quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

DINAMARCA, SUÉCIA, BAVIERA E O MAIS QUE ADIANTE SE VERÁ




O OVO DA SERPENTE


Como qualquer pessoa informada saberá, o nazismo não começou em Auschwitz nem com Auschwitz. Não se caminhou directamente para a “Solução Final”. Cerca de dez anos decorreram entre as primeiras medidas de discriminação dos judeus, a decisão de os exterminar e o extermínio propriamente dito.

Normalmente - é essa a lição da história - começa-se pelo património. Pelas medidas de confisco ou de extorsão, consoante os casos. Na Alemanha nazi, os judeus foram deixando quase tudo quanto tinham para poderem sair do país; simultaneamente, foram sendo desalojados das suas casas em várias cidades, nomeadamente em Berlim, para que grandiosos projectos arquitectónicos e de reurbanização pudessem ser levados a cabo (é nesse contexto que Albert Speer começa a notabilizar-se).

E assim se foi caminhando gradualmente até ao extermínio. É bom lembrar que quando a “solução final” começou a ser metodicamente executada já quase não havia judeus na Alemanha. Já tinham emigrado (os que possuíam meios económicos para o fazer) ou sido “realojados” nos territórios conquistados.

O que actualmente se está a passar na Europa com os refugiados envergonha qualquer pessoa. Mais ainda, muito mais, todos aqueles que por laços jurídicos se encontram ligados aos países e regiões que tomaram as medidas discriminatórias que são do conhecimento geral. Mas não basta ter vergonha, é preciso que nas restantes matérias em que essa Europa quer interferir com a nossa soberania sejamos capazes de rejeitar e repudiar essas interferências tão ilegítimas quão “legítimas” são aos olhos dessa mesma Europa as medidas que a todos nos envergonham!

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

E EM ESPANHA COMO VAI SER?






PEDRO SANCHEZ LUTA, ESTREBUCHA, MAS CONSEGUIRÁ?


Os partidos socialistas ainda não compreenderam bem a situação em que se encontram. A situação decorrente do estado de coisas que eles muito ajudaram a criar na Europa.

Depois do que se passou na Grécia, os militantes mais avisados desses partidos, principalmente os da faixa mediterrânica, estão ensaiando, por força do papel neles desempenhado pelas gerações mais novas, tentar tirar os socialistas do atoleiro em que se meteram. Mas não é fácil. As velhas gerações e os interesses instalados resistem e são hostis à mudança.

Não admira que assim seja. Como sempre, os mais velhos, porque já têm pouco futuro, sonham muito no regresso do passado, enquanto os mais novos, exactamente porque têm pouco passado, têm uma compreensão mais límpida do presente e antevêem com mais facilidade o futuro próximo.

Vejamos o que se passa em Espanha. Como se sabe, as eleições de 20 de Dezembro mudaram radicalmente o quadro eleitoral em que os espanhóis tinham vivido desde a transição. Do bipartidarismo temperado pelo papel desempenhado pelos partidos nacionalistas, principalmente do País Basco e da Catalunha, passou-se para um multipartidarismo a nível nacional com perda considerável das posições dos dois partidos tradicionalmente de governo (PP e PSOE) em todo o país, mas muito mais acentuadamente nas nacionalidades históricas, principalmente do PSOE já que o PP há anos que estava em perda nessas regiões, com excepção da Galiza.

O novo quadro parlamentar espanhol caracterizado pela ascensão meteórica de dois partidos emergentes (Podemos e Ciudadanos), pela consolidação dos partidos independentistas e pela perda considerável de posições do PP e do PSOE, não permite a governação de um só partido. Tanto o PP como o PSOE para governarem carecem ou de uma coligação ou do apoio de outro ou outros partidos ou da abstenção dos demais.

Nenhuma destas múltiplas variantes é fácil de alcançar. O PP, muito fustigado pela política de austeridade, mas talvez ainda mais pela corrupção, não consegue atrair para o seu campo o apoio do partido que dele está mais próximo (Ciudadanos), que continua a manter como ponto de honra da sua agenda política a recusa de qualquer apoio ao PP, seja ele um apoio directo ou indirecto mediante a simples abstenção. Igualmente difícil (mas não impossível) se revela a formação de uma grande coligação entre os dois maiores partidos, liderada pelo PP, com abstenção dos Ciudadanos, por a direcção do PSOE ter até agora recusado essa convergência com a direita. Convergência que dada a gravidade do problema territorial não é liminarmente recusada pelos chamados “barões” do PSOE.

