sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

A RESSACA DA PRIVATARIA FALHADA


O DIA SEGUINTE
 
Os portugueses não puderam deixar de saborear com ironia e muita satisfação o acto falhado de mais uma ruinosa privataria que o governo de Passos e Relvas se preparava para consumar.
Embora toda a gente compreenda sem hesitações, a começar por Eframovitch, as verdadeiras razões da decisão que o Conselho de Ministros se viu ontem obrigado a tomar sobre um negócio que já estava fechado, não deixa de ser interessante olhar retrospectivamente para as explicações que o Governo e os seus conhecidos porta-vozes foram dando, ao longo da noite, sobre a razão de ser da decisão.
Para começar, ninguém do Governo propriamente dito apareceu a falar, a dar a cara sobre o que se passou. Mandaram os “ajudantes”, para usar uma expressão cara a Cavaco Silva, muito jovens, cheios de convicção, tentar convencer os portugueses que foi por causa de um desentendimento quanto a datas sobre a prestação de umas ridículas garantias que o negócio – um bom negócio, como eles diziam – não se realizou.
Depois, uns minutos mais tarde, lá apareceram os porta-vozes oficiosos da maioria para complementar as explicações. Foi um exercício penoso. Uma jovem deputada do PSD em debate com João Galamba não foi capaz, durante a cerca de meia hora que lá esteve, de dizer outra coisa que não fosse que a decisão demonstrou que o processo afinal era transparente e que a privatização da TAP foi inscrita no Memorando por iniciativa do PS.
Pouco depois, apareceu Marques Mendes, noutra estação, com uma explicação pateta, a insultar a inteligência dos portugueses. Marques Mendes deveria ter vergonha do ridículo papel que foi ontem fazer na televisão, principalmente depois de ter chamado “chico-esperto” ao Ministro das Finanças por este ter tentado aldrabar os portugueses com justificações estúpidas apresentadas depois do episódio da “extensão a Portugal das novas condições estabelecidas para o pagamento da dívida grega”. Marques Mendes ainda fez pior: para ele tudo não passou de equívoco quanto a datas entre o potencial vendedor e o potencial comprador. Marques Mendes tem de crescer em capacidade argumentativa para continuar a comentar em televisão.
Não obstante as esfarrapadas explicações da maioria terem constituído o prato forte da noite, não se deve silenciar a posição assumida pelo PS sobre um tema que tanto interessa aos portugueses e sobre o qual nem sequer há dúvidas acerca da solução que eles verdadeiramente apoiam. Com excepção de João Galamba, que infelizmente conta muito pouco, a nomenklatura do PS que se manifestou – Zorrinho, António Costa, Seguro – estava muito mais interessada na desqualificação de Passos Coelho (o que já parece desnecessário…) do que na defesa de uma solução para a TAP verdadeiramente conforme ao interesse nacional. António Costa até chegou ao ponto de se distanciar claramente do juízo de suspeição que, segundo ele, Pacheco Pereira estava fazendo daqueles que no Governo têm conduzido na sombra – isto é, sem a competência institucional adequada – os processos de privatização.
É bom que os grandes responsáveis do PS não andem sobre esta matéria a tentar enganar os portugueses, fazendo-os crer que um processo de privatização da TAP conduzido com lisura (que é um substantivo que, por definição, dificilmente se ajusta ao conceito de privatização…) poderia salvaguardar todos os interesses estratégicos, políticos e afectivos ligados à existência de uma companhia aérea de bandeira detida pelo Estado. Isto não é possível, nem sequer é exigível que o seja para quem estiver disposto a comprar pelo justo preço uma empresa como a TAP.
A opção não é apenas entre um negócio conduzido por vigaristas e um negócio conduzido por gente relativamente séria, a opção – a única opção que efectivamente existe – é entre uma empresa privada com tudo o que isso significa e uma empresa pública capaz de conciliar os interesses estratégicos de natureza político-económica do país com uma gestão racional e eficiente. Uma empresa privada, qualquer que seja o caderno de encargos, é uma empresa que terá, como não pode deixar de ser, o lucro como seu principal interesse estratégico, estando a defesa de outros interesses subordinada e dependente daquele objectivo principal. Interesses secundários só serão prosseguidos se e enquanto servirem o objectivo principal. Se é assim que actuam todas as empresas por que admitir ou fazer crer que neste caso se passaria o contrário?
Além de que a posição que o PS tem vindo a defender – insistindo apenas na questão da transparência – abre a porta e deixa o caminho aberto à tese defendida pelas Finanças: ver-se livre da dívida da TAP, entregando a empresa a quem a assumir a por inteiro. Foi isto o que ainda ontem a Secretária de Estado deixou evidente quando afirmou que este, se pudesse ter sido feito – e a gente sabe porque não foi –, seria um excelente negócio, não pelo que o Estado receberia do comprador (realmente nada, tanto assim que a ausência dessa ridícula verba não afecta as contas deste ano), mas pela desoneração implicaria no plano da dívida pública.
Este raciocínio, típico de um burocrata das finanças incapaz de compreender o que vá para além de um simples cálculo contabilístico, ficou agora potenciado pelo facto de a primeira tentativa ter sido abortada. E é contra isto, contra este tipo de soluções, que tem de ser mantida a luta contra a privatização da TAP, explicando, por um lado, que ela leva necessariamente à descaracterização da empresa e, por outro, demonstrando que é perfeitamente possível jurídica, económica e politicamente recapitalizá-la de modo a mantê-la completamente na órbita do Estado.
Que quem no PS e no próprio CDS (como, por exemplo, Ribeiro e Castro) defende esta posição não tenha receio de se bater por ela  contra as direcções partidárias na certeza de que terá a seu lado a maioria do povo português e de todos os portugueses espalhados pelo mundo.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

A PRIVATARIA DE PASSOS E RELVAS NÃO PASSOU


MAS AINDA É CEDO PARA CANTAR VITÓRIA
 
 
Um dos mais escandalosos negócios da história da democracia portuguesa esteve a milímetros de se concretizar. De momento o negócio foi inviabilizado, mas ainda é cedo para cantar vitória.
Dentro do próprio Governo, na sociedade portuguesa, na oposição e até em sectores influentes do estrangeiro, tanto de portugueses como de estrangeiros, um coro de reprovações e de protestos impediu que o que já estava “acordado com todos os pormenores” acabasse por não vingar.
Mas “eles” continuam lá e não vão desistir com facilidade. É certo que nem sequer tiveram coragem de vir dar a notícia, tal o estado de prostração em que se encontram. Mandaram os juniores dar as explicações. Mas o povo percebeu o que se passou.
Também não pode haver dúvidas de que as forças que advogam a privatização, embora sem os processos imaculados defendidos por Relvas e Passos, continuarão apostados em fazê-la rapidamente, de preferência dentro da União Europeia.   Muito provavelmente vão contar doravante com a oposição daqueles que já tinham “tudo acordado”. E dessa luta fratricida entre os defensores dos processos imaculados e outros, os que acima de tudo se querem ver livres da dívida (e que desempenharam um importante papel na inviabilização da operação) podem tirar partido todos aqueles que na sociedade portuguesa querem manter a TAP no domínio público.
Na defesa deste objectivo, além dos múltiplos sectores da sociedade portuguesa que se manifestaram contra a privatização e dos partidos de esquerda que a ela se opõem, desempenhará um papel decisivo o PS.
Sobre o PS recai a responsabilidade maior de advogar sem reticências a natureza pública da TAP, defendendo a sua viabilidade e a recapitalização da empresa nos mesmos termos em que outros países o têm feito na União Europeia relativamente a sectores estratégicos da economia de cuja propriedade ou controlo o Estado não abdica. Nada no direito comunitário o impede, por maiores que sejam as dificuldades levantadas ou a levantar pelos sectores (hegemónicos) da ortodoxia neoliberal da Comissão Europeia.
É para este combate que o PS tem de estar preparado se quiser ter uma actuação conforme ao reclamado pelo sentimento popular.
E tem de estar preparado não apenas para fazer face às dificuldades levantadas pela Comissão Europeia, mas também cá dentro àqueles que já “tinham tudo acordado”. E nem sequer será necessário indicar nomes para imediatamente se perceber qual ou quais, além dos que no Governo defendiam a "venda" imediata da empresa, os representantes do sector financeiro altamente interessados na realização do negócio agora abortado por via de uma conjugação muito heterogénea de forças. Esse ou esses sectores financeiros sempre muito empenhados, tal como Relvas, em processos imaculados de negócios tudo farão, tudo continuarão a fazer, para relançar as bases de um negócio que também já davam por concluído.
Finalmente, pode dar-se o caso – tudo vai depender de desenvolvimentos futuros – que esta enxovalhante derrota marque o princípio do fim (próximo) do Governo de Relvas e Passos Coelho!

