quinta-feira, 28 de março de 2013

MAIS TRÊS NOTAS SOBRE O REGRESSO DE SÓCRATES


 
O MISTÉRIO, ANTÓNIO COSTA E O BLOCO CENTRAL
José Sócrates na entrevista à RTP

 

O Mistério – Todos, com excepção do PS, se sentiam confortáveis com a liderança de Seguro à frente do Partido Socialista. O governo, porque não tinha oposição nem alternativa à sua política, o que permitia ao PSD não baixar muito e ao CDS manter-se à tona com passes de equilibrismo tentando dar a entender que a propósito de certas políticas até estava mais contra do que o próprio Seguro. Tudo fantasia, mas era o que parecia. Por outro lado, tanto o Bloco como o PC só tinham a ganhar com a presença de Seguro. Não tendo Seguro capacidade para entusiasmar quem quer que fosse, não só aqueles dois partidos não perderiam votos a favor do PS na oposição como, pelo contrário, até poderiam ganhar alguns. Assim sendo, como se explica o regresso de Sócrates pela porta grande da RTP? A esquerda, obviamente, não tem nada com isso. E a direita terá? Não pode deixar de ter, porque quem manda na RTP é Relvas. A tese da conspiração ensaiada por Pacheco Pereira na última quinta-feira não faz porém qualquer sentido. Pôr Sócrates na ribalta para desancar em Seguro e  poder, assim, o Governo gozar de algumas tréguas, é hipótese que não passa pela cabeça de ninguém. Relvas pode não ser Sócrates, e certamente não é, mas não é tonto, nem entrou ontem na política. Não iria fazer isso numa altura em que ninguem melhor do Seguro  serve na oposição os interesses do governo. Então porquê Sócrates na TV? A “política” é feita de muitos compromissos e protecções. Dá-se agora para receber mais tarde…

 António Costa – Como vai Costa reagir ao regresso de Sócrates, agora que Pacheco Pereira já lhe conferiu o estatuto de “político responsável”, atributo que até ao último sábado nunca esteve ao alcance de um qualquer mortal do PS por mais importante que tivesse sido ou seja. Salvo talvez Soares, embora, a ser o caso, como uma espécie de reconhecimento póstumo…Vai ser interessante ouvir Costa logo à noite, entalado entre a oportunidade que mais uma vez se lhe escapa e a necessidade de dizer algo favorável a Sócrates face aos ataques demolidores que Pacheco Pereira certamente lhe vai fazer. Interessante…

 Bloco Central – O regresso de Sócrates já inviabilizou uma solução de Bloco Central…sem eleições. Se Cavaco ainda poderia acalentar algumas esperanças antes do regresso de Sócrates quanto à possibilidade de refazer o governo em caso de demissão de Passos Coelho, já as perdeu certamente. O que vai acontecer a seguir ainda é cedo para se ter uma ideia relativamente clara, embora uma eventual próxima demissão do governo não seja favorável a Sócrates…que precisa ainda de uns meses…Por isso, Seguro tem agora pressa em demitir o Governo. E quem sabe se Cavaco o não irá acompanhar nessa pressa...

AINDA SÓCRATES

 
 
 
O QUE INTERESSA É O FUTURO
José Sócrates quebrou ontem o silêncio em entrevista à RTP e atacou Cavaco Silva, a quem responsabilizou pela crise política que levou à queda do seu Governo
 
 
Uma das matérias que a matilha de comentadores tem abocanhado com indesmentível prazer é o episódio “Sócrates/Teixeira dos Santos” a propósito do recurso à chamada “ajuda externa”.
Diz a matilha que Sócrates está a distorcer a realidade sobre a vinda da Troika e sobre a sua divergência com Teixeira dos Santos a propósito deste assunto.
Talvez convenha recordar como a história se passou. Sócrates não queria o FMI em Portugal, disse-o várias vezes, até chegou a dizer que não estava disponível para governar com o FMI. Acreditava, talvez ingenuamente, numa solução como aquela que mais tarde veio a ser adoptada para Espanha. Mas com o chumbo do PEC IV, os juros altíssimos e sem fontes de financiamento a que recorrer, acabou por pedir, já em governo de gestão, o resgate.
O contexto em que isto aconteceu foi o seguinte: Sócrates ainda estava resistindo, apesar da euforia da direita que clamava pela intervenção estrangeira (ver, ouvir e ler declarações da época de Passos Coelho, Frasquilho, Moedas e Eduardo Catroga, entre vários outros), da pressão dos banqueiros assustados com a falta de liquidez (eufemismo para evidenciar a falência por cessação de pagamentos), quando Teixeira dos Santos, depois de umas prévias declarações “desalinhadas” e comprometedoras, decidiu (ou melhor, obedeceu) declarar inevitável a “ajuda externa” na sequência de uma reunião em Frankfurt. Posto perante o facto consumado de Teixeira dos Santos, Sócrates já nada poderia fazer.
Claro que Sócrates não apresentou assim os factos, mas compreende-se que o não tenha feito, qualquer que tenha sido a razão determinante por que o fez. Ou por querer manter a solidariedade governamental e não querer imputar ao seu Ministro das Finanças a responsabilidade exclusiva pela decisão; ou porque sendo ele o PM, posto que já então muito fragilizado, lhe ficaria mal declarar-se publicamente ultrapassado por um ministro seu.
Esta não é uma daquelas mentiras políticas que deslustre. Muito mais grave, muitíssimo mais, é ter havido em Portugal quem publicamente tudo tivesse feito para ter a Troika cá. Em qualquer outro país, a começar aqui pela vizinha Espanha, quem se vangloriasse ou, mesmo sem se vangloriar, tivesse solicitado a intervenção estrangeira nunca mais lá teria qualquer futuro político.
Em Portugal, isso infelizmente não conta ou conta muito pouco…
Sócrates depois desta longa entrevista deve dar por encerrado o passado e tratar apenas e só do futuro. Hoje os portugueses acharam graça, mas a partir de amanhã o que querem é saber se ele tem algo diferente a dizer e a propor para o futuro do país. E tem de ser mais específico. Se disser: "Esta austeridade é uma loucura que nos está a desgraçar", toda a gente concordará, mas o que a seguir terá de acrescentar é o que fazer caso os seus “amigos” da Europa discordem da ideia…que é o que seguramente farão. Que fazer nesse caso? Se Sócrates não vier para responder a esta pergunta, as coisas não lhe vão correr como ele pensa…


