quinta-feira, 26 de maio de 2022

PORTUGAL, CRAVINHO E AS SANÇÕES

 

AS SANÇÕES NO DIREITO INTERNACIONAL E INTERNO



 

O Chelsea, propriedade de Roman Abramovich, está para ser vendido a um grupo liderado por Todd Boethly, comproprietário da equipa de basebol Los Angeles Dodgers, nas próximas 24 horas, por 4,25 mil milhões de libras, dizem as noticias.

Ao que parece, segundo o direito inglês, o negócio terá de ser igualmente autorizado por Portugal visto Abramovich também ter nacionalidade portuguesa

Cravinho, Ministro dos Negócios Estrangeiros, diz que, sendo o negócio realizado por uma pessoa que está sob alçada de sanções decretadas pela UE, conversará com Bruxelas quanto ao modo como deve actuar, embora desde já deixe claro que será inflexível na aplicação das sanções. Esta questão levanta dois, digamos, três problemas.

O terceiro, que não é de natureza jurídica, tem a ver com o modo como se posicionam os portugueses com responsabilidades políticas perante a UE e também perante os Estados Unidos, quando este é o mandante. A preocupação que todos manifestam é a de não deixarem dúvidas sobre a intransigência da sua conduta a ponto de por vezes se mostrarem mais inflexíveis do que o próprio patrão, embora sempre dispostos a fazer todas as genuflexões que este lhes impuser. Mas deixemos isto que é assunto que somente se resolve de outra maneira. Mas há-de resolver-se.

A primeira questão tem a ver como facto de Abramovich em Portugal ser cidadão português e não poder perante as autoridades portuguesas invocar outra ou outras nacionalidades de que também seja nacional, para se esquivar às obrigações impostas pela lei portuguesa. Ora, o que vale para as obrigações, vale para os direitos. Como cidadão português nenhuma sanção recai sobre Roman Abramovich. Ele é, em Portugal, tão português como qualquer outro português, com os mesmos direitos e obrigações, salvo alguns direitos políticos muito específicos como candidatar-se a Presidente da República, cargo reservado exclusivamente a portugueses de origem.

A segunda questão, que no rigor dos princípios até já estaria eliminada pela anterior resposta, versa sobre a natureza do diploma normativo que decretou as sanções, a que se refere Cravinho, para a partir dai se aferir da sua eficácia e validade em Portugal, tanto à luz do próprio direito internacional (na medida em que este seja parte integrante do ordenamento jurídico português, como acontece cem as normas e princípios do direito internacional geral e comum), quer à luz da Constituição portuguesa que somente prevê como vinculativas, além daquelas, mais duas espécies de normas não directamente aprovadas pelo legislador (em sentido amplo) nacional.

São elas as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas por Portugal, depois de publicadas no jornal oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado português. Estas normas têm sempre de ser conformes à Constituição para serem válidas, o que, em regra, acontecerá pois de outro modo a convenção não teria sido ratificada ou aprovada. A outra categoria respeita às normas emanadas pelos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal faça parte directamente aplicáveis em território português, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos. Com esta formulação a Constituição quer referir se às normas emanadas pelas instituições europeias competentes, os chamados regulamentos.

Estas são as categorias de normas, além evidentemente das elaboradas e aprovadas internamente pelo legislador português, que poderiam contemplar as tais sanções de que fala Cravinho.

Ora, acontece que nenhuma destas normas pode permitir a aplicação de sanções a Estados terceiros, ou seja, a Estados que não sejam parte das convenções ratificadas ou aprovadas por Portugal que prevejam esse tipo de sanções entre as partes, assim como as normas dos tratados constitutivos da União Europeia também não podem prever a aplicação de sanções a Estados que dela não façam parte, já que o direito internacional geral e comum não permite actos de retaliação contra um Estado, suposto de ter cometido um acto ilícito, decididos e executados por Estados contra os quais aquele ilícito não foi cometido.