A PRIVATARIA DE PASSOS E RELVAS


E TUDO, TUDO SE VAI…

A fúria privatizadora de Passos e Relvas, com a cumplicidade de Portas e de Cavaco, doutrinariamente apoiada por Gaspar, não pode ser analisada apenas a partir da ideia hoje muito difundida e praticamente consensualizada de que interessa ao Governo acima de tudo agradar aos credores e actuar nos mais diversos campos da política de acordo com os ditames impostos do exterior na convicção de que esse comportamento acabará por render frutos. Esta análise, apesar de assentar em factos incontroversos que diariamente se repetem e que podem ser confirmados até pelo observador menos atento, não é porém suficiente para explicar tudo o que se está a passar.
 
De facto, as "privatizações iminentes", no plano das receitas, não vão render ao Estado nada ou quase nada e, no da dívida, terão efeitos praticamente irrelevantes dada a ténue incidência da sua (eventual e, pelos vistos, até problemática) transferência para o comprador no cômputo global da dívida pública; por outro lado, as desvantagens decorrentes da perda regular de receitas significativas (lucros) e a aleatoriedade a que doravante fica sujeita a venda de importantes serviços ao exterior (exportações), desde logo por uma parte significativa desses serviços poder passar a ser contabilizada noutro ou noutros países, configuram no puro plano económico as "privatizações iminentes"  como um negócio ruinoso para o país, dificil de conceber por mais incompetente que seja a gestão dos interesses nacionais.  E nem sequer em sua defesa se poderá alegar, dentro da habitual lógica de subserviência aos intereses estrangeiros, a pressão dos credores já que os presumíveis novos proprietários dessas empresas nem sequer são oriundos dos países credores.
 
Assim, se do ponto de vita económico-financeiro as "privatizações iminentes" (ANA, TAP, RTP) constituem um verdadeiro desastre poderão elas justificar-se no plano puramente ideológico por parte daqueles que perfilham a tese de que tudo o que é do Estado é por definição mau e de que não há nada pior no plano da racionalidade económica do que a apropriação colectiva de qualquer tipo de bens, principalmente dos bens de produção?
 
É indiscutível que há hoje no moderno capitalismo neoliberal uma fortíssima corrente ideológica disposta a sacrificar todo e qualquer interesse colectivo, defendido e assegurado pelo Estado, à pureza do princípio que tudo manda apropriar privadamente. Basta dizer que muitas, talvez até a maior parte, das proibições do moderno capitalismo desregulado (parece um paradoxo, mas não é…) assentam em concepções ideológicas tão rígidas (como a famigerada proibição das “ajudas de Estado”) que quase fazem parecer inócuas muitas das que existiam no “socialismo real” e que eram alvo da chacota dos que agora defendem essas mesmas “ortodoxias” com o mesmo afinco com que aquelas eram levadas à prática. Basta dizer que é por razões puramente ideológicas que se levantam hoje obstáculos à capitalização da TAP pelo Estado, não obstante os incalculáveis benefícios que tal investimento poderia trazer. Razão, todavia, não suficiente para impedir que Estados fortes da União Europeia, como, por exemplo, a França e Alemanha capitalizem empresas nacionais estratégicas sempre que entendem corresponder tal investimento ao interesse nacional dos respectivos países.
 
Serão então razões ideológicas, aliadas à fraqueza de quem docilmente se submete aos ditames do exterior, que levarão Passos e Relvas a serem tão insensíveis não apenas aos efeitos económicos mas também aos efeitos políticos devastadores dessas mesmas privatizações facilmente depreendíveis das unânimes reacções que todos os dias se ouvem de cidadãos anónimos na comunicação social?
 
Apesar de Passos, pela sua incultura e inexperiência, ser em grande medida prisioneiro da vulgata neoliberal, muita facilitada pela presente conjuntura, não parece ser essa neste caso a verdadeira razão da sua actuação. Primeiro, porque no partido, quanto mais não seja por instinto de sobrevivência política, não falta quem se oponha, mesmo entre os próximos do Governo, a estes desvarios neoliberais, principalmente naqueles casos em que os seus efeitos são duradoiramente nocivos e inapagáveis na memória colectiva por atingirem, no imaginário popular, interesses e bens identitários cuja perda ficará para sempre ligada à governação do PSD. E depois porque ninguém, absolutamente ninguém, vê Relvas a bater-se pela defesa de um interesse puramente ideológico.   
 
Tem de haver, portanto, outras razões. Perguntar-se-á: mas se houver outras razões, o que justifica a passividade de Portas e de Cavaco. Portas, como já se percebeu pelas pseudo-crises que protagonizou neste último quadrimestre do ano, não tem “liberdade de acção”. Portas está enredado nas teias em que se enleou, ele o seu partido, na sua anterior passagem pelo governo. Ele sabe que o PSD de Relvas & C.ª conhece muito bem o seu percurso político e o mais que Portas conseguiu nas tais falsas crises em que interveio foi estancar a torrente noticiosa de certas “agências de informação”. Por outro lado, todo o percurso político de Portas perderia sentido se renunciasse ao único governo em que tem possibilidade de estar.
 
E Cavaco, por que não actua? Cavaco não actua por covardia política e também porque jamais praticaria qualquer acto que fosse no sentido de favorecer os seus inimigos e adversários políticos, mesmo que essa actuação, a seu juízo, lhe fosse ditada pela defesa do interesse nacional.


Portanto, quando nós ouvimos o Ministro Miguel Relvas enaltecer, com ar de extrema felicidade, a transparência das privatizações e o processo imaculado que tem sido seguido, todos nós, quase sem excepção, somos levados a a pensar que é exactamente nessa “alvura” de processos e procedimentos que tem de ser encontrada a razão para o cumprimento escrupuloso do "calendário das privatizações", custe o que custar.
 
Mas se Relvas empresta a qualquer processo em que participe a marca imaculada da sua acção, poder-se-á dizer o mesmo de Passos Coelho? O tempo da inocência terminou. Passos Coelho é igual a Relvas. A mesma “alvura”, a mesma  imaculada conduta é de esperar dele ou não fosse ele o grande defensor de Relvas.
 
Passos Coelho e Relvas são duas almas gêmeas. Os interesses de um coincidem com os interesses do outro.
 
Passos chega mesmo a ir mais longe do que Relvas na defesa do interesse nacional. Atente-se nas palavras que proferiu no passado fim de semana, entre a juventude do PSD, sobre os cortes nas reformas. Alguém com responsabilidades políticas neste país seria capaz de com tanta eloquência explicar à juventude a extorsão que os mais velhos estão a fazer do trabalho das actuais gerações laboriosas? Alguém com as mais altas responsabilidades políticas teria a sageza para sibilinamente apelar no plano político a uma revolta dos mais novos contra os mais velhos ou no plano pessoal ou doméstico a criar um clima capaz de favorecer os devidos ajustes de contas? Não, certamente não há entre nós muitos políticos com virtudes comparáveis às do nosso excelso primeiro ministro. Por isso, distingui-lo de Relvas é uma injustiça que Passos não merece.

A privataria de Passos e Relvas é a palavra de ordem do governo português!

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

MARCELO REBELO DE SOUSA



NUNCA SE VIU TANTO EMPENHO
 

 

Que Marcelo é um dos nomes fortes e mais influentes da direita já todos sabemos há muito tempo. O que desconhecíamos no seu trajecto político, apesar de todo o seu habitual intervencionismo nas lides político-partidárias, era a sua disponibilidade para se envolver tão intensamente na defesa de um governo, como está a fazer com este governo de Passos Coelho. Pode mesmo dizer-se, sem ironia, que a sua envolvência com o governo em funções é maior do que a que ele tinha consigo próprio quando era líder do PSD.

Se bem nos recordarmos, Marcelo tem, desde o 25 de Abril, por razões diversas, mantido uma atitude crítica relativamente a todos os governos de direita, sem prejuízo de os ter apoiado, mas nunca com o fervor com que agora defende o actual, desde as coisas mais comezinhas até às mais importantes.

Com Sá Carneiro na chefia do governo, Marcelo embora reconhecendo, como toda a direita, quão importante era a chegada do PSD ao poder quatro anos depois da Revolução, nem por isso deixou de marcar algumas distâncias relativamente ao "líder fundador", a ponto de, juntamente com mais dois conhecidos políticos de direita, ter apresentado uma espécie de alternativa chamada, salvo erro, “Jovem Esperança”.

Depois, por morte de Sá Carneiro, veio Balsemão. E os ataques de Marcelo, como subdiretor do Expresso (propriedade de Balsemão), ao governo e ao Primeiro Ministro foram de tal ordem que Balsemão para se livrar da perversidade do seu empregado jornalista o convidou para Ministro, para o ter mais próximo e controlado. Mas sem qualquer sucesso, já que foi exactamente nesse lugar desse atarantado governo da “AD dois” que Marcelo mais conspirou contra o Primeiro Ministro.