quarta-feira, 27 de março de 2013

VAMOS A SÓCRATES


A FESTA ESTÁ NA RUA!

A matilha já está ao ataque. Mas é uma matilha que mesmo em grupo, como é próprio das matilhas, só consegue ladrar quando tem a hipotética presa muito longe. Quando a presa está por perto, ela mostra logo toda a sua imensa fragilidade, mesmo quando muito instruída e treinada.

Falou-se muito do passado e pouco do presente, mas a culpa vai inteirinha para os jornalistas. Portanto, quem critica essa orientação da entrevista está no fundo a criticar a opção dos jornalistas.

A matilha também está muito preocupada com a quebra do consenso neste momento difícil que o país atravessa, onde o que faz falta é haver muita gente a acenar que sim com a cabeça e a concordar que é preciso ir mais para o fundo. Isso é que nos faz falta.

Com Sócrates regressa o espectáculo político. Ao menos que haja festa. Há fome, há desemprego, há muita coisa má …mas há festa no intervalo da sopa dos pobres. E Sócrates está ai para as curvas. Nestas águas chocas em que temos vivido nada pode medrar. E se há uma coisa em que todos (nós…é claro) nos revemos é naquelas brilhantes palavras dirigidas ao Sr. Cavaco Silva. Por favor, não lhe ponham nenhum pedaço de bolo-rei à frente senão o homem engasga-se mesmo

O DEBATE INADIÁVEL


 
QUE FUTURO PARA PORTUGAL?
 

 

A crise de Chipre, mais do que qualquer outra ocorrida no espaço da zona euro nestes últimos três anos, teve a vantagem de mostrar a verdadeira face dos “patrões do euro”, depois de terem reduzido à sua insignificância aqueles que, continuando a pertencer à moeda comum, nela simplesmente vegetam como uma espécie de novos “untermenschen”, sendo nesta nova modalidade o trabalho escravo substituído pela espiral recessiva e pela agiotagem.  A crise de Chipre e a 7.ª avaliação da Troika, as suas reticências, as novas exigências e as recriminações feitas a um governo servil, que tudo, mas tudo, fez nestes últimos dois anos para agradar aos “patrões do euro”, não podem deixar de colocar na ordem do dia a seguinte pergunta: Que futuro para Portugal?

Se perante um governo subserviente a Troika não teve qualquer problema em se distanciar dos resultados de um programa que ela própria impôs e que foi levado à prática com um zelo e uma dedicação dificeis de igualar pela própria Troika, se a ela lhe coubesse executar a sua própria imposição, nenhum português com um mínimo de lucidez deixará de perceber que o que ai vem a seguir será ainda pior e tanto mais quanto pior for o resultado das novas e sucessivas imposições.

Estamos perante um atentado não apenas à soberania da Pátria e aos tratados constitutivos da União Europeia (por muito maus que eles sejam), mas também à própria integridade física e moral das pessoas. Ninguém poderá aguentar por mais tempo este estado de coisas, nem ninguém poderá continuar a mentir, apresentando falsas ou ilusórias soluções para resolver um problema que não tem qualquer hipótese de solução no seio da Europa.

Desde há muito que no espaço livre e sem censura da blogosfera e das redes sociais em escritos mais ou menos fundamentados se tem apontado para o abandono do euro como a única saída possível para a presente situação, havendo nesse mesmo espaço sempre a cautela de acrescentar que o facto de ser a única saída possível não significa que ela seja fácil nem isenta de sacrifícios. Significa apenas que é a única que, a prazo, permite perspectivar um futuro diferente e melhor. O tempo que isso levará dependerá da vontade dos portugueses e do modo como esse abandono do euro ocorrer. Nem todas as soluções são boas como adiante se explicará.

Mas fora deste espaço livre que é o das redes sociais e da blogosfera a questão tem sido praticamente tabu. Nenhuma estação de televisão ou de rádio aceita pôr o tema em agenda e os próprios partidos, com excepção do PCP, guardam sobre ele idêntico silêncio, apresentando sempre a manutenção no euro como um a priori óbvio e evidente, carecido de qualquer demonstração.

Das posições do CDS e do PSD não adianta muito falar. Hoje são contra, mas nada garante que o sejam amanhã. A firmeza deles sobre esta matéria não será nenhuma. E por isso é que posição deles é grave para todos os que buscam uma boa solução. De facto, nada pior nos poderia acontecer do que sair do euro sob a pata destes dois partidos.

