sexta-feira, 30 de novembro de 2012

"ELES" ESTÃO DE VOLTA



TEMOS DE OS PÔR NA RUA

Começa a ser fastidioso, às vezes quase penoso, escrever com regularidade sobre a situação política portuguesa. Há muito se sabia o que ia acontecer, apesar de raras vezes, em tudo quanto se conhece da intervenção nos países devedores das instituições internacionais representantes dos credores, ter havido da parte dos governantes daqueles países uma tão profunda sintonia com as exigências dos credores como aquela que se verifica em Portugal entre o Governo português e a Troika. Pode mesmo dizer-se que a experiência internacional decorrente da acção das Instituições de Bretton Woods, nomeadamente do FMI e agora, na Europa, além deste, do BCE e da Comissão Europeia, não regista nenhum caso, nem sequer no mais remoto e mísero país africano, de subserviência e de sintonia ideológica tão completa como a que a Passos e Gaspar, com a cumplicidade activa de Portas, têm dado provas ao longo deste quase ano e meio que já levam de governo.

Mas, em boa verdade, nem isto constituiu uma novidade. Apesar de Gaspar não ser conhecido do grande público, o que se foi ouvindo de Passos Coelho antes da eleição, nomeadamente a propósito da revisão constitucional, e principalmente o que foi sendo repetidamente dito pelos que em representação do PSD negociaram com a Troika o famigerado “Memorando de Entendimento”, deixava antecipar tudo o que depois tem sido concretizado e que na realidade só esperava um bom pretexto para poder ser posto em prática.

E aqui começa o primeiro grande equívoco daqueles que continuam a afirmar e a fazer a sua campanha de oposição com base na ideia de que o “Governo falhou e o Povo cumpriu”.

Em primeiro lugar, o Povo não cumpriu nem deixou de cumprir: o Povo foi obrigado a agir conformemente às directrizes do Governo, porque, detendo o Poder o monopólio exclusivo da força, ele pode assegurar com base na coacção ou na ameaça do seu exercício a eficácia das medidas adoptadas.

Por outro lado, o Governo não falhou: o Governo está a fazer e a alcançar gradualmente os objectivos que pretendia atingir.

Também já aqui foi dito vezes sem conta que o Governo promove o desemprego para deflacionar os salários e prossegue uma política altamente restritiva, com profundas consequências na limitação da procura interna, para levar à falência milhares de empresas, expurgando assim a "má oferta", exatamente para diminuir as importações e reduzir drasticamente o défice externo ou até eliminá-lo, com a vista a transferir os excedentes para os credores, nomeadamente externos.

Esta política, que representa uma mudança profunda de paradigma e tem a seu favor o facto de ter sido posta em prática em pouquíssimo tempo, com um grau de brutalidade sem paralelo em nenhum outro país no mundo, só pode eficazmente combater-se com base numa acção que, desmascarando-a e denunciando-a, aponte para caminhos completamente diferentes.

Todavia, para ficar completa, aquela política terá de ser acompanhada por reduções efectivas e vultuosas do défice orçamental, o que dada a situação depressionária da economia portuguesa só se conseguirá com cortes substanciais na despesa pública. E esse será o próximo passo do Governo, reduzindo drasticamente a despesa do Estado em dois planos: despedindo dezenas de milhares de funcionários públicos e diminuindo o montante das pensões de todos os aposentados bem como cortando substancialmente as despesas sociais (saúde, educação e prestações sociais).

Ora bem: isto não são medidas conjunturais e muito menos de duração limitada. São medidas definitivas tendentes a criar e a consolidar um quadro institucional, político, económico e social completamente diferente daquele que hoje temos e que está consagrado na Constituição.

Continuar a insistir na ideia de que o Governo falhou é, mais do que um equívoco, uma cumplicidade. A cumplicidade de quem acredita que será com base nestas políticas, aplicadas, aqui ou além, com outra moderação, que Portugal sairá da profunda crise em que se encontra.

A nossa resposta, a resposta do Povo português – e estamos certo que ela será dada muito brevemente – tem de consistir numa verdadeira alternativa ao que está sendo feito. E esta alternativa, por muito que se discuta ou até se afirme a sua inexistência, só poderá consistir num corte radical da despesa pública incidente sobre o serviço da dívida pública.