Face a este impasse, o PP pela voz de Mariano Rajoy já comunicou ao Chefe de Estado que não tem condições para (por agora) formar governo, sem que tenha contudo perdido a esperança de ainda o poder vir a fazer no actual quadro parlamentar.

Depois desta constatação, Pedro Sanchez, Secretário Geral do PSOE, apesar das múltiplas reservas que o último Comité Federal do partido levantou a qualquer acordo à esquerda e com os independentistas, tem prosseguido (contrariamente ao que aqui havíamos previsto) na tentativa de formar governo mediante a celebração de um acordo com Podemos, a Esquerda Unida, o PNV e a abstenção dos partidos independentistas da Catalunha (ERC e Liberdade e Democracia).

Numa primeira fase esta negociação pareceu impossível de se concretizar não apenas pelas linhas vermelhas que os “barões” do PSOE tinham demarcado a Sanchez (de que adiante falaremos), mas também por o Podemos ter ficado profundamente desagradado pelo acordo (a que Iglesias chamou a “troika do bunker”) alcançado entre o PP, Ciudadanos e PSOE para a composição da Mesa do Congresso. Acordo do qual Podemos foi excluído, como rejeitada foi a pretensão de Iglesias da constituição de quatro grupos parlamentares (o Podemos propriamente dito (42deputados), En Comú Podem (12 deputados), da Catalunha, En Marea (6 deputados), da Galiza e Compromis (9 deputados), da Comunidade Valenciana).

Entretanto, a situação evoluiu. Sanchez veio a Portugal encontrar-se com António Costa, a imprensa espanhola começou a falar numa solução “à portuguesa”, o Podemos voltou a abrir a porta a um entendimento, mediante a sua participação no governo, Sanchez deixou cair a exigência de Podemos renunciar ao “direito a decidir” imposta pelos “barões” do Partido, Iglesias aceitou não exigir de imediato a concretização daquele princípio (aliás impossível sem revisão constitucional) sem contudo renunciar a ele, os partidos independentistas também baixaram ligeiramente o nível das suas reivindicações e as negociações prosseguem com vista à formação de um governo liderado por Pedro Sanchez, com a composição e os apoios e abstenções que mais tarde se clarificarão…ou não…

Simultaneamente nos grandes meios de comunicação social (de que El País é apenas um exemplo entre vários) cresceu de intensidade a luta contra um acordo “à portuguesa” ou similar. Os “barões” do PSOE, que parecem não estar em sintonia com as bases do partido e, principalmente, com os seus eleitores, dão indícios de estarem dispostos a tudo, à investidura de Rajoy inclusive, para evitar o acordo com Podemos e com os independentistas da Catalunha.

Sanchez, apesar de muito pressionado pelos “senhoritos” do PSOE, prossegue, apoiado pela sua direcção, na busca de um entendimento que lhe permita governar, sabendo, como sabe, que a realização de novas eleições lhe custaria o lugar e remeteria o PSOE para um lugar secundário relativamente ao Podemos, risco que os “barões” parece preferirem correr a um entendimento à sua esquerda.

Esta complexa partida de xadrez ainda está longe do seu desfecho, tanto mais que mesmo que haja acordo, ele terá de ser ratificado pelo Comité Federal no qual têm assento todos os, até agora, “intocáveis” do PSOE.

Lá como cá é muito difícil inovar em política. Lá como cá também no PSOE há uma importante corrente (importância não significa representatividade) que tudo fará para impedir um entendimento à esquerda. É certo que a Espanha, para além da questão social propriamente dita, se depara com um gravíssimo problema territorial para cuja resolução o PSOE tem tido, até ao momento, no essencial uma resposta idêntica à do PP, sem com isto esquecer que foi o PP que por via das suas medidas sectárias e ultranacionalistas agravou, porventura irremediavelmente, a questão territorial.

