economistas. São as mesmas que têm sido aplicadas nestes últimos oito anos…com os resultados que estão à vista.
Mais grave ainda: mesmo que o Governo se prepare para pôr em prática aquilo que em voz alta, uns, em voz baixa, outros, vão advogando, tudo continuará substancialmente na mesma em termos macroeconómicos e muito pior em termos individuais. Referimo-nos ao ataque ao emprego (o ataque ao trabalho é, em última instância, um ataque ao emprego), à descaracterização ou mesmo eliminação do Serviço Nacional de Saúde e a outras despesas sociais.
Finalmente, muitíssimo mais grave do que a dívida pública, e incomparavelmente maior, é a dívida privada. E esta, como se resolve? Como se inverte a tendência? Se bem repararem nenhum economista daqueles que vai à televisão receitar menos direitos e menos rendimentos para os trabalhadores fala nesta questão. E, todavia, é nela que está a gravidade do problema.
A propósito desta dívida é importante que se pergunte o seguinte: qual a vantagem para a economia portuguesa dos investimentos externos, por exemplo, da EDP, agora que tanto se fala nos êxitos e na excelência de Mexia?
Esta é uma dúvida que gostávamos de ver esclarecida. Compreendemos sem muita dificuldade o endividamento de empresas nacionais viradas para a exportação. Compreendemos também o endividamento de empresas nacionais que concorrem no estrangeiro à prestação de serviços ou à realização de obras. Mas temos muita dificuldade em perceber as vantagens para a economia nacional do endividamento (do extraordinário endividamento da EDP) para fazer investimentos na exploração de energia eólica ou hídrica no estrangeiro.
Quando dizemos que compreendemos o endividamento das duas primeiras categorias de empresas queremos dizer que a sua actividade tem repercussões directas na economia nacional e o endividamento é pago com o resultado dessas mesmas actividades. E no caso da EDP e outros semelhantes também será assim? Essa uma dúvida que gostaríamos de ver esclarecida …
Se vivêssemos numa democracia, numa verdadeira democracia como era a democracia directa ateniense, Constâncio seria votado ao ostracismo e proibido de entrar na Cidade por tempo indeterminado. Como não vivemos, vai para Frankfurt defender os banqueiros e os especuladores.
A dívida pública portuguesa cresceu exponencialmente nestes últimos anos, ouve-se dizer com muita frequência. Aparentemente assim é, mas só aparentemente. A relação entre a dívida e o PIB subiu porque o PIB não cresceu nestes últimos dez, doze anos. Se tivesse crescido, a dívida apesar de ter aumentado, teria uma relação com o PIB completamente diferente da que hoje tem.
Logo, a questão não está apenas em saber por que razão a dívida cresceu, mas também por que razão o PIB estagnou. Certamente que houve muita asneira, houve dinheiros públicos malbaratados, o Estado conclui negócios que nenhuma empresa teria feito, tudo isto é sem dúvida verdade. O pior é que, mesmo que tivesse havido uma gestão diferente dos dinheiros públicos, o resultado (do ponto de vista acima referido) não seria substancialmente diferente, como se está a ver com o que se passa noutros países da zona euro.
Já aqui se disse que apenas há três formas de diminuir o peso da dívida pública no PIB, de preferência cumulativamente aplicadas: crescimento económico, inflação e uma distribuição mais equitativa do rendimento nacional.
A economia não cresce, porque o euro não deixa; inflação não existe porque as correntes monetaristas que governam o BCE não a permitem; a distribuição mais equitativa dos rendimentos não se faz porque temos sido governados há várias décadas por gente de direita avessa a doutrinas igualitárias. Perante este cenário todos conhecemos sem surpresa as propostas de solução apresentadas pelos nossos economistas. São as mesmas que têm sido aplicadas nestes últimos oito anos…com os resultados que estão à vista.
Mais grave ainda: mesmo que o Governo se prepare para pôr em prática aquilo que em voz alta, uns, em voz baixa, outros, vão advogando, tudo continuará substancialmente na mesma em termos macroeconómicos e muito pior em termos individuais. Referimo-nos ao ataque ao emprego (o ataque ao trabalho é, em última instância, um ataque ao emprego), à descaracterização ou mesmo eliminação do Serviço Nacional de Saúde e a outras despesas sociais.
Finalmente, muitíssimo mais grave do que a dívida pública, e incomparavelmente maior, é a dívida privada. E esta, como se resolve? Como se inverte a tendência? Se bem repararem nenhum economista daqueles que vai à televisão receitar menos direitos e menos rendimentos para os trabalhadores fala nesta questão. E, todavia, é nela que está a gravidade do problema.
A propósito desta dívida é importante que se pergunte o seguinte: qual a vantagem para a economia portuguesa dos investimentos externos, por exemplo, da EDP, agora que tanto se fala nos êxitos e na excelência de Mexia?
Esta é uma dúvida que gostávamos de ver esclarecida. Compreendemos sem muita dificuldade o endividamento de empresas nacionais viradas para a exportação. Compreendemos também o endividamento de empresas nacionais que concorrem no estrangeiro à prestação de serviços ou à realização de obras. Mas temos muita dificuldade em perceber as vantagens para a economia nacional do endividamento (do extraordinário endividamento da EDP) para fazer investimentos na exploração de energia eólica ou hídrica no estrangeiro.
Quando dizemos que compreendemos o endividamento das duas primeiras categorias de empresas queremos dizer que a sua actividade tem repercussões directas na economia nacional e o endividamento é pago com o resultado dessas mesmas actividades. E no caso da EDP e outros semelhantes também será assim? Essa uma dúvida que gostaríamos de ver esclarecida …
terça-feira, 20 de abril de 2010
REVISÃO CONSTITUCIONAL: DO LADO DO PS JÁ HÁ QUEM ESTEJA A ABRIR A PORTA
COMEÇAM A CONFIRMAR-SE AS PIORES PREVISÕES
Num recente post que aqui publicámos – “O que quer Passos Coelho” – dissemos, sem qualquer hesitação, que o mais importante do seu programa era a revisão constitucional, já que por via dela poderia pôr em prática as políticas ultra liberais que tem vindo a defender com vista ao desmantelamento do que resta do Estado social Acrescentámos que só aparentemente tal proposta era irrealizável, pois, como bem se sabe, todas as revisões constitucionais que até hoje se fizeram tiveram o voto favorável do Partido Socialista, sem o qual não teriam sido possíveis.
Daí que tivéssemos concluído ser a revisão constitucional a única proposta realmente importante de Passos Coelho, tanto mais que ele não desconhece que “num lado se põe o ramo e noutro se vende o vinho”.
Essa parceria com gente do Partido Socialista, em meu entender, já começou. Um conhecido intelectual da direita do PS em artigo (matreiro) hoje publicado no jornal “Público” abre caminho à revisão constitucional. Depois de um aparente protesto contra uma proposta desfiguradora da Constituição, na realidade apenas dirigido à sofreguidão e unilateralismo com que o tema foi trazido para a agenda política, lá vem o que o PS, para começo de conversa, estará disposto a fazer. Numa linguagem diferente da de Passos Coelho, mas com ela coincidente nos propósitos, o PS estará ”disponível para negociar reformas que possam contribuir para a sustentabilidade política e financeira do Estado social vigente na Constituição”.
Este é o ponto de partida. Como, porém, o próprio autor do artigo prevê um processo de revisão “assaz demorado” vai haver tempo mais do que suficiente para que o PS se aproxime das teses de Passos Coelho. É apenas uma questão de “timing”, tanto mais que ainda há eleições presidenciais a breve prazo, susceptíveis de baralhar os propósitos dos reformadores liberais, pelo que não será de boa política ter para já muita pressa. Depois de Janeiro não faltará tempo.
Esta gente do PS não só está de acordo, salvo nuances sem importância, com Passos Coelho, como ainda lhe dá sábios conselhos sobre a forma de actuar.
A prova de que dentro do PS não faltará quem concorde com uma revisão do Estado social consagrado na Constituição resulta obviamente da abertura que alguns já estão a manifestar para uma revisão que tenha por objecto aquele tema, tanto mais que para simples desfigurações pontuais, tipo Correia de Campos e Vieira da Silva, não seria necessário mexer na Constituição.
O problema não está tanto em alcançar um acordo, mas em direcção do PSD se aguentar pelo tempo suficiente para levar avante a sua proposta.
E lembrar-se a gente que os que agora convergem com o PSD são exactamente os mesmos que ainda há bem poucos anos discordavam de certas alterações constitucionais, como por exemplo, a referente ao número de deputados, por saberem que o PS é um partido incapaz de resistir às pressões da direita (sic)!
Daí que tivéssemos concluído ser a revisão constitucional a única proposta realmente importante de Passos Coelho, tanto mais que ele não desconhece que “num lado se põe o ramo e noutro se vende o vinho”.
Essa parceria com gente do Partido Socialista, em meu entender, já começou. Um conhecido intelectual da direita do PS em artigo (matreiro) hoje publicado no jornal “Público” abre caminho à revisão constitucional. Depois de um aparente protesto contra uma proposta desfiguradora da Constituição, na realidade apenas dirigido à sofreguidão e unilateralismo com que o tema foi trazido para a agenda política, lá vem o que o PS, para começo de conversa, estará disposto a fazer. Numa linguagem diferente da de Passos Coelho, mas com ela coincidente nos propósitos, o PS estará ”disponível para negociar reformas que possam contribuir para a sustentabilidade política e financeira do Estado social vigente na Constituição”.
Este é o ponto de partida. Como, porém, o próprio autor do artigo prevê um processo de revisão “assaz demorado” vai haver tempo mais do que suficiente para que o PS se aproxime das teses de Passos Coelho. É apenas uma questão de “timing”, tanto mais que ainda há eleições presidenciais a breve prazo, susceptíveis de baralhar os propósitos dos reformadores liberais, pelo que não será de boa política ter para já muita pressa. Depois de Janeiro não faltará tempo.
Esta gente do PS não só está de acordo, salvo nuances sem importância, com Passos Coelho, como ainda lhe dá sábios conselhos sobre a forma de actuar.
A prova de que dentro do PS não faltará quem concorde com uma revisão do Estado social consagrado na Constituição resulta obviamente da abertura que alguns já estão a manifestar para uma revisão que tenha por objecto aquele tema, tanto mais que para simples desfigurações pontuais, tipo Correia de Campos e Vieira da Silva, não seria necessário mexer na Constituição.
O problema não está tanto em alcançar um acordo, mas em direcção do PSD se aguentar pelo tempo suficiente para levar avante a sua proposta.
E lembrar-se a gente que os que agora convergem com o PSD são exactamente os mesmos que ainda há bem poucos anos discordavam de certas alterações constitucionais, como por exemplo, a referente ao número de deputados, por saberem que o PS é um partido incapaz de resistir às pressões da direita (sic)!