Esta tem de ser a nossa contribuição para nos mantermos no euro e na União Europeia. Uma contribuição que, embora possa ser negociada, tem de assegurar aquele resultado. Esperar ou ter fé em que a Europa mude, acreditar que será por força de pressões externas, nomeadamente americanas, mas também de países emergentes, que as mudanças vão ocorrer, ou admitir que haverá uma alteração da correlação de forças na Europa, ou, mais ingenuamente ainda, supor que depois das eleições alemãs estarão criadas as condições para se iniciar a mudança, é uma ilusão que se pagará muito caro e mergulhará o país num caminho sem regresso.

Todos estes factores, a existirem, poderão e deverão ser aproveitados negocialmente, sem, porém, nunca esquecer que a verdadeira alternativa é que admite, sem hesitações, “começar de novo” e escolher outros rumos. Rumos que certamente nos farão passar por alguns momentos difíceis, mas que nos permitirão num prazo razoável (e suportável) recuperar a nossa independência, a nossa dignidade e o nosso bem-estar.  

Para terminar, os mais velhos que viveram o Portugal salazarista e aqueles que, sendo mais novos, o estudaram ou dele têm conhecimento por tradição familiar, não terão grande dificuldade em compreender que, embora num contexto politicamente muito diferente, há na actual situação política portuguesa sintomas que perigosamente a aproximam do país pobrezinho e coitadinho, iletrado e sem saúde, da miséria digna, de onde a muito custo saímos numa vitória não consolidada.

Aliás, não deixa de ser sintomático que certos episódios tenham ocorrido agora, neste tempo, e nunca verdadeiramente tivessem ocorrido antes por maior que então parecesse o domínio da direita.

Basta citar, a título de exemplo as declarações da “tia Jonet” e a “homilias” de Marcelo Rebelo de Sousa ao domingo à noite. Não obstante a senhora se dedicar àquele tipo de actividades há cerca de vinte anos e de Marcelo fazer comentário político, sempre muito interventivamente, desde o 25 de Abril, nunca, nem um nem outro, se sentiram tão soltos, tão á vontade, para deixar vir ao de cima tudo o que realmente são como actualmente. Porque, obviamente, tanto um como outro perceberam ou acreditaram que haverá uma “maré nova” que os aproxima do passado…

 

(Este post é a minha homenagem ao Zé Rui Faria de Abreu, na esperança, sempre falível, de que gostaria de o ter lido).

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

OPERAÇÃO OUTONO


 
UM CRIME QUE FICOU IMPUNE

 

Baseado no livro “Humberto Delgado – Biografia do General Sem Medo”, da autoria de Frederico Delgado Rosa, Bruno Almeida realizou um filme sobre o assassínio de Delgado pelo regime salazarista, que para o efeito se serviu da mão criminosa da PIDE.

Esta nota não tem por objectivo fazer a crítica do filme, mas tão-somente evidenciar aquilo que logo em 1981 – data do julgamento – parecia óbvio. O General Sem Medo era uma personalidade tão incómoda que mesmo depois de morto continuava a incomodar. Convinha, por isso, pôr uma predra sobre o "Caso Delgado" o mais  rapidamente possível  e encerrá-lo de uma vez por todas com uma “decisão politicamente correcta”, como hoje se diria ou, como os juristas costumam dizer, de acordo com a “verdade processual” judiciosamente trabalhada.

Embora desde o desaparecimento de Humberto Delgado, em Fevereiro de 1965, não houvesse grandes dúvidas por parte da generalidade da oposição de que o General tinha sido preso ou assassinado pela PIDE com a prévia anuência de quem mandava na polícia, foi preciso esperar um pouco mais de dois meses para se ter a confirmação de que Delgado tinha sido assassinado e depois esperar muito mais tempo, até Abril de 2008, para se ficar a saber, praticamente com todos os pormenores, como tudo se passou.    

Esse trabalho deve-se a Frederico Delgado Rosa, neto do General e historiador. Numa excelente biografia de mais de 1200 páginas, relata, na base de aturadíssimo trabalho de investigação, em pouco mais de cem páginas, os últimos dias do General, o crime praticado pela PIDE, as consequências políticas do assassinato e o julgamento -  capítulos 23, 24 e 25 - “Exílio na Argélia”, a “Cilada de Badajoz” e o “Caso Delgado”.