Em conclusão, vai ser difícil a Sanchez formar governo no actual quadro parlamentar. Apesar das múltiplas resistências essa possibilidade ainda não está excluída. Seria bom para a Europa e para Portugal que o conseguisse. Um governo que se fizesse eco das novas vozes que o eleitorado de esquerda reclama!

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

MARCELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA


A DERROTA DA ESQUERDA

Marcelo foi eleito Presidente da República à primeira volta, como se previa. Apesar da elevada abstenção (pouco menos de um milhão de votantes do que nas legislativas), Marcelo obteve mais 322 457 votos do que a coligação PAF e o PSD e o CDC, nos círculos eleitorais em que não concorreram coligados.
Os candidatos que se reclamam do PS obtiveram, em conjunto, 1 448 362, ou seja, menos 299 323 votos do que aqueles que o PS obteve nas legislativas.
A candidata do Bloco de Esquerda com 469 321 votos foi a que esteve mais perto de atingir a marca obtida nas legislativas (menos 81 571).
Por último, o candidato do PCP foi o que esteve mais longe de alcançar o resultado que a CDU obteve nas legislativas (menos 263 074).
Em conclusão, uma grande derrota da esquerda da qual nenhum dos seus componentes sai bem, embora alguns saiam bem pior do que outros.
A candidata do Bloco cumpriu o seu papel, na medida em que quase segurou o seu eleitorado, mas não tem nenhuma razão para cantar vitória quando o grande objectivo da candidatura (a eleição de um candidato de esquerda) não foi alcançado, embora possa afirmar que se os candidatos dos outros três partidos da actual solução governativa (PS, PCP e PEV) tivessem, proporcionalmente, alcançado resultados equivalentes aos seus, Marcelo não teria sido eleito. Por outras palavras, não foi por “culpa” de Marisa que Marcelo foi eleito.
O PCP foi em termos relativos (e quase em termos absolutos) o que ficou mais longe do objectivo proposto. Embora se saiba que numa eleição uninominal um partido como o Comunista parte em desvantagem desde que haja um candidato da área de esquerda capaz de criar a ilusão de que pode ser eleito, a verdade é que nunca em nenhuma das anteriores eleições presidenciais os comunistas tiveram um resultado tão mau como o de ontem. Fica a dúvida sobre se o resultado é apenas consequência de um candidato pouco apelativo, excessivamente repetitivo, manifestamente mal escolhido ou se as causas deste grande insucesso também tem a ver com o que muitos eleitores de esquerda consideram uma atitude excessivamente reticente quanto à actuação do Governo, porventura pouco justificável face àquilo que tem sido a sua acção e também a sua linguagem num quadro internamente complexo e bastante desfavorável no plano internacional.
Ao PS, dado o papel decisivo que desempenha em qualquer eleição presidencial, têm de ser assacadas as principais responsabilidades pelo desaire eleitoral de ontem à noite. Já no post anterior descrevemos as razões que a, nosso ver, ditaram a posição do Partido Socialista. Mas nem pelo facto de haver no seio do PS quem estivesse disposto a fracturar a unidade do partido para com base numa derrota do candidato de esquerda tentar prosseguir com mais eficácia o derrube do actual governo e a substituição da sua liderança, o isenta de responsabilidades. Pelo contrário, deveria ter sido nesse quadro de confronto manifestamente procurado pelos opositores de Costa que a actual direcção do PS deveria ter tido politicamente a coragem de afirmar o seu apoio a um candidato, emprestando à campanha com esse apoio uma dinâmica e um sentido político que ela nunca teve. Ao encolher-se, ao deixar formalmente sozinho o candidato do seu agrado, para não ter internamente de se confrontar com a facção que contesta não apenas a actual liderança, mas acima de tudo qualquer política que no plano dos resultados práticos, seja qual for a retórica que a envolve, se afaste da típica política do bloco central ou que ponha em causa os princípios decorrentes do “arco da governação”, ao encolher-se, dizíamos, ao, aparentemente, manter-se neutral, a direcção do PS não evitou um conflito, apenas o adiou, sendo muito provável que com ele se tenha de confrontar num contexto mais desfavorável do que que aquele que até ontem existia.
De facto, interpretando correctamente o discurso da vitória, um discurso que Marcelo teve a preocupação de escrever e de ler para se não deixar levar pela emoção do momento, o que dele ressalta é a vontade política de contribuir, através da sua presidência, para a “existência” de um país que seja governado ao centro, seja pelo PS seja pelo PSD. Por outras palavras, por um país assente no compromisso das grandes forças do centro político relativamente a todas as questões fundamentais da governação. Um país que precisa, para que este desiderato se materialize, da substituição das lideranças do PS e do PSD por lideranças capazes de interpretar e pôr politicamente em prática aquilo que Marcelo entende ser a vontade do país real.
Quando Marcelo apela ao compromisso e ao entendimento, como frequentemente ontem fez no discurso da vitória, não se está a referir, como é óbvio, ao compromisso entre as forças de esquerda, nem à vontade de trazer para a área da governação forças que desde o primeiro governo constitucional dela têm estado arredadas. Pelo contrário, o que Marcelo pretende é reforçar o entendimento entre dois grandes partidos do centro, um do centro esquerda, outro do centro direita. Para isso vai ter de apoiar todas as “conspirações” que num e noutro lado visem derrubar as actuais lideranças.  
Essa a razão por que a nosso ver o PS deveria ter tido outra atitude nas presidenciais e essa também a razão por que, não obstante a hecatombe Maria de Belém, se não poderá considerar que saíram derrotados aqueles que no PS a “empurraram” para esta (em termos puramente pessoais) humilhantíssima derrota.  