A VULCANOLOGIA, MÁRIO LINO E SÓCRATES
TRÊS ATITUDES PERANTE O SABER
A vulcanologia, apesar de se dedicar ao estudo da origem e da ascensão da lava, das erupções presentes e passadas, ainda não adquiriu o saber suficiente para prever o futuro. Sabe tudo sobre o passado e procura ser rigorosa sobre o presente. A natureza interdisciplinar do seu saber favorece o conhecimento científico do que se está a passar, mas é ainda insuficiente para prever o que se vai passar. É, porém, este conhecimento rigoroso do fenómeno vulcânico, quando ocorre, e das suas consequências, que verdadeiramente a distingue da História, disciplina a que naturalmente estaria confinada se apenas conhecesse o passado (sempre com a vantagem, relativamente à História, de aplicar um método objectivamente científico na investigação do passado…).
Mário Lino não conhece o passado, tem notícia do presente quando já deixou de ser, não se preocupa com o futuro e o que sabe aprendeu nos jornais, apesar de saber, ele próprio o diz, que não se pode confiar em tudo o que vem nos jornais. Como cientista estaria condenado. Como homem comum, que aprende com os próprios erros ou com os erros alheios, tenderia sempre a errar uma segunda vez pela forma tardia como os conhecimentos lhe chegam. Mas para Ministro deve chegar!
SÓCRATES, conhecido por saber que nada sabe, porém, muitíssimo mais complexo, tirou vantagem de ter tido um pai escultor e uma mãe parteira. Do primeiro herdou a arte das formas (imateriais não das materiais, como se sabe), que o leva a cultivar o combate dialéctico, com toda a capacidade persuasiva e dissuasiva de que é capaz, para fazer passar melhor as suas ideias preconcebidas e semear o desconcerto entre os seus opositores. Nesta medida se aproxima dos sofistas para aparentemente logo deles se distanciar ao não reclamar para si um certa sabedoria, salvo a que paradoxalmente assenta no reconhecimento da sua própria ignorância. Todavia, ao momento irónico ou destrutivo que o aproxima dos sofistas e (de Sócrates), junta a herança da mãe que o empurra para um processo maiêutico, verdadeiro parteiro de ideias, de permanente questionamento através do diálogo com vista à descoberta da verdade em si mesma inseparável da busca de um ideal de vida, da arete moral que o leva, em última instância, a um aperfeiçoamento constante do próprio ser e a recusar esquivar-se às leis, aceitando uma condenação que tinha por injusta e inadequada. Nisto se distancia radicalmente de Sócrates, que só pensa em “safar-se de mais uma”, e dos sofistas que nunca aceitariam perder um processo e sofrer uma condenação sem simultaneamente ver ruir todo o edifício em que assentavam os seus ensinamentos.
segunda-feira, 19 de abril de 2010
HENRIQUE NETO KO NA SIC NOTÍCIAS
O GRANDE ENSINAMENTO
Henrique Neto, subscritor de um manifesto que combate as energias alternativas, aceitou participar num debate com Carlos Pimenta, no programa "Sinais de Fogo".
Henrique Neto abriu as hostilidades com a facilidade com que costuma dissertar sobre os muitos assuntos em que regularmente intervém. Apontou vários dados de facto para justificar as suas afirmações e neles se baseou para sustentar as conclusões aque ia chegando, sempre contrárias às energias limpas.
Afinal, soube-se logo a seguir, todos os dados de facto que amparavam as suas posições eram completamente falsos. Por outro lado, o seu desconhecimento sobre o que se faz no país em matéria de energias alternativas, desde o saber até ao negócio, era total. Absoluto!
Foi um KO como só nos bons tempos de Cassius Clay se costumava ver.
Mas tem de reconhecer-se que a sua intervenção no programa avivou um grande ensinamento, muitas vezes esquecido: é preciso ser muito prudente quando se fala do que não se sabe!
"NÓS NÃO SOMOS A GRÉCIA"
QUE AFIRMAÇÃO MAIS TONTA!
Já aqui dissemos vezes sem conta que o problema mais grave da actualidade na Europa é a crise grega. Grave não apenas pelo que ela representa para os gregos, mas para todos nós, a começar pelos países do sul.
A afirmação frequentemente repetida pelos nossos governantes: “Nós não somos a Grécia”, além de pretender sugerir um distanciamento que na realidade não existe e antes encobre uma mal disfarçada falta de solidariedade, é uma afirmação politicamente pouco inteligente.
O ataque dos predadores capitalistas que manejam o capital financeiro e especulativo não se evita, nem se combate deixando isolada a presa que eles se preparam para devorar, mas, pelo contrário, fazendo com ela corpo e lutando com todos os meios à disposição para conjurar um perigo que é tanto grave quanto mais isolado estiver quem o sofre.
O objectivo que os Estados em risco desde a primeira hora deveriam ter assumido como vertente principal da sua estratégia não era o tentar demonstrar aos “famigerados” mercados que a sua situação é diferente da da Grécia – estulta pretensão, obviamente votada ao fracasso – mas o de procurar fazer prevalecer dentro da União Europeia, com o apoio das respectivas opiniões públicas nacionais, uma unidade que de facto pudesse fazer frente àqueles ataques.
Em vez de procurar “amansar” a Alemanha, a Holanda e a Áustria, o que os Estados em risco – e os Estados em risco são em maior número do que se pensa – deveriam ter feito (e devem ainda fazer) era um combate frontal dentro da UE contra aqueles que, estando do lado dos predadores, também se preparam para ganhar dinheiro à custa das vítimas.
Na verdade, a solução encontrada para a Grécia no seio da UE é uma falsa solução. Ela não desencoraja os ataques predatórios nem representa uma alternativa viável caso pudesse ser posta em prática. E não representa, antes de mais porque o preço que se está a exigir à Grécia para a pôr em prática é igualmente excessivo e a praticamente a deixa na mesma situação em que a deixariam os ataques predatórios. Depois, nem é sequer seguro que ela alguma vez possa ser posta em prática, já que a unanimidade exigida para a implementar e o prévio recurso às autorizações parlamentares que alguns já anunciaram dificultarão ou até inviabilizarão a sua exequibilidade em tempo útil.
O caminho terá de ser outro, portanto. Hoje é a Grécia, amanhã é Portugal ou a Espanha ou ambos a sofrer a fúria especulativa. Para atalhar estes efeitos, é preciso compreender sem ambiguidades a estratégia alemã e empurrá-la até às últimas consequências. O que quer a Alemanha? Primeiro que tudo Merkel não quer perder as eleições de 9 de Maio na Renânia Vestefália. Mas essa é apenas uma questão conjuntural. O objectivo fundamental da estratégia alemã é impor uma política que lhe assegure o controlo absoluto da política monetária e de crédito dentro da zona euro. Fazer do Banco Central Europeu um verdadeiro Bundesbank.
Para pôr em prática esta política a Alemanha pode não hesitar em deixar ficar pelo caminho aqueles que não acompanhem a sua passada. Mas esta estratégia tem limites. Os limites impostos por uma lógica que levada às últimas consequências se viraria contra quem a segue. Embora a saída do euro pelos países em crise não seja uma perspectiva que não tenha de ser encarada pelos próprios como uma possibilidade concretizável, ela nunca deverá ser equacionada sem que simultaneamente se questione a conveniência desta solução para os demais (ou uma parte considerável deles) que nele se mantêm. Será do interesse da Espanha, da Itália, da Finlândia, da Irlanda que alguns dos Estados da zona euro se vejam forçados a abandonar a moeda única? E aceitará a França passivamente estas consequências? Uma coisa é certa: tal como as coisas estão já não é com “paninhos quentes”, nem com os habituais falsos consensos que elas se resolvem no seio da União Monetária. É preciso um sobressalto. É preciso algo de muito mais profundo que ameace a unidade do conjunto para se ficar a perceber até onde cada um está disposto a ir.
Fugir à realidade, ignorá-la, ou, pior ainda, tentar seduzir os predadores, será sempre uma política votada ao fracasso e de funestas consequências.
Já aqui dissemos vezes sem conta que o problema mais grave da actualidade na Europa é a crise grega. Grave não apenas pelo que ela representa para os gregos, mas para todos nós, a começar pelos países do sul.
A afirmação frequentemente repetida pelos nossos governantes: “Nós não somos a Grécia”, além de pretender sugerir um distanciamento que na realidade não existe e antes encobre uma mal disfarçada falta de solidariedade, é uma afirmação politicamente pouco inteligente.
O ataque dos predadores capitalistas que manejam o capital financeiro e especulativo não se evita, nem se combate deixando isolada a presa que eles se preparam para devorar, mas, pelo contrário, fazendo com ela corpo e lutando com todos os meios à disposição para conjurar um perigo que é tanto grave quanto mais isolado estiver quem o sofre.
O objectivo que os Estados em risco desde a primeira hora deveriam ter assumido como vertente principal da sua estratégia não era o tentar demonstrar aos “famigerados” mercados que a sua situação é diferente da da Grécia – estulta pretensão, obviamente votada ao fracasso – mas o de procurar fazer prevalecer dentro da União Europeia, com o apoio das respectivas opiniões públicas nacionais, uma unidade que de facto pudesse fazer frente àqueles ataques.
Em vez de procurar “amansar” a Alemanha, a Holanda e a Áustria, o que os Estados em risco – e os Estados em risco são em maior número do que se pensa – deveriam ter feito (e devem ainda fazer) era um combate frontal dentro da UE contra aqueles que, estando do lado dos predadores, também se preparam para ganhar dinheiro à custa das vítimas.
Na verdade, a solução encontrada para a Grécia no seio da UE é uma falsa solução. Ela não desencoraja os ataques predatórios nem representa uma alternativa viável caso pudesse ser posta em prática. E não representa, antes de mais porque o preço que se está a exigir à Grécia para a pôr em prática é igualmente excessivo e a praticamente a deixa na mesma situação em que a deixariam os ataques predatórios. Depois, nem é sequer seguro que ela alguma vez possa ser posta em prática, já que a unanimidade exigida para a implementar e o prévio recurso às autorizações parlamentares que alguns já anunciaram dificultarão ou até inviabilizarão a sua exequibilidade em tempo útil.
O caminho terá de ser outro, portanto. Hoje é a Grécia, amanhã é Portugal ou a Espanha ou ambos a sofrer a fúria especulativa. Para atalhar estes efeitos, é preciso compreender sem ambiguidades a estratégia alemã e empurrá-la até às últimas consequências. O que quer a Alemanha? Primeiro que tudo Merkel não quer perder as eleições de 9 de Maio na Renânia Vestefália. Mas essa é apenas uma questão conjuntural. O objectivo fundamental da estratégia alemã é impor uma política que lhe assegure o controlo absoluto da política monetária e de crédito dentro da zona euro. Fazer do Banco Central Europeu um verdadeiro Bundesbank.
Para pôr em prática esta política a Alemanha pode não hesitar em deixar ficar pelo caminho aqueles que não acompanhem a sua passada. Mas esta estratégia tem limites. Os limites impostos por uma lógica que levada às últimas consequências se viraria contra quem a segue. Embora a saída do euro pelos países em crise não seja uma perspectiva que não tenha de ser encarada pelos próprios como uma possibilidade concretizável, ela nunca deverá ser equacionada sem que simultaneamente se questione a conveniência desta solução para os demais (ou uma parte considerável deles) que nele se mantêm. Será do interesse da Espanha, da Itália, da Finlândia, da Irlanda que alguns dos Estados da zona euro se vejam forçados a abandonar a moeda única? E aceitará a França passivamente estas consequências? Uma coisa é certa: tal como as coisas estão já não é com “paninhos quentes”, nem com os habituais falsos consensos que elas se resolvem no seio da União Monetária. É preciso um sobressalto. É preciso algo de muito mais profundo que ameace a unidade do conjunto para se ficar a perceber até onde cada um está disposto a ir.