A morte de Delgado é uma vingança torpe e covarde de Salazar, humilhado, tal como a PIDE, pela imprevisibilidade da sua acção política e pelo ridículo a que frequentemente os sujeitou.

O julgamento em tribunal militar do “caso Delgado”, ocorrido já em liberdade, foi uma farsa. Numa farsa em que, infelizmente, muita gente colaborou, embora não necessariamente com os mesmos propósitos ou objectivos. Apesar de o “Caso Delgado” continuar bem presente nos meios anti-fascistas, a verdade é que à época do julgamento as forças democráticas genuinamente interessadas num julgamento sério já não tinham, no plano da opinião pública, a força suficiente para impor um julgamento conforme à verdade material.

 Apesar dos esforços do Promotor de Justiça, coronel Casimiro Dias Morgado, o tribunal acabou por adoptar a tese que mais convinha ao salazarismo e à Pide, o mesmo é dizer à direita, que, depois de ter recuperado a iniciativa com o 25 de Novembro e ter passado a ser eleitoralmente maioritária com a Aliança Democrática, não estava nada interessada na constatação judicial de factos que pusessem a nu a natureza criminosa do regime do qual sob múltiplos aspectos havia sido cúmplice nem em criar mais um facto eventualmente polarizador dos que antes do 25 de Abril se bateram pela democracia. Por outro lado, sectores reaccionários das Forças Armadas entretanto recuperados, igualmente com múltiplas cumplicidades com o regime deposto, nomeadamente com o seu aparelho repressivo, acabaram por servir na perfeição aquele desígnio.

E foi assim que o tribunal acabou por impor a tese segundo a qual Casimiro Monteiro, contra o pano estabelecido, matou Delgado num impulso criminoso como reacção à impulsividade do General ao aperceber-se de que o “encontro de Badajoz” não passava de uma cilada. Ou seja: o tribunal concluiu exactamente ao contrário do que se passou. Delgado tentou reagir quando se apercebeu dos propósitos homicidas dos algozes da PIDE.

Com a “versão judicial” se inocentou (politicamente) Salazar e criminalmente Silva Pais, Barbieri Cardoso, Álvaro Pereira de Carvalho, Rosa Casaco, Tienza e Ernesto Lopes Ramos. Só o facínora Casimiro Monteiro, já a bom recato na África do Sul, foi condenado pelo homicídio.

Como na altura disse Manuel Geraldo, o julgamento de Santa Clara foi A Segunda Morte de Humberto Delgado!

Uma Revolução que, em tempo oportuno, não foi capaz de condenar um crime com a importância política  do assassínio de Humberto Delgado, responsabilizando todos os seus autores morais e materiais, era inevitavelmente uma revolução condenada ao fracasso.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

MELO ANTUNES


UMA BIOGRAFIA POLÍTICA
 

Foi hoje ao fim da tarde apresentada na Gulbenkian, a biografia de Melo Antunes – Melo Antunes - Uma Biografia Política – da autoria da jovem, mas já consagrada historiadora do 25 de Abril e do MFA, Maria Inácia Rezola.
 
Tereza Patrício Gouveia leu em nome do Presidente da Fundação Gulbenkian um pequeno texto evocativo do biografado. Joana Melo Antunes falou do Pai com comovente simpatia e agradeceu em nome da família a obra que ajudará a perpetuar o papel de Melo Antunes na Revolução dos Cravos. António Reis sintetizou numa cuidada e bem elaborada intervenção o roteiro da biografia e a personalidade política do biografado. Vasco Vieira de Almeida, numa intervenção brilhante, analisou as raízes do pensamento político e da formação intelectual de Melo Antunes percorrendo os grandes princípios do marxismo libertário tanto na sua génese como no seu posterior desenvolvimento e aprofundamento gramsciano. Vasco Lourenço, tendo por referência o processo de destruição em curso das bases democráticas do regime fundado na sequência do 25 de Abril, evocou o amigo, o companheiro de armas e o camarada de acção política, não deixando implicitamente de lamentar em tom auto-crítico não ter sabido o MFA impor-se com mais firmeza como presença incontornável no devir do regime. Finalmente, Ramalho Eanes lembrou que nestes “tempos dramáticos o país deve inspirar-se nos seus maiores”, como é o caso de Melo Antunes, a quem atribuiu a paternidade da democracia em Portugal. 
 