Mais tarde veio Cavaco por dez anos e apesar de toda a força e influência de Cavaco apenas terá mudado o tom das críticas e às vezes a falta de oportunidade para as fazer. Mas sempre que essa oportunidade aparecia lá estava Marcelo a deixar a sua ferroada na nova e indiscutível liderança.

Passou-se uma boa meia dúzia de anos até que a direita voltasse ao poder com Barroso como Primeiro Ministro. Pois apesar de Marcelo estar psicologicamente em baixo – tinha perdido a liderança do partido para o actual presidente da comissão europeia – nem por isso a sua veia crítica perdeu entusiasmo ou esmoreceu. Depois seguiu-se Santana Lopes e então foi um verdadeiro “fartar vilanagem” como nunca se tinha visto antes, a ponto de alguns terem interpretado aquela cruzada contra o antigo companheiro da “Jovem Esperança” como um acto de indisfarçável despeito por Santana ter chegado, embora nas específicas condições em que chegou, às funções que Marcelo, desde outro Marcello, tanto ansiava para si.

Tem que haver, portanto, uma explicação para esta defesa tão intransigente e tão militante do Governo de Passos Coelho. Com excepção das críticas a Relvas – mas Relvas não conta porque realmente não há quem o possa defender – tudo o mais Marcelo defende desde o que tem pouca importância até ao que realmente é muito importante. Marcelo defende as privatizações – as escandalosas privatizações da RTP, da ANA, da TAP assim como defendeu a da EDP -, defende a subserviência de Passos perante a Europa, defende o Orçamento, como antes defendeu todas as medidas que nele estão inscritas ou que Passos gostaria de lá inscrever, defende a descaracterização do Estado social, justifica os maiores disparates do Governo como “falhas de comunicação”, enfim, desempenha o papel de um porta-voz de luxo reinterpretando e recriando as mais incríveis decisões do governo com vista a fazê-las passar como actos razoáveis e necessários face à “grave situação que o país atravessa”.

E tudo isto porquê? Tem de haver uma explicação. Nos dias que correm a explicação mais corrente para compreender fenómenos como este assenta na ideia de que “não há almoços grátis” ou de que “ninguém corre de graça”. Não parece todavia que seja o caso, nem mesmo na hipótese de a recompensa (ou a “contraprestação”) consistir num futuro apoio a uma candidatura a Presidente da República. Pela razão simples de que muita água daqui até lá passará por baixo das pontes, não sendo nada seguro saber-se a esta distância quem nessa altura “mandará” no PSD”. Embora esta questão da Presidência da República não esteja ausente das suas preocupações, a verdadeira razão para o entusiasmo com que Marcelo quase todos os dias aparece a defender o governo parece ser outra.

Marcelo percebeu, como toda a gente, que este é, desde o 25 de Abril, o governo mais à direita que Portugal teve. Um governo que está levar à prática aquilo com que a direita sempre sonhou desde o 25 de Abril mas que nunca até hoje tinha tido condições para concretizar: a desforra. E é essa desforra, esse desmantelamento do que de mais importante foi conquistado com a Revolução, que entusiasma verdadeiramente Marcelo.

Marcelo também sabe que essa desforra não pode incidir, pelo menos para já, sobre as chamadas “liberdades formais” da democracia representativa, mas sabe também que se os direitos económicos e sociais de quem trabalha forem verdadeiramente atacados, precarizados, fragilizados estarão criadas as condições para que “em democracia” a direita possa fazer quase tudo o que fazia em ditadura. Essa a razão do entusiasmo de Marcelo.

Enganam-se aqueles que pensam que Marcelo tinha tudo para uma grande carreira política mas que por força das suas “traquinices” e perversidades tudo tem deitado a perder. Sim, Marcelo aspirava, na sequência e na continuidade do marcelismo, a uma grande carreira política que o 25 de Abril traumaticamente impossibilitou. Hoje, ao ver parcialmente recriadas aquelas condições, Marcelo voltou a acreditar que tem hipóteses. Mas para isso é preciso reforçar quotidianamente a defesa do governo para que este possa concluir a tarefa a que meteu mãos.  

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

SUBSERVIÊNCIA DESCARADA


 
MAIS UM CASO

O que se passou a propósito da extensão a Portugal (e à Irlanda) da chamada “suavização” das condições impostas à Grécia pelo Eurogrupo e pelo FMI é mais um triste exemplo da ausência de um Governo digno desse nome à frente dos destinos do país.

Nem sequer importa aqui discutir se as novas condições da Grécia vão ou não resolver os problemas com que os gregos se deparam. Quem não está intoxicado pela “ausência de alternativa” sabe perfeitamente que a decisão do Eurogrupo/FMI mais não foi do que um simples paliativo destinado a tentar esbater as dramáticas consequências de uma política sem saída, imposta pelos credores, que agrava drasticamente as condições de vida do povo grego. Uma política cuja responsabilidade recai fundamentalmente sobre a Alemanha mas também sobre todos aqueles que, por subserviência ou cálculo político, a apoiam, quaisquer que tenham sido as responsabilidades iniciais dos governantes gregos.

O que importa sublinhar é que do ponto de vista daqueles que acreditam que a “suavização” concedida à Grécia pelo Eurogrupo/FMI pode traduzir-se num relativo alívio das medidas de austeridade e das políticas restritivas que têm sido impostas aos devedores, se justificava a sua extensão a Portugal e à Irlanda. E foi isso que Jean-Claude Juncker começou por afirmar à saída do Eurogrupo, tendo logo a seguir Victor Gaspar dito mais ou menos o mesmo.

Umas horas depois o ministro alemão da economia, Schäuble, veio dizer exactamente o contrário logo secundado pelo seu homólogo francês. Ainda o eco destas palavras se não tinha esbatido na Europa, já Passos Coelho em Cabo Verde se apressava a concordar com a posição alemã.

Este triste episódio só ganha importância por representar com muita fidelidade o que é hoje a União Europeia.

Juncker, que diz ter muita simpatia pelos portugueses, provavelmente por ter ao seu serviço como empregada doméstica alguma nossa concidadã, faz frequentemente o papel de “polícia bom”, sem nunca se esquecer de a hora da verdade obedecer caninamente à voz do chefe. E Victor Gaspar que, apesar de todo o seu dogmatismo, começou por reclamar igualdade de condições para os “países de programa”, também não teve qualquer problema em mudar de opinião mal pressentiu que aquele não era o caminho indicado pela ortodoxia dominante. Por seu turno, a França de Hollande, em quem os nossos socialistas depositavam tantas esperanças, depois da aparente arrogância inicial, tem cada vez mais saídas de sendeiro, recebendo como recompensa dos alemães o pseudo estatuto de par privilegiado, farsa em que os franceses participam convencidos de que é esse o estatuto que os demais lhe atribuem. Finalmente, Passos Coelho é o exemplo acabado da subserviência política, capaz de tudo sacrificar a uns elogios de ocasião e a umas palmadas nas costas dadas com o ar paternal de quem conta com uma obediência submissa.  
E pode um Governo destes continuar a governar?

 

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

"ELES" ESTÃO DE VOLTA



TEMOS DE OS PÔR NA RUA

Começa a ser fastidioso, às vezes quase penoso, escrever com regularidade sobre a situação política portuguesa. Há muito se sabia o que ia acontecer, apesar de raras vezes, em tudo quanto se conhece da intervenção nos países devedores das instituições internacionais representantes dos credores, ter havido da parte dos governantes daqueles países uma tão profunda sintonia com as exigências dos credores como aquela que se verifica em Portugal entre o Governo português e a Troika. Pode mesmo dizer-se que a experiência internacional decorrente da acção das Instituições de Bretton Woods, nomeadamente do FMI e agora, na Europa, além deste, do BCE e da Comissão Europeia, não regista nenhum caso, nem sequer no mais remoto e mísero país africano, de subserviência e de sintonia ideológica tão completa como a que a Passos e Gaspar, com a cumplicidade activa de Portas, têm dado provas ao longo deste quase ano e meio que já levam de governo.

Mas, em boa verdade, nem isto constituiu uma novidade. Apesar de Gaspar não ser conhecido do grande público, o que se foi ouvindo de Passos Coelho antes da eleição, nomeadamente a propósito da revisão constitucional, e principalmente o que foi sendo repetidamente dito pelos que em representação do PSD negociaram com a Troika o famigerado “Memorando de Entendimento”, deixava antecipar tudo o que depois tem sido concretizado e que na realidade só esperava um bom pretexto para poder ser posto em prática.

E aqui começa o primeiro grande equívoco daqueles que continuam a afirmar e a fazer a sua campanha de oposição com base na ideia de que o “Governo falhou e o Povo cumpriu”.

Em primeiro lugar, o Povo não cumpriu nem deixou de cumprir: o Povo foi obrigado a agir conformemente às directrizes do Governo, porque, detendo o Poder o monopólio exclusivo da força, ele pode assegurar com base na coacção ou na ameaça do seu exercício a eficácia das medidas adoptadas.