Fugir à realidade, ignorá-la, ou, pior ainda, tentar seduzir os predadores, será sempre uma política votada ao fracasso e de funestas consequências.
sábado, 17 de abril de 2010
ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS
O PS COM DOIS CANDIDATOS MAIS UM DE SOARES
Depois das façanhas de Praga, é cada vez mais evidente que o PS concorrerá às eleições presidenciais com dois candidatos, além do de Mário Soares.
Há no Partido Socialista quem se oponha com muita tenacidade à candidatura de Alegre como candidato do partido. Ainda esta semana assistimos a um episódio pouco vulgar no processo de decisão partidária conducente à escolha do candidato presidencial a apoiar. Passou-se com o PS. Primeiro, o partido deu entender que a escolha estava feita e que o apoio recairia em Alegre. Pouco depois, o secretário geral clarificou a situação afirmando que o partido ainda não tomou decisões sobre o assunto e que somente o fará no tempo oportuno. E o tempo oportuno é um tempo que tende a coincidir com uma data pouco favorável a Alegre, qualquer que seja a decisão.
Entretanto, Cavaco vai capitalizando. Ele é hoje o principal apoiante da política económica do Governo. Tanto no interior, como no estrangeiro, como ainda agora se viu em Praga.
Cavaco, sentindo o PS dividido e sabendo das repercussões desta divisão no eleitorado do partido, procura captar votos entre os apoiantes do PS, defendendo o Governo e avisando o PSD que não pode contar com ele para aventuras destabilizadoras. Nesta sua campanha eleitoral, nem os Açores escapam. Até às presidenciais será sempre assim. Depois se verá.
Há no Partido Socialista quem se oponha com muita tenacidade à candidatura de Alegre como candidato do partido. Ainda esta semana assistimos a um episódio pouco vulgar no processo de decisão partidária conducente à escolha do candidato presidencial a apoiar. Passou-se com o PS. Primeiro, o partido deu entender que a escolha estava feita e que o apoio recairia em Alegre. Pouco depois, o secretário geral clarificou a situação afirmando que o partido ainda não tomou decisões sobre o assunto e que somente o fará no tempo oportuno. E o tempo oportuno é um tempo que tende a coincidir com uma data pouco favorável a Alegre, qualquer que seja a decisão.
Entretanto, Cavaco vai capitalizando. Ele é hoje o principal apoiante da política económica do Governo. Tanto no interior, como no estrangeiro, como ainda agora se viu em Praga.
Cavaco, sentindo o PS dividido e sabendo das repercussões desta divisão no eleitorado do partido, procura captar votos entre os apoiantes do PS, defendendo o Governo e avisando o PSD que não pode contar com ele para aventuras destabilizadoras. Nesta sua campanha eleitoral, nem os Açores escapam. Até às presidenciais será sempre assim. Depois se verá.
Além de Alegre e de Cavaco, o eleitorado do PS ainda pode escolher o candidato de Mário Soares, Fernando Nobre, como alguns já fizeram. Aliás, não é a primeira vez que Soares por mero despeito pessoal lança a divisão nas hostes do partido em eleições presidenciais. Já o fez na segunda eleição de Eanes, mesmo sabendo que o opositor do candidato apoiado pelo PS era o antigo responsável pelo campo de concentração de S. Nicolau (sul de Angola). O tal que disse que se ganhasse não concederia aos comunistas o “privilégio”da clandestinidade.
Tal como as coisas estão a evoluir o mais provável é que o eleitorado do PS (dos últimos anos) se divida por três candidatos, tirando disso proveito Cavaco Silva, que busca a reeeleição logo na primeira volta.
O que virá depois, logo se verá. Ainda é cedo para fazer previsões...
Tal como as coisas estão a evoluir o mais provável é que o eleitorado do PS (dos últimos anos) se divida por três candidatos, tirando disso proveito Cavaco Silva, que busca a reeeleição logo na primeira volta.
O que virá depois, logo se verá. Ainda é cedo para fazer previsões...
CARTA ABERTA AOS BISPOS CATÓLICOS DE TODO O MUNDO
HANS KUNG
Apesar de a "Carta aberta aos bispos de todo o mundo" de Hans Kung, teólogo suiço, catedrático da Universidade de Tubingen, já ter sido publicada em diversos blogues e jornais, vale a pena deixá-la aqui para consulta futura.
sexta-feira, 16 de abril de 2010
O DEBATE PARLAMENTAR: BOA INTERVENÇÃO DE JERÓNIMO DE SOUSA
O GOVERNO: A CONVERSA DO COSTUME
É um exercício penoso ver na televisão um debate parlamentar. Vai-se tirando o som, enquanto se faz outra coisa e simultaneamente se dá uma olhadela ao que se está passando no ecrã.
De vez em quando restabelece-se a ligação sonora e ouve-se a imensa demagogia de Portas e dos seus jovens acólitos. Ele sempre muito preocupado com os crimes, com a lavoura, com o rendimento social de inserção…mas de submarinos nada. Portas segue exactamente a orientação contrária do pretor romano: “minimis non curat praetor”. Não é que ele não se ocupe das “coisas grandes”, só que essas não são para tratar em público!
Louçã esteve melhor ontem na entrevista do que hoje no debate. No parlamento opta sempre por realçar a anormalidade ou o pormenor em busca de uma espécie de efeito cénico…
Bem esteve Jerónimo de Sousa, tanto na questão dos combustíveis, como na abordagem da questão grega.
Sócrates, na ausência de argumentos, responde com os clichés do costume: “Temos visões diferentes da sociedade, da soberania, etc e tal”.
Pode ser ingenuidade minha, mas fiquei com a impressão que Sócrates ainda não compreendeu o que representa a questão grega. Não me admiraria que assim fosse. O PS em política internacional tinha uma escola, que poucos frequentavam, mas os que a frequentavam eram “bons alunos”: a escola da guerra fria.
Com o fim da guerra fria ficaram muito desorientados, a começar por Soares, que levou anos a perceber o que se estava a passar (supondo que já percebeu…). Gama calou, como é seu hábito, foi actuando pragmaticamente, mas nunca mais teve aquela forte convicção que antes o animava. Amado, porventura o mais estruturado, sonha com estratégias que o país não comporta…
É um exercício penoso ver na televisão um debate parlamentar. Vai-se tirando o som, enquanto se faz outra coisa e simultaneamente se dá uma olhadela ao que se está passando no ecrã.
De vez em quando restabelece-se a ligação sonora e ouve-se a imensa demagogia de Portas e dos seus jovens acólitos. Ele sempre muito preocupado com os crimes, com a lavoura, com o rendimento social de inserção…mas de submarinos nada. Portas segue exactamente a orientação contrária do pretor romano: “minimis non curat praetor”. Não é que ele não se ocupe das “coisas grandes”, só que essas não são para tratar em público!
Louçã esteve melhor ontem na entrevista do que hoje no debate. No parlamento opta sempre por realçar a anormalidade ou o pormenor em busca de uma espécie de efeito cénico…
Bem esteve Jerónimo de Sousa, tanto na questão dos combustíveis, como na abordagem da questão grega.
Sócrates, na ausência de argumentos, responde com os clichés do costume: “Temos visões diferentes da sociedade, da soberania, etc e tal”.
Pode ser ingenuidade minha, mas fiquei com a impressão que Sócrates ainda não compreendeu o que representa a questão grega. Não me admiraria que assim fosse. O PS em política internacional tinha uma escola, que poucos frequentavam, mas os que a frequentavam eram “bons alunos”: a escola da guerra fria.
Com o fim da guerra fria ficaram muito desorientados, a começar por Soares, que levou anos a perceber o que se estava a passar (supondo que já percebeu…). Gama calou, como é seu hábito, foi actuando pragmaticamente, mas nunca mais teve aquela forte convicção que antes o animava. Amado, porventura o mais estruturado, sonha com estratégias que o país não comporta…
quinta-feira, 15 de abril de 2010
FRANCISCO LOUÇÃ NA GRANDE ENTREVISTA
AS VERDADES QUE A DIREITA NÃO QUER OUVIR
A direita que nos governa e a que a apoia não estão nada interessadas em tocar, ao de leve que seja, no capital finaceiro e especulativo.
Sócrates depende dele politicamente e por isso o protege. Os outros aspiram a substituí-lo no lugar com as mesmas protecções...e por isso o defendem também.
Francisco Louçã, sem pingo de demagogia, demonstrou onde pode ir buscar-se o dinheiro para reequilibrar as contas, sem atacar o trabalho, nem as despesas sociais. Demonstrou ainda em que consiste o "negócio" das privarizações defendido pelo Governo. E perguntou como pode uma empresa com lucros de 900 mil euros empregar a quase totalidade desse dinheiro numa campanha promocional.
Foi na Grande Entrevista que pode ser vista aqui.
QUATRO NOTAS SOLTAS SOBRE AS NOTÍCIAS DO DIA
OS COMBUSTÍVEIS, CAVACO EM PRAGA, A TAGUSPARK E O REPRESENTANTE DA RTP EM WASHINGTON
1 - O Ministro da Economia não sabe por que razão sobe tanto o preço dos combustíveis. E Manuel Sebastião lá vai ter que explicar outra vez que está tudo correcto. O Ministro deveria saber que o homem da concorrência anda, desde que está no lugar, com uma lâmpada – que não é de Aladino – a procurar a acta do cartel negociado pelas petrolíferas…e ainda não a encontrou.
O Ministro se tivesse o que manifestamente lhe falta teria feito a pergunta de outra maneira: por que razão vão para a cadeia, quando são apanhados, os encapuzados que à noite assaltam as bombas da gasolina e continuam em liberdade os que roubam diariamente os portugueses com preços especulativos ou claramente acima do justo valor do mercado?
2- O Presidente da República Checa, o ultra neoliberal Vaclav Klaus, pregou hoje em Praga um grande raspanete a Cavaco Silva, por haver países com défices excessivos, coisa que ele, que já foi ministro das finanças e primeiro-ministro, jamais admitiria. Infelizmente, os nossos governantes não sabem responder. Cavaco encolheu-se e disse que Portugal vai recuperar quando os outros recuperarem, porque é uma economia muito aberta e muito dependente de terceiros.
3- Embora a gente gostasse de os ver na cadeia, porque é lá o lugar deles, reitero o que ontem disse: é muito mais eficaz ir buscar o "dinheirinho" da Taguspark enquanto é tempo do que estar a tenar condená-los criminalmente, ainda por cima com base num tipo legal que não corresponde à situação de facto. Alguém no Ministério Público deveria ocupar-se disto urgentemente.