Na História tão frequentemente mal contada e deturpada do 25 de Abril, Melo Antunes ocupa, para o bem e para o mal, um lugar incontornável nos acontecimentos capitais do processo revolucionário, desde o contributo decisivo para a textura ideológica do Movimento dos Capitães na fase conspirativa, passando pelos diversos governos provisórios, a descolonização e os movimentos de massas que fizeram avançar a Revolução e simultaneamente diminuir perigosamente a sua base de apoio, até à rotura que levou à fragmentação do MFA, por irredutibilidade das partes em confronto, e a alianças que se revelaram fatais para o desenvolvimento do próprio projecto político que Melo Antunes acalentava para Portugal.
 
De Melo Antunes ficará como marco inapagável da sua acção política a descolonização e a compreensão certeira do nacionalismo africano que em última instância animava os Movimentos de Libertação. Melo Antunes nunca se deixou enlear pelos antagonismos da Guerra Fria nem pela deturpada percepção que os representantes dos blocos em confronto iam tendo das múltiplas vicissitudes ligadas ao processo de descolonização. A descolonização foi a que tinha de ser e ela, para o ser, tinha (e tem) de ser acima de tudo obra do descolonizado. Melo Antunes compreendeu isto como ninguém: à simpatia intelectual pelos movimentos terceiro-mundistas, juntava três comissões militares em África no curto espaço de uma dezena de anos. O seu humanismo fez o resto.
 
Da luta pelo projecto democrático em Portugal, ficará a impossível combinação da democracia participativa de raiz amplamente popular com as degenerescências inevitáveis da democracia representativa. Ai, Melo Antunes falhou. Mas quem conseguirá romper a “quadratura do círculo”?

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

O “NÚMERO” DO FMI





LUTANDO, VENCEREMOS!
 
 
Ninguém pode acalentar ilusões com base nas declarações de algum responsável do FMI ou mesmo nalgum relatório aparentemente crítico sobre as políticas que vem sendo seguidas na zona euro.
O FMI já fez alguns destes “números” na década de oitenta e, principalmente, na de noventa do século passado. Sempre que a pressão externa aumentava muito, relativamente ao que eles andavam a fazer em África e mais tarde na Ásia e na América Latina, lá vinha esta espécie de mea culpa para atenuar a contestação e depois, passada a fase crítica da contestação em grande escala, continuava tudo mais ou menos na mesma.
Há coisas que toda a gente deve saber e uma delas é esta: quem manda no FMI é o Tesouro americano e quem manda no Tesouro americano é Wall Street. Portanto, se o Seguro e o João Almeida querem saber se o FMI vai mudar de política que perguntem ao capital financeiro.
Pela nossa parte o que temos de continuar a fazer é a lutar contra isto, certos de que aqueles que no passado já venceram batalhas semelhantes, as venceram apesar do FMI.
Avizinham-se grandes dias de luta que começam já amanhã. Temos que lhes dar continuação na segunda e na quarta-feira.
Lutando, venceremos!

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O EMBAIXADOR DE ISRAEL



QUEM ASSUME A CULPA?

 

Vai uma grande comoção no MNE por o Embaixador de Israel, numa sessão relacionada com o Holocausto, ter dito publicamente que Portugal foi o único país que colocou a sua bandeira a meia haste quando soube da morte de Hitler. E concluiu: “ É uma nódoa que para nós, judeus, vai aparecer sempre associada ao nome de Portugal”.

Paulo Portas, sentindo ultrajada a honra do país, chamou o Embaixador às Necessidades e, segundo o sempre bem informado Carlos Albino, pregou-lhe um valente raspanete.

Já antes, no Público, Pedro Lomba se tinha insurgido por o Embaixador ter mentido. Portugal não foi o único a colocar a bandeira a meia-haste. Teve a companhia da Santa Sé (Papa Pio XII), da Suíça e da Suécia! Não há nada como a fidelidade histórica. Mas não apenas: para Lomba esse era o comportamento adequado de qualquer Estado neutral. Salazar cumpriu o protocolo.

