terça-feira, 29 de novembro de 2011

PREPARANDO O FUTURO

O PASSADO PRÓXIMO



Mesmo agora que o euro está no fim dos seus dias continua a haver por aí muita gente aferrada à ideia de que foram os desvarios da “malta” do sul que fez colapsar o projecto.

Esta tese sobre a causa do que aconteceu não teria grande importância se apenas fosse defendida pela gente do Governo e afins. A subserviência com que se têm comportado, a ponto de por vezes nem se perceber bem se falam como governantes ou como burocratas de quinta ordem de uma qualquer organização internacional encarregada de impor o neoliberalismo até às últimas consequências, bem como o miserável aproveitamento que têm feito da crise para imporem uma agenda política revanchista e anti-popular, são de per si fundamentos mais do que suficientes para lhes retirar qualquer credibilidade.

O pior é que há gente que, não tendo uma agenda coincidente com a do Governo, está igualmente convencida de que houve um desvario colectivo, evitável, que está na génese de tudo o que agora está a acontecer.

Num tempo já marcado pela irreversibilidade das consequências decorrentes da institucionalização da zona euro, geneticamente marcada por falhas políticas e técnicas gravíssimas, pode perguntar-se que importância tem continuar a discutir tão acaloradamente este assunto.

A importância resulta do consenso que à esquerda se terá de fazer sobre o futuro de Portugal. É que enquanto as causas do fracasso do euro não estiverem devidamente escalpelizadas a esquerda vai ter certamente dificuldades em “acertar o passo” relativamente ao futuro.

A primeira de todas as causas daquele fracasso é o neoliberalismo, a prevalência das ideias neoliberais na institucionalização da moeda única e depois no seu funcionamento.

A primeira pergunta que qualquer pessoa deve fazer é a seguinte: por que razão deve ser imputada aos Estados devedores a responsabilidade pelo fracasso?

A resposta das “Merkels deste mundo”, bem como dos seus servis seguidores, é óbvia. A responsabilidade cabe aos Estados endividados por que foram eles que deixaram de respeitar os critérios do “Pacto de Estabilidade e Crescimento”.

Depois desta resposta tão óbvia uma outra pergunta não menos óbvia terá igualmente que se fazer. Por que razão é que os constrangimentos do PEC estavam apenas previstos para os Estados? Por que não havia igualmente limitações, nomeadamente quanto à dívida, para os privados?

Aí as “Merkels deste mundo”, nesta fase do campeonato, vão começar a titubear procurando apresentar falsas explicações. A verdadeira razão - a razão de quem gizou as regras do PEC -  é, porém, esta: Para os Estados era necessário prever regras porque os políticos actuam frequentemente de modo irracional sem outras limitações que não seja a tardia -  e irreversível, quanto aos efeitos já produzidos - sanção eleitoral, enquanto os particulares estão sempre limitados pela acção regeneradora e correctora do mercado!

Ou seja, para os privados não é necessário estabelecer regras, porque os mercados lá estarão para as impor nunca permitindo que os desvarios se consumem. Ou corrigindo-os mal comecem a assomar.

Esta máxima neoliberal é o ponto de partida de toda a construção. O mercado regula a vida, regula a política, regula tudo, logo não devem ser admitidas interferências que possam pôr em causa a natural acção reguladora dos mercados.

E daqui, a acrescer ao que já existia na EU antes do euro, resulta tudo o que agora está à vista.

Sem unidade política democrática, sem uniformidade fiscal, sem orçamento comunitário digno desse nome capaz de assegurar as funções próprias de um orçamento federal ou para-federal, a iniciativa privada dos países menos competitivos endividou-se em todo lado bem acima do PIB do seu país. Porquê? Porque o euro breve se revelou para estes países uma moeda demasiado barata para importar e para contrair empréstimos, mas excessivamente cara para exportar…essa a razão por que ela (a iniciativa privada) se refugiou nas actividades onde o lucro era seguro, a concorrência mínima ou inexistente e o risco aparentemente nulo.

Por outro lado, o principal centro de fornecimento de capital, nomeadamente a Alemanha, fez batota. Estando, como estava e ainda está, integrada num conjunto que somente poderia funcionar razoavelmente desde que houvesse um certo equilíbrio entre as partes, ela que já era uma das mais competitivas, promoveu durante mais de década uma desvalorização competitiva dos salários, agravando ainda mais o fosso que a separava dos menos competitivos.

A Alemanha pode invocar as razões que se conhecem para assim ter procedido, o que não poderia era desconhecer, antecipar, as consequências a que tal politica levaria. Se a Europa falhar, como vai falhar, a primeira responsável será a Alemanha e depois todos os demais, vítimas incluídas, que durante dez anos nunca foram capazes de perceber o que se estava a passar.

A causa da falência do euro não está, portanto, no défice fiscal dos países em dificuldades (alguns até tiveram superávide, ou défice mínimo, durante anos), nem na dívida contraída (nalguns era mínima, bem inferior à da Alemanha), mas no défice de conta corrente desses países, esse sim, em alguns deles, gigantesco. Défice privado em crescendo e depois aumento da dívida pública para acudir ao défice privado.

Não ver isto é não ver a realidade. Para o que já bastam os “economistas oficiais”, não sendo nada aconselhável fazer parceria com eles.

No próximo post, ou num dos próximos, algumas considerações sobre por onde trilhar um caminho diferente.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

SEGURO E O ORÇAMENTO

OS NEGÓCIOS DO PS



Com o euro à beira do colapso, crescem as suspeitas de que o PS de Seguro se prepara para fazer mais uma negociação com os fundamentalistas neoliberais do Governo, aceitando o confisco de dois ordenados de uma parte considerável de funcionários e reformados.

Depois de ter aceitado a divisão entre trabalhadores do sector público e do sector privado, Seguro prepara-se agora para promover a divisão no próprio seio de funcionários e pensionistas, indo inclusive contra aquilo que ainda há dias parecia ser a sua “última palavra”.

Apesar das conhecidas limitações do PS na hora da verdade com as quais os portugueses já estão habituados, sempre justificadas em homenagem a interesses que somente os socialistas vislumbram, desta vez, a acontecer o que já parece inevitável, bem se poderá dizer que o PS ultrapassou todos os limites.