Por outro lado, o Governo não falhou: o Governo está a fazer e a alcançar gradualmente os objectivos que pretendia atingir.

Também já aqui foi dito vezes sem conta que o Governo promove o desemprego para deflacionar os salários e prossegue uma política altamente restritiva, com profundas consequências na limitação da procura interna, para levar à falência milhares de empresas, expurgando assim a "má oferta", exatamente para diminuir as importações e reduzir drasticamente o défice externo ou até eliminá-lo, com a vista a transferir os excedentes para os credores, nomeadamente externos.

Esta política, que representa uma mudança profunda de paradigma e tem a seu favor o facto de ter sido posta em prática em pouquíssimo tempo, com um grau de brutalidade sem paralelo em nenhum outro país no mundo, só pode eficazmente combater-se com base numa acção que, desmascarando-a e denunciando-a, aponte para caminhos completamente diferentes.

Todavia, para ficar completa, aquela política terá de ser acompanhada por reduções efectivas e vultuosas do défice orçamental, o que dada a situação depressionária da economia portuguesa só se conseguirá com cortes substanciais na despesa pública. E esse será o próximo passo do Governo, reduzindo drasticamente a despesa do Estado em dois planos: despedindo dezenas de milhares de funcionários públicos e diminuindo o montante das pensões de todos os aposentados bem como cortando substancialmente as despesas sociais (saúde, educação e prestações sociais).

Ora bem: isto não são medidas conjunturais e muito menos de duração limitada. São medidas definitivas tendentes a criar e a consolidar um quadro institucional, político, económico e social completamente diferente daquele que hoje temos e que está consagrado na Constituição.

Continuar a insistir na ideia de que o Governo falhou é, mais do que um equívoco, uma cumplicidade. A cumplicidade de quem acredita que será com base nestas políticas, aplicadas, aqui ou além, com outra moderação, que Portugal sairá da profunda crise em que se encontra.

A nossa resposta, a resposta do Povo português – e estamos certo que ela será dada muito brevemente – tem de consistir numa verdadeira alternativa ao que está sendo feito. E esta alternativa, por muito que se discuta ou até se afirme a sua inexistência, só poderá consistir num corte radical da despesa pública incidente sobre o serviço da dívida pública.

Esta tem de ser a nossa contribuição para nos mantermos no euro e na União Europeia. Uma contribuição que, embora possa ser negociada, tem de assegurar aquele resultado. Esperar ou ter fé em que a Europa mude, acreditar que será por força de pressões externas, nomeadamente americanas, mas também de países emergentes, que as mudanças vão ocorrer, ou admitir que haverá uma alteração da correlação de forças na Europa, ou, mais ingenuamente ainda, supor que depois das eleições alemãs estarão criadas as condições para se iniciar a mudança, é uma ilusão que se pagará muito caro e mergulhará o país num caminho sem regresso.

Todos estes factores, a existirem, poderão e deverão ser aproveitados negocialmente, sem, porém, nunca esquecer que a verdadeira alternativa é que admite, sem hesitações, “começar de novo” e escolher outros rumos. Rumos que certamente nos farão passar por alguns momentos difíceis, mas que nos permitirão num prazo razoável (e suportável) recuperar a nossa independência, a nossa dignidade e o nosso bem-estar.  

Para terminar, os mais velhos que viveram o Portugal salazarista e aqueles que, sendo mais novos, o estudaram ou dele têm conhecimento por tradição familiar, não terão grande dificuldade em compreender que, embora num contexto politicamente muito diferente, há na actual situação política portuguesa sintomas que perigosamente a aproximam do país pobrezinho e coitadinho, iletrado e sem saúde, da miséria digna, de onde a muito custo saímos numa vitória não consolidada.

Aliás, não deixa de ser sintomático que certos episódios tenham ocorrido agora, neste tempo, e nunca verdadeiramente tivessem ocorrido antes por maior que então parecesse o domínio da direita.

Basta citar, a título de exemplo as declarações da “tia Jonet” e a “homilias” de Marcelo Rebelo de Sousa ao domingo à noite. Não obstante a senhora se dedicar àquele tipo de actividades há cerca de vinte anos e de Marcelo fazer comentário político, sempre muito interventivamente, desde o 25 de Abril, nunca, nem um nem outro, se sentiram tão soltos, tão á vontade, para deixar vir ao de cima tudo o que realmente são como actualmente. Porque, obviamente, tanto um como outro perceberam ou acreditaram que haverá uma “maré nova” que os aproxima do passado…

 

(Este post é a minha homenagem ao Zé Rui Faria de Abreu, na esperança, sempre falível, de que gostaria de o ter lido).

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

OPERAÇÃO OUTONO


 
UM CRIME QUE FICOU IMPUNE

 

Baseado no livro “Humberto Delgado – Biografia do General Sem Medo”, da autoria de Frederico Delgado Rosa, Bruno Almeida realizou um filme sobre o assassínio de Delgado pelo regime salazarista, que para o efeito se serviu da mão criminosa da PIDE.

Esta nota não tem por objectivo fazer a crítica do filme, mas tão-somente evidenciar aquilo que logo em 1981 – data do julgamento – parecia óbvio. O General Sem Medo era uma personalidade tão incómoda que mesmo depois de morto continuava a incomodar. Convinha, por isso, pôr uma predra sobre o "Caso Delgado" o mais  rapidamente possível  e encerrá-lo de uma vez por todas com uma “decisão politicamente correcta”, como hoje se diria ou, como os juristas costumam dizer, de acordo com a “verdade processual” judiciosamente trabalhada.

Embora desde o desaparecimento de Humberto Delgado, em Fevereiro de 1965, não houvesse grandes dúvidas por parte da generalidade da oposição de que o General tinha sido preso ou assassinado pela PIDE com a prévia anuência de quem mandava na polícia, foi preciso esperar um pouco mais de dois meses para se ter a confirmação de que Delgado tinha sido assassinado e depois esperar muito mais tempo, até Abril de 2008, para se ficar a saber, praticamente com todos os pormenores, como tudo se passou.    

Esse trabalho deve-se a Frederico Delgado Rosa, neto do General e historiador. Numa excelente biografia de mais de 1200 páginas, relata, na base de aturadíssimo trabalho de investigação, em pouco mais de cem páginas, os últimos dias do General, o crime praticado pela PIDE, as consequências políticas do assassinato e o julgamento -  capítulos 23, 24 e 25 - “Exílio na Argélia”, a “Cilada de Badajoz” e o “Caso Delgado”.

A morte de Delgado é uma vingança torpe e covarde de Salazar, humilhado, tal como a PIDE, pela imprevisibilidade da sua acção política e pelo ridículo a que frequentemente os sujeitou.

O julgamento em tribunal militar do “caso Delgado”, ocorrido já em liberdade, foi uma farsa. Numa farsa em que, infelizmente, muita gente colaborou, embora não necessariamente com os mesmos propósitos ou objectivos. Apesar de o “Caso Delgado” continuar bem presente nos meios anti-fascistas, a verdade é que à época do julgamento as forças democráticas genuinamente interessadas num julgamento sério já não tinham, no plano da opinião pública, a força suficiente para impor um julgamento conforme à verdade material.

 Apesar dos esforços do Promotor de Justiça, coronel Casimiro Dias Morgado, o tribunal acabou por adoptar a tese que mais convinha ao salazarismo e à Pide, o mesmo é dizer à direita, que, depois de ter recuperado a iniciativa com o 25 de Novembro e ter passado a ser eleitoralmente maioritária com a Aliança Democrática, não estava nada interessada na constatação judicial de factos que pusessem a nu a natureza criminosa do regime do qual sob múltiplos aspectos havia sido cúmplice nem em criar mais um facto eventualmente polarizador dos que antes do 25 de Abril se bateram pela democracia. Por outro lado, sectores reaccionários das Forças Armadas entretanto recuperados, igualmente com múltiplas cumplicidades com o regime deposto, nomeadamente com o seu aparelho repressivo, acabaram por servir na perfeição aquele desígnio.

E foi assim que o tribunal acabou por impor a tese segundo a qual Casimiro Monteiro, contra o pano estabelecido, matou Delgado num impulso criminoso como reacção à impulsividade do General ao aperceber-se de que o “encontro de Badajoz” não passava de uma cilada. Ou seja: o tribunal concluiu exactamente ao contrário do que se passou. Delgado tentou reagir quando se apercebeu dos propósitos homicidas dos algozes da PIDE.

Com a “versão judicial” se inocentou (politicamente) Salazar e criminalmente Silva Pais, Barbieri Cardoso, Álvaro Pereira de Carvalho, Rosa Casaco, Tienza e Ernesto Lopes Ramos. Só o facínora Casimiro Monteiro, já a bom recato na África do Sul, foi condenado pelo homicídio.

Como na altura disse Manuel Geraldo, o julgamento de Santa Clara foi A Segunda Morte de Humberto Delgado!