4- O representante da RTP em Washington, Vítor Gonçalves, se a memória me não falha, deu hoje provas de grande coragem ao conduzir um veículo militar norte-americano em teatro de operações…simulado. Foi pena que não tenha demonstrado a essa mesma coragem no Haiti quando, um dia depois de lá ter chegado, se "mandou" pela janela fora de um terceiro andar numa das réplicas do sismo…
4- O representante da RTP em Washington, Vítor Gonçalves, se a memória me não falha, deu hoje provas de grande coragem ao conduzir um veículo militar norte-americano em teatro de operações…simulado. Foi pena que não tenha demonstrado a essa mesma coragem no Haiti quando, um dia depois de lá ter chegado, se "mandou" pela janela fora de um terceiro andar numa das réplicas do sismo…
O AEROPORTO DA PORTELA
ANA APRESENTA NÚMEROS
No último post que escrevemos sobre o aeroporto de Lisboa manifestávamos a nossa perplexidade sobre alguns dos argumentos apresentados para justificar a construção de imediato de um novo aeroporto. E concluímos dizendo que quando a generalidade das pessoas comuns não percebe o que tentam explicar-lhe, o problema não está nas pessoas que não percebem, mas em quem explica.
Ontem a ANA voltou à carga pela voz do seu presidente, afirmando que o tecto máximo da capacidade do aeroporto de Lisboa não está ser respeitado. Esse tecto seria de 11 milhões de passageiros e em 2009 já passaram pelas infra-estruturas aeroportuárias 13 milhões.
E acrescenta que a área por passageiro, de 23 metros quadrados, segundo os padrões internacionais, não está a ser respeitada, já que no aeroporto da Portelas se está praticando a de 16 metros quadrados!
A gente ouve – e nem sequer vai dizer que não percebe – vai é dizer que não acredita no que ouve! 23 metros quadrados por passageiro? Eu não conheço nenhum aeroporto nos quatros cantos do mundo em que se esteja mais à larga do que no aeroporto da Portela. Que dizer de Heathrow, de Los Angeles, de qualquer um dos de Nova York, de Frankfurt, de Orly, de Charles De Gaule e por ai fora? O que é que conta para esses 23 metros quadrados? Como se calcula essa área? Com que espaços se entra em linha de conta?
Depois vem a tal história de que não há lugares no solo para estacionar aviões. É verdade e não é. Tudo depende da gestão do aeroporto. Quantos minutos, depois de chegar a Lisboa, leva um avião para aterrar na Portela? E em Londres? E em Nova York? E na maior parte dos aeroportos da Europa Ocidental e dos Estados Unidos, não falando nos da Ásia, que conheço menos?
Com as 45 portas de embarque que terá em 2011 – e é bom não esquecer as melhorias que o aumento de portas já trouxe aos passageiros em comodidade e em ganhos extraordinários de tempo na distribuição de bagagem - o aeroporto de Lisboa ainda vai ficar melhor do que está hoje.
A pressa de construção do novo aeroporto, nesta altura, cheira muito mais a negócio de obra pública do que a outra coisa. Negócio de que o Estado vai mais uma vez sair prejudicado. Não construir tão cedo o aeroporto – que não faz falta – também deveria fazer parte do PEC!
O TERRAMOTO DE QINGHAI E A POLÍTICA CHINESA
SERÁ RAZOÁVEL TIRAR CONSEQUÊNCIAS?
É sempre muito melindroso a propósito de uma catástrofe originada por causa naturais tirar consequências políticas, já que existe arreigada na consciência popular a ideia de que tais abordagens feitas sobre a desgraça, a que antes de mais nada é preciso acudir, são oportunistas e desprovidas de compaixão.
Acontece que o problema é exactamente esse. A China não está em condições de acudir os seus nacionais, não obstante estar a caminho de se tornar, porventura mais cedo do que se supõe, a primeira economia mundial. Mas mesmo sem esse palmarés, o lugar que a China actualmente ocupa no concerto das nações, como grande potência emergente que é, uma das maiores economias mundiais, justificaria que estivesse preparada para poder actuar de outra maneira em situações de emergência, sempre que esteja em causa a sobrevivência do seu próprio povo.
Um regime dito comunista, que de comunista nada tem, salvo os símbolos que hipocritamente ostenta, baseado na extrema exploração do trabalho assalariado, de todas as idades, desde os mais jovens aos mais velhos, com uma produção fundamentalmente orientada para a procura externa, com baixíssimos custos de produção e uma taxa de câmbio muito abaixo do valor real da moeda, faz a acumulação primitiva do capital à custa do trabalho do seu povo e igualmente à custa dos trabalhadores da Europa e dos Estados Unidos, cada vez mais remetidos para o desemprego, para a precarização e para os baixos salários. Isto para não entrar em linha de conta com os custos ambientais de tal política, igualmente nefasta para o futuro do planeta.
Sendo os Estados Unidos um grande mercado e a primeira potência económica e a União Europeia, no seu conjunto, a maior economia mundial, ambos teriam a força económica e política suficiente para alterar o rumo das coisas, se quisessem. Efectivamente, não querem. E não querem porque política da China, e a de outros países emergentes, embora em menor escala, interessa ao neoliberalismo, a vários títulos.
Antes de mais nada politicamente. É bom nunca escamotear esta causa e apresentá-la sempre antes das económicas. Com efeito, depois da Queda do Muro e da desagregação da União Soviética, a política económica chinesa é que melhor serve os interesses do capital neoliberal do Ocidente. A entrada de produtos chineses nos mercados europeu e americano, nas condições acima descritas, cria as condições ideais para que seja feita nestes dois mercados uma pressão sem precedentes sobre o trabalho e os seus direitos. Para manter a competitividade, dizem, há que reduzir os custos. E os custos que se reduzem, apesar dos ganhos de produtividade operados por força da revolução tecnológica, estão todos directa ou indirectamente ligados ao trabalho e aos seus direitos (políticos, económicos e sociais).
Quebrada a “espinha dorsal”do movimento sindical e dos movimentos sociais que lutam pela dignificação do trabalho no processo produtivo, tudo o resto vem por acréscimo.
Por outro lado, no plano económico, a política chinesa é uma extraordinária aliada da política monetarista neoliberal, porque vem dela a principal ajuda para uma inflação baixa. Ainda no plano económico, tem sido com os superavides chineses, traduzidos em crédito aos países ocidentais, que, pelo menos até à presente crise, permitiriam manter em níveis razoáveis a procura interna e algum crescimento, embora sem consequências práticas no plano da distribuição dos rendimentos, cujas desigualdades se agravam a cada ano que passa, e quase nulas no plano do emprego. Mais do que o capital produtivo, foi o capital financeiro e especulativo que disto se aproveitou em larga escala para exercer um domínio político-económico sobre a sociedade e angariar lucros sem paralelo na história do capitalismo. Se a tudo isto acrescentarmos o facto de o próprio capital ocidental se ter deslocalizado para a própria China, embora este esteja longe de ser o factor mais relevante , teremos o puzzle completo da dita aliança de que acima falámos nas suas vertentes fundamentais.
É por estas razões que o capital ocidental e a ideologia capitalista dominante mantêm um desprezo olímpico pela real situação da esmagadora maioria do povo chinês. As lágrimas vertidas sobre Tianamen são lágrimas hipócritas. Realmente a sorte dos que contestavam o regime de Pequim não lhes interessa. O que lhes interessa é denunciar os métodos de actuação de um regime dito comunista, como medida de prevenção profiláctica a tudo o que por cá, de perto ou de longe, se possa aproximar de uma política económica e social alternativa.
Aparentemente, a prazo, tudo isto acabará por ter um custo ou até talvez acabe mal. Mas o capital não está muito preocupado com isso. Já por mais de uma vez lhe disseram que ele estava a pagar a corda com que seria enforcado …e até hoje a profecia ainda não se cumpriu!
FIGO E A TAGUSPARK
A ACUSAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Tenho algumas dúvidas de que a acusação do Ministério Público no caso “Figo/Taguspark” venha a ter êxito.
Aparentemente, o que o Ministério Público supõe que se passou foi o seguinte: uma certa “rapaziada” do PS de serviço nas empresas públicas ou municipais, os conhecidos super boys, apoiados pelos seus advogados e por outros “beneméritos” do direito, todos muito preocupados com os “Direitos do Homem”, ficaram encarregados de “angariar” o apoio eleitoral de Figo para a campanha de José Sócrates.
Estes boys e super boys, bem como os seus conselheiros jurídicos, sabem muito mais do que aquilo que nós supomos que eles sabem. Eles sabem, por exemplo, que Figo é conhecido em Espanha como “pesetero”, o que não tem nada de mal, desde que se trate de pagar, com o dinheiro do Real Madrid, a cláusula penal que protegia o seu contrato com o Barcelona. Mas cujo comportamento indicia uma personalidade com certas características: a de alguém que se propõe emprestar o peso da sua imagem pública, baseada numa aparente convicção, a troco de uma vantagem patrimonial.
Isto é em si um negócio lícito, se os meios que estão a ser utilizados para fazer também o forem. Exemplificando: Um partido político ou uma personalidade política pretende obter o apoio de uma figura pública para a sua candidatura. A dita figura pública aceita prestar-lhe esse apoio a troco de uma vantagem patrimonial. Não há neste negócio qualquer ilicitude se a contraprestação pecuniária destinada a compensar aquele apoio for paga com dinheiro do dito partido ou da dita personalidade.
Mas admitamos a seguinte hipótese: o dito partido ou a dita personalidade pela influência de facto e de direito que mantém sobre uma empresa pública pede a um, dois ou três administradores dessa empresa, por si nomeados ou pelo governo a que ele pertence, que “angariem” o apoio dessa figura pública para a sua campanha mediante o pagamento por essa empresa pública de uma prestação pecuniária ou outra qualquer vantagem económica. Neste caso já a situação muda completamente de figura, porque a contraprestação pecuniária daquele apoio é paga com dinheiro fraudulentamente obtido.
Mas as coisas podem complicar-se mais, porque na vida real as pessoas que tratam destes assuntos têm grande experiência na área e dificilmente são apanhadas na situação do governador de Brasília. Aliás, para que isso não suceda é que intervêm como conselheiros especializados os tais advogados defensores dos “Direitos do Homem”. E então imaginemos que engendram a seguinte situação: para que haja uma justificação aparentemente lícita para a saída do dinheiro dos cofres daquela empresa, celebra-se um contrato entre a dita figura pública e a empresa no qual figura como objecto ostensivo a obrigação de a dita figura pública fazer uma campanha promocional da empresa mediante o pagamento de uma contraprestação pecuniária e como objecto oculto o apoio dessa figura pública à candidatura política da tal personalidade política ou do partido político de que acima falámos, realmente a verdadeira razão de ser do negócio.
Se os factos imaginariamente acima descritos estivessem provados ou houvesse uma relativa probabilidade da sua prova, certamente que haveria aqui comportamentos penalmente ilícitos susceptíveis de integrarem mais do que um tipo legal de crime. Não me atrevo, porém, a fazê-lo porque não domino o direito penal com aquele rigor que considero indispensável a este exercício.
O mais provável, todavia, é que a prova seja escassa, baseada em simples indícios que tendem a dissipar-se no emaranhado jurídico adrede construído para dissimular a verdadeira natureza do negócio. E depois já se sabe como é que as coisas funcionam (e bem!) em direito penal: se o Ministério Público não logra fazer a prova cabal dos factos constitutivos do tipo legal de crime com base no qual acusa, a sentença acaba por ser absolutória.