De facto, quando do outro lado do Atlântico, tanto a Norte como a Sul, já se escarnece abertamente das políticas seguidas na Europa para superar a crise e se anuncia o fim próximo do euro, é lamentável que os ditos partidos “socialistas” e “social-democratas” europeus continuem reféns do neoliberalismo que, desde a década de 80 do século passado, tanto ajudaram a consolidar.

Bem pode Mário Soares, que já percebeu as profundas debilidades da actual liderança do PS, lançar um movimento cívico destinado, na prática, a tentar fazer aquilo que o PS não faz, que isso já nada adiantará relativamente ao futuro dos socialistas.

Se o euro cair, como tudo indica que vai acontecer nas próximas semanas, com ele cairão também os partidos “socialistas” e “social-democratas” colonizados pelo neoliberalismo, ao serviço do qual estiveram durante mais de trinta anos. Não há refundação que lhes valha…

E, todavia, não obstante a aparente vitória dos “mercados” sobre a democracia, a verdade é que o mundo caminhará para a superação do paradigma neoliberal, alicerçado na defesa ilimitada da liberdade individual, na desregularão dos mercados, na ganância do capital financeiro e na desvalorização da cooperação a todos os níveis – entre as pessoas, entre os Estados, entre uns e outros e meio ambiente que os circunda.

O mundo desenvolvido do Norte está nos limites da sua própria consistência como sistema. A crise que desde finais de 2007 se instalou nos Estados Unidos e depois na Europa, sob facetas diversas, mas subordinada ao mesmo denominador comum – desemprego, brutal desigualdade de rendimentos, endividamento e domínio absoluto do capital financeiro - não é uma crise como as outras, susceptível de ser vencida pela superação da conjuntura. É uma crise estrutural, de falência do sistema, que vai inevitavelmente levar ao seu fim tal como hoje o conhecemos.

Certamente que não será um fim fácil, nem alcançável num prazo curto. Múltiplas convulsões, mais ou menos violentas, acompanharão o seu agonizante estertor, não sendo sequer de pôr de parte a hipótese de uma guerra. Esse o maior perigo com que a humanidade se debate, pois não é crível que um sistema baseado na ganância e na rapina se desintegre tão pacificamente como outros que nos nossos dias já vimos desintegrar, mas que tinham pelo seu lado a enorme vantagem de não estarem alicerçados na propriedade privada, fonte primeira de todos os conflitos!

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

24 DE NOVEMBRO: GRANDE JORNADA DE LUTA



A DIREITA DIVIDIDA

O dia de ontem foi uma grande jornada de luta em todo o país contra a austeridade neoliberal, contra o confisco de salários, contra extorsão de rendimentos em proveito exclusivo do capital financeiro e especulativo de que os bancos são a face mais visível.
Não interessa entrar na guerra dos números com o Governo, nem perder muito tempo com a enumeração dos serviços que suspenderam a cem por cento a sua actividade.
O que interessa sublinhar é que tanto o povo que ruidosamente protesta nas ruas como o que sofre revoltado nos locais de trabalho as consequências desta política já perceberam que a austeridade e os sacrifícios que lhe estão sendo exigidos não tem qualquer relação com o interesse dos portugueses genericamente considerados. O povo já percebeu que esta violência quotidiana que sobre ele se abate, sempre com a ameaça de no dia seguinte ser ainda maior, lhe está a ser imposta no interesse exclusivo dos agiotas, internos e externos, que urgentemente precisam de se recapitalizar para prosseguirem a sua exploração.
Há, porém, nesta luta um factor novo, incontornável, de consequências devastadoras para o capitalismo financeiro. Um novo estrato social, jovem, instruído, marginalizado pelo sistema, que se sente condenado, se nada for feito, a viver sem perspectivas de futuro.
Estes jovens não vão aceitar por muito mais tempo as consequências cada vez mais dramáticas das políticas que o capital financeiro e especulativo está a aplicar na União Europeia desde há dois anos. Quem anda na rua, quem acompanha as redes sociais, quem participa nas manifestações, compreende que já se está muito longe da contestação difusa, do queixume sofrido, que acompanharam as primeiras demonstrações de indignação. Hoje o “clima” que se respira já é de outra natureza. Começa a haver uma mudança qualitativa nas palavras de ordem, começa a ganhar consistência uma nova maneira de encarar a asfixiante situação que os enleia. Estas jovens começam a perceber que o sistema não tem saída.
E compreendem que se não há uma saída exclusivamente nacional também sabem que não haverá futuro se ele não começar a ser construído pelas lutas nacionais.
Ao lado do povo assalariado, que há décadas, com mais ou menos intensidade, luta, principalmente nos sindicatos, pela sua libertação, e de uma classe média que, pela primeira vez, sofre uma degradação brutal do seu nível de vida, há agora um “povo novo” que tem pressa, muita pressa, em encontrar uma resposta completamente diferente para o mal que o aflige. E esse povo está a perceber que a resposta que procura tem de ser dada por ele próprio por todos os meios que possa pôr à sua disposição.
Curiosamente, uma parte da direita também já percebeu isto. Percebeu que esta mistura entre este “povo novo” e o povo tradicional que sofre, quase exangue, a extorsão quotidiana, imposta pelos representantes nacionais dos agiotas internacionais, pode ter a curto prazo efeitos explosivos. Por isso quer “moderar a dose”, quer ir muito mais devagar e sem fracturas irremediáveis. É essa a voz de Cavaco, a que outros já se juntaram, contra os falcões do neoliberalismo, que, fanaticamente movidos por uma agenda ideológica, estão cada vez mais dispostos a enveredar por uma espiral austeritária que se auto-alimenta na própria natureza recessiva das medidas impostas.
Seguro, Secretário Geral do PS, continua a não perceber nas negociações em que anda enredado com os representantes dos agiotas que não interessa ajudar a “arredondar as coisas”, deixando-as ficar no essencial na mesma. Continuando a actuar assim apenas engrossa a direita que, com Cavaco, se opõe suavemente ao Governo. E quem tira vantagem disto? Cabe a resposta aos socialistas…






quarta-feira, 23 de novembro de 2011

terça-feira, 22 de novembro de 2011

NOTAS SOLTAS

SOBRE O TEMPO QUE PASSA

OS SALÁRIOS DO SECTOR PRIVADO - Na política a memória é muitas vezes curta. Pouco depois dos “cortes” nos salários dos funcionários públicos e das pensões dos reformados, Passos Coelho abriu claramente a porta a um abaixamento de salários no sector privado. Primeiro, foi a insinuação sobre a possibilidade de o sector privado deixar de pagar os subsídios de natal e de férias, insinuação logo aproveitada por todos os Van Zellers deste país que logo se prontificaram para pôr em marcha um movimento que acabou por não ter os apoios esperados. Frustrado este objectivo, o Primeiro Ministro voltou à carga naquele seu jeito de quem está a receitar medidas indispensáveis à saúde do paciente dizendo que a questão dos salários privados era um assunto a ponderar pelos interessados de acordo com as exigências da economia nacional.