Uma Revolução que, em tempo oportuno, não foi capaz de condenar um crime com a importância política  do assassínio de Humberto Delgado, responsabilizando todos os seus autores morais e materiais, era inevitavelmente uma revolução condenada ao fracasso.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

MELO ANTUNES


UMA BIOGRAFIA POLÍTICA
 

Foi hoje ao fim da tarde apresentada na Gulbenkian, a biografia de Melo Antunes – Melo Antunes - Uma Biografia Política – da autoria da jovem, mas já consagrada historiadora do 25 de Abril e do MFA, Maria Inácia Rezola.
 
Tereza Patrício Gouveia leu em nome do Presidente da Fundação Gulbenkian um pequeno texto evocativo do biografado. Joana Melo Antunes falou do Pai com comovente simpatia e agradeceu em nome da família a obra que ajudará a perpetuar o papel de Melo Antunes na Revolução dos Cravos. António Reis sintetizou numa cuidada e bem elaborada intervenção o roteiro da biografia e a personalidade política do biografado. Vasco Vieira de Almeida, numa intervenção brilhante, analisou as raízes do pensamento político e da formação intelectual de Melo Antunes percorrendo os grandes princípios do marxismo libertário tanto na sua génese como no seu posterior desenvolvimento e aprofundamento gramsciano. Vasco Lourenço, tendo por referência o processo de destruição em curso das bases democráticas do regime fundado na sequência do 25 de Abril, evocou o amigo, o companheiro de armas e o camarada de acção política, não deixando implicitamente de lamentar em tom auto-crítico não ter sabido o MFA impor-se com mais firmeza como presença incontornável no devir do regime. Finalmente, Ramalho Eanes lembrou que nestes “tempos dramáticos o país deve inspirar-se nos seus maiores”, como é o caso de Melo Antunes, a quem atribuiu a paternidade da democracia em Portugal. 
 
Na História tão frequentemente mal contada e deturpada do 25 de Abril, Melo Antunes ocupa, para o bem e para o mal, um lugar incontornável nos acontecimentos capitais do processo revolucionário, desde o contributo decisivo para a textura ideológica do Movimento dos Capitães na fase conspirativa, passando pelos diversos governos provisórios, a descolonização e os movimentos de massas que fizeram avançar a Revolução e simultaneamente diminuir perigosamente a sua base de apoio, até à rotura que levou à fragmentação do MFA, por irredutibilidade das partes em confronto, e a alianças que se revelaram fatais para o desenvolvimento do próprio projecto político que Melo Antunes acalentava para Portugal.
 
De Melo Antunes ficará como marco inapagável da sua acção política a descolonização e a compreensão certeira do nacionalismo africano que em última instância animava os Movimentos de Libertação. Melo Antunes nunca se deixou enlear pelos antagonismos da Guerra Fria nem pela deturpada percepção que os representantes dos blocos em confronto iam tendo das múltiplas vicissitudes ligadas ao processo de descolonização. A descolonização foi a que tinha de ser e ela, para o ser, tinha (e tem) de ser acima de tudo obra do descolonizado. Melo Antunes compreendeu isto como ninguém: à simpatia intelectual pelos movimentos terceiro-mundistas, juntava três comissões militares em África no curto espaço de uma dezena de anos. O seu humanismo fez o resto.
 
Da luta pelo projecto democrático em Portugal, ficará a impossível combinação da democracia participativa de raiz amplamente popular com as degenerescências inevitáveis da democracia representativa. Ai, Melo Antunes falhou. Mas quem conseguirá romper a “quadratura do círculo”?

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

O “NÚMERO” DO FMI





LUTANDO, VENCEREMOS!
 
 
Ninguém pode acalentar ilusões com base nas declarações de algum responsável do FMI ou mesmo nalgum relatório aparentemente crítico sobre as políticas que vem sendo seguidas na zona euro.
O FMI já fez alguns destes “números” na década de oitenta e, principalmente, na de noventa do século passado. Sempre que a pressão externa aumentava muito, relativamente ao que eles andavam a fazer em África e mais tarde na Ásia e na América Latina, lá vinha esta espécie de mea culpa para atenuar a contestação e depois, passada a fase crítica da contestação em grande escala, continuava tudo mais ou menos na mesma.
Há coisas que toda a gente deve saber e uma delas é esta: quem manda no FMI é o Tesouro americano e quem manda no Tesouro americano é Wall Street. Portanto, se o Seguro e o João Almeida querem saber se o FMI vai mudar de política que perguntem ao capital financeiro.
Pela nossa parte o que temos de continuar a fazer é a lutar contra isto, certos de que aqueles que no passado já venceram batalhas semelhantes, as venceram apesar do FMI.
Avizinham-se grandes dias de luta que começam já amanhã. Temos que lhes dar continuação na segunda e na quarta-feira.
Lutando, venceremos!

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O EMBAIXADOR DE ISRAEL



QUEM ASSUME A CULPA?

 

Vai uma grande comoção no MNE por o Embaixador de Israel, numa sessão relacionada com o Holocausto, ter dito publicamente que Portugal foi o único país que colocou a sua bandeira a meia haste quando soube da morte de Hitler. E concluiu: “ É uma nódoa que para nós, judeus, vai aparecer sempre associada ao nome de Portugal”.

Paulo Portas, sentindo ultrajada a honra do país, chamou o Embaixador às Necessidades e, segundo o sempre bem informado Carlos Albino, pregou-lhe um valente raspanete.

Já antes, no Público, Pedro Lomba se tinha insurgido por o Embaixador ter mentido. Portugal não foi o único a colocar a bandeira a meia-haste. Teve a companhia da Santa Sé (Papa Pio XII), da Suíça e da Suécia! Não há nada como a fidelidade histórica. Mas não apenas: para Lomba esse era o comportamento adequado de qualquer Estado neutral. Salazar cumpriu o protocolo.

Que Portas e Lomba naveguem nas mesmas águas, embora pretextando viagens diferentes, a gente compreende. O que todos temos mais dificuldade em compreender é por que razão os alemães continuam a expiar os crimes cometidos pelos nazis, numa espécie de culpa colectiva, transgeracional, e os outros povos que igualmente praticaram horrores, ou que institucionalmente simpatizaram com os assassinos ou os homenagearam, devem ser individualmente culpados ou até desculpados.

Isto é que é mais difícil de perceber. Vichy, que Salazar tanto admirava, a ponto de para lá ter mandado um dos seus fiéis como Embaixador, Caeiro da Mata, durante anos e anos foi apenas acusada de “colaboracionismo”, quando o que na realidade se passou foi um “proselitismo” muito semelhante aos dos nazis. Foi preciso que Jacques Chirac chegasse ao poder para que a culpa da França pelo que se passou durante a Ocupação e, principalmente por Vichy, fosse assumida sem rodeios.

E do massacre de 1506, da matança da Pascoa, no Rossio, que nos dirão Portas e Lomba? Ainda hoje causa arrepios a leitura da crónica de Damião de Góis. É certo que o Rei, D. Manuel, fez alguma coisa …depois. Aliás, estava no Alentejo. Mas o mal estava feito. Como é possível tanto ódio e tanta selvageria? Esta uma nódoa bem maior, incomensuravelmente maior, do que a Salazar deixou na História de Portugal pelas suas simpatias pelo fascismo italiano e pela Alemanha hitleriana como principal baluarte contra o “perigo vermelho”. Até Churchill ele criticou pelo discurso proferido no dia seguinte ao da invasão da URSS.

O Embaixador falava do holocausto e da recuperação da casa de Aristides Sousa Mendes. Durante décadas (e não apenas durante a Ditadura) Sousa Mendes foi uma personalidade mal vista no MNE. Eram-lhe imputados múltiplos defeitos e graves falhas de serviço. Aliás, no processo disciplinar que lhe foi instaurado, foram os “bufos” de Salazar no MNE, todos diplomatas, que, pelos seus depoimentos, verdadeiramente o condenaram.

O tempo foi passando, a tradição oral no MNE sobre o comportamento de Sousa Mendes foi-se esbatendo, gradualmente foi prevalecendo a opinião corrente no país democrático e hoje ele é um herói, até no MNE. E é. Nem interessa saber se foram trinta mil os vistos que passou ou se foram muito menos. O que importa é que ele passou tantos vistos quantos os que humanamente podia passar, em poucos dias, e continuou a passá-los, em Hendaia, já depois de Salazar ter mandado encerrar o consulado de Bordéus. E se nem todos puderam aproveitar dos salvo-condutos passados, Portugal deve essa a desonra a Salazar e ao Embaixador Teotónio Pereira que, pressuroso, correu para Irun, para comunicar à Guardia Civil que não deveria aceitar os vistos passado depois de 24 de Junho de 1940.

