sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

A PROPÓSITO DA VENEZUELA




A EXPLICAÇÃO QUE SE IMPÕE

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Nunca tive uma especial simpatia pelo “Chavismo” quer na sua versão original, quer na actual. Do mesmo modo que nunca me revi, como apoiante convencido e empenhado, nas políticas de outros governos progressistas da América Latina que chegaram ao poder por via eleitoral, nos últimos anos do século passado e na primeira década deste século, depois da queda das ditaduras militares e das primeiras experiências neoliberais no continente.

Sem nunca perder de vista a natureza excepcional do continente americano, no contexto dos povos deste planeta, diferente dos demais, por o exercício do poder, nas suas múltiplas vertentes, continuar tributário de três fases inapagáveis do respectivo processo histórico – Conquista, Extermínio e Escravatura, em que o colonialismo, que nada teve a ver com o colonialismo europeu em África ou na Ásia e menos ainda com o colonialismo clássico, desempenhou um papel secundário, salvo na criação e radicação das oligarquias de origem europeia e sua posterior consolidação - teria sempre de aceitar que aquelas experiências, embora muito limitadas nos seus objectivos e meios, representavam um progresso relativamente à situação anterior por visarem dar alguma consistência prática a direitos antes reconhecidos, mas sempre sem conteúdo efectivo, a centenas de milhões de deserdados, herdeiros directos e indirectos daquelas três fases acima assinaladas.

A via escolhida em toda a parte, ou quase, por esses governos progressistas foi a de uma aliança com sectores das oligarquias, em alguns países sem outro critério que não o do seu peso eleitoral, sem qualquer preocupação de natureza ideológica, como foi o caso do Brasil, e a implementação de uma política fundamentalmente assente na subsidiação dos estratos populacionais mais carenciados ou mesmo miseráveis. É certo que, simultaneamente, houve importantes investimentos no ensino, na saúde e na segurança social com vista a dar alguma consistência prática a direitos teoricamente reconhecidos. O poder económico, porém, continuou intangível com a mesma estrutura de sempre.

Dai resultou que os progressos alcançados nestas sociedades que se mantinham, no essencial, duais, desde sempre se revelaram muito frágeis e pouco consistentes já que bastaria uma mudança do ciclo político-económico para que a maior parte destas conquistas se perdesse ou a sua consistência ficasse exclusivamente dependente do ciclo económico-financeiro, agravado no caso dos países latino-americanos por todos eles continuarem muito dependentes do mercado internacional.

A isto, que já não era pouco, junta-se a prática de comportamentos reprováveis assimilados do exercício do poder pelas oligarquias, com a agravante de terem uma repercussão e consequências políticas incomparavelmente muito mais graves quando praticados pelos novos dirigentes do que pelas velhas oligarquias por nestas serem habituais esse tipo de comportamentos e ninguém delas esperar outra coisa.

Os teorizadores desta via, por mais brilhantes que sejam ou fossem – e alguns gozam na AL de um prestígio extraordinário –, parece terem acreditado que estava aberto um novo caminho para a libertação dos povos da América Latina, menosprezando a lição da História, tanto a resultante do que já se passou nesse mesmo continente noutras fracassadas tentativas, como a que decorre do que aconteceu na Europa, na Ásia e até em África, em tempos diferentes, mas sempre com o mesmo sinal. Apesar de nenhum destes continentes ter por herança a sucessão de fases idênticas às acima assinaladas, que representam, repito, uma desvantagem única e irrepetível, mesmo assim a conquista da cidadania efectiva, aqui ou ali mais ou menos amputada pela ausência de poder económico, só se alcançou com lutas violentas e implacáveis sem as quais nenhum poder estabelecido reconhece ou permite o exercício de direitos por aqueles que os não têm. Não foi com “paz e amor” que as classes possidentes se viram obrigadas a repartir o “bolo social” pelos demais sectores da sociedade. Foi com lutas, por vezes terríveis, que se legou à posteridade a situação que, apesar de tudo, hoje existe. De facto, sem as grandes revoluções político-sociais que tiveram lugar na Europa, culminando lutas centenárias, mas também na Ásia e em África, aqui mais sob a forma de lutas anticoloniais e antiapartheid, que tiveram uma incidência decisiva sobre a estrutura económica das classes derrotadas, e cujos efeitos, apesar de esbatidos pela contra revolução neoliberal, se fazem sentir até hoje, nada teria mudado como efectivamente mudou.

Assim, apesar de se saber que aquela via estava condenada ao fracasso, maior ou menor, mais ou menos implacável, impossível seria que quem apoia as lutas pela emancipação do homem não a apoiasse a via progressista ensaiada na AL nos últimos anos quando atacada pelas classes possidentes oriundas das velhas oligarquias ou pelo imperialismo na sua campanha pelo domínio geoestratégico do planeta. Seria até incompreensível que os sectores progressistas assumissem uma posição de árbitro imparcial, dando razão a uns e outros, como se o que estivesse em causa fosse uma luta entre iguais.

Nesta fase da luta, mesmo que a probabilidade de êxito seja mínima, e talvez não seja, há que cerrar fileiras e apoiar os que, embora seguindo um caminho de êxito duvidoso, têm em vista um objectivo condigno, contra os que mais não pretendem do que perpetuar a dependência e a submissão. E mesmo os recuos que eventualmente tenham de fazer-se devem sempre assumir uma natureza táctica e ter em vista um objectivo oposto aos pretendidos pelo imperialismo e seus aliados.

Está à vista, em toda a América Latina, que bastou que o poder se consolidasse no capital financeiro em todo mundo capitalista, com o seu cortejo de destruição de normas e de protecções sociais, acentuando gravemente a cada ano que passa a desigualdade social e individual, para que uma nova retórica política já despojada, por desnecessária, da velha hipocrisia igualitária fundada numa pretensa democracia, passasse a imperar e estabelecesse como objectivo estratégico a eliminação ou destruição de todas as experiências, por mais suaves que sejam, que ousem afirmar a sua independência e autonomia.

Umas vezes isso faz-se internamente, com o apoio complacente do imperialismo e seus aliados, afastando do poder político os antigos dirigentes, prendendo-os se necessário for, com recurso a métodos nunca antes vistos, mesmo em países que assumiam sem complexos a natureza de classe da justiça, agora mediante a entrada em cena de juízes omnipresentes que prendem, investigam, acusam, julgam e condenam!

Noutros, como acontece na Venezuela, promovem-se conspirações, apoiam-se golpes, incentivam-se ingerências de toda a ordem, aplicam-se sanções e impõem-se boicotes, fazem-se ameaças, enfim, viola-se escandalosa e impunemente o Direito Internacional, preparando-se, inclusive, uma intervenção militar para impor ao povo venezuelano o domínio imperialista e a exploração das suas riquezas naturais.

É isto, no fundo, o que está em jogo. E quando o que está em jogo é o essencial – submissão e domínio ou independência – nenhum outro valor sobreleva o essencial. Tanto para os que pretendem a submissão e o domínio como para os que apoiam a independência. Quem ficar a meio caminho, quem hipocritamente quiser assumir a posição de árbitro, mais não está fazer do que a abrir via a uma nova e mais penosa fase de dependência e submissão.

Entendido?