E é neste contexto – e também no de quem se recusou a lançar um imposto extraordinário universal sobre o rendimento, fazendo recair sobre os funcionários públicos e reformados o essencial da carga fiscal imposta pelo ajustamento pretendido – que aparece a “Troika” a propor uma diminuição salarial dos trabalhadores do sector privado.

Mas alguém admite, por mais empedernidos que ideologicamente sejam os “boys” da “Troika”, a abordagem pública de assuntos desta natureza sem o prévio acordo do Governo? Abordagem que o Governo começou por não desautorizar, mas que em virtude das múltiplas reacções negativas que suscitou, inclusive de patrões, se viu depois obrigado a não acompanhar, limitando-se a dizer que não tencionava propor a diminuição dos salários.

A seguir veio o Secretário de Estado da Função pública, com a oportunidade política própria de quem vive num mundo de fanáticos, anunciar uma revisão das tabelas salariais da função pública em 2012. E lá teve que vir o Primeiro Ministro, depois secundado pelo Ministro das Finanças, garantir que afinal não vai haver revisão.

Como aqui já se disse, o Governo, ou melhor o Ministro das Finanças, acredita que somente uma desvalorização de cerca de trinta por cento do salário dos trabalhadores portugueses tornará a economia competitiva.

Vê-se que o Ministro das Finanças tem dificuldade em mentir. Tanto nesta matéria como na pretensa transitoriedade do “corte” dos dois ordenados as dificuldades do Ministro são evidentes. E é fácil explicar porquê: porque Gaspar é um fanático neoliberal. Está plenamente convencido das medidas que preconiza. Como todos os fanáticos sente-se traído por não poder dizer toda a verdade.

RELVAS E A TELEVISÃO – A propósito da privatização da RTP já se ouviu de tudo. Das propostas do que restou do famigerado grupo de trabalho capitaneado por Duque até às constantes inflexões de Relvas já ninguém sabe no que há-de acreditar. Diz-se. A única coisa certa é que Relvas tem uma “ideia”. Uma ideia é uma forma de dizer. A ideia é uma imaterialidade. E Relvas está mais ligado às coisas materiais. Ao contrário dos seus parceiros de Governo, Relvas não pertence ao núcleo dos fanáticos. Não trabalha para impor uma visão mundo. O seu tempo de acção é curto. E não o quer desaproveitar. Já houve mais gente assim no PSD. Será que ainda vamos ouvir falar muito de Relvas mais tarde?   

AS ELEIÇÕES EM ESPANHA – Como se previa, o PP ganhou com maioria absoluta. O PSOE sofreu uma derrota histórica.  Zapatero começou por não compreender a crise. Levou também muito tempo a aperceber-se da “borbulha imobiliária”, tanto assim que até aumentou o “subsídio de vivenda”. Depois, quando tudo se tornou evidente, passou a viver politicamente obcecado com a ideia de impedir a “intervenção” da Espanha. E a partir daí foi aplicando acriticamente todas as medidas que de Bruxelas lhe iam sendo “aconselhadas” sem sequer avaliar os efeitos que tais medidas poderiam ter num eleitorado impreparado para o que está acontecer a Espanha. Enfim, Zapatero manifestou algumas virtudes inegáveis nos sete anos da sua governação, mas não é o homem certo para um tempo de crise como o que se está a viver.

Um outro aspecto que as eleições espanholas mais uma vez realçaram foi a profunda injustiça do seu sistema eleitoral. Os partidos regionais estão amplamente favorecidos relativamente aos pequenos partidos nacionais. Uma desproporção gritante e injusta. Há centenas de milhares de espanhóis que se sentem sub-representados.

Finalmente, há uma questão na Espanha que pouco ou nada foi debatida na campanha eleitoral. A Espanha para manter os níveis de défice acordados com a União Europeia deveria cortar ainda este ano dez milhões de euros no orçamento. E no próximo ano trinta mil milhões! Ninguém faz ideia de como é que isto vai ser feito. Nem como é que os espanhóis vão reagir a cortes desta magnitude.

domingo, 20 de novembro de 2011

O ORÇAMENTO DE ESTADO E O PS





SEGURO À VOLTA DO ACESSÓRIO



António José Seguro, secretário geral do PS, a propósito da discussão do Orçamento de Estado insiste em protagonizar uma actuação política nas franjas do essencial. Não penetra no âmago da questão. Depois de tudo o que se tem passado, dificilmente este Orçamento deixará também de ser tido como o orçamento do PS. É certo que Seguro disse: “Este não é o meu orçamento, mas este é o meu país, por isso…”

Claro que se trata de uma proposição ilógica, pois se este é o seu país e se Seguro quer para si e para o seu partido um país diferente do preconizado pela direita neoliberal, deveria opor-se a este orçamento exactamente por ele ser um poderoso instrumento desse tal país que a direita quer edificar e o sinal mais evidente do tal país que ela quer construir.

Numa altura em que tudo está em discussão, em que até os mais acérrimos defensores da União Europeia começam a manifestar as maiores reservas quanto ao caminho que está sendo seguido, numa altura em que o falso directório germano-francês começa a dar sinais claros de desentendimento, Seguro continua à volta de pequenas coisas, como o IVA da restauração, que sendo embora uma questão relevante, não deixa de ser uma ninharia face ao que está em jogo.