Que Portas e Lomba naveguem nas mesmas águas, embora pretextando viagens diferentes, a gente compreende. O que todos temos mais dificuldade em compreender é por que razão os alemães continuam a expiar os crimes cometidos pelos nazis, numa espécie de culpa colectiva, transgeracional, e os outros povos que igualmente praticaram horrores, ou que institucionalmente simpatizaram com os assassinos ou os homenagearam, devem ser individualmente culpados ou até desculpados.

Isto é que é mais difícil de perceber. Vichy, que Salazar tanto admirava, a ponto de para lá ter mandado um dos seus fiéis como Embaixador, Caeiro da Mata, durante anos e anos foi apenas acusada de “colaboracionismo”, quando o que na realidade se passou foi um “proselitismo” muito semelhante aos dos nazis. Foi preciso que Jacques Chirac chegasse ao poder para que a culpa da França pelo que se passou durante a Ocupação e, principalmente por Vichy, fosse assumida sem rodeios.

E do massacre de 1506, da matança da Pascoa, no Rossio, que nos dirão Portas e Lomba? Ainda hoje causa arrepios a leitura da crónica de Damião de Góis. É certo que o Rei, D. Manuel, fez alguma coisa …depois. Aliás, estava no Alentejo. Mas o mal estava feito. Como é possível tanto ódio e tanta selvageria? Esta uma nódoa bem maior, incomensuravelmente maior, do que a Salazar deixou na História de Portugal pelas suas simpatias pelo fascismo italiano e pela Alemanha hitleriana como principal baluarte contra o “perigo vermelho”. Até Churchill ele criticou pelo discurso proferido no dia seguinte ao da invasão da URSS.

O Embaixador falava do holocausto e da recuperação da casa de Aristides Sousa Mendes. Durante décadas (e não apenas durante a Ditadura) Sousa Mendes foi uma personalidade mal vista no MNE. Eram-lhe imputados múltiplos defeitos e graves falhas de serviço. Aliás, no processo disciplinar que lhe foi instaurado, foram os “bufos” de Salazar no MNE, todos diplomatas, que, pelos seus depoimentos, verdadeiramente o condenaram.

O tempo foi passando, a tradição oral no MNE sobre o comportamento de Sousa Mendes foi-se esbatendo, gradualmente foi prevalecendo a opinião corrente no país democrático e hoje ele é um herói, até no MNE. E é. Nem interessa saber se foram trinta mil os vistos que passou ou se foram muito menos. O que importa é que ele passou tantos vistos quantos os que humanamente podia passar, em poucos dias, e continuou a passá-los, em Hendaia, já depois de Salazar ter mandado encerrar o consulado de Bordéus. E se nem todos puderam aproveitar dos salvo-condutos passados, Portugal deve essa a desonra a Salazar e ao Embaixador Teotónio Pereira que, pressuroso, correu para Irun, para comunicar à Guardia Civil que não deveria aceitar os vistos passado depois de 24 de Junho de 1940.

Conclusão: a culpa, ou se preferirem, a vergonha, o opróbrio, têm de ser assumidos colectivamente pelo povo descendente dos que praticaram os feitos ignominiosos do mesmo modo que são assumidos com orgulho os feitos heroicos. E é por isso que o povo de Israel por muito que tenha sofrido no passado vai ter futuramente que suportar a culpa e a vergonha pelo modo infame como trata os palestinianos!

 

terça-feira, 6 de novembro de 2012

OS PORTUGUESES NÃO PODEM SER ENGANADOS



OS PORTUGUESES TÊM DE PRONUNCIAR-SE SOBRE OS CORTES NA DESPESA

Tudo começa com a ambígua, propositadamente ambígua, declaração de Passos Coelho sobre a “Refundação do memorando da Troika” e o subsequente convite ao PS para o acompanhar na concretização dessa tarefa. Ambígua e desonesta porque logo se percebeu que o convite nada tinha a ver, como ingenuamente alguns poderiam supor, com uma acção partidária conjunta destinada a negociar uma atenuação das condições draconianas impostas aos portugueses por aquele Memorando, mas, bem pelo contrário, visava aliciar o PS para uma alteração radical do modelo de sociedade consagrado na Constituição.

Para que não houvesse dúvidas, dias mais tarde, Marques Mendes num programa partidário de propaganda e intoxicação política, que a TVI 24 semanalmente lhe concede, veio tornar público que o Governo tinha recorrido à “assessoria técnica” do FMI para o ajudar a cortar cerca de 850 milhões de euros na Defesa e na segurança interna, mais três mil e quinhentos milhões de euros nas despesas sociais do Estado.