Conclusão: a culpa, ou se preferirem, a vergonha, o opróbrio, têm de ser assumidos colectivamente pelo povo descendente dos que praticaram os feitos ignominiosos do mesmo modo que são assumidos com orgulho os feitos heroicos. E é por isso que o povo de Israel por muito que tenha sofrido no passado vai ter futuramente que suportar a culpa e a vergonha pelo modo infame como trata os palestinianos!

 

terça-feira, 6 de novembro de 2012

OS PORTUGUESES NÃO PODEM SER ENGANADOS



OS PORTUGUESES TÊM DE PRONUNCIAR-SE SOBRE OS CORTES NA DESPESA

Tudo começa com a ambígua, propositadamente ambígua, declaração de Passos Coelho sobre a “Refundação do memorando da Troika” e o subsequente convite ao PS para o acompanhar na concretização dessa tarefa. Ambígua e desonesta porque logo se percebeu que o convite nada tinha a ver, como ingenuamente alguns poderiam supor, com uma acção partidária conjunta destinada a negociar uma atenuação das condições draconianas impostas aos portugueses por aquele Memorando, mas, bem pelo contrário, visava aliciar o PS para uma alteração radical do modelo de sociedade consagrado na Constituição.

Para que não houvesse dúvidas, dias mais tarde, Marques Mendes num programa partidário de propaganda e intoxicação política, que a TVI 24 semanalmente lhe concede, veio tornar público que o Governo tinha recorrido à “assessoria técnica” do FMI para o ajudar a cortar cerca de 850 milhões de euros na Defesa e na segurança interna, mais três mil e quinhentos milhões de euros nas despesas sociais do Estado.

Perante estes factos nenhuma dúvida pode existir sobre as reais intenções do Governo. O Governo quer reduzir drasticamente a despesa na Educação, na Saúde e na Segurança Social, descaracterizando assim o modelo de Estado Social consagrado na Constituição, mediante o ataque ao princípio da universalidade e simultaneamente garantir que não falte aos credores o pagamento integral dos juros usurários que incomportavelmente sobrecarregam a despesa, a ponto de este ano já representarem uma das verbas mais onerosas inscritas no Orçamento.

Este corte brutal na despesa, porventura insuficiente para os fins em vista dadas as mais que óbvias consequências resultantes da execução do Orçamento de 2013, a verificar-se, não constituirá uma simples mudança de política, comportada pelo texto constitucional, mas antes uma verdadeira alteração do paradigma constitucional.

Assim sendo, e não há infelizmente qualquer espécie de dúvidas sobre isto (o Primeiro Ministro até já disse que não adianta a Constituição consagrar direitos se o Estado não tiver dinheiro para os fazer respeitar), a primeira conclusão que em democracia se impõe tirar é a de que alteração do paradigma constitucional exige uma revisão constitucional. E uma revisão constitucional desta envergadura, e com estas consequências, só pode ter lugar depois da realização de eleições na disputa das quais esta e todas demais questões com ela conexas sejam abertamente discutidas.

O mais normal, em regime democrático, nomeadamente num regime constitucional como o nosso, semi-presidencialista de base parlamentar, seria o Presidente da República impor as regras do jogo decorrentes da Constituição. Acontece que o Presidente da República está refugiado, ausente, em Belém, sendo convicção generalizada dos portugueses que ele lhes virou as costas num momento em que mais necessitavam de uma voz que os defendesse e que, acima de tudo, os não deixasse enganar. Seja por incapacidade temporária ou definitiva, como alvitra José Vítor Malheiros, seja por receio de exposição pública em virtude de a identidade ideológica com o Governo o obrigar, tal como este, a refugiar-se longe das vistas do povo, a verdade é que com o Presidente não se pode contar, se é que o seu silêncio não visa exactamente deixar passar o tempo na esperança de que a proposta do Governo, apoiada por uma poderosa campanha de desinformação, acabe por ficar aparentemente consensualizada.

Acontece que não será um simples debate público, sistematicamente enviesado pela reserva mental do Governo, que vai legitimar a tomada de uma decisão sobre o tema que está em discussão, por maior que fosse – e não é – o apoio que ele pudesse merecer no plano estritamente político-partidário.

O povo português tem de ser consultado. O povo português tem de ser devidamente esclarecido para poder decidir livremente.

Não passa de uma vigarice a afirmação posta a circular pelo Governo e propagandeada pelos seus habituais defensores (Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Mendes e outros comentadores da mesma linha) de que os cortes na despesa que "estão sendo estudados" em colaboração com o FMI não precisam de qualquer revisão constitucional. Precisam: a alteração substancial das funções do Estado, tal como estão consagradas na Constituição, não pode ser posta em prática sem revisão constitucional, sob pena de inconstitucionalidade.

Aliás, o programa que o Governo pretende pôr em prática tem em vista, como tantas vezes aqui se tem dito, “refundar radicalmente o modelo sócio-económico português”. O desemprego e as falências, embora sejam consequência das políticas recessivas que o Governo tão esmeradamente tem posto em prática, são mais do que isso: são objectivos intencionalmente procurados com vista à substituição do modelo económico existente. O Governo quer acabar, quer destruir, a maior parte da oferta interna, mediante a limitação drástica da procura (desemprego, corte nos salários e nas pensões, aumento de impostos), por entender que ela absorve recursos que poderiam ser mais vantajosamente orientados para a actividade exportadora ou por entender que essa oferta representa um peso desnecessário no agravamento do défice externo do país. Neste contexto, a substancial redução da despesa nas funções sociais do Estado traduzir-se-ia, na estratégia do Governo, num passo irreversível com vista ao posterior desmantelamento do Estado Social. E é por esta ser a política do Governo que este não está disponível para qualquer negociação séria com a Troika e muito menos disposto, no seio da União Europeia, a fazer frente comum com outros Estados intervencionados ou com dificuldades semelhantes com vista à superação dos constrangimentos existentes. O Governo quer que as coisas com a Troika fiquem como estão, porque só ficando como estão terá o Governo possibilidade de pôr em prática o seu programa em toda a sua amplitude.

O Governo e os seus defensores na ausência de outros argumentos apresentam como razão decisiva para o prosseguimento do caminho que tem vindo a trilhar a ausência de alternativa. Acontece que há alternativa, embora, tem de reconhecer-se, nem todas propostas que têm sido apresentadas por contraposição ao caminho defendido pelo Governo representem verdadeiras alternativas.

Falando claro: todas as propostas que pressuponham uma outra política monetária deparam-se com um obstáculo intransponível – o de o proponente não poder garantir a sua viabilização. De facto, a reestruturação da dívida ou a “reapreciação” dos juros e dos prazos da dívida bem como a obtenção de financiamentos a preços consideravelmente mais baixos representam alterações políticas de monta que pressupõem, no seio da união monetária, a concordância dos respectivos Estados, nomeadamente da Alemanha. E é improvável que isso aconteça.

Assim sendo, a verdadeira alternativa somente poderá ser aquela cuja implementação dependa em grande medida da vontade nacional, sem com isto se escamotear a interdependência que hoje existe entre os vários Estados.

Veremos o que dentro de pouco tempo vai suceder aos gregos e aprendamos com eles pelo menos isto: não devemos deixar chegar o país ao estado em que a Grécia se encontra. E tenhamos presente que é a isso que necessariamente leva a ausência de uma real alternativa.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

GOVERNO NÃO TEM LEGITIMIDADE PARA ALTERAR AS FUNÇÕES DO ESTADO

TEM DE HAVER ELEIÇÕES

A legitimidade em democracia representativa tem limites, apesar da natureza do mandato. O mandato do deputado, embora não seja imperativo (e é pena que não seja), também não é absolutamente incondicionado.
O Governo não pode alterar as funções essenciais do Estado pelo ínvio caminho do corte nas despesas. O que o Governo se prepara para fazer, agravado pela colaboração de entidades estrangeiras, essas completamente deslegitimadas, representa uma perda de legitimidade, além de constituir também uma violação da Constituição.
O garante máximo da Constituição – o Presidente da República que jurou cumprir e fazer cumprir a Constituição – tem de actuar, dissovendo o Parlamento e marcando eleições. Se nada fizer torna-se cúmplice da actuação do Governo e comete um acto de traição.
Se houver traição nas mais altas esferas do Estado, tem a palavra o POVO soberano.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

AINDA O "COMPROMISSO HISTÓRICO" DE ASSIS


 

MENOS DESPESA E MENOS IMPOSTOS

 

Já aqui falámos por duas vezes do “compromisso histórico” de Francisco Assis e não tivemos grandes dúvidas em concluir, de ambas as vezes, que a proposta de Assis aponta para um “bloco central refundado” entre o PS (com o protesto de alguns) e um PSD onde caiba tudo que não seja Passos Coelho e seus parceiros, realidade nada difícil de conceber já que no “partido laranja” as forças se polarizam muito mais à volta de nomes do que de ideias. Portanto, o PSD do “compromisso histórico” seria o PSD que existe com excepção daqueles que agora mais se expuseram na aventura neoliberal radical ainda em curso. A este conjunto juntar-se-ia seguramente um CDS “responsável” – o discurso de ontem de Paulo Portas é disso um bom indício - mais uma ou duas personalidades “independentes”, que já tivessem dado provas de fidelidade aos ditames partidários “responsáveis” e não fizessem correr o risco aos partidos do novo governo de com eles se incompatibilizar.