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

PRESIDENCIAIS 2016




A CAMPANHA MAIS INÓCUA DESDE 1976


A campanha continua morna e pouco mobilizadora, apesar de o fim dos dez anos de Cavaco encerrar potencialidades que aqui há uns dois ou três meses ninguém suporia poderem vir a ser desprezadas como estão a ser.  

Há no entanto uma explicação para o que se está a passar. Uma explicação, mas não uma justificação.

Começando pelo princípio: a eleição presidencial pode ser ganha à esquerda com relativa facilidade se houver um candidato que seja capaz de fazer o pleno dos seus votos ou quase. De uma boa maioria dos votos do PS, dos votos do PCP e do Bloco, bem como o dos independentes de esquerda.

Na escolha desse candidato o PS desempenha um papel fundamental. E se o PS o desempenhar com responsabilidade e sentido democrático a vitória será sempre indiscutível. Acontece que raramente isso sucedeu na história da nossa democracia. Quase se poderia dizer que as três mais significativas vitórias contra os candidatos da direita foram alcançadas apesar do PS. Referimo-nos à reeleição de Eanes, à derrota de Freitas do Amaral e à vitória de Sampaio.

Na reeleição de Eanes, Soares e os seus fiéis apoiantes retiraram o apoio a Eanes com o objectivo (não alcançado graças à outra parte do PS) de impedir a sua vitória, mesmo sabendo que o preço a pagar por esse comportamento poderia ser a eleição do candidato da direita, de passado reconhecidamente fascista.

Na derrota de Freitas, o PS dividiu-se em duas candidaturas (uma de direita, Soares; outra, de esquerda, Zenha), tendo os independentes e católicos de esquerda, na ausência de um candidato consensual, apoiado Lurdes Pintassilgo; o PCP, que começou por apresentar o seu candidato, desistiu na primeira volta a favor de Zenha, não tendo, todavia, esses votos sido suficientes para garantir a Salgado Zenha a passagem à segunda volta. Soares acabou por ganhar, graças aos eleitores que na primeira volta votaram Pintassilgo e ao voto dos comunistas, cujo apoio foi decidido num Congresso Extraordinário, seguido por uma disciplina de voto sem falhas, sem a existência da qual jamais Soares teria sido Presidente da República.