Perante estes factos nenhuma dúvida pode existir sobre as reais intenções do Governo. O Governo quer reduzir drasticamente a despesa na Educação, na Saúde e na Segurança Social, descaracterizando assim o modelo de Estado Social consagrado na Constituição, mediante o ataque ao princípio da universalidade e simultaneamente garantir que não falte aos credores o pagamento integral dos juros usurários que incomportavelmente sobrecarregam a despesa, a ponto de este ano já representarem uma das verbas mais onerosas inscritas no Orçamento.

Este corte brutal na despesa, porventura insuficiente para os fins em vista dadas as mais que óbvias consequências resultantes da execução do Orçamento de 2013, a verificar-se, não constituirá uma simples mudança de política, comportada pelo texto constitucional, mas antes uma verdadeira alteração do paradigma constitucional.

Assim sendo, e não há infelizmente qualquer espécie de dúvidas sobre isto (o Primeiro Ministro até já disse que não adianta a Constituição consagrar direitos se o Estado não tiver dinheiro para os fazer respeitar), a primeira conclusão que em democracia se impõe tirar é a de que alteração do paradigma constitucional exige uma revisão constitucional. E uma revisão constitucional desta envergadura, e com estas consequências, só pode ter lugar depois da realização de eleições na disputa das quais esta e todas demais questões com ela conexas sejam abertamente discutidas.

O mais normal, em regime democrático, nomeadamente num regime constitucional como o nosso, semi-presidencialista de base parlamentar, seria o Presidente da República impor as regras do jogo decorrentes da Constituição. Acontece que o Presidente da República está refugiado, ausente, em Belém, sendo convicção generalizada dos portugueses que ele lhes virou as costas num momento em que mais necessitavam de uma voz que os defendesse e que, acima de tudo, os não deixasse enganar. Seja por incapacidade temporária ou definitiva, como alvitra José Vítor Malheiros, seja por receio de exposição pública em virtude de a identidade ideológica com o Governo o obrigar, tal como este, a refugiar-se longe das vistas do povo, a verdade é que com o Presidente não se pode contar, se é que o seu silêncio não visa exactamente deixar passar o tempo na esperança de que a proposta do Governo, apoiada por uma poderosa campanha de desinformação, acabe por ficar aparentemente consensualizada.

Acontece que não será um simples debate público, sistematicamente enviesado pela reserva mental do Governo, que vai legitimar a tomada de uma decisão sobre o tema que está em discussão, por maior que fosse – e não é – o apoio que ele pudesse merecer no plano estritamente político-partidário.

O povo português tem de ser consultado. O povo português tem de ser devidamente esclarecido para poder decidir livremente.

Não passa de uma vigarice a afirmação posta a circular pelo Governo e propagandeada pelos seus habituais defensores (Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Mendes e outros comentadores da mesma linha) de que os cortes na despesa que "estão sendo estudados" em colaboração com o FMI não precisam de qualquer revisão constitucional. Precisam: a alteração substancial das funções do Estado, tal como estão consagradas na Constituição, não pode ser posta em prática sem revisão constitucional, sob pena de inconstitucionalidade.

Aliás, o programa que o Governo pretende pôr em prática tem em vista, como tantas vezes aqui se tem dito, “refundar radicalmente o modelo sócio-económico português”. O desemprego e as falências, embora sejam consequência das políticas recessivas que o Governo tão esmeradamente tem posto em prática, são mais do que isso: são objectivos intencionalmente procurados com vista à substituição do modelo económico existente. O Governo quer acabar, quer destruir, a maior parte da oferta interna, mediante a limitação drástica da procura (desemprego, corte nos salários e nas pensões, aumento de impostos), por entender que ela absorve recursos que poderiam ser mais vantajosamente orientados para a actividade exportadora ou por entender que essa oferta representa um peso desnecessário no agravamento do défice externo do país. Neste contexto, a substancial redução da despesa nas funções sociais do Estado traduzir-se-ia, na estratégia do Governo, num passo irreversível com vista ao posterior desmantelamento do Estado Social. E é por esta ser a política do Governo que este não está disponível para qualquer negociação séria com a Troika e muito menos disposto, no seio da União Europeia, a fazer frente comum com outros Estados intervencionados ou com dificuldades semelhantes com vista à superação dos constrangimentos existentes. O Governo quer que as coisas com a Troika fiquem como estão, porque só ficando como estão terá o Governo possibilidade de pôr em prática o seu programa em toda a sua amplitude.