Já antes tinha andado à volta da questão das “almofadas” sem se ter apercebido do verdadeiro alcance das medidas tomadas pelo governo relativamente à função pública e aos reformados. E agora continua a andar à volta do acessório sem clarividência política para subir vários degraus na sua acção de oposição ao governo

E Seguro até estava partidariamente bastante à vontade para assumir outras posições já que no rigor dos princípios nem sequer se debate com um qualquer problema de herança que tenha de repudiar. O anterior Secretário Geral do PS disse inúmeras vezes que não estava disponível para governar com o FMI. É certo que acabou – ou ele ou o então ministro das Finanças – por solicitar a intervenção da “troika”, mas fê-lo em estado de necessidade, em consequência de múltiplas pressões, e numa altura em que já não detinha os poderes de direcção do país, acabando por praticar um acto cuja validade é mais do que questionável.

Mas, independentemente desta circunstância, de então para cá as coisas evoluíram muito. Percebeu-se que, embora haja um problema de dívida pública em quase todos os países europeus, Alemanha incluída, e em vários deles um défice fiscal (orçamental) considerável, nem uma nem outro são as verdadeiras causas da crise. São factores que pela dimensão que assumiram não podem deixar de ser seriamente tidos em conta, mas não são as causas da crise. As causas da crise são outras.

Em primeiro lugar, o peso crescente dos países emergentes na economia mundial e a perda de competitividade europeia em áreas que antes dominava, tanto no sector primário como no secundário e, nalguns casos, até já no terciário.

E depois, embora conexo com o anterior, a crise do sistema bancário. E aqui há um paradoxo que muitos têm dificuldade em compreender. Por um lado, o papel dominante do sistema financeiro na economia mundial, ou mais correctamente, em todos os países que adoptaram a liberalização de capitais, em detrimento da chamada economia real; e, por outro, a crise desse mesmo sistema bancário inundado de lixo tóxico de toda a espécie, numa cadeia interminável de responsabilidades, que o faz ser cada vez mais voraz quer nas suas actividades especulativas quer nas suas múltiplas relações com os devedores.

Daí que as alternativas só sejam duas: ou o sistema bancário é “regenerado” à custa do contribuinte, o que vai implicar um abaixamento considerável do nível de vida das populações dos países desenvolvidos, mantendo no essencial as mesmas características que hoje tem (desregulação, liberalização dos movimentos de capitais, etc.); ou o poder político “domestica” o sistema bancário, controlando-lhe os movimentos e impondo-lhe obrigações relativamente à economia real.

E este problema é tão grave que as suas consequências vão muito para além do plano económico. É também a democracia que está em causa. Está-se a assistir na Europa àquilo que nem nos anos dourados do "Consenso de Washington" se assistiu em África ou na América Latina – a imposição, pelos mercados, de governos tecnocráticos nos chamados países em crise, aceites como uma fatalidade pelos parlamentos nacionais, ou, pior ainda, governos colaboracionistas que repudiam os programas eleitorais com que forem eleitos para seguirem ortodoxamente, com inexcedível zelo, os ditames do capital financeiro, como acontece em Portugal e vai seguramente acontecer noutros países.  

É por estas razões mais profundas que algumas das questões em que a “eurozona” anda há muito tempo enredada têm muito menos interesse do que parece.

De facto, se já é um dado relativamente adquirido pela “comunidade política pensante” que os programas de austeridade não só não resolvem nada, como agravam drasticamente a crise, ainda não está compreendido que não será pela via das discussões à volta do papel do BCE, nem do “governo económico” da União, tal como a Alemanha o concebe, que o problema se resolverá.

Estes dois últimos temas são importantes não pelo contributo que possam trazer à resolução dos múltiplos problemas com que a zona euro está confrontada, mas antes porque a breve trecho vão fazer “rebentar” o directório (acima denominado “falso directório”) germano-francês pela radical contradição de interesses e de posições entre ambos. Os franceses apertados pela dívida, cujo peso não cessa de aumentar, embora por agora a ritmo diferente da italiana, vão querer alterar a natureza do BCE, por nela verem a única tábua de salvação que lhes resta, enquanto os alemães vão insistir no “governo económico” tal como eles o entendem (controlo dos orçamentos nacionais, sanções, etc.), tentando dar mais um passo na criação de uma Europa germânica.

Claro que este "federalismo orçamental" de estilo alemão, sem o correspondente reforço da solidariedade financeira ilimitada via BCE , não vai ser aceite pela França, assim como também não é  crível que uma alteração radical das funções do BCE, de que a França vai precisar, seja atendível pela Alemanha.

Portanto, enquanto a União Europeia continuar a correr atrás de algo que vai sempre à sua frente, e que ela nunca alcança, mesmo que vá tomando algumas das medidas que antes rejeitou, jamais os problemas com que a Europa se debate serão resolvidos.

Perante uma crise tão profunda, atravessada por interesses tão diversos, é mais provável que a Europa se desagregue do que, pelo contrário, se reforce.

Ora, um dirigente político não pode deixar de ter tudo isto em conta como cenário de rectaguarda do seu tempo de actuação política. Se se perde com questões de lana caprina apenas reforça o poder daqueles a quem diz querer opor-se, contribuindo para polarizar a discussão à volta de assuntos onde o Governo é mais forte por estarem a ser discutidos dentro da lógica e do contexto por ele impostos.

Mas há mais: deve também não ter medo de ir falando num "plano B" para Portugal, o tal plano que agora  alguns já abordam e de que aqui já tínhamos falado quando se manifestaram as primeiras grandes dificuldades do segundo Governo Sócrates.


sexta-feira, 18 de novembro de 2011

EPISÓDIOS DA JUSTIÇA PORTUGUESA



SÓ NO DIA DE ONTEM



A Ministra da Justiça diz que os portugueses têm razões para não confiar na Justiça e confirma a existência de um clima de impunidade que - ela não o disse, mas é óbvio - favorece os ricos e não aproveita aos pobres.

O Marinho Pinto diz que o Ministério da Justiça foi entregue a um escritório de advogados e, além disso, acusa a Ministra de nepotismo. A Ministra defende-se, alegando falsidade, diz que Marinho lhe inventou um cunhado, mas fica-se por aí. É a Praça da Ribeira no seu melhor…

O Procurador Geral da República não gostou nada que os jornalistas estivessem à espera das diligências da Judiciária na casa do Sr. dr. Duarte Lima, nem do modo como a comunicação social estava a tratar o caso.  Mas não revelou nenhuma preocupação pelo facto de o suspeito ter sido previamente avisado do que lhe ia acontecer, nem tão-pouco se mostrou minimamente incomodado com as acusações da Justiça brasileira. Não sabe de nada. À Procuradoria ainda não chegou nada. No ouvinte fica a ideia de que essa coisa de o Duarte Lima ser acusado de homicídio no Brasil é lá uma coisa deles, dos brasileiros.