Já para o PS o problema é muitíssimo complicado. A Europa está para o PS como a União Soviética estava para o PCP. Cortar com a Europa ou reconhecer o seu rotundo fracasso seria o mesmo que reconhecer a falência do seu próprio projecto. “A Europa connosco”, as ilusões sobre a construção europeia como uma zona de solidariedade e prosperidade sem par fazem parte da matriz genética do PS. Sem a Europa, como referencial imaginário – que para o PS funcionou como referencial substitutivo do mito imperial -, o PS não existe. E isso está-se notando já hoje, mesmo sem o partido ter feito esse debate ou sequer interiorizada a falência do projecto europeu, na incapacidade de apresentar uma real alternativa à presente situação, quer sob a liderança de Seguro, quer sob a de Costa ou de Assis, todos eles tolhidos pela ausência de saídas minimamente credíveis e susceptíveis de reverter a presente situação.

Se a posição do PS é apesar de tudo relativamente clara – advoga a mudança e simultaneamente a fidelidade a um conjunto de compromissos que efectivamente a impede – já o mesmo se não poderá dizer da posição do Bloco. O Bloco nega os compromissos mas simultaneamente apresenta um conjunto de propostas que não têm qualquer viabilidade prática de efectivação no quadro europeu tal como ele existe. Pugnar pela manutenção de Portugal no euro e simultaneamente advogar a reestruturação da dívida, eliminando parte dela e fazendo depender o pagamento da restante do crescimento das exportações são realidades incompatíveis como toda a gente sabe. Os “patrões do euro”, não vão certamente aceitar para Portugal uma solução que rejeitaram para os demais, que, de resto, nunca sequer tiveram a ousadia de a apresentar. Pelo contrário, o que a prática política recente comprova, é que esses “patrões” tendem a agravar as imposições a que os países devedores estavam submetidos.

Por isso, quem defender a manutenção no euro e simultaneamente não apresentar as alternativas a seguir em consequência da rejeição das propostas de redução da dívida e das políticas de crescimento, o que no fundo está a esconder é que para permanecer no euro é preciso respeitar o Memorandum da Troika que tenderá, pela sua própria natureza e com o tempo, a agravar o condicionalismo imposto aos Estados intervencionados.

Já o PCP admite, como consequência inevitável, a prazo mais ou menos curto, a saída do euro, mas, além de não insistir suficientemente nesta conclusão, nomeadamente ao nível do debate público, não desenvolveu politicamente as condições em que essa saída deveria ocorrer.

Para não alongar este post, no próximo indicar-se-ão algumas das medidas que deveriam ser tomadas para garantir o êxito, num prazo razoável, do abandono do euro.

segunda-feira, 25 de março de 2013

OS NOSSOS BANCOS E OS VOSSOS


 

QUE MAIS SERÁ PRECISO?
 
A consolidação do poder obtido ilicitamente no seio do grupo faz perder completamente a vergonha aos seus detentores.
Hoje os patrões do euro dizem sem rodeios: “Quando os nossos bancos estavam em risco de falência foi preciso salvá-los com o dinheiro de todos, propagando a crise da escassez de liquidez aos nossos devedores (que são vocês), fazendo-vos pagar um juro várias vezes superior àquele que vocês começaram por nos pagar quando vos aliciámos com dinheiro barato tanto para a compra das nossas mercadorias como para aplicação dos nossos capitais excedentários; agora que os nossos bancos estão salvos muito à custa dos juros agiotas que vocês nos pagam, está na hora de deixar cair os vossos e com eles os seus credores (com os quais nada temos…). Assim fica a zona euro mais forte e os nossos bancos mais sólidos com os depósitos que fogem dos vossos bancos falidos”.  

sexta-feira, 22 de março de 2013

O REGRESSO DE SÓCRATES

 



TUDO VAI ACONTECER MUITO DEPRESSA
,

Escrever sobre o regresso de Sócrates em tempos de grave crise é uma tarefa difícil de levar a cabo com a consistência exigível, porque a velocidade com que tudo se vai passar nestes próximos dois meses, em que todos os dias haverá novidades políticas típicas dos tempos de crise, muito difíceis de prever, limita consideravelmente a tentativa de antecipação dos efeitos que esse regresso tinha ou tem em vista alcançar.  
 