Por que é que isto não pode ser feito agora, tal como Passos Coelho propõe? Obviamente porque a dupla Gaspar-Coelho já está com os pés para a cova não fazendo qualquer sentido que o PS “comprometa” uma futura, e pelos vistos breve, chegada ao poder para salvar um exercício que já não tem qualquer possibilidade de se manter sequer apoiado nas suas próprias forças.

Segundo Assis, o PS até poderia ter tido outra atitude, se Passos tivesse falado mais cedo – aí há quatro ou cinco meses. Agora, não. É uma explicação convincente, do género: “Tinhas razão, mas como falaste alto, perdeste-a…”.

Ora bem, postas as coisas nestes termos, em que consistiria o tal “compromisso histórico” por que tanto anseiam importantes sectores do PS? A resposta não pode deixar de andar à volta de uma variante da actual política para que apontam certas forças político-económicas que se estão dando conta da catástrofe em que estão a cair certos países europeus e que por arrastamento se pode estender a vários outros. Dela demos notícia no post: “Medidas de crescimento”.

Recapitulando, Passos Coelho (Gaspar) depois de ter dado prioridade à redução do défice externo, em 2011, 2012 e 2013, com base nas medidas que se conhecem e que tiveram os efeitos que todos estamos a viver, quer agora reduzir o défice fiscal (orçamental) mediante uma brutal redução da despesa pública na Saúde, na Educação e na Segurança Social, objectivo para cuja consecução “convocou” o PS na base da já tão glosada “Refundação do programa da Troika”.

Pelas razões já referidas o PS diz não. E o que propõe em troca? Segundo Assis, um novo governo constituído após eleições com a composição acima indicada e com o seguinte programa: cortes substanciais na despesa, no quadro de uma estratégia de promoção da competitividade, e abaixamento da carga fiscal. Ou seja, é um programa exactamente idêntico ao que o FMI e outras organizações económicas internacionais foram há dias “vender” a Hollande e a Merkel.

Tudo isto já foi experimentado na América por Reagan e W. Bush com resultados que não serão necessariamente tão destrutivos como os que agora estão a produzir-se, mas que levariam inevitavelmente à “refundação” do Estado Social, pela razão simples de que as margens de recuperação económica que porventura houvesse continuariam a ser totalmente “consumidas” pelos encargos da dívida pública que cresceu exponencialmente na governação Passos Coelho, na sequência, aliás, do que já vinha acontecendo, embora em menor escala, desde finais de 2007.

Este “compromisso histórico” que para muitos corresponderia a uma evolução natural das políticas que o PS pôs em prática durante os seus mandatos de Governo, não representando, portanto, compromisso nenhum, também não constituiria para o PSD, sem Passos, algo que sequer o violentasse já que o seu pragmatismo político sofre muito mais com as receitas de Gaspar do que com as propostas de Assis.

Enfim, o que Assis teima em não querer ver é que, dentro do euro, qualquer política que não ataque radicalmente a “questão da dívida” é uma política votada ao fracasso, ao sacrifício, ao atraso e, pior que tudo, à perda de um tempo precioso que entretanto poderia ter sido gasto caminhando noutro sentido.

Historicamente a problemática da dívida é uma questão complexa que não tem solução simples. Já vários países passaram por situações semelhantes em diferentes épocas históricas, nós inclusive, mas o que historicamente nunca tinha havido era uma situação de excessivo endividamento contraído no quadro de uma união monetária constituída por países teoricamente independentes, ou mais correctamente: com economias separadas – tantas quantos os membros dessa união.

Esta é uma situação nova. Uma situação em que os endividados ficam completamente nas mãos dos credores e dos países economicamente mais fortes que os representam, tanto no que respeita às suas relações económicas externas como internas. Qualquer tentativa de atenuação da situação dos devedores, no quadro da União Monetária, concebida a partir de uma estratégia nacional esbarra fatalmente na ausência de soberania monetária e dos múltiplos instrumentos que a ela estão ligados. De modo que neste contexto a solução só seria possível se contasse com a excepcional boa vontade dos credores ou com a sua profunda racionalidade. Como nem uma nem outra coisa existe, já que a racionalidade do capitalismo é a conjuntura, quando muito o curto prazo, nunca as consequências a longo prazo, porque nessa dimensão o capitalismo, embora por razões opostas, entende como Keynes que a “longo prazo estamos todos mortos”. E como boa vontade é coisa que nestas matérias ninguém tem, a única solução é a que, partindo dos constrangimentos impostos pelos pressupostos que nos enleiam, ataque esses mesmos pressupostos, rompendo com eles. Enquanto eles se mantiverem, a crise da dívida não só não tem solução como afundará irremediavelmente o país, seja com Passos Coelho seja com o “compromisso histórico” de Assis.

 

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

PAULO PORTAS LANÇA ESCADA AO PS




 

E ACREDITA QUE O PS NÃO SE VAI PÔR DE PARTE
Paulo Portas recusa ausência da discussão sobre o Orçamento do Estado
 
 

Num estilo dialogante, sem agressividade e aparentemente cordato, Paulo Portas encerrou pelo lado do Governo o debate parlamentar, sendo de destacar na sua intervenção três notas:

1) Aliciamento do PS para participar nos “cortes estruturais da despesa” sem revisão constitucional;

2) Revisão (suave) do posicionamento português na Europa;

3) Justificação do sentido de voto do CDS e da manutenção da coligação.

 
Ensaiando um tipo de conversa com o PS muito diferente daquela que nos últimos tempos o PM tem tido, Portas procura demonstrar dentro da coligação que, se se falar com o PS de outra maneira, será possível trazê-lo abertamente para o campo do Governo e das reformas que este pretende fazer quanto às funções do Estado. Para tranquilizar o PS, Portas põe de parte a revisão da Constituição, certo de que, se o PS participar do compromisso, a questão do Tribunal Constitucional não se porá. Portas acredita que o PS, bem conversado, fará agora o que tem feito de todas as outras vezes: aliar-se à direita em nome do interesse nacional.
Todo o discurso de Portas, seja no que respeita à revisão das funções do Estado, seja no aliciamento do PS como aliado, seja ainda no posicionamento de Portugal na Europa, constitui uma crítica implícita, mas muito perceptível, a tudo o que Passos e Gaspar têm feito nestes últimos tempos. Uma crítica também ao discurso do PSD que antecedeu a sua intervenção, feito por esse fundamentalista perigoso chamado Carlos Abreu Amorim. Ao apontar um novo estilo para a intervenção de Portugal na Europa e ao criticar a divisão Norte/Sul, Portas critica implicitamente o alinhamento cego de Gaspar e de Passos com Merkel, bem como o modo como têm sido conduzidas as negociações com a Troika.

Finalmente, na justificação, também implícita, do voto do CDS e da sua manutenção no Governo, Portas aponta, como fundamental, a “reforma do Estado Social”, sem dúvida o ponto mais importante para o CDS. Paulo Portas e o seu partido estão profundamente empenhados na redução da despesa do Estado, o mesmo é dizer na revisão profunda das funções do Estado, principalmente na Saúde, na Educação e na Segurança Social. Basta atender ao que tem sido a política do CDS à frente do chamado “Ministério da Segurança Social e da Solidariedade” para imediatamente se perceber que tipo de segurança social e de solidariedade o CDS reserva aos portugueses. Quanto à saúde, a conversa inicial vai seguramente apontar no sentido da quebra da universalidade do SNS com base no estafado argumento, mas sempre muito eficaz, de que só quem precisa deve ter cuidados de saúde gratuitos ou por baixo preço. Todos os demais devem pagá-los, mediante a constituição de um seguro de saúde. E aduzirá em defesa da sua tese o interesse das classes médias no abaixamento dos impostos. Na Educação, a conversa será parecida. Para além do básico, que será gratuito, quem continuar a estudar deverá contribuir através de um co-pagamento para atenuação da despesa do Estado. Simultaneamente, subsidiar-se-á a escola privada, colocando-a tanto quanto possível numa posição de igualdade com a escola pública, para que os alunos “possam escolher”. Ou seja, defenderá a destruição da Escola Pública. Na Segurança Social, a receita também é conhecida, fixar-se um tecto máximo (relativamente baixo) para as pensões, para a contribuição das quais serão chamados os patrões (em percentagem muito inferior à que agora pagam) e os trabalhadores com uma taxa fixa (ou eventualmente proporcional, se o tecto for baixo), devendo quem quiser assegurar pensões mais confortáveis fazer os seus planos privados de reformas no sector privado (seguradoras).