O Governo e os seus defensores na ausência de outros argumentos apresentam como razão decisiva para o prosseguimento do caminho que tem vindo a trilhar a ausência de alternativa. Acontece que há alternativa, embora, tem de reconhecer-se, nem todas propostas que têm sido apresentadas por contraposição ao caminho defendido pelo Governo representem verdadeiras alternativas.

Falando claro: todas as propostas que pressuponham uma outra política monetária deparam-se com um obstáculo intransponível – o de o proponente não poder garantir a sua viabilização. De facto, a reestruturação da dívida ou a “reapreciação” dos juros e dos prazos da dívida bem como a obtenção de financiamentos a preços consideravelmente mais baixos representam alterações políticas de monta que pressupõem, no seio da união monetária, a concordância dos respectivos Estados, nomeadamente da Alemanha. E é improvável que isso aconteça.

Assim sendo, a verdadeira alternativa somente poderá ser aquela cuja implementação dependa em grande medida da vontade nacional, sem com isto se escamotear a interdependência que hoje existe entre os vários Estados.

Veremos o que dentro de pouco tempo vai suceder aos gregos e aprendamos com eles pelo menos isto: não devemos deixar chegar o país ao estado em que a Grécia se encontra. E tenhamos presente que é a isso que necessariamente leva a ausência de uma real alternativa.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

GOVERNO NÃO TEM LEGITIMIDADE PARA ALTERAR AS FUNÇÕES DO ESTADO

TEM DE HAVER ELEIÇÕES

A legitimidade em democracia representativa tem limites, apesar da natureza do mandato. O mandato do deputado, embora não seja imperativo (e é pena que não seja), também não é absolutamente incondicionado.
O Governo não pode alterar as funções essenciais do Estado pelo ínvio caminho do corte nas despesas. O que o Governo se prepara para fazer, agravado pela colaboração de entidades estrangeiras, essas completamente deslegitimadas, representa uma perda de legitimidade, além de constituir também uma violação da Constituição.
O garante máximo da Constituição – o Presidente da República que jurou cumprir e fazer cumprir a Constituição – tem de actuar, dissovendo o Parlamento e marcando eleições. Se nada fizer torna-se cúmplice da actuação do Governo e comete um acto de traição.
Se houver traição nas mais altas esferas do Estado, tem a palavra o POVO soberano.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

AINDA O "COMPROMISSO HISTÓRICO" DE ASSIS


 

MENOS DESPESA E MENOS IMPOSTOS

 

Já aqui falámos por duas vezes do “compromisso histórico” de Francisco Assis e não tivemos grandes dúvidas em concluir, de ambas as vezes, que a proposta de Assis aponta para um “bloco central refundado” entre o PS (com o protesto de alguns) e um PSD onde caiba tudo que não seja Passos Coelho e seus parceiros, realidade nada difícil de conceber já que no “partido laranja” as forças se polarizam muito mais à volta de nomes do que de ideias. Portanto, o PSD do “compromisso histórico” seria o PSD que existe com excepção daqueles que agora mais se expuseram na aventura neoliberal radical ainda em curso. A este conjunto juntar-se-ia seguramente um CDS “responsável” – o discurso de ontem de Paulo Portas é disso um bom indício - mais uma ou duas personalidades “independentes”, que já tivessem dado provas de fidelidade aos ditames partidários “responsáveis” e não fizessem correr o risco aos partidos do novo governo de com eles se incompatibilizar.

Por que é que isto não pode ser feito agora, tal como Passos Coelho propõe? Obviamente porque a dupla Gaspar-Coelho já está com os pés para a cova não fazendo qualquer sentido que o PS “comprometa” uma futura, e pelos vistos breve, chegada ao poder para salvar um exercício que já não tem qualquer possibilidade de se manter sequer apoiado nas suas próprias forças.