Além de que não me parece que haja uma qualificação jurídica correcta dos factos com base nos quais a acusação é feita. Corrupção passiva? E quem é o corruptor activo? Enfim, muitas dúvidas.
Mais eficaz seria pedir a nulidade do negócio celebrado entre a Taguspark e Figo ou a Fundação Luis Figo, conforme tiver sido o caso. Optando-se por esta via não se perderia tudo, como certamente se vai perder se se optar pela via penal. Além do mais porque em processo civil as coisas não funcionam da mesma maneira que no processo penal. Um juiz com uma dúvida, por pequena que seja, sobre a prática do crime, tende a absolver. O mesmo juiz tem, e muito justamente, um critério mais largo em processo civil.
E de uma coisa estou certo: um bom civilista, com base na averiguação já feita pelo MP, conseguiria a nulidade do negócio….
quarta-feira, 14 de abril de 2010
O VATICANO E A PEDOFILIA
A "SUJIDADE" FICA COM QUEM A PRATICA
Está hoje provado que a alta hierarquia da Igreja encobria a pedofilia e outros crimes sexuais por os considerar simples pecados, ou, no máximo, delitos canónicos, fora do alcance da justiça civil
Pablo Flores D’Arcais, filósofo e editor da revista Micromega, revela no texto “O Vaticano e a Pedofilia” que havia instruções muito claras e muito vinculativas para que as situações que viessem a ser do conhecimento da Igreja fossem exclusivamente tratadas no seu seio, sempre dentro do maior segredo.
O Vaticano, através da sua imprensa, deu recentemente a conhecer que há novos procedimentos operativos desde 2003. Há, porém, todas as razões para supor que o Vaticano está a mentir, sem escrúpulos, como frequentemente faz.
ADITAMENTO
Tem-se atacado muito ultimamente o Papa Ratzinger por estas e outras práticas. Ratzinger é um homem de direita, reaccionário, incapaz de dialogar por ser dono da verdade absoluta. Esse seu convencimento de que apenas há uma verdade e de que o relativismo deve ser combatido sem tréguas como um dos grandes males do mundo moderno tem acarretado dissabores sem conta à Igreja tanto face ao mundo laico, como relativamente às demais confissões religiosas. Mas as responsabilidades da Igreja nos casos de que agora tanto se fala são anteriores a Ratzinger, muitas delas imputáveis seu antecessor, João Paulo II, que, como Papa exclusivamente político que era, fazia uma gestão puramente política do Vaticano, sendo a Curia que hoje existe, em grande medida ainda a sua Cúria, um bom exemplo disso mesmo.
Uma das muitas protecções escandalosas de Woityla é a de Marcial Maciel, fundador dos Legionários de Cristo, falecido em 2008 e suspenso a divinis por Ratzinger em 2006, acusado de centenas de agressões sexuais contra seminaristas menores, pai de muitos filhos e até acusado de incesto. Enfim, um verdadeiro exemplo da hipócrita moral sexual que Woityla pregava em grandes comícios.
SOBRE O PAPA RATZINGER
UM PAPA ANTI-ECUMÉNICO E ANTI-CONCILIAR
Sobre o Papa Ratzinger, o seu pontificado e a sua personalidade como intelectual da direita católica, ver os dois interessantes do suplemento Domingo de El País. "Ratzinger na fogueira" e a “Conjura do silêncio”.
São dois artigos interessantes, descritivos, que enumeram com muito rigor os factos mais relevantes dos primeiros cinco anos do seu pontificado, o primeiro, e o encobrimento dos crimes sexuais praticados pelo clero católico, o segundo.
Ratzinger, o grande Inquisidor da Congregação da Doutrina da Fé, “arde” na fogueira que ele próprio ateou.
terça-feira, 13 de abril de 2010
AINDA A CRISE GREGA (CONT.)
ÚLTIMOS DESENVOLVIMENTOS
Já parece obsessão, mas creio que não é. Ouve-se tanta incorrecção acerca do que se está a passar com a crise grega que não há como ficar calado. Falam em solidariedade europeia, em saída da crise,enfim, falam de fantasias e não de realidades.
Façamos o ponto da situação. O que realmente ficou acordado no último fim-de-semana, depois daquele acordo muito vago de 25 de Março, foi o seguinte: Os países da zona euro oferecerão, este ano, à Grécia empréstimos bilaterais no montante de 30 mil milhões de euros, complementados por um empréstimo do FMI, em montante a definir, entre 10 e 15 mil milhões.
Não se sabe com rigor de quanto a Grécia vai precisar este ano: uns falam em 32 mil milhões, outros em 45 mil milhões, e outros ainda em 52 mil milhões. Depois se verá…
Este mecanismo, em que todos os Estados da zona euro intervêm com base numa chave de repartição que tem por critério a sua participação no capital do Banco Central Europeu (BCE), será desencadeado a pedido da Grécia. Mas não actua automaticamente: o pedido tem de ser avaliado pela Comissão e pelo BCE, e somente será actuado depois de aprovado por unanimidade numa nova reunião do Eurogrupo.
Por outro lado, como tem sido sublinhado, trata-se de um empréstimo a três anos concedido a uma taxa à volta dos 5%, mais as despesas de execução, ou seja, a um juro inferior ao que por força da especulação a Grécia estava pagando no fim-de-semana passado (7,5%), mas quase ao dobro da taxa do empréstimo a conceder pelo FMI (2,84%).
Esta é a situação de facto, depois da decisão de domingo. Verdadeiramente, os Estados da zona euro não pretendem emprestar dinheiro à Grécia, e, muito menos a juro “solidário”, mas evitar a espiral especulativa de que a Grécia estava a ser vítima. Os Estados da zona euro esperam que o juro baixe no mercado e que Grécia continue a poder financiar-se nele. Se não conseguir, ou dito de outro modo, se o juro do mercado continuar a ser superior ao prometido pela zona euro, muito provavelmente a Grécia desencadeará o pedido de empréstimos bilaterais.
O que todavia não deixa margem a dúvida, qualquer que seja a decisão final dos Estados da zona euro, é que a Grécia, para se manter no euro, vai ter de praticar uma política deflacionista e de recessão. Como não pode aumentar a competitividade da sua economia pela via da desvalorização da moeda, só lhe resta baixar os salários e os preços, e ver aumentar o desemprego.
E o mais provável é que a Grécia, como vai deixar de crescer, veja aumentar a sua dívida por referência ao PIB. Ou seja, o mais provável é que a Grécia se veja forçada a fazer exactamente o contrário do que fizeram os Estados Unidos a seguir à guerra: uma política inflacionista e de forte crescimento, cujos factores conjugados transformaram uma dívida de 122% do PIB numa dívida de 33% do PIB, não obstante nominalmente ela se ter mantido idêntica ou até ligeiramente superior.
E aqui voltámos à mesma questão de sempre: a Alemanha “traumatizada” pela hiperinflação de Weimar foge da inflação como o “diabo da cruz”, enquanto os Estados Unidos, melhor dizendo: os sectores mais progressistas dos EUA, “traumatizados” pela deflação da Grande Depressão não acreditam em soluções baseadas numa política monetária deflacionista. Politicamente estas duas formas de encarar a realidade económica fazem toda a diferença, pois é sempre bom não esquecer que na década de trinta a Alemanha saiu da crise pelo nazismo, enquanto os Estados Unidos saíram pelo “New Deal”, que impôs uma repartição dos rendimentos como até então nunca tinha havido na sociedade americana (aquilo a que alguns chamam a “Grande Compressão”).
Em conclusão: o acordo do passado fim-de-semana impede, a curto prazo, a falência da Grécia, como seguramente aconteceria se a espiral especulativa continuasse no mesmo ritmo. Mas não resolve os problemas da Grécia que, tal como os de outros países da zona euro, estão cada vez mais num beco sem saída…dentro do euro ou fora dele.
segunda-feira, 12 de abril de 2010
O QUE QUER PASSOS COELHO
O QUE INTERESSA E O QUE NÃO INTERESSA
De tudo o que Passos Coelho vem dizendo o mais importante é sem dúvida o que se prende com a revisão constitucional, nas áreas da saúde e do ensino.
O novo presidente do PSD diz que quer “despartidarizar” o Estado e retirá-lo dos negócios, reformar a justiça, alterar as leis eleitorais e dar liberdade de escolha aos cidadãos na saúde e na educação.
O que é isso de retirar o Estado dos negócios? Ainda um dia destes na TV um conhecido historiador defendia a mesma tese para combater a corrupção. E a gente fica sem perceber o que eles querem dizer. Então quem é que passaria a fazer os negócios do armamento e do material militar em geral? E quem faria os negócios das obras públicas? E quem faria os negócios da justiça e da administração interna? Isto para nos atermos apenas a algumas das “funções do Estado” que eles reconhecem. Portanto, conversa sem sentido.
E até se poderia dizer que se o Estado interviesse na economia como empresário, nas diversas áreas em que deveria intervir, as hipóteses de corrupção nessas áreas seriam bem menores do que são naquelas em que não pode deixar de intervir.
O problema, como todos sabemos, não está no Estado, mas em quem o governa!
Depois, o que é isso de alterar a lei eleitoral "para aproximar os eleitos dos eleitores" por via do voto preferencial? Se ainda fosse por via de um sistema eleitoral factível, como a criação de círculos uninominais combinados com um círculo nacional proporcional, ainda a proposta teria algum sentido. De outro modo não tem, além de que nos partidos ninguem quer mexer no que existe, porque nenhum deles está na disposição de abdicar de qualquer parcela de poder por ínfima que seja, quanto mais de uma grande fatia! Conversa, também.
E o que é isso de dar liberdade de escolha aos cidadãos na saúde e na educação? Então essa liberdade de escolha não existe? Não há serviços privados de saúde e de ensino? Passos Coelho ainda agora chegou e já tão apto a tentar ludibriar os eleitores. Realmente, o que ele pretende é quem o está a ouvir fique convencido de que com ele a governar as pessoas vão poder escolher, por conta do Estado, entre a saúde assegurada pelo Estado e a saúde prestada pelos privados e o ensino assegurado pelo Estado e o prestado pelos privados.
É óbvio que isto é mentira. O que ele quer dizer, nas palavras enganosas e dolosas que emprega, é que pretende acabar com a gratuitidade e a universalidade na saúde e na educação. Só que para isso precisa de rever a Constituição. Daí a importância da revisão. Essa sim, a única proposta verdadeira do seu programa.
Dirão alguns: proposta irrealizável já que para rever a Constituição, mesmo que se trate de uma revisão ordinária, precisa de uma maioria de dois terços. E quem tem memória responde, perguntando: e das outras vezes que a Constituição foi revista não foi sempre necessária essa maioria ou até superior, nos casos em que a Constituição assim o impunha? E quem tem memória acrescenta: e alguma vez essa maioria pôde prescindir do voto favorável do Partido Socialista?
Daí que a revisão da Constituição para aquele fim seja a única proposta realmente importante de Passos Coelho, tanto mais que ele não desconhece que “num lado se põe o ramo e no outro se vende o vinho”…
RTP: MAS O QUE É ISTO?
GRANDE ENTREVISTA: QUE CRITÉRIOS?