Nestes casos, a única entidade com competência para decretar este tipo de actos é o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. De facto, as sanções entendidas como actos de retaliação ou represália são, isoladamente considerados, actos ilícitos, cuja licitude fica legitimada pelo acto ilícito que os determina. Um Estado terceiro ou uma organização internacional, de carácter regional ou não, não podem assumir-se como policias ou juiz universal com competência para decretar sanções relativamente a actos que não são da sua conta ou que não foram praticados contra si.

As sanções aplicadas a um Estados que não sejam decretadas pela ONU e constituam em si, isoladamente consideradas, um acto ilícito mantêm essa qualificação já que nenhum princípio do direito internacional geral e comum os pode legitimar.

Ora, sendo estas as normas de direito internacional relevantes na situação em questão, a invocação do direito internacional para justificar as sanções fica sem base jurídica em que possa apoiar-se.

Situação completamente diferente é aquela em que um Estado comete relativamente a outro ou outros ou relativamente a uma organização internacional um acto ilícito. Neste caso, tanto o Estado ou os Estados lesados bem como a organização internacional que se encontre na mesma situação podem decidir e executar actos retaliatórios contra o Estado infractor desde que respeitado o princípio da proporcionalidade. Actos que, como já se disse, em si seriam ilícitos se a sua licitude não estivesse legitimada pelo comportamento do infractor.

Situação diferente das anteriormente analisadas é ainda a que se traduz na prática de actos inamistosos. Actos inamistosos são, isoladamente considerados, actos lícitos praticados pelos Estados relativamente a qualquer outro Estado ou Estados que tenha tido, segundo a perspectiva de quem os aplica, um comportamento reprovável. Os actos inamistosos podem inclusive causar prejuízos ao Estado sem que daí decorram outras consequências jurídicas para quem os pratica, contanto que sejam em si actos lícitos, ou seja, actos que não se traduzam no incumprimento de um dever geral ou particular. Por exemplo, Um Estado deixar de contar com a cláusula de “nação mais favorecida” se no tratado que a consagrou estiver prevista a possibilidade de ser retirada pelo Estado que a concedeu, mediante simples notificação.

Portanto, os actos compreendidos nas contra medidas se não constituírem em si actos ilícitos eles poderão ser aplicados sem nenhuma reserva. Esse é um poder que decorre da soberania dos Estados. Nesse caso não se tratara juridicamente nem de retaliações nem de represálias, cujo conceito pressupõe sempre a ilicitude justificada pelo comportamento da contra parte, mas de actos puramente inamistosos, em relação aos quais, como acima dissemos, nenhuma objecção jurídica se levanta.

 

 