Segundo Assis, o PS até poderia ter tido outra atitude, se Passos tivesse falado mais cedo – aí há quatro ou cinco meses. Agora, não. É uma explicação convincente, do género: “Tinhas razão, mas como falaste alto, perdeste-a…”.

Ora bem, postas as coisas nestes termos, em que consistiria o tal “compromisso histórico” por que tanto anseiam importantes sectores do PS? A resposta não pode deixar de andar à volta de uma variante da actual política para que apontam certas forças político-económicas que se estão dando conta da catástrofe em que estão a cair certos países europeus e que por arrastamento se pode estender a vários outros. Dela demos notícia no post: “Medidas de crescimento”.

Recapitulando, Passos Coelho (Gaspar) depois de ter dado prioridade à redução do défice externo, em 2011, 2012 e 2013, com base nas medidas que se conhecem e que tiveram os efeitos que todos estamos a viver, quer agora reduzir o défice fiscal (orçamental) mediante uma brutal redução da despesa pública na Saúde, na Educação e na Segurança Social, objectivo para cuja consecução “convocou” o PS na base da já tão glosada “Refundação do programa da Troika”.

Pelas razões já referidas o PS diz não. E o que propõe em troca? Segundo Assis, um novo governo constituído após eleições com a composição acima indicada e com o seguinte programa: cortes substanciais na despesa, no quadro de uma estratégia de promoção da competitividade, e abaixamento da carga fiscal. Ou seja, é um programa exactamente idêntico ao que o FMI e outras organizações económicas internacionais foram há dias “vender” a Hollande e a Merkel.

Tudo isto já foi experimentado na América por Reagan e W. Bush com resultados que não serão necessariamente tão destrutivos como os que agora estão a produzir-se, mas que levariam inevitavelmente à “refundação” do Estado Social, pela razão simples de que as margens de recuperação económica que porventura houvesse continuariam a ser totalmente “consumidas” pelos encargos da dívida pública que cresceu exponencialmente na governação Passos Coelho, na sequência, aliás, do que já vinha acontecendo, embora em menor escala, desde finais de 2007.

Este “compromisso histórico” que para muitos corresponderia a uma evolução natural das políticas que o PS pôs em prática durante os seus mandatos de Governo, não representando, portanto, compromisso nenhum, também não constituiria para o PSD, sem Passos, algo que sequer o violentasse já que o seu pragmatismo político sofre muito mais com as receitas de Gaspar do que com as propostas de Assis.

Enfim, o que Assis teima em não querer ver é que, dentro do euro, qualquer política que não ataque radicalmente a “questão da dívida” é uma política votada ao fracasso, ao sacrifício, ao atraso e, pior que tudo, à perda de um tempo precioso que entretanto poderia ter sido gasto caminhando noutro sentido.

Historicamente a problemática da dívida é uma questão complexa que não tem solução simples. Já vários países passaram por situações semelhantes em diferentes épocas históricas, nós inclusive, mas o que historicamente nunca tinha havido era uma situação de excessivo endividamento contraído no quadro de uma união monetária constituída por países teoricamente independentes, ou mais correctamente: com economias separadas – tantas quantos os membros dessa união.

Esta é uma situação nova. Uma situação em que os endividados ficam completamente nas mãos dos credores e dos países economicamente mais fortes que os representam, tanto no que respeita às suas relações económicas externas como internas. Qualquer tentativa de atenuação da situação dos devedores, no quadro da União Monetária, concebida a partir de uma estratégia nacional esbarra fatalmente na ausência de soberania monetária e dos múltiplos instrumentos que a ela estão ligados. De modo que neste contexto a solução só seria possível se contasse com a excepcional boa vontade dos credores ou com a sua profunda racionalidade. Como nem uma nem outra coisa existe, já que a racionalidade do capitalismo é a conjuntura, quando muito o curto prazo, nunca as consequências a longo prazo, porque nessa dimensão o capitalismo, embora por razões opostas, entende como Keynes que a “longo prazo estamos todos mortos”. E como boa vontade é coisa que nestas matérias ninguém tem, a única solução é a que, partindo dos constrangimentos impostos pelos pressupostos que nos enleiam, ataque esses mesmos pressupostos, rompendo com eles. Enquanto eles se mantiverem, a crise da dívida não só não tem solução como afundará irremediavelmente o país, seja com Passos Coelho seja com o “compromisso histórico” de Assis.