Todavia, o pano de fundo do regresso de Sócrates era facilmente compreensível. Depois do rotundo fracasso do governo e da inexistência do PS como partido de oposição, Sócrates achou que tinha condições para regressar à ribalta política. Para fazer o quê, logo se veria, mas antes de mais para demonstrar pela compreensão que as pessoas iriam fazendo das suas intervenções que este PS que agora está em acção, seja com Seguro, seja com Assis ou com Costa, está a léguas do PS que os socialistas e de todos aqueles que votam ou já votaram socialista gostariam que fosse.
Ao fim de quase dois anos de oposição, Sócrates não tem dúvidas em concluir, como, de resto, qualquer pessoa minimamente atenta, que este PS é politicamente inexistente. E se não caiu na mais pura irrelevância terá sido pelas intervenções intermitentes de Soares, que, apesar de velho e doente, foi o único que conseguiu durante aquele período levantar o moral das tropas socialistas.
O que Sócrates talvez não contasse é que tudo se precipitasse tão rapidamente. Muito provavelmente, quando fizer o primeiro comentário já o Governo estará demissionário.
Então, o que vai acontecer? Pelo lado do PS (Seguro, Costa e Assis) é fácil perceber o que eles querem. Eles querem eleições para ganhar ao PSD, nem que seja só por 1% de diferença, para que o novo governo seja formado sob a sua égide. Ou seja, com Seguro como PM. Depois vão obviamente fazer uma aliança com o novo Presidente do PSD (tentando que no novo governo fiquem conhecidas personalidades anti-Passos, como Ferreira Leite, Silva Peneda e outros semelhantes) e também com Portas, ao qual não hesitarão em atribuir um protagonismo desproporcionado relativamente ao seu peso eleitoral, só para que não fique de fora (isto, apesar de António Costa, até hoje, ainda não ter percebido que Portas jamais largará o certo pelo incerto). Portanto, um governo do Bloco Central apendiculado pelo CDS, a que os banqueiros e os patrões chamarão de salvação nacional ou qualquer coisa do género, é o que o PS quer. E provavelmente vai consegui-lo.
A outra alternativa é o PSD/CDS não abrirem mão do governo, apesar da demissão de Passos, e incitarem o PR a designar um novo Primeiro Ministro que tentaria formar um governo com o apoio parlamentar existente e, se possível, com a participação do PS. Não é uma hipótese que à partida deva ser excluída se, por exemplo, a pessoa escolhida for Silva Peneda ou alguém muito semelhante. Assis, aqui há tempos, já disse que aceitava, embora Seguro na actual conjuntura – e com Sócrates no “interior” – não tenha condições para dar a sua aceitação a um governo tripartido desta natureza. A moção de censura, nado-morto, que o PS resolveu esta noite apresentar depois de ter sabido do chumbo do TC, aponta nesse sentido. A alternativa seria o PSD/CDS continuarem com outro Primeiro Ministro (e provavelmente outro Presidente do PSD) se Cavaco for nessa. Não indo, lá terá de haver eleições.
O mais grave, porém, é o que virá depois. Uma coisa é certa: O PS de Seguro, Assis e Costa não tem qualquer alternativa à actual política. Isto não é um chavão. Trata-se de uma análise muito rigorosa de tudo o que o PS fez e disse nestes últimos dois anos. O PS demorou quase dois anos a compreender a crise do euro (e não é seguro que todos os que no Partido têm relevância política a tenham compreendido plenamente); depois, tanto os que estavam perto de Seguro, como os que aparentemente estavam afastados, de diferente do Governo apenas disseram: “reabilitação urbana” (com fundos restritos) e “descida do Iva na restauração para 13%”como medidas destinadas a estimular a procura e assegurar a sobrevivência de algumas pequenas empresas.
Quanto à Europa, que é o que verdadeiramente interessa, disseram: mais firmeza e mais busca de apoio dos que estão na mesma situação que nós. Embora não se tenha percebido bem para que seria essa maior firmeza e essa tentativa de busca de apoio, é razoável supor, pelo que tem sido dito pelos responsáveis políticos, a começar por Seguro, que seria para obter mais tempo para alcançar as metas do défice e, provavelmente, para pagar o empréstimo da Troika. Depois do estado a que chegou a economia portuguesa, isto não passa de uma ilusão, já que a recessão continuaria enquanto se mantivesse a política de austeridade. Que é também, segundo o PS, uma política para ficar. Ou seja, a política seria exactamente a do actual governo, só que levaria mais tempo a consumar-se e o empobrecimento, em vez de alcançado abruptamente, levaria mais algum tempo a atingir o resultado desejável.
Se o resultado assim descrito já era mau, ainda ficará pior se essa tal maior firmeza na Europa não obtiver qualquer resultado nem congregar qualquer aliança. E sobre isso o PS nunca falou. Nunca falou, nem falará, porque não tem qualquer resposta para dar. Ou seja, é uma outra versão da “fada da confiança”…
Em conclusão: o regresso de Sócrates irrita solenemente o PSD/CDS, na medida em que torna o PS mais exigente, mas também não agrada nada a Seguro, Costa e Assis, que ficam claramente subalternizados...

quarta-feira, 20 de março de 2013

BRAVO CHIPRE!


 

VAMOS A ELES!

O Parlamento cipriota recusou a proposta do Eurogrupo sem um único voto a favor do confisco.

Como se pode ler no relato que o Expresso faz da reunião do Eurogrupo, um bando de confiscadores capitaneados pela Alemanha e com a vergonhosa colaboração activa do FMI, mais um conjunto de lacaios, preparava-se para saquear cerca de metade dos depósitos cipriotas, acabando a "imposição" por ter ficado nos números que se conhecem. Dois dias depois, à semelhança do que fazem os salteadores, já se contentavam com o que Chipre lhes pudesse dar dar.

Acabaram por não levar nada graças à firmeza e ao patriotismo do Parlamento cipriota.

Sempre aqui defendemos que era absolutamente necessário fazer face a esse bando que hoje domina a União Europeia, a soldo da Alemanha. E que não interessava que o resistente fosse pequeno ou grande, mais forte ou mais fraco. O importante era que alguém abrisse as hostilidades. Esse passo está dado graças ao patriotismo e à coragem do Parlamento de Chipre.

Agora temos que saber tirar as consequências: derrubar imediatamente o Governo e empossar um governo patriótico que, sem o menor vestígio de colaboracionismo, defenda com firmeza os interesses nacionais.

Para isso será necessário deixar claro, sem ambiguidades, que Portugal rejeitará o Memorandum e só pagará a dívida nas condições permitidas pela sua economia.