Germano Marques da Silva, advogado de Duarte Lima, e ao que se diz professor de Direito Penal na Católica – uma universidade que preza os “valores”, ou não fosse ela uma emanação quase divina do saber celestial – diz que “Só se o Duarte Lima fosse parvo é que se apresentaria no Brasil”!

Mas há mais. Um outro advogado de Duarte Lima, agora no suspeito caso de burla, branqueamento de capitais, fraude fiscal e sabe-se lá que mais do BPN, protesta contra a prisão preventiva do seu cliente decretada com fundamento em receio de fuga…porque o seu cliente é um foragido! Tal e qual. "Receio de fuga"? Responde, perguntando o advogado. "Só se Duarte Lima fosse tolo se ausentaria de Portugal, havendo o que se conhece com a Justiça brasileira".

Pois é, isto atingiu o grau zero da pouca-vergonha. O grande défice português não é o das contas públicas. O défice das contas públicas não passa de um pequeno afloramento de um outro défice muito maior e mais grave!


quarta-feira, 16 de novembro de 2011

"TROIKA" LETAL PARA SEGURO



O “SUCESSO” DA GRANDE RECESSÃO
Portugal passa no segundo teste, mas troika deixou recomendações (Sol)


Já há muito tempo se não via semelhante fanatismo ideológico. O sucesso do programa de austeridade de que fala a “Troika” não tem nada a ver com os resultados desse programa na economia portuguesa nem com a sua incidência nas condições de vida dos portugueses, mas apenas e só com o facto de tal programa estar a ser aplicado pelo Governo nos estritos termos em que foi gizado.  

É uma conversa com a qual muitos portugueses, porventura quase todos, se estão defrontando pela primeira vez. Mas é uma conversa velha, uma conversa muita velha, aquela que o FMI, acolitado pelo BCE e pela Comissão Europeia, hoje debitou em Lisboa. Quando barbaridades semelhantes estavam sendo aplicadas em África e depois também em alguns, quase todos, países da América Latina, era hábito, nas reuniões de acompanhamento desses programas na União Europeia, ao perguntar-se aos   burocratas da Comissão pelos resultados de tais programas, ouvir-se invariavelmente uma de duas respostas – um sucesso, se os países em questão estavam a seguir à risca as imposições de Washington; algumas dificuldades, se os países resistiam patrioticamente àquelas imposições. Mas nunca uma palavra sobre o resultado desses programas na vida das pessoas, na actividade económico desses países, enfim, naquilo que interessava.

Trinta anos depois passa-se agora o mesmo na Europa! A mesma pouca vergonha, o mesmo descaramento!

Estão à vista por todo o lado os resultados dos programas de austeridade. Recessão, desemprego, empobrecimento, tudo em homenagem a uma visão fanaticamente ideológica da economia.
O "sucesso" de que fala a "Troika" é o sucesso de haver em Portugal um Governo que aplica com o mesmo fervor ideológico, porventura até superior, as medidas de austeridade nele previstas.

Mas desta visita da “Troika” a Portugal decorrem também consequências desagradáveis para o Secretário Geral do PS, principalmente duas.
A primeira é sua ligação cada vez mais indissolúvel aos programas de austeridade impostos por Berlim com o colaboracionismo das autoridades locais; a segunda é a incompreensão por ele manifestada sobre a verdadeira razão de ser dos “cortes” de dois ordenados aos funcionários públicos e reformados aprovados pelo Governo.

Ambas são graves, embora a primeira seja mais do que a segunda. Numa altura em que por todo o lado – em Portugal, até o Presidente da República - se percebeu que a crise do euro, manifestada na zona euro sob a forma de crise da dívida, não pode ser combatida com medidas de austeridade draconianas destinadas a restabelecer um certo equilíbrio orçamental, mas antes atacando a raiz do problema, que está antes de mais nos bancos – no imenso lixo tóxico que inunda os seus balanços – e depois na chamada “arquitectura” da zona euro – nos desequilíbrios que ela gera – continuar a dar apoio a programas que, apesar de conjunturalmente servirem os interesses da Alemanha, acabarão por ser catastróficos para todos, só pode ser interpretado como uma atitude política própria de quem está igualmente dominado pelos mesmos princípios que animam os fanáticos que os põem em prática.

Por outro lado, é hoje evidente que AJS, quando acalentou a esperança de que o Governo viesse a recuar no “corte” de, pelo menos, um dos vencimentos, parece não ter compreendido os verdadeiros objectivos da sua política , objectivos que hoje a “Troika” finalmente clarificou.

Se o objectivo do Governo fosse apenas o de encontrar um equilíbrio entre as receitas e as despesas de modo a fazer baixar o défice para 4,5% no próximo ano, o mais normal seria recorrer a um imposto extraordinário sobre o rendimento, universal, que respeitasse os princípios da progressividade. Eliminaria o problema constitucional que, apesar de tudo se vai pôr, não obstante o Tribunal Constitucional ser um tribunal político (mas isso já é outra conversa…), e evitava um diferendo com o Presidente da República, além de colher certamente a compreensão de uma grande parte do Partido Socialista.

Só que os objectivos do Governo são outros. O Governo acredita piamente que o défice de competitividade da economia portuguesa (que o euro agravou drasticamente, ao contrário do que muitos supunham) tem de ser combatido com uma diminuição radical dos salários. Pelo que se tem ouvido, é de crer que o Governo calcule esse défice em cerca de 30%. Logo, segundo os seus ideólogos, devem os salários baixar nessa mesma proporção para ganhar a competitividade perdida ou, simplesmente, para ganhar competituividade.
É claro que o Governo não se importa nada de o fazer também pela via do desemprego, embora essa via tenha do seu ponto de  vista um efeito colateral desagradável – o aumento da despesa. É, portanto, mais prático e mais rápido fazê-lo directamente, atacando os salários. 