É para isto que Portas e o CDS querem aliciar o PS. Claro que se o PS se deixar aliciar, como muitos pensam que inevitavelmente acabará por acontecer, o “compromisso” será presentado de outra maneira. Mas é disto que realmente se trata qualquer que seja a cosmética utilizada. Veremos então se o conteúdo do “compromisso histórico” de que Assis tanto fala será este ou se será outro…

 

"MEDIDAS DE CRESCIMENTO"


 

O ENGANO DAS PALAVRAS

 

Mais do que em qualquer outra época é nas épocas de crise que as palavras tendem a perder o seu significado corrente, sendo muitas vezes usadas num sentido propositadamente enganador com vista a por meio deles se obterem resultados diametralmente opostos ao que elas aparentemente significam.

Nas épocas de grandes convulsões sociais, de grandes mudanças, acontece com frequência as “palavras chave” desses momentos, umas vezes reflectindo o programa de quem governa, outras as aspirações dos governados, serem completamente adulteradas por aqueles que, tendo perdido a hegemonia, fingem identificar-se com os novos objectivos, usando as palavras dos que agora governam, embora atribuindo-lhes, com reserva mental, significados completamente diferentes. Quem não se lembra das declarações dos pides sobre “democracia” a seguir ao 25 de Abril e do “socialismo personalista” do CDS de Freitas do Amaral? Outras vezes são aqueles que lideram mudanças contra as aspirações populares que usam as mesmas palavras que consubstanciam aquelas aspirações, também neste caso com um sentido diferente do que lhes é atribuído, para falsamente darem a ideia de que estão a ir ao seu encontro e assim tentarem confundir e dividir o campo adversário.

Face às consequências da presente crise dramaticamente evidenciadas pelo desemprego em massa e pelas falências em cadeia, além do agravamento generalizado das condições de vida da maior parte dos cidadãos, “crescimento” é a nova palavra chave. É o conceito por cuja concretização as massas populares aspiram como remédio adequado a estancar a sangria dos despedimentos e a relançar a economia.

É certo que a “Matrona da Saxónia” e seus lacaios, a começar por Passos Coelho, têm evitado criteriosamente o uso deste conceito, tendo, pelo contrário, insistido em palavras indiciadoras de programas que aberta e claramente o contrariam. Ainda há dias, em Bucareste, no Congresso Popular Europeu, Merkel escarneceu, na presença dos seus confrades, do conceito de crescimento. Quando estava no uso da palavra, virando-se -se para trás, na direcção do Presidente da Comissão Europeia, disse: “Era bom que explicassem ali ao José Manuel Barroso como é que num passe de mágica essa coisa de crescimento se alcança”. E depois de ter insistido que não é por via de “diretivas europeias” que o crescimento se conseguirá, debitou a cartilha neoliberal com todos os ingredientes conhecidos (liberdade, empreendedorismo, combate à burocracia, etc.). E por cá o nosso homem, isto é, o homem dela, também não quer ouvir falar em tal palavra.

Mas se Passos Coelho actua desse modo por subserviência, covardia política ou calculismo manhoso, já o mesmo se não poderá dizer de Merkel que, sentindo-se relativamente confortável perante o seu eleitorado, rejeita o conceito por obviamente perceber que a sua concretização prática lhe iria custar algum dinheiro e simultaneamente temer que essa concretização lhe acarretasse perda de apoio eleitoral, apesar das vantagens futuras que essa política pudesse proporcionar.

Acontece, todavia, que os representantes da alta finança mundial estão preocupados com a situação na Europa, não apenas pelo reflexo que a situação económica europeia pode ter noutras economias, como também pela imprevisibilidade das consequências políticas que uma crise prolongada pode ocasionar. E é essa a razão que levou os altos representantes do Banco Mundial, do FMI, da Organização Mundial do Comércio, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico e da Organização Internacional do Trabalho a fazerem uma ronda pelas grandes capitais europeias (Paris e Berlim), pedindo “medidas de crescimento”.

O que Hollande realmente pensa sobre o assunto ainda é um mistério. O Presidente francês acha que a Europa está a sair da crise, fazendo gala de um optimismo que o próprio Pangloss invejaria, ou talvez não, tendo em conta que o mestre de Cândido mais não é do que a expressão do pensamento alemão (Leibniz) contrário ao de Voltaire. Que Hollande acabe por seguir o exemplo de Cândido quando desencantado da perfeição do mundo que lhe pregavam acabou por se guiar pela sua própria cabeça, sobrevivendo ao mais terrível dos “terramotos”, é o que a Europa do Sul realmente espera. Todavia, entre a espera e a realidade vai uma incomensurável distância.

Deixando Voltaire e voltando ao tema, a resposta de Merkel, em Berlim, à mesma diligência que teve lugar em Paris, foi “redonda”, mas em qualquer caso menos arrogante que a proferida em Bucareste.

Mas o que querem dizer os representantes daquelas organizações económicas internacionais quando reclamam aos governantes mais influentes da zona euro “medidas de crescimento”?

Em capitalismo, em tempos de crise grave, de depressão ou recessão prolongada, ou seja, de algo que vai muito para além da parte baixa do ciclo económico, só há duas formas de atacar o problema: ou mediante uma receita idêntica à que se aplicou na Europa a seguir à I Guerra Mundial e começou por se aplicar, nos Estados Unidos, a seguir à Grande Depressão de 1929 sob a presidência de Hoover, de resto algo muito semelhante ao que agora se está a fazer na Europa; ou mediante a aplicação das teses inovadoras e revolucionárias de Keynes.

As teses keynesianas foram hegemónicas na Europa até Thatcher, e, principalmente, nos Estados Unidos,  até à presidência de Reagan, apesar de os choques petrolíferos terem gerado uma situação que parecia contrariar o pensamento de Keynes – inflação e estagnação, simultaneamente. De facto, a famosa “estagflação” pôs em causa um dos mais relevantes axiomas keynesianos (inexistência de desemprego com inflação), levando a que os discípulos da velha Escola de Viena, agora em Chicago, aliados aos neoconservadores, tivessem encontrado na persistência daquela situação a grande oportunidade para pôr em causa as teses keynesianas e poderem voltar a pôr em prática os grandes princípios da economia liberal. A partir daí eles disputaram gradualmente a hegemonia de Keynes, a ponto de o terem suplantado claramente a partir da presidência de Reagan e do consulado de Thatcher, como acima se disse.

Mais que Milton Friedman (um ex-keynesiano), o grande inspirador deste pensamento político-económico de substracto filosófico foi Hayek. É ele, porventura mais com os seus livros políticos, principalmente “O Caminho para a Servidão”, do que com as suas teses económicas, que acaba por guiar a acção de Thatcher na Europa e que nos Estados Unidos inspira Reagan. É ele também, disso não haja dúvidas, o mestre de Merkel, Schäuble e Gaspar.

É bom não esquecer, todavia, que foi Friedman e não Hayek que, a partir da experiência histórica da Grande Depressão, apresentou uma teoria bem diferente da de Keynes e também da de Hayek, para combater a depressão. Diz Friedman que se a oferta de moeda tivesse sido aumentada cautelosamente, em vez de contraída excessivamente, e as taxas de juro tivessem baixado, a Grande Depressão teria sido evitada ou teria durado muito menos. Friedman não era, portanto, um grande admirador de Hayek no plano económico, embora tivesse sido no plano político, pelo menos até certa altura.

Acontece, porém, que o monetarismo (de Milton Friedman) não evitou a crise financeira de 2008, nem as suas mais dramáticas sequelas, voltando tudo de novo ao princípio. Como sair da crise, afinal? Com Keynes ou com Hayek?

É neste contexto que os representantes das grandes organizações económicas internacionais apelam na Europa a “medidas de crescimento”. Que medidas de crescimento são estas? E assim voltámos, para finalizar, à questão das palavras enganosas. Seria ilusório supor que aquelas personalidades vieram pedir a Paris e principalmente a Berlim a aplicação de medidas keynesianas em grande escala para sair da crise. Nada disso.  Eles estão longe de acreditar que será pelo incremento da despesa pública, nomeadamente das grandes obras públicas, que se combate a crise. A tese deles, tanto quanto se percebe, é “moderar Hayek” (evitando deixar cair tudo o que não tem força para se aguentar) e aproveitar alguma da experiência de Friedman. Ou seja, reduzir os impostos, não apenas das empresas, mas dos cidadãos em geral, principalmente dos mais ricos (como estímulo económico) e reduzir a despesa social (libertando, assim, recursos – é a terminologia deles – para a economia privada). Este o conceito de “medidas de crescimento” daqueles notáveis representantes. Para já a conversa é propositadamente ambígua e politicamente apelativa, mas quando atrás deles vierem os “homens de fato preto”, para pôr em prática as tais medidas, ver-se-á que será igualmente à custa do Estado Social que se vai tentar sair da crise. E ai certamente que alguém ficará a ganhar e muito!