É altura de actuar sem medo e com coragem: o colapso iminente do euro na União Europeia terá efeitos devastadores para os mais ricos.

É a hora de tomarmos a palavra. Temos de demonstrar que não temos medo.

Viva Chipre pelo exemplo que nos deu!

segunda-feira, 18 de março de 2013

DEPOIS DO CONFISCO, A PALHAÇADA



AFINAL, QUEM RESPONDE?

Cavaco Silva prestou hoje declarações em Roma, como passante, sobre a situação em Chipre. E depois dele Paulo Portas, também como passante. Como passantes, porque o canal televisivo que transmitiu as declarações de ambos integrou-as numa peça mais vasta em que estavam incluídas declarações de vários cidadãos cipriotas e portugueses interrogados ao acaso na rua sobre as eventuais consequências da decisão do eurogrupo.

E de facto, depois de ouvir Cavaco Silva e Paulo Portas,  faz todo o sentido que ambos tenham sido integrados na peça dos passantes. Aliás, Seguro também lá estava…e por direito próprio. Mas deste trataremos mais à frente.

Na verdade, é uma palhaçada ouvir as advertências de Cavaco à Europa, bem como as de Portas, secundando circunspectamente Cavaco, sem nada mais poder acrescentar…porque estava em “serviço externo”.

Então, Portugal não teve um ministro no Eurogrupo? Como votou ele? Opôs-se ao confisco dos depositantes? E Cavaco não é o Presidente da República? Então, de que está à espera para actuar se entende que quem assim agiu não está no seu perfeito juízo? E Portas não pertence ao mesmo Governo do ministro que lá esteve? Então, por que não tira as consequências?

Schäuble também diz que a ideia não foi dele, apesar de a gente ter visto Merkel a defender, com entusiasmo hitleriano, a decisão do Eurogrupo. Aliás, o que dizem os espanhóis é que a Alemanha até queria mais, queria 12%!

E Seguro? O que diz Seguro? Numa típica demonstração de “solidariedade sucialista”, Seguro não está nada preocupado com o que se passa em Chipre, mas apenas com os eventuais efeitos dessa medida em Portugal, que ele quer acreditar não se verificarão.

Isto é um exemplo acabado do que é a Europa. Primeiro :“Nós não somos a Grécia” e doravante: “Nos nossos depósitos ninguém tocará”. É esta a Europa.

Infelizmente, também por este lado - pelo lado da mais complerta ausência de solidariedade -  a medida é racista e discriminatória, bem ao estilo das retaliações referidas no post anterior. De facto, nos depósitos off shores da Inglaterra, por exemplo, ninguém ousará tocar, bem como nos de qualquer outro país forte da Europa.

Como dizíamos, esta é a Europa que nós temos e aqueles são os palhaços que lhe dão corpo. Durante tempos fizeram-nos rir, agora fazem-nos chorar. É tempo de correr com eles do circo!

RETALIAÇÃO NAZI


 
O ASSALTO AOS DEPÓSITOS EM CHIPRE

 

O que se passou no último conselho do Eurogrupo, na noite de sexta e na madrugada de sábado passados, assinala uma nova etapa na condução da União Europeia na defesa do capital financeiro em estreita aliança com objectivos nacionais hegemónicos, protagonizados pela Alemanha.

Até ao presente nunca o FMI tinha usado ou imposto tal meio nos países por ele intervencionados. Embora o Fundo desempenhe no plano internacional o papel de ponta de lança do capital financeiro, nunca FMI, nas múltiplas situações em que tem actuado, esteve em condições de aplicar uma medida semelhante por razões que bem se compreendem. No quadro de uma pura relação bilateral, como foram todas aquelas em que o FMI tinha intervindo até ser chamado pela Alemanha para a ajudar a defender o euro, seria politicamente muito difícil fazer a aplicação de tal meio. Todavia, num quadro profundamente anti-democrático, como é o da União Europeia, politicamente hegemonizado pela Alemanha com a participação de governos colaboracionistas, o FMI (e o capital financeiro que ele representa) já não teve qualquer problema em aceitar a aplicação de uma medida tipicamente nazi.

De facto, a decisão de confiscar uma percentagem de todos os depósitos dos bancos cipriotas é, pela sua natureza aleatória e pela completa ausência de causalidade entre a falência do sistema financeiro cipriota e os capitais nele depositados, um acto de retaliação tipicamente nazi.

Apanham-se os que estão por perto, que nada têm a ver com o acto que se pretende reprimir, para prevenir, pela brutalidade e pela arbitrariedade, a repetição de actos de natureza semelhante.

Sendo o acto em si é a todos os títulos condenável, poderia supor-se que ele é também na sua essência estúpido e irracional por verdadeiramente nada resolver quanto à causa do acto que pretende reprimir. Explicando melhor, se um atentado contra um SS (Reinhard Heydrich, por exemplo) poderia ser futuramente prevenido com um massacre de populações inocentes (Lidice, no exemplo dado), já que a respectiva resistência nacional teria doravante de passar a ponderar as consequências dos seus actos no povo que pretendia libertar ou vingar, no caso de Chipre poderia à primeira vista dizer-se que a retaliação nada resolve, por não haver uma ligação semelhante entre os detentores do capital financeiro e os depositantes. A verdade é quem assim pensar engana-se redondamente.