E foi o que fez. Atacou os salários da função pública e as pensões dos reformados com argumentos falsos e imbecis - do género: ganham mais (é falso); têm mais segurança (já não é verdade para muitos); não podem ser despedidos (e os reformados? não podem ser eliminados, será isso?) – e agora vai atacar os salários dos restantes trabalhadores em nome do mesmo princípio que já estava implícito nos "cortes" da função púnblica e dos reformados. Por outras palavras: o Governo não está interessado em taxar com um imposto excepcional os salários dos trabalhadores. O Governo quer que esse rendimento vá direitinho para os patrões!

Para quem não tivesse percebido foi isso que a “Troika” hoje clarificou: os salários dos trabalhadores portugueses devem baixar!

Ora isto é muito diferente da conversa das “almofadas” com que o Seguro andou. Aquelas “almofadas” são mesmo de quem ainda não andava bem acordado…

sábado, 12 de novembro de 2011

PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA RESPONDE A OTELO

...E TRANQUILIZA OS PORTUGUESES...





Lê-se no Sapo on line transcrevendo declarações da PRG à Renascença: “Otelo será alvo de um inquérito se o apelo à revolução vier a ter consequências práticas”.
Ora bem. Não há nada como ter um Procurador-geral que confia no direito  e que acima de tudo sabe o que é o direito.
Esta visão intemporal do direito deixa os portugueses tranquilos….mas também filosoficamente arrasados.
O que Pinto Monteiro se esqueceu de dizer é que Otelo ainda tem uma condenação em atraso por ter subvertido a Ordem (agora tem que ser com letra grande, à Marcello Caetano) vigente em 24 de Abril de 1974.
O Pinto Monteiro que anda nestas coisas do direito, salvo erro, desde os finais da década de cinquenta já tinha tido mais que tempo para saber o que é o direito. Mas não é para admirar. Passa-se com ele o que se passa com tantos outros juristas. Digamos que é uma coisa parecida com a relação que existe entre a economia e a generalidade dos economistas…

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

AGORA, A ITÁLIA



"ISTO" JÁ NÃO TEM REMÉDIO

Enquanto os nossos talibans da economia neoliberal vão devastando o país com um orçamento que o remete para um atraso que já não se julgava possível, a triste história do euro vai seguindo, inexorável, a sua marcha em direcção a uma morte anunciada.

Se é certo que a dívida da zona euro foi em grande medida potenciada pela “arquitectura” da moeda única não é menos verdade que a dívida da União Europeia vai muito para além da divida da zona euro, como o caso do Reino Unido eloquentemente ilustra, e tem as suas causas no desequilíbrio – em todos os domínios: balança comercial, balança de pagamentos, balança de capitais - entre a União Europeia no seu conjunto e os novos países emergentes, nomeadamente a China, o Brasil e a Índia.

É agora tarde para saber se uma moeda criada com regras diferentes das do euro e se um banco central com funções que o BCE não pode ou não quer assumir poderia ter levado a outro resultado. Isso ninguém o saberá nunca. O que se sabe é que a Europa se começou a endividar muito para além daquilo que as suas economias comportavam a partir de 1991 e depois se endividou muitíssimo a partir de 1999, data do nascimento da moeda única.

Dir-se-á que a crise financeira de 2007 é a causa próxima mais forte do endividamento europeu. Mas só aparentemente isso é verdade. A crise financeira que eclodiu na América e depois se propagou à Europa com matizes diferentes dos que assumiu no continente americano é ela também o resultado de uma economia que por igualmente ter perdido competitividade em sectores tradicionalmente fortes se refugiou em actividades especulativas desreguladas ancoradas numa imensa borbulha imobiliária que durante anos lhe assegurou uma falsa prosperidade.

A juntar a tudo isto, tanto na América como na Europa, assistiu-se desde há trinta anos a uma gradual e cada vez mais forte desigualdade na distribuição de rendimentos que, por seu turno, está na origem do progressivo endividamento exigido por um sistema económico-financeiro que, para sobreviver, necessitava de uma procura em crescendo que só poderia ser satisfeita pelo recurso permanente ao crédito. Um crédito destinado a satisfazer uma procura indispensável à subsistência do sistema, mas sempre contraído acima das reais possibilidades de quem se endividava.

Na Europa, a crise “rebentou” pelo lado da dívida soberana, apesar de, na maior parte dos países, Portugal inclusive, ela representar uma pequena percentagem da dívida global, na sua essência privada.

Dito de outro modo: é falta de liquidez - em última instância de solvabilidade - do sistema financeiro, e a consequente redução do crédito, bem como as especiais condições de funcionamento da zona euro, que fizeram aparecer a crise pelo lado do sector público, apesar de ela ser, insiste-se, na sua essência, uma crise do sector produtivo privado e do sistema financeiro no seu conjunto.

Como se sabe, a crise veio à luz do dia na Grécia há cerca de um ano e meio, tendo o país sido intervencionado quando a taxa de juro a dez anos atingiu relativamente à Alemanha uma diferença de 500 pontos básicos; cerca de sete meses depois atingiu a Irlanda, fortemente flagelada por uma borbulha imobiliária local e por um sistema financeiro desregulado de natureza essencialmente especulativo, quando o diferencial da taxa de juro em relação à Alemanha também superou os 500 pontos básicos; e a seguir Portugal, em Abril deste ano, quando o dito diferencial ultrapassou igualmente a fatídica marca dos 500 pontos básicos.

Agora segue-se a Itália. Três ou quatro dias depois de a União Europeia ter encontrado a “solução definitiva” para a crise da dívida, no Conselho Europeu de 27 de Outubro passado, eis que a situação na Grécia, impulsionada pelo simples anúncio de um referendum, se propaga com toda a violência à Itália a ponto de o diferencial da taxa de juro quase ter atingido os 600 pontos básicos, remetendo assim a taxa de juro efectiva, a dez anos, para cima da marca incomportável dos 7% ao ano!