segunda-feira, 23 de maio de 2022

ANTÓNIO COSTA EM KIEV COM DÁDIVAS

A VISITA DO PM PORTUGUÊS A KIEV



Recebo diariamente textos da mais diversa proveniência sobre a caracterização política do regime ucraniano, alguns deles escritos por ocasião do golpe de 2014, muitos outros entre esta data e o início da guerra, outros .ainda actuais. Para tranquilidade das almas mais sensíveis as "diversas proveniências" raramente abrangem a Rússia. Não por opção voluntária, mas por serem escassas as traduções de textos dessa origem..
Nesta vasta literatura não conheço um único texto que não caracterize, com base em comportamentos políticos devidamente identificados, o regime ucraniano como um regime de extrema-direita com fortíssima influência de grupos nazis actuando em aliança estreita com os grupos oligárquicos dominantes, grupos ultranacionalistas, racistas e alguns extremamente violentos, aceites pelo actual presidente e pela sua própria mão integrados nas diversas instituições do Estado ucraniano, e não apenas nas militares como vulgarmente se pensa. É também um regime onde campeia a grande corrupção e a hostilidade aberta e declarada a certos grupos étnicos e a agrupamentos políticos divergentes da linha oficial
A predominância na Ucrânia da extrema-direita agressiva e violenta faz do regime ucraniano o principal alfobre da extrema-direita europeia. Nele se reuniram por várias vezes desde 2014, sob múltiplos pretextos, diversos grupos da extrema-direita europeia, tanto a que concorre a eleições, fingindo-se integrada no sistema para melhor o contestar e combater por dentro, como a que não hesita na prática de actos terroristas como modo de acção política.
É desta Ucrânia que estamos a falar. Da Ucrânia do Batalhão Azov, do Dnipro2, do Shaktarsk, Poltava e tantos outros. De uma Ucrânia saída de um golpe de estado perpetrado pelos Estados Unidos (Biden, como vice-presidente) e executado por milícias da extrema-direita, algumas delas disfarçadas de apoiantes do regime em vias de ser deposto, que colocaram atiradores furtivos em locais estrategicamente escolhidos da Praça Maidan para matar a tiro cidadãos indefesos e imputar os respectivos crimes ao regime deposto ou a depor. E também da Ucrânia onde milícias, depois de deposto o regime, já sem disfarces, atacaram impiedosamente as zonas russófonas chegando ao ponto de queimar vivos manifestantes pacíficos que apenas exigiam o reconhecimento da sua identidade. E também da Ucrânia que durante oito anos massacrou o Donbass, matando mais de dez mil cidadãos ucranianos que exibiam como reivindicação o respeito pela sua identidade, pela sua língua, durante centenas de anos a língua comum de todos os ucranianos. É desta Ucrânia que estamos a falar, duma Ucrânia que é politicamente a vergonha da Europa e pela qual as democracias europeias, vergadas ao peso da sua recorrente subserviência ao soberano americano, se deixaram conduzir contra a defesa dos seus próprios interesses vitais apoiando-se numa russofobia doentia, que o espectro do comunismo ajudou a fomentar durante décadas, se não mesmo secularmente, que está agora sendo usada para disfarçar e esconder a defesa de interesses que não são seus e os graves prejuízos que daí resultam para a sua autonomia económica e afirmação com polo de interesses autónomos num mundo que mais tarde ou mais cedo será multipolar, a verdadeira expressão de uma comunidade internacional democrática..
Tudo isto é tanto mais estranho quanto é certo que era essa mesma comunicação social ocidental e muitas das instituições europeias que tão negativamente qualificavaam o regime ucraniano, para que em Kiev se não acalentasse a ilusão da sua integração nas instituições europeias.
É por isso uma vergonha para a democracia portuguesa saída do 25 de Abril, a visita de António Costa a Kiev. Uma deslocação que não a honra nem engrandece por se tratar de um gesto que não foi ditado por uma opção política destinada a defender interesses portugueses, mas antes consequência de um bem urdido ambiente de vassalagem política entre cujos múltiplos deveres do vassalo se inclui este "número diplomático". Mas também a não honra, porque, ao dar palco ao regime de Kiev, a democracia portuguesa fragiliza-se e contamina-se perigosamente na defesa de regimes e governantes que não podem servir de exemplo a nenhum democrata digno desse nome.
O vírus dessa contaminação tem estado bem presente na sociedade política nestes últimos tempos. São sintomas perigosos a informação sectária e maniqueísta da guerra, acompanhada de uma campanha destinada a criar um clima emocional que rejeita de imediato a racionalidade da análise política e considera como alvo a silenciar qualquer voz discordante ou que não percorra sem hesitações toda a pauta política imposta pela propaganda dominante. São ainda sintomas dessa contaminação a denúncia como crime de lesa pátria da simples presença de um repórter de guerra do "outro lado" do conflito, como se o simples facto de alguém buscar informação plural já fosse em si um acto condenável. E são também sintomas perigosos as campanhas movidas contra quem manifestou oposição à presença de Zelensky no Parlamento. São, enfim, sintomas muito preocupantes o silêncio dos nossos principais responsáveis políticos a todo este atropelamento dos princípios democráticos bem como a rédea solta que tem sido permitida a apoiantes de Zelensky para usar o nosso país como espaço político privilegiado para intervenções inaceitáveis de descriminação e de ódio étnico.
António Costa, guardado à vista em Kiev por uniformes com caveira, generoso nas dádivas, parco na satisfação das necessitas colectivas internas como a educação e a saúde, para não falar dos salários, não mais poderá pisar solo amigo dos países de língua portuguesa sem remorsos por tantas vezes ter sido regateado a estes o que prodigaliza em Kiev sem qualquer conexão com os genuínos interesses portugueses.