A retaliação decidida pela Alemanha na madrugada de sábado passado é ainda mais perversa: exactamente por não haver aquele tipo de ligação entre os depositantes e os detentores do capital financeiro é que a Alemanha espera que os capitais que antes afluíam aos bancos cipriotas, bem como muitos dos que estão depositados nos países periféricos intervencionados de facto ou de direito (Portugal, Grécia, Espanha, Itália), afluam aos bancos germânicos ou aos dos seus aliados por estas passarem a ser as únicas praças onde se podem sentir verdadeiramente seguros.

Com o tempo os processos perversos tendem a refinar-se de modo a que se possam alcançar exactamente os mesmos resultados que antes se pretendiam obter pela brutalidade física. É uma questão de ir afeiçoando os meios ao contexto do tempo em que se vive.

Dir-se-á, todavia, se assim for a Alemanha estará cavando a prazo a decadência da sua prosperidade económica em grande parte resultante do extraordinário excedente que há mais de uma década vem crescendo no seio da zona euro.

Certamente. Mas a partir daqui já entramos noutro tipo de conversa. Aparentemente assim será, embora a Alemanha possa supor que o extraordinário crescimento dos países emergentes lhe permitirá dentro de relativamente pouco tempo substituir os mercados europeus por aqueles. Embora os números não apontem nesse sentido, já que qualquer pequeno país europeu rico compra mais a Alemanha do que, por exemplo, a Índia, ela pode, por via do seu “racional irracionalismo”, caminhar mesmo assim para o fim com o entusiasmo grandioso das óperas de Wagner. Ninguém exprimiu esse pensamento melhor do que Hitler nas últimas horas da sua vida.

domingo, 17 de março de 2013

DURÃO BARROSO: AS PALAVRAS QUE NINGUÉM VAI ESQUECER


 

BARROSO VAI PAGAR PELO QUE DISSE

Referindo-se aos programas de ajustamento que estão sendo aplicados na zona euro a diversos países, Barroso teve o desplante de afirmar que os "programas" funcionam. E deu o exemplo da Irlanda e da Letónia. Inacreditável que um alto responsável político com aspirações a desempenhar altas funções políticas em Portugal tenha o descaramento de afirmar que um programa devastador para a sociedade portuguesa – devastador no plano económico, financeiro, político, sociológico, psicológico, etc. – funciona. E como se isso não bastasse, como se não bastasse o cortejo de misérias que a espiral recessiva que tal programa engendra, evidenciadas em centenas de milhares de despedimentos, de milhares e milhares de falências e insolvências, do empobrecimento generalizado e acelerado da esmagadora maioria da população portuguesa, aduziu em defesa da sua tese os “êxitos” da Irlanda e da Letónia.

Com o euro no estertor e a "Europa" à beira de se confirmar como o "grande embuste" dos tempos modernos, Barroso, apoiando-se numa descarada mentira, sai em defesa dos credores que estão estrangulando Portual com a colaboração do Governo Português, tentando fazer crer que aqueles "programas", unica e exclusivamente destinados a garantir o pagamento de dívidas contraídas para garantir a rentabilidade de capitais excedentários e sem aplicação nos países que os geraram, se destinam a assegurar um futuro melhor para os povos que agora os suportam. É dá como exemplos a Irlanda e a Letónia.

Sobre estes exemplos, basta dizer o seguinte: a Irlanda não tinha, nem tem, uma crise económica, mas uma crise financeira resultante da actuação desregulada e irresponsável do sector financeiro. Remediado esse problema pelos contribuintes e pela contínua entrada de capitais americanos de origem irlandesa, o sistema financeiro restabeleceu-se, mas o desemprego não se alterou nem há perspectivas de que se venha a alterar a curto prazo. E só não é maior porque os irlandeses, de acordo com uma velha tradição nacional, emigraram em massa para a América, Austrália, Africa do Sul, Nova Zelândia, etc. A Irlanda era um praça financeira e sede privilegiada de multinacionais e assim vai continuar a ser, depois de os contribuintes e a emigração terem evitado o colapso do sistema financeiro. Mas o povo não beneficiou nada com este "êxito": os salários diminuiram, o desemprego aumentou e o pequeno acrécimo do PIB, que todavia se mantém muito inferior ao do início da crise,  beneficiou exclusivamente os detentores do capital financeiro.

E quanto à Letónia nem falemos. A Letónia é um caso exemplar de empobrecimento brutal resultante de um programa de “ajustamento estrutural” aplicado a um país europeu. Apesar de a Letónia não pertencer à moeda única, o que à partida seria uma vantagem, mesmo assim o empobrecimento gerado pelo tal programa de que fala Barroso foi da ordem de quase 50% do PIB! Ainda vão decorrer muitos anos até que a Letónia volte a alcançar o grau de desenvolvimento económico existente antes da aplicação do “programa”. Tal desgraça só foi suportável porque a extrema xenofobia dos letões os levou a acreditar que as disfunções do seu sistema económico tinham a sua origem na “perversa” União Soviética, estando agora predispostos a suportar todos os sacrifícios para se “purificarem” e “expiarem” aquela malvada influência…

Mas há mais: Barroso como ex-Secretário de Estado da Cooperação sabe muito bem o que foram os “programas de ajustamento estrutural” em África. A que levaram, que consequências tiveram no plano social e político, a desestruturação que provocaram em sociedades mal saídas da colonização. A expansão do islamismo radical em África é uma consequência da brutalidade desses programas de ajustamento que o FMI aplicou na década de noventa do século passado com a mesma cegueira ideológica com que hoje o faz na Europa em parceria privilegiada com a Alemanha, representada na Troika pelos seus lacaios de estimação.