Perante este quadro que mostra à evidência a crise profunda do sistema neoliberal saído daquilo a que se tem chamado a “vitória da Guerra-Fria”, dizem os “entendidos” que decorrência da crise italiana um de três cenários se verificará:

O primeiro seria a suspensão de pagamentos da Itália, cuja economia é demasiado grande para poder ser resgatada por um fundo que, muito provavelmente, nem sequer chegaria para as necessidades da Grécia, Portugal e Irlanda, resultando dessa suspensão o fim abrupto do euro com consequências difeis de prever, mas seguramente catastróficas;

O segundo seria a entrada em cena do BCE financiando e garantindo directamente o Estado italiano, hipótese quase improvável dada a resistência alemã a qualquer tipo de actuação do banco central que vá para além do consta expressamente dos tratados;

E a terceiro seria deixar os países intervencionados e  alguns outros entregues à sua sorte, formando a Alemanha, juntamente com a França e mais alguns, uma “nova zona euro”, que ficasse ao abrigo das vicissitudes originadas pelos “grandes devedores”.

Esta última “solução”, por muitos países e pelo próprio Presidente da Comissão qualificada como o”fim da Europa”, é fortemente apoiada pela França de Sarkozy que vive no pânico de ver a sua dívida perder o “triplo A”, pretendendo com esta pseudo-solução esconder a sua fraqueza por detrás da força germânica. Ou dito de uma forma mais sintética: seria o “Vichy económico” da França proposto por ela própria e não imposto pela Alemanha!

Mas há evidentemente um quarto cenário para cuja concretização deveremos mobilizar todas as nossas forças.  O capitalismo neoliberal faliu. Arruinou a vida de centenas de milhões de pessoa em todo o mundo. É preciso substituir este sistema, derrubando politicamente quem o representa e o defende. E este trabalho começa na “casa” de cada um, para a partir daí somar solidariedades de quem está seguindo a mesma via, e tendo presente um princípio muito antigo que nos diz que a legitimidade depende mais do modo como se exerce o poder do que do modo como a ele se chega…

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

A DOUTRINA DE CRISTO E A DOUTRINA DA IGREJA


OLHO POR OLHO, DENTE POR DENTE

 

Olho por olho, dente por dente” parece não ter sido a doutrina de Cristo, pelo menos até palavra em contrário de José Rodrigues dos Santos. Era antes a máxima do Código de Hamurabi. Pois esta lei de Talião, vigente nas terras que depois foram de Sadam, encontrada pelos franceses em 1901, no tempo em que os franceses ainda tinham autonomia para encontrar coisas, parece estar agora a ser retomada pela Igreja Católica portuguesa a propósito dos feriados.

Diz a Conferência Episcopal que a Igreja aceita perder dois feriados religiosos se o Governo também suprimir dois feriados civis.  

Ou será que estamos a ver mal as coisas e a Igreja está a aplicar à risca um dos mais conhecidos preceitos do Novo Testamento? “Se te derem numa face, oferece a outra”…

O mais grave disto tudo é que quem está a dar a “bofetada” na face do povo é o Governo e quem retribui com outra “bofetada” na outra face é a Igreja.

Que Igreja esta que já nem os seus “fregueses” defende…




OTELO TEM RAZÃO



AS FORÇAS ARMADAS NÃO FAZEM MANIFESTAÇÕES
Otelo diz que os militares devem reagir se forem ultrapassados os limites



Otelo pode ter cometido muitos erros – como todos nós – e tido indecisões de nefastas consequências – porventura mais do que muitos de nós – mas há duas coisas em que Otelo esteve indubitavelmente certo.

No comando operacional do Movimento das Forças Armadas na noite de 24 para 25 de Abril de 1974 e no que disse hoje sobre a manifestação de militares no próximo dia 12.

Realmente os militares não têm que fazer manifestações. As Forças Armadas não podem ser confundidas com um qualquer agrupamento profissional que defende os seus interesses corporativos manifestando o seu descontentamento por meio de “passeatas” na Avenida da Liberdade.

As Forças Armadas são as detentoras efectivas da força. E devem usá-la ao serviço do povo se os limites do politicamente admissível forem ultrapassados. E quais são esses limites? Otelo não o disse expressamente. Fê-lo por gestos: quando passar a garganta e atingir a cabeça.

Por outras palavras mais simples e mais correctas: quando o poder deixar de ser legítimo.

Sempre assim foi e assim continuará a ser…

terça-feira, 8 de novembro de 2011

ISTO ULTRAPASSA TODOS OS LIMITES





…LOGO, NÃO VAI ACABAR BEM



As pressões sem disfarce que o governo alemão e círculos que lhe são próximos fazem sobre governos de outros Estados para decidirem sobre matérias da mais estrita competência interna desses países no sentido pretendido por Berlim não pode senão dar mau resultado.

A Alemanha não aprende nada com a História. Se está convencida de que na Europa somente se gera uma repulsa da ordem teutónica quando se ouve na planície o batimento ritmado das botas cardadas, está completamente enganada.

É que hoje, aqui na Europa, já toda a gente percebeu que o que antes se tentava conseguir através da guerra pode agora pretender alcançar-se por outros meios, aparentemente menos hostis, mas que, pela arrogância com que são levados à prática, acabam por gerar a mesma repulsa.

O modo como a Alemanha, acolitada por uma triste França e por mais ou outro aliado tradicional, se dirige aos governos dos Estados endividados, bem como as normas que pretende pôr em prática – e algumas até já pôs – para tornar efectivo o tal “governo económico” da União Europeia só pode ter por consequência a desagregação do projecto europeu.

Nesta primeira fase de sucessivas imposições a Alemanha ainda poderá contar com governos completamente servis, como o português, que até faz mais do que aquilo que lhe pedem, mas nem por isso a humilhação de quem tem que obedecer sem sequer poder emitir opinião acerca daquilo que lhe exigem deixará de ficar marcada na consciência colectiva de quem a sofreu e, mais tarde ou mais cedo, seja quem for que governe vai ter de dar tradução prática àquele sentimento de rejeição.

O que se passou com a Grécia na última semana a propósito da proposta de referendo e continua  a passar-se agora para a designação de um simples governo de gestão já ultrapassa todos os limites, digam o que disserem os editorialistas bem-pensantes da imprensa europeia. E o que está a acontecer com a Itália vai pelo mesmo caminho.

Já se perdeu completamente o sentido das proporções quando um simples adjunto da Chanceler Merkel ou o “fiel aliado finlandês” na Comissão vêm opinar assertivamente sobre o destino de Berlusconi, bem como sobre o que deve fazer a Itália.