Na vitória de Sampaio concorreram factores difíceis de convergir noutras situações. Em primeiro lugar, Sampaio tendo feito o seu percurso até 1978 à margem do PS e quase sempre, desde muito antes do 25 de Abril, em oposição a Mário Soares, granjeou na restante esquerda uma simpatia e um estatuto como nenhum outro socialista alguma vez teve. Por outro lado, Sampaio, apesar de não gozar da simpatia da maior parte dos “históricos” do PS e de ter rompido com Guterres, conseguiu, numa altura em que Guterres estava politicamente muito ocupado na preparação da campanha para as legislativas (Estados Gerais), antecipar a sua candidatura e impô-la ao PS como um facto consumado. Apesar de Sampaio não ser o candidato que Guterres escolheria, se o tivesse podido fazer, o PS (oficial) viu-se obrigado a apoiá-lo seguindo assim a restante esquerda que nem sequer levou qualquer candidato às urnas, já que tanto Jerónimo de Sousa (PCP) como Alberto Matos (UDP) desistiram a seu favor. Em terceiro lugar, Sampaio concorria contra Cavaco de quem uma significativa maioria de portugueses estava positivamente farta após dez anos de cavaquismo com tudo o que isso até hoje representou de negativo para Portugal e para os portugueses.  

Depois, bem, depois foi o que se viu. Em 2006 Cavaco foi eleito e em 2011, reeleito. Tanto numa como noutra eleição o PS foi incapaz de apresentar uma candidatura consistente e susceptível de ser apoiada pela esquerda. Na primeira eleição, Sócrates, completamente inebriado com a maioria absoluta que tinha acabado de alcançar (2005), desprezou arrogantemente as presidenciais e minimizou a sua importância, não curando de propor um candidato susceptível de concentrar o apoio da esquerda. Soares, já sem fôlego para novo mandato, querendo continuar a “ajustar contas” com Cavaco numa época e num contexto em que já não estava em condições de o fazer, viu-se confrontado com o aparecimento da candidatura de outro socialista, Manuel Alegre, avidamente apoiado pelos que na área do PS e suas proximidades se estavam posicionando contra Sócrates, tendo-se então assistido a uma verdadeira luta fratricida, com corte de relações pessoais e acusações de toda a ordem entre ambos os candidatos. O clima criado pelos dois candidatos e a maioria absoluta de Sócrates desmobilizaram completamente o eleitorado de esquerda, tendo Cavaco sido tranquilamente eleito logo na primeira volta.

Cinco anos depois, apesar de já não haver dúvidas sobre o que seria o segundo mandato de Cavaco (a intentona das escutas e os Estatutos dos Açores eram um bom prelúdio), o PS de Sócrates voltou a menosprezar a importância das presidenciais. É certo que a crispação existente entre Sócrates e os dois partidos de esquerda (PCP e BE) não favorecia um entendimento para fins presidenciais; por outro lado, o facto de ninguém na área da esquerda se ter notabilizado suficientemente para poder facilitar aquele entendimento também dificultava o aparecimento de uma candidatura vencedora. Apareceu novamente Alegre, derrotado na eleição anterior, sem chispa de vencedor, sempre com um entendimento épico da derrota, sem capacidade para mobilizar o eleitorado de esquerda, que voltou a  ser derrotado como antecipadamente se sabia. Cavaco foi reeleito, deixando logo no dia da vitória um aviso muito claro do que iria ser a sua presidência nos cinco anos subsequentes: mesquinha, vingativa e sectária. Não enganou ninguém!  Mas o mal estava feito…

Exactamente por haver uma consciência muito viva do que poderia representar para a esquerda a repetição de uma candidatura tipo Cavaco, ostensiva ou disfarçada, é que se supunha que a experiência acabada de viver iria facilitar o aparecimento de uma candidatura consensual com um perfil reconhecidamente vencedor. Esse candidato existia no seio do Partido Socialista. Existia mas não foi escolhido, nem ele demonstrou publicamente qualquer interesse em desempenhar esse papel.

Na euforia da vitória “interna “de António Costa, supôs-se – as sondagens ajudavam a este entendimento – que facilmente derrotaria a direita nas legislativas, alcançando uma maioria absoluta. E é neste contexto que é incentivada no seio do PS, informalmente, mas com apoios muito claros da actual liderança e de todos os que lhe são muito próximos, a candidatura de Sampaio da Nóvoa.

Acontece que sucedeu o que toda a gente sabe: António Costa não alcançou a maioria absoluta, nem sequer a maioria relativa nas legislativas e aquela candidatura, que havia sido lançada com base numa pressuposição que falhou, passou quase de imediato a ser contestada no interior do Partido Socialista pelos opositores de Costa, pelos adversários da solução governativa entretanto alcançada e pelos ressabiados da ressaca das primárias.