Durão Barroso pode estar certo de que as suas palavras não serão esquecidas em Portugal.

sábado, 16 de março de 2013

SOBRE AS PREVISÕES


 

POR QUE ERRAM GASPAR E C.ª?

 

Não percebo nada de previsões científicas. E das dos economistas nem falar. Mas há coisas que são óbvias. Não ditas agora, mas antes de acontecerem. Por exemplo, desde que o Memorandum da Troika/Passos Coelho começou a ser aplicado sabia-se, pelo que já se tinha passado noutros países, nomeadamente na Grécia, o que iria acontecer em Portugal. No primeiro ano, ainda poderia haver algumas dúvidas, não quanto aos efeitos, mas quanto à dimensão desses efeitos (recessão, desemprego, falências, menos receitas fiscais, etc.). Todavia, a partir do primeiro ano era fácil perceber que, agravando-se as medidas que provocaram aqueles efeitos, estes tenderiam a ser ainda mais devastadores. E no terceiro mais ainda e por ai adiante.

A dúvida não está portanto em saber o que iria acontecer, mas por que razão Gaspar e C.ª apresentaram previsões erradas. Terá sido de propósito, para induzir expectativas positivas, eles que tanto acreditam na “fada da confiança”? Mas se essa foi a razão, ela vira-se contra eles. E era fácil prever esta consequência. A primeira vez ainda se poderia admitir que tenham feito a experiência: “Vamos fazer previsões relativamente positivas, para impedir que os resultados sejam piores do que esperamos”. Mas duas, três, quatro vezes já é inaceitável, porque eles viram que o erro nas previsões os descredibiliza completamente.

A dúvida, porém subsiste: por que erram o que toda a gente (minimamente informada) sabia que iria acontecer? Diz-se que é por razões ideológicas. Eles confiam tanto nos modelos que aplicam que nem sequer lhes passa pela cabeça que as reacções dos “agentes económicos” possam ser diferentes das que constam dos modelos.

Com toda a franqueza, acho que são explicações a mais. Muito prosaicamente, eu penso que eles erram porque são burros!

segunda-feira, 11 de março de 2013

LIMITES DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA


QUE SAÍDA?
 

 

Como muito temos aqui falado das limitações da democracia representativa e dos problemas de legitimidade a ela associados, talvez valha a pena republicar um texto escrito há mais de um ano sobre este mesmo assunto, por ser hoje, porventura, mais actual do que quando foi publicado pela primeira vez neste blogue (1/02/12).

E também seria errado supor que as deficiências da democracia representativa estão potenciadas pelo facto de entre nós termos um governo colaboracionista típico de países sob ocupação. Esse facto, embora verdadeiro, não altera o essencial do que abaixo se diz sobre a crise profunda da democracia representativa.

 

A congruência da maior parte da gente que tem governado o país é, como se sabe, nula. Dizem hoje uma coisa, amanhã fazem outra; prometem com juras solenes cumprir um programa e antes que o eco das palavras se esbata já estão a fazer o contrário do que prometeram.

Isto a gente sabe. O que talvez muitos desconheçam é que estes comportamentos são potenciados e favorecidos pela democracia representativa tal como é praticada nos nossos dias.

Com o tempo a democracia representativa, nomeadamente a que resulta da eleição em listas partidárias fechadas, acabou consagrando o mandato incondicionado como princípio incontestável, deixando de haver durante a sua vigência qualquer possibilidade de controlo dos eleitos, salvo o que resulta da pressão da opinião pública, cada vez mais ferreamente condicionada e manipulada pelo poder, do establishment, que tudo faz para que a opinião pública tenda a coincidir com a opinião publicada, sendo esta altamente limitada e controlada pelos detentores dos órgãos de informação.

O mandato incondicionado supostamente fundado na legitimidade eleitoral permite ao eleito actuar com total liberdade, no contexto do cálculo político que ele próprio faz da sua actuação em função da próxima eleição. E como entre a prática dos actos de incumprimento das promessas e a nova eleição medeia um lapso de tempo relativamente longo é sempre possível no clima eleitoral típico das campanhas esbater essa questão e focar a atenção do eleitor apenas ou quase só nas promessas relativas ao novo mandato.

O que não significa que o eleitor esqueça completamente o que se passou antes. Não esquece, nomeadamente em tempos de crise, mas isso não impede que no novo mandato se repita exactamente o mesmo e assim sucessivamente. E quem se reveza no poder também não tem, por razões óbvias, nenhum interesse em alterar este estado de coisas.

A eleição uninominal, embora tenda a limitar a representação dos partidos minoritários, poderia alterar parcialmente as consequências mais gravosas da incondicionalidade do mandato, se não fosse dar-se o caso de a eleição ser hoje, em percentagem apreciável, determinada pelo dinheiro, principalmente se a principal fonte (visível) de financiamento eleitoral continuar a ser o partido, por ser ele que, em última instância, merece a confiança dos grandes financiadores. E estaríamos passado pouco tempo caídos na mesma situação, com inconvenientes colaterais (ausência, ou quase, de representação dos partidos minoritários) que a eleição em lista fechada de certo modo esbate.