Pode agora, para muitos, tudo isto parecer natural e aceitável dada a situação financeira dos países referidos. Mas não é. E vai deixar marcas…

AS ELEIÇÕES EM ESPANHA



O DEBATE DESTA NOITE



Durante cerca de duas horas, Pérez Rubalcaba e Mariano Rajoy debateram os respectivos programas eleitorais em perspectivas completamente diferentes.

Enquanto Rajoy enfatizou o estado em que país se encontra, desemprego, dívida e défice, deixando explícito que esse é péssimo resultado da governação socialista e subliminarmente implícito que da execução do seu programa resultará a superação da situação herdada, Rubalcaba, sem deixar de defender, em tese, aquilo que hoje constitui a matriz do PSOE, procurou acima de tudo desmontar a propositada ambiguidade do programa da direita em questões fundamentais como o subsídio de desemprego, a saúde pública, o regime das pensões e o financiamento dos bancos.

É verdade que Rajoy se apresenta publicamente com uma linguagem bastante mais moderada do que muitos dos fascistas, falangistas e franquistas que mantêm um papel de relevo no seu partido, tornando assim mais difícil o posicionamento do candidato socialista.

Dificuldade que Rubalcaba tentou contornar com inteligência através de uma forma de fazer política pouco comum nos políticos espanhóis, em regra muito envolvidos emocionalmente nas propostas que defendem. De facto, o candidato socialista, embora falando com convicção, deu sempre a sensação de que estava a raciocinar e não a debitar um programa, mantendo permanentemente uma distância entre o objecto da discussão, sobre o qual muitas vezes ironizava, e o repúdio ou a adesão ética que o mesmo poderia suscitar, como quem deixa ao espectador a liberdade de tirar as suas próprias conclusões.

Esta quase ausência de adjectivos em Rubalcaba e o aparente distanciamento da avaliação moral das proposições contestadas ou propostas contrasta flagrantemente com o comportamento dos dois anteriores Presidentes do Conselho do PSOE, Gonzalez e Zapatero, ambos portadores de uma “verdade” que tendiam a querer impor pela convicção apaixonada com que a defendiam.

Ponto é saber se o eleitorado espanhol com um desemprego superior a 20% e sob a ameaça de uma crise que a todo o momento pode atingir patamares incontroláveis pelos simples recursos internos não estará mais predisposto a ouvir os apelos emotivos de quem lhe promete um futuro diferente do que a escutar os frios raciocínios de quem tenta demonstra-lhe de que, se errar na escolha, vai ficar ainda pior.  


sexta-feira, 4 de novembro de 2011

NOTAS SOLTAS



SOBRE O TEMPO QUE PASSA



PRIVATIZAÇÕES – As privatizações que o governo se propõe fazer representam um grave empobrecimento do património público de consequências incalculáveis para o futuro dos portugueses.

Se como tudo isso não bastasse, há fundadas razões para supor que os processos de privatização serão tudo menos transparentes.

A esquerda tem dado relativamente pouca importância ao modo como as privatizações são feitas certamente por entender que o importante é atacar a decisão em si e não o meio como ela é posta em prática. Dito de outro modo: não há privatizações honestas, tanto agora como no passado. As privatizações não passam de uma troca de favores entre os governos (e os governantes…) que as fizeram e o grande capital.

Apesar de tudo isto ser verdade não deixa de ter todo o interesse o post que sobre o assunto Pacheco Pereira publicou hoje no Abrupto.

MIGUEL JÚDICE NO CANAL 1 – Se ingenuamente havia quem supusesse que o Miguel Júdice iria à televisão falar sobre o processo que a justiça brasileira moveu ao seu colega e ex-companheiro de partido Duarte Lima, breve se desiludiu.

O que Júdice foi à televisão dizer é que já está afastado de Sócrates e que agora apoia Passos Coelho, a quem reconhece a rara qualidade de não cometer erros. E Júdice também não comete, principalmente depois que deixou de ser comentador político profissional e se tornou um homem de negócios. De caminho atacou Cavaco com ferocidade. Que mais poderia Relvas desejar de quem tão bem sabe interpretar a defesa da causa pública? Relvas vai ter que retribuir…ou a intervenção de Júdice já foi a contra-prestação?

DUARTE LIMA – O Procurador Geral da República nada tem a dizer sobre Duarte Lima ser, à luz do direito penal internacional, um foragido da justiça. Pelo menos deveria explicar aos portugueses que eles não podem matar impunemente no Brasil. Que um crime de homicídio cometido por um português em qualquer parte do mundo também é crime em Portugal. Não. Achou que não valia a pena. Mandou, parta nossa completa tranquilidade, a Dra. Cândida Almeida dar explicações. E então ela lá nos disse que o processo penal português se não move pelo princípio da oportunidade…Um portento esta  Dra. Cândida Almeida!

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

SOBRE O EURO: MUITO RAPIDAMENTE



OU O BCE MUDA OU O EURO ACABA



Hoje já ninguém racionalmente saudável tem dúvidas: o BCE muda ou o euro acaba.

Mais: não basta ao BCE comprar em quantidades ilimitadas dívida soberana no mercado secundário. Isso pode acalmar relativamente os “mercados”, mas não resolve o problema. O problema só se resolve se a dívida passar a ser sustentável. E a dívida só será sustentável se a União Europeia crescer e com ela os Estados que a compõem.

O BCE tem, por isso, de financiar os Estados directamente a uma taxa de juro no máximo idêntica àquela com que financiou os bancos.

Inflação? Uma treta. Uma economia deprimida ou estagnada não corre o risco de inflação por aumentar a quantidade de moeda em circulação (vide EUA e Japão). E alguma inflação não faria nenhum mal ao euro. Pelo contrário, até lhe faria bem.

Os tratados? Sim, os tratados mudavam-se depois. Não há nada como fazer o direito depois dos factos….

Governo económico? Sim, também é necessário – governo económico democrático (quase a quadratura do círculo, a gente sabe, mas como dizia Jorge Amado a propósito de outra questão: não se perde nada em tentar e, principalmente, insistir). Mas depois de resolvido problema actual.

Se isto fosse possível, o euro salvar-se-ia. Se o referendum na Grécia, ou o seu simples anúncio, tivesse estas consequências, ele constituiria o facto histórico mais relevante deste início de século na Europa Ocidental.

Só que tudo isto não passa de um sonho de uma noite de Outono…