quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

O SENHOR JUNCKER E OS PORTUGUESES



O GOVERNO E O PS
 

O Sr. Juncker fez aquilo que é muito comum nas burocracias: depois de alcançado o resultado, com o qual concordam e na obtenção do qual se empenharam, fazem críticas impessoais ou institucionalmente vagas para tentar recolher a simpatia das vítimas. E normalmente esta técnica resulta: as pessoas estão tão causticadas pelo caminho seguido pelas burocracias para alcançar o resultado desejado, que uma palavra de apoio ou de consolo, por simples que seja, tem o efeito de atenuar o mal sofrido e, principalmente, enche-as de expectativas favoráveis relativamente ao futuro.

Quando a raiva e ódio estão prestar a impor-se, seja pelos votos, seja na rua, as palavras de pseudo-autocrítica fazem esmorecer os ânimos e deixam as pessoas predispostas para encetar um novo caminho, que pode ser exactamente igual ao que terminou, embora recomeçado com um estado de espírito diferente daquele com que encerraram a dramática experiência anterior.

Esta técnica foi usada pelo FMI nos idos de oitenta e noventa do século passado para atenuar as múltiplas barbaridades que estavam praticando em África, na Ásia e também na América Latina. Em África, os burocratas do FMI, muito bem acolitados pelos da Comissão Europeia, que aí fizeram o tirocínio para o que viriam a aplicar mais tarde na própria Europa (em alguma Europa), actuaram a partir de determinada altura com uma atitude muito semelhante à do Sr. Juncker, não sem que, antes deste pseudo-arrependimento, os burocratas da Comissão Europeia perdessem uma oportunidade que fosse para fazer recair integralmente sobre o FMI o odioso dos “programas de ajustamento”. As críticas eram muitas, mas nenhuma delas tinha por objectivo mudar o que quer que fosse. O objectivo era outro: desarmar as reacções mais contundentes e acalentar falsas expectativas.

As palavras do Sr. Juncker, apesar de terem em vista o efeito acima referido e destinando-se a precaver novos Syrizas ou ainda pior, tiveram no “arco do governo” uma reacção contraditória.

Do lado da coligação, houve um sentimento de ofensa que o Sr. Portas e o Sr. Marques Guedes, além da Sra Von Haffen, por cujas palavras ambos temiam, tiveram o cuidado de exteriorizar com sinais de ofensa que tardará a ser esquecida. E compreende-se porquê. Em primeiro lugar, porque eles consideram-se os donos e autores do “programa da Troika”: “Queremos ir além da Troika” era o lema deles antes de terem assumido a autoria do programa. E depois porque eles não temem um Syriza em Portugal - o pequeno Syriza que aí despontou já se declarou apaixonado pelo PS e apenas pretende cair-lhe nos braços… - e também sabem que, estando o PS completamente atrelado aos pressupostos da Troika, nada melhor do que fazer do “cumprimento do programa”, tal como eles o veiculam, o seu grande cavalo de batalha eleitoral. Portanto, nada pior para esta estratégia do que vir alguém lamentar a falta de respeito ofensiva da dignidade dos portugueses.

Pelo contrário, o PS acha que as palavras do Sr. Juncker, além de “sábias”, são mais um auspicioso sinal dos “amanhãs que cantam” por acção de Bruxelas e dos seus principais braços armados – o BCE, o Eurogrupo, o Conselho Europeu e a Comissão, esta como “moço de fretes” de ordens superiores. Até Jorge Sampaio, criticando os que criticam o Sr. Juncker, numa confissão certamente involuntária, sinalizou a importância de Portugal (leia-se do PS e do PSD) na formação dos “ grandes consensos” comunitários (leia-se para não haver qualquer espécie de dúvida: a “institucionalização do neoliberalismo como regime constitucional da União Europeia”).

E assim vai o “arco da governação”. Até ver…

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

A ALEMANHA HOJE E HÁ 73 ANOS


 

O MESMO OBJECTIVO: DOMINAR A EUROPA

 

A Alemanha pretende fazer hoje com a política monetária e de crédito o mesmo que há 73 anos fazia com as divisões da Wermacht: dominar a Europa. Então, também ela tinha bons aliados na Península Ibérica e muitos derrotistas por essa Europa fora, a começar pelos franceses. Então, como hoje, houve quem achasse que não valeria a pena lutar contra a Alemanha. A luta só tornaria mais dolorosas as consequências da derrota.

Esse era o sentimento dominante na maior parte da Europa. Só que havia a outra parte, a que se não vergou, a que sofreu as duras consequências de ter tido a coragem de combater. Entre esses estiveram os gregos, que, primeiramente, resistiram e contiveram Mussolini e, depois, lutaram heroicamente contra os alemães, apesar das perdas que sofreram e dos sacrifícios por que passaram. Hoje, como há 73 anos, os gregos voltam a resistir ao domínio alemão e recusam a humilhação naccional.Tal como hoje, também então os alemães contaram com a cumplicidade e a colaboração dos que internamente traíram a pátria, mas que nunca foram suficientes para quebrar a resistência de quem não aceitava a submissão ao domínio estrangeiro.

Hoje, como há 73 anos, a Alemanha não aceita acordos nem compromissos. Exige a capitulação sem reservas. É essa natureza arrogante e autoritária da Alemanha que se mantém intangível como o demonstra a recusa de um encontro bilateral com Tsipras.

Merkel e Schäuble têm hoje no BCE e na Comissão Europeia os instrumentos que desempenham um papel semelhante ao das divisões com que há 73 anos essa mesma Alemanha supunha ter dominado a Europa, um domínio que ia desde os Pirenéus até às portas de Leninegrado e de Moscovo e quase às margens do Volga. Hoje, o panorama de dominação é muito idêntico: de fora apenas a Grã-Bretanha e a Rússia tal como há 73 anos.

Há 73 anos os que tiveram a coragem de se opor aos alemães e de os combater ganharam. Hoje, para vencer os alemães é preciso lutar. Uma luta guiada pela ideia de vitória. Os que estiverem à espera que seja a Alemanha e os seus aliados a mudar a Europa, acordarão com uma Europa germanizada constituída por “patrícios” e “Untermenchen”. Quando verdadeiramente despertarem do logro em que caíram já nem forças terão para lutar. Estarão exaustos económica, política e moralmente.

Essa a razão por que a luta da Grécia exige a nossa solidariedade. A luta da Grécia é a nossa luta. Não participar nessa luta por calculismo político ou oportunismo de ocasião equivale a cavar a sepultura da nossa insignificância futura.

Nesta luta não haverá meio-termo. Ou se está por ou se está contra. E o que importa é que as águas fiquem divididas com clareza. O pior que poderia acontecer seria tomar por aliado quem realmente o não é. Quem vai tomando posição em função das circunstâncias, aguardando ambiguamente que o tempo passe e a situação se esclareça para não ter de arcar com as desvantagens da luta.

Finalmente, é bom que se perceba que as propostas que a Grécia apresenta à Europa são praticamente idênticas àquelas de que a Alemanha beneficiou depois da derrota para pagar as suas dívidas. Com uma diferença de vulto: a Grécia é país pacífico. Nunca invadiu a Alemanha!