Ouço no telejornal das 8, por mais de uma vez, que Judite de Sousa entrevistará Pôncio Monteiro na “Grande entrevista”. Ouço e não acredito. O que é que poderá justificar que um comentador de futebol conhecido pela “argumentação” mais estúpida que se ouve na televisão, a raiar a boçalidade, possa ser convidado para um programa de horário nobre, em princípio, reservado a quem tem algo para dizer? Pelas imagens de apresentação do programa parece que o entrevistado irá falar sobre uma grave doença que há algum tempo o acometeu. Com todo o respeito pela doença alheia, há infelizmente milhares de pessoas neste país que passaram ou passam por doenças graves. A que propósito se vem falar da de Pôncio Monteiro?
Por outro lado, basta tê-lo ouvido falar uma ou duas vezes, para logo se perceber pelas suas intervenções, sempre que elas careçam de um mínimo de contextualização, que se trata de uma personalidade politicamente primária, sem qualquer ponta de interesse qualquer que seja o ângulo por que seja encarada.
Portanto, se para falar de futebol já tem o seu espaço, no qual em colaboração com outros tanto contribui para a estupidificação do povo português, e se quanto ao resto não tem nada para dizer, como se justifica, insisto, a entrevista?
Só pode haver uma razão. É a televisão pública ter espaços familiares para receber os amigos, como quem os recebe em casa.
Que temos nós a ver que o Sr. Pôncio Monteiro seja amigo do Sr. Seara, um viscoso comentador do Benfica, que por seu turno é marido da Sra. Judite de Sousa?
Ninguém põe cobro a isto, nem que seja à custa de mais umas “vítimas” da liberdade de imprensa?
Ouço no telejornal das 8, por mais de uma vez, que Judite de Sousa entrevistará Pôncio Monteiro na “Grande entrevista”. Ouço e não acredito. O que é que poderá justificar que um comentador de futebol conhecido pela “argumentação” mais estúpida que se ouve na televisão, a raiar a boçalidade, possa ser convidado para um programa de horário nobre, em princípio, reservado a quem tem algo para dizer? Pelas imagens de apresentação do programa parece que o entrevistado irá falar sobre uma grave doença que há algum tempo o acometeu. Com todo o respeito pela doença alheia, há infelizmente milhares de pessoas neste país que passaram ou passam por doenças graves. A que propósito se vem falar da de Pôncio Monteiro?
Por outro lado, basta tê-lo ouvido falar uma ou duas vezes, para logo se perceber pelas suas intervenções, sempre que elas careçam de um mínimo de contextualização, que se trata de uma personalidade politicamente primária, sem qualquer ponta de interesse qualquer que seja o ângulo por que seja encarada.
Portanto, se para falar de futebol já tem o seu espaço, no qual em colaboração com outros tanto contribui para a estupidificação do povo português, e se quanto ao resto não tem nada para dizer, como se justifica, insisto, a entrevista?
Só pode haver uma razão. É a televisão pública ter espaços familiares para receber os amigos, como quem os recebe em casa.
Que temos nós a ver que o Sr. Pôncio Monteiro seja amigo do Sr. Seara, um viscoso comentador do Benfica, que por seu turno é marido da Sra. Judite de Sousa?
Ninguém põe cobro a isto, nem que seja à custa de mais umas “vítimas” da liberdade de imprensa?
ADITAMENTO
Dizem-me num comentário ao texto que Pôncio Monteiro não foi à “Grande entrevista”, mas a um programa chamado “Vidas contadas”, de cuja existência, devo confessá-lo, não tinha notícia.
Ouvi durante o telejornal – ou suponho que ouvi – Rodrigues dos Santos anunciar, por mais de uma vez, que Judite de Sousa entrevistaria Pôncio Monteiro. E supus que se tratava da “Grande entrevista”.
Do lapso peço desculpa. Como nunca vi o tal programa desconheço os critérios que norteiam as escolhas das pessoas e os temas que elas abordam. Pode ser que a história clínica de Pôncio Monteiro se enquadre no programa, mas nem por isso deixamos de pensar que à sua escolha não foram alheias as razões que constam do texto.
O CENTENÁRIO DE ANTÓNIO DE SPÍNOLA
A ILUSÃO DE SPÍNOLA
Spínola se fosse vivo faria hoje cem anos. Os anos que viveu são contudo suficientes para apreciar a sua obra como militar e como político.
Como militar serviu devotadamente o Estado Novo e Salazar, como tantos outros. As biografias de Spínola, mesmo as mais volumosas, à parte algumas palavras iniciais sobre o Colégio Militar, verdadeiramente só começam em 1961 quando se oferece como voluntário para combater em Angola, como comandante de batalhão.
Os primeiros cinquenta anos da sua vida são pouco conhecidos, talvez porque não sejam muito relevantes historicamente. Sabe-se todavia que era um fervoroso apreciador da bravura do exército alemão, cujas façanhas acompanhou, no cerco de Leninegrado, como observador. Também há indícios relativamente seguros de que apreciava e apoiava os nacionalistas na Guerra Civil Espanhola, onde mais tarde, já com Franco no poder, estudou a organização da Guardia Civil.
Também se sabe que nos eventos políticos que coincidiram com o começo da guerra em Angola esteve sempre ao lado de Salazar, apesar da relativa irrelevância do seu posto na estrutura militar da época.
Em suma, Spínola simpatizava politicamente com o que de mais reaccionário havia então na Europa: o franquismo, a tradição prussiana do exército alemão enquadrada e dominada pelos nazis, e Salazar. Este pendor autoritário e anti-democrático acompanhá-lo-ia durante toda a sua vida.
Foi o fervor colonial inspirado na "Pátria una e indivisível do Minho a Timor" que o fez largar o lugar na administração da Siderurgia Nacional para combater em Angola contra os “terroristas a soldo de Moscovo”. Apesar de tudo há uma diferença relativamente aos de agora, que deixam o governo para “combater pelas suas convicções” em empresas dispostas a comprar a influência que continuam a manter sobre os governos a que pertenceram!
Depois de Angola, donde regressa em 1964, Spínola fica quatro anos por cá, até que Salazar se lembra dele para substituir Arnaldo Schultz que, com a sua acção completamente irrealista e desprovida de qualquer sentido político, deixara a Guiné numa situação político-militar quase irrecuperável.
Diz-se agora, melhor começou a dizer-se depois da morte política de Salazar, que Spínola quando foi convidado pelo Presidente do Conselho para o lugar de comandante-chefe das forças armadas na Guiné o terá advertido de que a “questão ultramarina” teria de ser resolvida politicamente e não militarmente.
Diz-se muita coisa depois da morte de Salazar. Adriano Moreira, Spínola e outros disseram depois que tinham dito antes o que ninguém até então tinha ouvido, e que aliás também não consta dos relatos dos próximos de Salazar. Mas isso não terá grande importância, pois não é verdade que a História se faz cada vez mais da frente para trás e não de trás para a frente?
A verdade é que Spínola, uma vez na Guiné, teve uma percepção mais correcta da guerra em que estava envolvido do que a percepção alguma vez tida pelos seus congéneres americanos no Vietname. Por isso, actuou politicamente e militarmente com idêntica determinação.
Militarmente não teve êxito: deixou a guerra perdida quando em Novembro de 1973 entregou o comando a Bettencourt Rodrigues. Mas aguentou durante mais de cinco anos uma guerra que militarmente já estava perdida. E até criou a ilusão de que a poderia ganhar.
Com o afastamento de Salazar por doença, Spínola passou a ser politicamente muito mais interventivo junto de Caetano. Como conhecia a realidade colonial, depressa chegou à conclusão de que o objectivo político de Marcelo, que, tal como o de Salazar, era o da "Pátria una e indivisível do Minho a Timor", não tinha qualquer viabilidade. Mas tal como Marcelo também ele não compreendeu o nacionalismo africano e sempre acreditou, ao ponto de ter mitificada a ideia durante toda a sua vida, que seria possível encontrar um rearranjo constitucional capaz de acomodar a presença política (económica e social) portuguesa com as aspirações autonomistas dos povos colonizados.
As várias tentativas que Spínola fez durante o governo de Caetano e depois do 25 de Abril para pôr em prática aquela ideia não falharam por tibieza e indecisão do Presidente do Conselho, nem pela “acção perversa” dos militares do MFA. Falharam porque tinham de falhar: não eram medidas daquele tempo, nem daquela época! Samora Machel, na eloquência incisiva das suas afirmações, disse peremptoriamente, com o sarcasmo estampado no rosto, aos últimos representantes envergonhados da pátria pluricontinental: “Não se pergunta a um escravo que já pegou em armas para se libertar, se quer ser livre!”
Spínola nunca compreendeu a profundidade da componente nacionalista da luta de libertação. Poderá ter superado alguns dos clichés mais repetidos da Guerra Fria, contrariamente ao que sucedeu com Salazar e com Franco Nogueira, que os empregavam com convicção e com tacticismo, com Marcelo, mais por convicção do que por táctica, e até com Soares que no contexto da época só “via” o que pudesse travar o avanço de Moscovo, interesse que para ele se sobrepunha a todos os demais. Mas o que Spínola nunca foi capaz de superar foi a subalternidade do interesse nacional português no processo de libertação dos povos africanos.
É essa a razão da sua incompatibilidade com o MFA. Do 28 de Setembro e do seu fracasso. E, mais tarde, do 11 de Março que ironicamente acabará por reduzir a escombros o país (irreal) com que ele sonhara.
domingo, 11 de abril de 2010
AINDA A CRISE GREGA
UMA RESPOSTA À CRISE QUE ESCONDE UM OBJECTIVO ESTRATÉGICO DE PODER
Por muito que custe a certas pessoas, a crise grega é a questão mais grave da actualidade na Europa. Não apenas pelo que ela representa para os gregos, pelo que representa para a generalidade do povo trabalhador, mas principalmente pelo objectivo estratégico pressuposto na forma como ela tem sido abordada no quadro comunitário.
Como toda a gente sabe, a actual crise económica e social tem a sua origem numa crise financeira da exclusiva responsabilidade da ideologia neoliberal de que o capital financeiro e especulativo é o principal intérprete.
Movidos por uma ganância sem limites e exercendo a sua actividade interna e internacional em regime de completa anomia, os bancos assumiram riscos absolutamente desproporcionados em relação aos recursos de que dispunham. Uma vez cortada a corrente que transforma o risco em certeza, perfilou-se no horizonte do sistema financeiro mundial uma crise de proporções planetárias que tinha como consequência necessária a falência em cadeia do capital financeiro, a qual arrastaria consigo a falência do capital industrial e de todas as demais actividades empresariais cuja existência estivesse directa ou indirectamente ligada àquele capital.
Embora tal crise não acarretasse, na actual conjuntura política, uma mudança radical de sistema económico, iria seguramente causar perturbações de toda a ordem, principalmente políticas e sociais, com uma mais que previsível mudança do poder económico para outras mãos e, muito provavelmente, para outras latitudes.
Perante este panorama, não obstante algumas hesitações iniciais dos ortodoxos do sistema, os Estados resolveram intervir com biliões (ou centenas de milhares de milhões, consoante se prefira) para salvar o capital financeiro e o sistema por ele dominado, endividando-se muito para além do razoável.
Qualquer analogia acrítica entre o que se passou a partir de 2008 e que se tinha passado a partir de 1929 corre o risco de deixar incompreendido o essencial.