E como sempre acontece no Partido Socialista, também desta vez, os oponentes de liderança não tiveram qualquer problema em “empurrar” para a disputa eleitoral uma personalidade da direita do partido, que não tinha, nem tem, objectivamente, quaisquer condições para ganhar as eleições, mas cuja candidatura teria o efeito – efeito que ninguém com um mínimo de experiência política poderia deixar de antecipar – de desmoralizar e desmobilizar o eleitorado socialista e da esquerda em geral, impedindo desta modo a polarização da eleição entre o candidato da direita e o da esquerda, com vista a obrigar aquele a definir-se politicamente.

Dada a divisão reinante no seio do PS, o candidato da direita pôde fazer uma campanha apolítica como se previa, assistindo de palanque aos ataques cruzados das “candidaturas socialistas”, e ainda teve a sorte ter sido objectivamente favorecido pelo aparecimento de, pelo menos, dois “candidatos folclóricos”, cujo discurso e a divulgação que os media dele têm feito muito contribuíram para a consolidação da campanha à volta de questões de escasso interesse político.

Perante este quadro só mesmo um altíssimo sentido político do eleitorado poderá remediar o que os “profissionais” da política comprometeram.


domingo, 10 de janeiro de 2016

PEDRO SANCHEZ PRESSIONADO




O PSOE ENTALADO

Más notícias para Portugal. A renúncia de Mas, que a CUP (Candidatura de Unidade Popular) se recusava a votar como presidente da Generalitat, a favor de Carles Puigdemont, igualmente militante da CDC (Convergência Democrática da Catalunha) e actual alcaide de Girona, praticamente liquida a pretensão de Pedro Sanchez de formação de um governo à esquerda.

Quando Sanchez decidiu visitar António Costa, simbolizando, em Espanha, com essa visita, a simpatia por uma “solução à portuguesa” , ainda se supunha que a palavra de Mas era “irrenunciável”. Tal como noutras paragens, a palavra da direita na Catalunha também vale pouco.

Resolvido o problema que Mas representava, afastada a realização de eleições na Catalunha e retomado, sem interrupções, o processo independentista, Rajoy fica com margem de manobra suficiente para pressionar, com êxito, o PSOE para colaborar na investidura de um governo de “toda a Espanha”.

Como se previa, o PSOE está metido num beco sem saída. Se Sanchez persistir numa solução à portuguesa acabará a breve trecho por ser expulso da presidência pelos “barões” do seu partido; se se abstiver na votação de investidura de Rajoy ficará politicamente desacreditado.

A única hipótese que ainda se pode pôr de uma saída a médio prazo relativamente satisfatória para o PSOE só poderá existir se Rajoy vier a actuar na Catalunha com a tradicional brutalidade espanhola. Embora uma facção muito significativa do PP (Partido Popular) advogue a linha dura, não é de crer que Rajoy e a sua tradicional manha galega alinhem por um caminho sem retorno. Rajoy é bem capaz de ter a arte suficiente para saber jogar eficazmente com as desinteligências existentes entre os catalães.

sábado, 9 de janeiro de 2016

SAMPAIO DA NÓVOA-MARIA DE BELÉM


HOJE E O PASSADO

Estamos muito longe do debate que há 32 anos mobilizou o eleitorado socialista e parte do restante eleitorado de esquerda – Mário Soares – Salgado Zenha. Nessa época respirava-se política. Cada um dos candidatos afirmava sem hesitações os princípios em que acreditava e a consonância da sua prática com esses princípios; cada um dos dois tentava marcar a diferença relativamente ao outro e tentava com exemplos da vida política recente demonstrar a dissonância entre os princípios proclamados e a prática seguida pelo outro candidato.

Zenha, sempre influenciado pelos princípios católicos em que foi educado, nunca recusando estender a mão ao irmão desavindo, por maiores que fossem as suas críticas ou reservas quanto ao seu comportamento, não resistiu ao “chamamento” e acabou por declarar – erro fatal – que votaria em Soares se não passasse à segunda volta. Soares, perguntado sobre o mesmo tema – ele que quatro anos antes, no momento mais crítico da história da democracia portuguesa, até já tinha abandonado Ramalho Eanes e tinha recusado afirmar que não votaria em Soares Carneiro -, não hesitou na resposta: “Essa questão não se põe, porque quem passa sou eu”. Mas se não for? “Não trabalho com hipóteses em que não acredito”.