Antes de mais, a crise de 1929 é, como todas as crises por que o capitalismo até então havia passado, uma crise de sobreprodução: de excesso da oferta sobre a procura. Depois, os bancos em 1929 faliram e com eles todos os que tinham os seus negócios a eles ligados ou as suas economias neles depositadas. Finalmente, a “intervenção keynesiana” a partir de 1932 (Roosevelt) é uma intervenção que obedece a dois propósitos, embora o segundo, na conjuntura da época, se reconduza ao primeiro: salvar o capitalismo e assegurar uma muito maior igualdade na distribuição do rendimento (este segundo propósito está igualmente presente, por muita polémica que a afirmação possa causar, na origem do sucesso do nazismo alemão e do fascismo italiano).
Em 2008 não há verdadeiramente uma crise de sobreprodução, mas antes uma crise originada pela assunção, pelo capital financeiro e especulativo, de riscos insuportáveis que, uma vez consumada a alta probabilidade da sua verificação, se propagaram como uma nódoa de azeite a todo o tecido económico, nomeadamente ao produtivo. Em segundo lugar, com excepção do Lehman Brothers e de algumas “banquetas” de insignificante importância, os bancos não faliram, antes foram salvos, e com eles o sistema que eles dominam, mediante transferências astronómicas de fundos para os seus activos a custo zero (ou quase). Finalmente, as intervenções que os Estados fizeram nos demais domínios económicos e sociais não tiveram verdadeiramente em vista salvar o capitalismo, que não estava nem está ameaçado por nenhum sistema concorrente, mas antes evitar uma queda excessiva da actividade económica com vista a uma recomposição do tecido económico afectado pela crise, nessa perspectiva se inserindo igualmente as medidas de natureza social de carácter tipicamente assistencial.
Dito isto, compreende-se agora muito melhor por que razão os bancos não faliram e os Estados se endividaram para além dos limites do razoável, nomeadamente, dentre os desenvolvidos, os de economias mais fracas.
E compreende-se também por que não podem esses mesmos Estados, que aparentemente correm o risco de falência, como é o caso da Grécia e de outros do sul da Europa ou até do norte, mas periféricos, gozar dos mesmos privilégios ou das mesmas vantagens que os bancos beneficiaram para não falirem.
Embora seja admissível supor, sem nunca se poder garantir, que a falência dos bancos não acarretaria uma mudança radical do sistema político-económico, a verdade é que essas mesmas falências, além das consequências económicas em cadeia, susceptíveis de atingir um número indiscriminado de pessoas diferentemente posicionadas no processo produtivo, teriam como consequência inevitável a mudança de mãos do poder económico, eventualmente até, como já se disse, para outras latitudes. E foi isto, tudo isto, o que seguramente se quis evitar.
A falência ou o risco de falência dos Estados (porventura ainda mais grave do que a própria falência) tem, em princípio, efeitos, perfeitamente suportáveis pelo sistema, muito diferentes dos provocados pela falência dos bancos. Não estando em causa actualmente a salvação do sistema que, por falta de alternativa não corre o risco de ser substituído por outro de sentido radicalmente oposto, a única situação susceptível de gerar alguma preocupação é a dimensão económica do Estado em quebra. Se se tratar de uma grande economia, como aconteceu nos últimos vinte anos do século passado por duas vezes com o México, as economias directamente afectadas pela sua falência têm de ir inevitavelmente em seu auxílio sob pena de elas próprias também sofrerem as consequências. Foi o que fizeram os Estados Unidos. A própria Reserva Federal emprestou dinheiro ao México, a juro baixo, para que este fosse pagando aos bancos americanos as suas dívidas. Apesar de o juro a que o dinheiro foi emprestado ter sido abaixo do preço do mercado, os Estados Unidos ganharam muito dinheiro com o negócio e evitaram as consequências da falência do México sobre os bancos americanos.
Se se tratar de uma pequena economia, como é o caso da Grécia, e seria também o de Portugal ou o da Irlanda ou da Islândia, a situação como já se está a ver pode ser muito diferente. Não havendo o risco de alteração do sistema, facto que até há cerca de trinta anos era sistematicamente tido em conta, sendo reduzidos os efeitos sobre as demais economias, e não estando também em causa a transferência do poder económico do Estado falido, ou em risco de falência, para mãos indesejáveis, o meio que o actual sistema capitalista europeu considera mais apropriado para lidar aquelas situações é pôr os nacionais desse Estado a pagar a crise fazendo incidir sobre eles todo o ónus da situação criada e causada pelo capital financeiro. E como o trabalho é, em todos os Estados, aquele que mais contribui para as receitas dos Estados, acabam por ser os trabalhadores os que vão necessariamente arcar com a parte principal dos sacrifícios. Não apenas porque passam a ganhar menos, mas também porque muitos deles vão perder o emprego.
Esta solução imposta pela Alemanha obedece, no actual contexto europeu, a um claro objectivo estratégico de poder: impor a toda a Europa da zona euro o seu modelo de política monetária e de crédito, o qual arrasta consigo necessariamente uma política orçamental (fiscal) igualmente dependente. Por esta via aparentemente multilateral e de respeito pelos tratados, mas na realidade de profundo nacionalismo, se desarticula o essencial do poder soberano de cada Estado dentro da União não em proveito do conjunto, nem das chamadas “soberanias partilhadas”, mas antes em claro benefício de uma das partes.
A questão que obviamente se põe é a de saber se, não obstante os êxitos iniciais desta política (e esta não seria a primeira vez que a Alemanha tem êxitos iniciais), ela poderá frutificar a médio-longo prazo. Dificilmente a Alemanha ganhará por esta via o que historicamente já perdeu por outras….
sexta-feira, 9 de abril de 2010
O "MENSALÃO" E AS COLIGAÇÕES À NOSSA MODA
A CORRUPÇÃO SEM HIPOCRISIA E A DEFESA DO "INTERESSE NACIONAL"
Em 2005, no decurso das investigações levadas a cabo por uma comissão parlamentar de inquérito (a CPI dos Correios) rebentou no Brasil o escândalo do “mensalão”. O PT ( o partido do Presidente) e os seus escassos aliados de então não tinham na Câmara dos Deputados votos suficientes para fazer passar as propostas do Executivo. Num sistema político como o brasileiro, sem obediência partidária e de grande liberdade de actuação individual dos eleitos, de pouco adiantaria a negociação de uma coligação entre as cúpulas partidárias, de resto também elas por vezes divididas, ou de um simples acordo de base parlamentar, se depois não houvesse os meios para assegurar a eficácia desses acordos no Congresso, principalmente na Câmara baixa.
Daí que a engenhosidade muito própria da política brasileira tenha encontrado um sucedâneo muito mais eficaz do que as coligações ou os acordos interpartidários, em princípio infalível, por ser do interesse das partes mantê-lo secreto e actuante. Consistia tal sucedâneo na compra dos votos necessários para assegurar a aprovação dos projectos submetidos à Câmara, mediante uma remuneração mensal aos deputados “coligados”.
Tudo corria bem e com muita fidelidade aos compromissos assumidos quando, no decurso da tal investigação parlamentar relativa aos correios, se veio a tomar conhecimento de que havia dinheiro de empresas públicas desviado para pagar “mensalidades” a deputados. De descoberta em descoberta veio a saber-se que aquelas “mensalidades” se destinavam a pagar a compra de votos e a conhecer-se a rede tentacular que em diversas empresas públicas angariava os fundos necessários para assegurar aquelas “recompensas”, tendo ficado sempre a suspeita de que alguém terá falado por falta de pagamento pontual dos montantes acordados.
Esta é uma “coligação” à brasileira. O fim, em si, não era reprovável. Os projectos do executivo, como os dois mandatos de Lula amplamente demonstram, justificavam-se por si. O chamado interesse geral, nomeadamente o interesse de muitos e muitos milhões secularmente descriminados, animava a maior parte deles. Os meios…bem os meios eram os menos onerosos que se poderiam inventar para alcançar fins tão respeitáveis.
Descobertos os meandros do “negócio” não havia mais hipótese de o manter. Os autores da ideia, os seus executores e os deputados “coligados” foram punidos política e criminalmente. Não todos, apenas alguns. E por aqui se ficou.
Nas coligações à nossa moda tudo se passa de forma muito diferente. Em primeiro lugar, o que as determina é o “interesse nacional”. O “interesse nacional” está tão sacralizado para os nossos políticos que eles até são capazes de se entender em homenagem a esse mesmo interesse apesar de na véspera se terem insultado asperamente num debate televisivo.
É também o “interesse nacional” que determina a escolha das pastas pelo partido eleitoralmente mais fraco da coligação. É o “interesse nacional” que leva esse partido a pedir as pastas onde haja em vias de concretização relevantes negócios para a “salus populi” ou onde haja um orçamento bem nutrido ou por onde passem os negócios de empresas indispensáveis à salvaguarda do “interesse nacional”.
Depois, a coligação passa e fica um rasto de casinos, sobreiros, submarinos… e o mais que a gente não sabe…
Mas eles continuam cá, preparados para voltar a defender o “interesse nacional”.
Em 2005, no decurso das investigações levadas a cabo por uma comissão parlamentar de inquérito (a CPI dos Correios) rebentou no Brasil o escândalo do “mensalão”. O PT ( o partido do Presidente) e os seus escassos aliados de então não tinham na Câmara dos Deputados votos suficientes para fazer passar as propostas do Executivo. Num sistema político como o brasileiro, sem obediência partidária e de grande liberdade de actuação individual dos eleitos, de pouco adiantaria a negociação de uma coligação entre as cúpulas partidárias, de resto também elas por vezes divididas, ou de um simples acordo de base parlamentar, se depois não houvesse os meios para assegurar a eficácia desses acordos no Congresso, principalmente na Câmara baixa.
Daí que a engenhosidade muito própria da política brasileira tenha encontrado um sucedâneo muito mais eficaz do que as coligações ou os acordos interpartidários, em princípio infalível, por ser do interesse das partes mantê-lo secreto e actuante. Consistia tal sucedâneo na compra dos votos necessários para assegurar a aprovação dos projectos submetidos à Câmara, mediante uma remuneração mensal aos deputados “coligados”.
Tudo corria bem e com muita fidelidade aos compromissos assumidos quando, no decurso da tal investigação parlamentar relativa aos correios, se veio a tomar conhecimento de que havia dinheiro de empresas públicas desviado para pagar “mensalidades” a deputados. De descoberta em descoberta veio a saber-se que aquelas “mensalidades” se destinavam a pagar a compra de votos e a conhecer-se a rede tentacular que em diversas empresas públicas angariava os fundos necessários para assegurar aquelas “recompensas”, tendo ficado sempre a suspeita de que alguém terá falado por falta de pagamento pontual dos montantes acordados.
Esta é uma “coligação” à brasileira. O fim, em si, não era reprovável. Os projectos do executivo, como os dois mandatos de Lula amplamente demonstram, justificavam-se por si. O chamado interesse geral, nomeadamente o interesse de muitos e muitos milhões secularmente descriminados, animava a maior parte deles. Os meios…bem os meios eram os menos onerosos que se poderiam inventar para alcançar fins tão respeitáveis.