Isto é apenas um exemplo de duas formas de fazer política. Em política não basta querer ganhar. É preciso nem sequer admitir a derrota.

O debate desta noite foi morno, um pouco manso. É certo, continuando a analogia, que Sampaio da Nóvoa se depara com uma situação bem diferente da de Soares. Não apenas pelo contexto em que ambas as eleições ocorrem, mas também porque Soares sabia que, por mais contundentes que fossem os seus ataques à esquerda, ele poderia sempre contar com o apoio dessa esquerda, mesmo da mais radical, porque jamais ela aceitaria entregar o poder a um fascista que se preparava para revogar a Constituição e plebiscitar uma outra em sua substituição – o fascismo estava muito perto e a “viabilização” pela abstenção de um golpe de estado era coisa em que ninguém à esquerda ousaria colaborar.

Agora é diferente. Sampaio da Nóvoa, na hipótese de haver segunda volta, ficando à frente de Maria de Belém, tem de agir com muito tacto para reunir na sua candidatura os votos concedidos na primeira a Maria de Belém. Estes votos nada têm a ver com os votos que Soares acabou por congregar na segunda volta. Os de agora são, muitos deles, de gente relativamente despolitizada, outros (muitos) de gente ideologicamente próxima do Bloco Central, outros ainda de socialistas ressabiados que entre eleger Sampaio da Nóvoa e derrotar indirectamente Costa podem com facilidade optar pela segunda alternativa.

O debate serviu apesar de tudo para confirmar a avaliação que dos candidatos se foi fazendo na pré-campanha. Maria de Belém gira à volta das pequenas questões, feitas de muitos lugares comuns, hesitando no tempo de agir por temer que o futuro não confirme as consequências de uma acção ou posição, preferindo a ambiguidade à coragem da decisão, mas nunca recusando cavalgar com efeitos retroactivos a certeza do acontecido. Sampaio da Nóvoa tem outra densidade construída por uma vivência cívica intensa, como a de milhares de portugueses da sua geração, consolidada por um saber universitário onde as pequenas manigâncias da política partidária não gozam de direitos de cidadania. Disso tira a sua força mas também a sua fraqueza. Tudo está em saber da sua capacidade de penetração no eleitorado comum…

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

MARISA MATIAS – HENRIQUE NETO



ENTRE A ESPERANÇA E O REALISMO


Gostei como de nenhum outro do debate entre Marisa Matias e Henrique Neto. Sendo porventura o candidato mais bem preparado e com ideias mais firmes sobre o que deseja para Portugal, Henrique Neto deixou-se seduzir pelo entusiasmo juvenil e pela pureza de ideais de Mariza Matias, a quem seguramente reconhece a sinceridade das suas convicções e a completa ausência de interesses estranhos aos propósitos por que luta.

Foi o debate entre as ilusões de uma juventude generosa e a maturidade de quem já viu frustradas muitas das ilusões acalentadas ao longo da vida, mas que nem por isso se refugia no cinismo ou no inconformismo de quem já não acredita na mudança. Neto concorda seguramente com a maior parte dos objectivos de Marisa Matias – o seu percurso aponta certamente nesse sentido – mas sabe, melhor do que qualquer outro candidato, que para lá chegar é preciso fazer antes muita outra coisa e não apenas confiar em que os resultados ocorram naturalmente como consequência necessária dos propósitos mais generosos.

Interessante também o debate sobre a Europa (democracia e dívida) e a globalização (poder e democracia), em que Neto defendeu uma estratégia bem mais eficaz do a que normalmente é apresentada por quase todos os que se propõe saltar directamente para os fins sem ter em conta o caminho que é necessário antes percorrer para que experiências frustrantes e traumatizantes como as que já conhecemos não voltem a repetir-se.