Descobertos os meandros do “negócio” não havia mais hipótese de o manter. Os autores da ideia, os seus executores e os deputados “coligados” foram punidos política e criminalmente. Não todos, apenas alguns. E por aqui se ficou.
Nas coligações à nossa moda tudo se passa de forma muito diferente. Em primeiro lugar, o que as determina é o “interesse nacional”. O “interesse nacional” está tão sacralizado para os nossos políticos que eles até são capazes de se entender em homenagem a esse mesmo interesse apesar de na véspera se terem insultado asperamente num debate televisivo.
É também o “interesse nacional” que determina a escolha das pastas pelo partido eleitoralmente mais fraco da coligação. É o “interesse nacional” que leva esse partido a pedir as pastas onde haja em vias de concretização relevantes negócios para a “salus populi” ou onde haja um orçamento bem nutrido ou por onde passem os negócios de empresas indispensáveis à salvaguarda do “interesse nacional”.
Depois, a coligação passa e fica um rasto de casinos, sobreiros, submarinos… e o mais que a gente não sabe…
Mas eles continuam cá, preparados para voltar a defender o “interesse nacional”.
AEROPORTO DE LISBOA
A REALIDADE E A FICÇÃO
Este site que um amigo me enviou ajuda a perceber o movimento do aeroporto de Lisboa muito melhor do que qualquer conversa de especialistas. Apesar de o movimento ser escasso, quando comparado com o de uma qualquer capital da Europa ocidental e não obstante o dinheiro que tem sido e que continua a ser gasto na Portela, parece haver da parte de todos os poderes constituídos um certo consenso no sentido de as obras do novo aeroporto se iniciarem dentro de pouco tempo.
Já aqui comentámos o significado em termos económicos da privatização da ANA, bem como a irracionalidade (para o Estado) do modelo de financiamento do novo aeroporto que o Governo se prepara para pôr em prática.
Os argumentos que costumam ser avançados para justificar o investimento são conhecidos, mas não convencem ninguém. E quando as pessoas comuns não compreendem o que os “especialistas” tentam justificar, a culpa não é de quem não percebe o que ouve, mas de quem explica...
quarta-feira, 7 de abril de 2010
A CRISE GREGA PIORA A CADA DIA
COMEÇA A ESTAR À VISTA O QUE SE PRETENDE
A cada dia que passa os juros vão subindo para a Grécia. A intervenção do FMI, para já apenas técnica, agravou ainda mais a situação. A notícia - verdadeira ou falsa, pouco importa - de que o FMI iria impor condições ainda mais duras do que as da Comissão Europeia fez disparar os juros.
Como ninguém de bom senso poderá aceitar que o que se está a passar com a Grécia tenha por objectivo estabilizar as contas públicas e relançar o crescimento, terá de interpretar-se de outro modo a imposição alemã que faz depender a possibilidade de uma ajuda bilateral dos EM da fixação de taxas de juro em linha com as do mercado.
Se o recurso ao mercado não tem feito senão subir o juro e o simples recurso técnico ao FMI teve de imediato o mesmo resultado, parece evidente que a estratégia alemã tem em vista criar condições tão difíceis de comportar que levem a Grécia a abandonar o euro. Já que não pode ser expulsa, criam-se as condições para que saia pelo seu pé.
De facto, ninguém de boa-fé poderá defender o recurso a empréstimos concedidos nas condições do mercado, sabendo-se, como é o caso, que tais empréstimos, embora possam evitar momentaneamente uma cessação de pagamentos, não resolvem, antes agravam, a situação de fundo. Como também ninguém de boa-fé poderá defender que a Grécia deva ser seriamente penalizada pelo seu comportamento passado, sabendo-se que a dureza das sanções não têm qualquer efeito regenerador e apenas serve para tornar a crise grega a cada dia que passa ainda mais insolúvel.
Quem actuou relativamente aos bancos da forma que se conhece, ajudando-os gratuitamente a recuperarem de uma situação que eles próprios criaram, e actua em relação à Grécia com a dureza impostas pelo “diktat” alemão só pode ter em vista, quanto aos dois casos, efeitos diametralmente opostos. Enquanto em relação aos bancos se pretendia reintegrá-los no sistema deixando intocado todo o seu poderio, relativamente à Grécia pretende-se expulsá-la do sistema mediante a criação de condições sucessivamente mais incomportáveis dentro do sistema em que ela própria se insere.
Este pode não ser o objectivo das instituições comunitárias ou até da maioria dos EM, mas dificilmente poderá deixar de ser o da Alemanha e o de quem acriticamente aceita as suas imposições.
Se esta estratégia não for rapidamente revertida por acção dos que a ela se opõem, ela acabará por fazer o seu caminho e impor-se no curto prazo, apesar dos graves riscos que própria encerra para quem a pôs em prática.
segunda-feira, 5 de abril de 2010
SUBMARINOS E FREEPORT
O GRANDE RECEIO
As notícias que nos chegam sobre a compra de submarinos para a Armada portuguesa não são nada animadoras. À desnecessidade de tais vasos de guerra para um país como Portugal, junta-se a suspeita de graves irregularidades na sua aquisição. E as irregularidades são tantas e, ao que parece, abrangem tanta gente que, às suspeitas que já existem, junta-se uma outra muito mais grave: a suspeita de que o mais importante no negócio dos submarinos era mesmo comprá-los. Para que servem ou que vantagens lícitas poderiam estar associadas à sua compra parecem ser assuntos de somenos.
Depois do Freeport, que continua por deslindar, apesar das sucessivas datas já indicadas para terminar a investigação pela “inimitável Cândida Almeida”, junta-se agora a questão dos submarinos, assunto que ninguém do PS, CDS ou PSD parece estar interessado em trazer à tona.
Enfim, adensam-se as suspeitas sobre quem governa e as medidas de combate à corrupção, regularmente anunciadas por quem já foi ou é governo, assemelham-se cada vez mais a medidas destinadas a criar a ilusão de que algo vai mudar para que tudo possa continuar na mesma.
De facto, há também nesta matéria uma grande falta de credibilidade da parte da classe política dominante.
Vemos pessoas que já foram ministros por longos períodos de tempo – e até em contextos políticos muito diferentes - apresentar “pacotes” contra a corrupção, agora que estão cá fora, mas que quando estavam lá dentro nunca fizeram nada para a combater. Pelo contrário, até há quem as acuse de terem penalizado o “denunciante”em vez de terem perseguido os suspeitos. Falámos propositadamente em contextos políticos diferentes, porque a vivência de situações muito diversas ter-lhes ia permitido actuar com muita mais prontidão quando as condições se alteraram e a corrupção passou a ser uma prática corrente.
Vemos pessoas muito preocupadas com algumas irregularidades na atribuição do “rendimento social de inserção”, mas que fazem obstrução ao esclarecimento do que se passou com os submarinos. Isto para não falar da opacidade sobre a “regularidade” de atribuição de outros subsídios, nomeadamente a empresas.
Vemos compadrio, nepotismo, boys e super boys por todo o lado e ninguém faz nada. Ou quando alguém quer fazer, não deixam.
A corrupção como prática corrente da actividade administratativa do Estado está intimamente relacionada com o assalto de que a administração pública foi vítima pelos partidos do poder (PS, PSD E CDS). Desaparecida que foi a independência técnica da administração e transformada esta numa simples extensão partidária de quem governa estavam abertas as portas para todo o tipo de arbitrariedades. O dirigente, sendo da confiança política de quem governa, deixou de ter independência para defender o Estado contra os desvarios de quem governa e até o simples funcionário, que passou a ter a progressão na carreira intimamente relacionada com estar ou não estar nas boas graças de quem o dirige, foi perdendo a sua independência técnica para se transformar em mais um yes man do poder instituído.
Por outro lado, a administração indirecta do Estado, com excepção das universidades e de um ou outro institututo de natureza científica, transformou-se numa farsa do que deveria ser a sua verdadeira natureza, funcionando nela o poder de obediência hierárquica relativamente ao governo ainda com mais intensidade do que na administração directa.
É por todas estas razões que cada vez mais nos recordámos das palavras proferidas por João Semedo quando, aqui há uns meses, disse no Parlamento que actualmente a melhor maneira de assaltar um banco é administrá-lo. Fazendo a analogia entre as duas situações, nós começamos a recear que a melhor maneira de assaltar o Estado seja governá-lo!
Depois do Freeport, que continua por deslindar, apesar das sucessivas datas já indicadas para terminar a investigação pela “inimitável Cândida Almeida”, junta-se agora a questão dos submarinos, assunto que ninguém do PS, CDS ou PSD parece estar interessado em trazer à tona.
Enfim, adensam-se as suspeitas sobre quem governa e as medidas de combate à corrupção, regularmente anunciadas por quem já foi ou é governo, assemelham-se cada vez mais a medidas destinadas a criar a ilusão de que algo vai mudar para que tudo possa continuar na mesma.
De facto, há também nesta matéria uma grande falta de credibilidade da parte da classe política dominante.
Vemos pessoas que já foram ministros por longos períodos de tempo – e até em contextos políticos muito diferentes - apresentar “pacotes” contra a corrupção, agora que estão cá fora, mas que quando estavam lá dentro nunca fizeram nada para a combater. Pelo contrário, até há quem as acuse de terem penalizado o “denunciante”em vez de terem perseguido os suspeitos. Falámos propositadamente em contextos políticos diferentes, porque a vivência de situações muito diversas ter-lhes ia permitido actuar com muita mais prontidão quando as condições se alteraram e a corrupção passou a ser uma prática corrente.
Vemos pessoas muito preocupadas com algumas irregularidades na atribuição do “rendimento social de inserção”, mas que fazem obstrução ao esclarecimento do que se passou com os submarinos. Isto para não falar da opacidade sobre a “regularidade” de atribuição de outros subsídios, nomeadamente a empresas.
Vemos compadrio, nepotismo, boys e super boys por todo o lado e ninguém faz nada. Ou quando alguém quer fazer, não deixam.
A corrupção como prática corrente da actividade administratativa do Estado está intimamente relacionada com o assalto de que a administração pública foi vítima pelos partidos do poder (PS, PSD E CDS). Desaparecida que foi a independência técnica da administração e transformada esta numa simples extensão partidária de quem governa estavam abertas as portas para todo o tipo de arbitrariedades. O dirigente, sendo da confiança política de quem governa, deixou de ter independência para defender o Estado contra os desvarios de quem governa e até o simples funcionário, que passou a ter a progressão na carreira intimamente relacionada com estar ou não estar nas boas graças de quem o dirige, foi perdendo a sua independência técnica para se transformar em mais um yes man do poder instituído.
Por outro lado, a administração indirecta do Estado, com excepção das universidades e de um ou outro institututo de natureza científica, transformou-se numa farsa do que deveria ser a sua verdadeira natureza, funcionando nela o poder de obediência hierárquica relativamente ao governo ainda com mais intensidade do que na administração directa.
É por todas estas razões que cada vez mais nos recordámos das palavras proferidas por João Semedo quando, aqui há uns meses, disse no Parlamento que actualmente a melhor maneira de assaltar um banco é administrá-lo. Fazendo a analogia entre as duas situações, nós começamos a recear que a melhor maneira de assaltar o Estado seja governá-lo!