Finalmente, o atestado de menoridade mental passado a Cavaco Silva foi certamente um dos pontos altos do debate.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

MARISA-MARCELO


A IMPRESSÃO DE UM DEBATE
Imagem da notícia sobre MARCELO - MARISA MATIAS de RTP

Acabei de ver o debate entre Marisa Matias e Marcelo Rebelo de Sousa. Mariza esteve melhor do que com Maria de Belém, embora nem sempre tivesse sido rigorosa nas suas afirmações, mas percebeu – e isso é que importa – que não estando Rebelo de Sousa habituado ao contraditório – quer na TV quer na Faculdade (aulas) – a melhor forma de lidar eleitoralmente com ele era atacá-lo. Atacá-lo, não tanto pelas decisões que tomou, já que afastado dos lugares de decisão há muito tempo pouco haveria a atacar nesse domínio, mas fundamentalmente pelas posições que semanalmente assumiu como comentador.

Acontece que Marcelo tem tido perante os ataques de que tem sido alvo uma atitude muito diferente daquela sempre teve como comentador. No comentário, Marcelo vertia frequentemente veneno, embora elegantemente e quase sempre com ironia, não apenas sobre os “seus ódios de estimação”, mas também sobre aqueles de quem intelectualmente desmerecia.

Hoje a sua atitude é diferente. Há uma espécie de vitimização “soft” que ele julga eleitoralmente vantajosa pela afectividade que desperta no eleitorado. Nunca contra-ataca, se possível elogia o adversário, e, mais importante, deixa aparentemente cair com relativa facilidade algumas das mais emblemáticas bandeiras da direita.

Politicamente o que isto significa é que a direita, apesar do contexto em actua, está na defensiva e tem hoje mais dificuldade do que tinha ontem em apresentar-se tal qual é. 

Enfim, são as consequências de quatro anos de Passos Coelho e de dez, principalmente dos últimos cinco, de Cavaco.

PRESIDENCIAIS






QUEM É QUEM

Não tenho acompanhado a campanha, nem sequer pelos jornais. Tinha necessidade de um descanso...Mas ontem, já de madrugada, vi de enfiada três debates.

Conclusões:

Vai ser difícil (no puro plano argumentativo) travar Paulo Morais. As propostas que ele apresenta são irrecusáveis. Populismo? Se as propostas são boas e de difícil execução política, talvez a acusação de populismo seja a melhor forma de as descartar.

Edgar. Edgar não seduz. Não está necessariamente em causa o que afirma (às vezes está...), mas há algo que me diz que será este o pior resultado do PCP em presidenciais, se o candidato for até ao fim.

Mariza vai ficar muito aquém de Catarina. Não creio que seja bom para o Bloco ir até ao fim. Falta a Mariza o “instinto matador” que um político a sério não pode dispensar. Ontem isso foi visível no debate com Maria de Belém. Simpatizar com o oponente, nem que seja apenas por cortesia, é meio caminho andado para a derrota.

Maria de Belém, sem chama para vencer. Maria de Belém vê o país como uma mega IPSS. Não digo que cheire a falsidade o que nos diz. O que digo é que tudo parece colado com cola pouco consistente.

Henrique Neto, autodidacta e self made man, com todas as consequências que ambas encerram. Nada de novo relativamente ao que dele se conhecia, ou seja, uma fortíssima convicção na justeza das suas ideias, como é típico do autodidacta. Nesse aspecto é parecido com Cavaco. Se Cavaco faz da ignorância uma vantagem, Neto faz do autodidactismo uma certeza. Valeu até ontem a valente tareia que deu em Marcelo.

Marcelo muito igual ao Marcelo que conhecemos das homilias dominicais, da “Gente” do Expresso e dos artigos de análise política neste e noutros semanários, agora porventura com mais “concórdia”, “pontes”, “desdramatização”, “consensos”, etc, etc… Como se viu na eleição à Câmara de Lisboa contra Sampaio e ontem no debate com Henrique Neto, tem muita dificuldade em defender-se quando atacado a sério (com fundamentos indiscutíveis) e sem contemplações. Quem for debater com ele com outra atitude sairá sempre derrotado.

Dos demais candidatos apenas vi de relance algumas intervenções do Tino de Rans e do Cerqueira cuja apreciação deixo para Marcelo Rebelo de Sousa.