Talvez seja bom recordar que duas das mais importantes questões da filosofia política ocidental são a conservação do poder e o controlo do poder. A primeira, largamente dominante durante séculos e que hoje renasceu com extraordinário vigor, interessa ao príncipe; a segunda, inconsiderada durante muito mais que um milénio, interessa ao povo. Não é aqui o lugar adequado para descrever a longa evolução que gradualmente foi permitindo ao povo passar de sujeito passivo do poder exercido pelo príncipe a interveniente activo no processo político e depois a titular, ele próprio, de um poder – soberano – cujo exercício também tinha (teoricamente) o direito de controlar.

Desde há cerca de duzentos anos foi-se aceitando a ideia - embora, no início, com plena consciência de todos os perigos que ela encerrava - que a “democracia representativa” era a forma de governo que melhor permitiria ao povo exercer o poder (através dos seus representantes eleitos) e simultaneamente controlá-lo (por via de um conjunto de mecanismos, no essencial, actuantes a posteriori, teoricamente destinados a inviabilizar o despotismo, dentre os quais assume particular importância a temporalidade dos mandatos).

Contrariamente ao que por vezes se ouve dizer, isto não significa que antes da consolidação da democracia representativa como forma de governo não tivesse havido outras tentativas, algumas relativamente bem conseguidas, de controlo do poder, nomeadamente por via dos chamados corpos intermédios, que na prática funcionavam como uma verdadeira divisão (horizontal) do poder, com a vantagem, relativamente à actual divisão (vertical) do poder, de esse poder moderador ser exercido por entidades pertencentes a diversos estratos sociais enquanto a actual separação de poderes não impede que todos os poderes estejam dominados ou hegemonizados pela mesma classe ou pelos mesmos interesses.

E é essa a razão pela qual os maiores obstáculos ao poder hegemónico continuarem a ser, ainda hoje, os tais corpos intermédios. Daí a luta feroz que o capitalismo trava actualmente tanto no plano político como no ideológico para desagregar essas forças de resistência que, apesar de bastantes debilitadas, continuam a ser as únicas que levantam dificuldades à sua insaciável voracidade.

Esta quase completa ausência de controlo do poder político saído dos actos eleitorais leva necessariamente à conclusão de que não há “aprofundamento” possível da democracia representativa. Ela tenderá a ser, nos tempos que correm, cada vez mais um “embuste participado” no qual os eleitores, por falta de alternativa, intervêm de boa-fé, assegurando a quem governa a legitimidade formal suficiente para deixar o poder constituído a coberto de qualquer substituição inorgânica.

Portanto, por “este lado” a coisa tem pouca saída. O “aprofundamento da democracia” pressupõe um poder político popular que controle, sem partilha, o poder económico e seja ideologicamente hegemónico, o que nunca acontecerá se ao inimigo – o capital - forem facultadas as armas de destruição da própria democracia. É essa hegemonia que é preciso conquistar. Sem ela nunca haverá verdadeira democracia.

A igualdade como princípio, isto é, como ponto de partida e objectivo de chegada, é indissociável do conceito de democracia. À medida que o princípio da igualdade foi sendo postergado e até tido, como é hoje o caso, por inimigo da democracia por, segundo o argumento mais corrente, causar graves danos à liberdade individual e à capacidade individual de “empreendedorismo” e à medida que foram sendo implementadas políticas que davam expressão prática àquelas ideias, a democracia foi perdendo terreno, a ponto de hoje se ter tornado, nomeadamente no Ocidente, numa caricatura assente numa encenação ritual na qual o povo participa como figurante, mas de cuja participação não tira quaisquer vantagens. As vantagens vão integralmente para o pequeno núcleo que controla o poder (núcleo político, económico, financeiro e também ideológico) e o exerce em benefício próprio, arcando o povo, a maioria esmagadora do povo, com as perdas correspondentes.

Nada pior para a sorte de milhões de pessoas em todo mundo do que ter aqueles que agora os governam ungidos por uma falsa concepção da legitimidade. De facto, nada pior para o futuro colectivo do que justificar a “barbárie” que assola o mundo ocidental com base em considerações de legitimidade quando essa legitimidade substantivamente não existe.

Talvez seja conveniente recordar que a democracia representativa não nasceu ungida desta legitimidade indiscutível que hoje lhe serve de capa protectora. A questão do mandato imperativo foi uma das mais apaixonantes discussões que acompanharam o seu nascimento. Como chamar representante a alguém que esteja desobrigado de cumprir o mandato? Como aceitar as consequências de actos praticados pelo representante fora do mandato? Que valor têm tais actos para o representado?

As respostas parecem óbvias e todavia o mandato imperativo não logrou impor-se. Hoje, a questão volta a ser actual. Porventura mais do que há duzentos anos. É que nunca como agora se assistiu a uma tão grave divergência entre o poder concedido e o poder exercido.

Como resolver? Uma coisa certa: se a democracia só puder sobreviver como representativa, então ela vai ter que ser substituída por outra forma de governo que assegure uma real proximidade entre os governantes e os reais interesses da maioria esmagadora dos governados…

Não adianta argumentar com a ideia de que pior do que as perversões da democracia representativa é a tendência hoje corrente (e alguma vez deixou de ser assim?) de governantes de outro país ou de forças fácticas poderosas imporem aos governantes eleitos as medidas da governação. Apesar gravidade das situações que se conhecem, de que é exemplo mais elucidativo a recente tentativa de Berlim impor um gauleiter a Atenas, tudo isso faz parte da mesma questão. Autonomizar esta parte do problema só serve para assegurar uma sobrevida à democracia representativa tal como existe.

 

O PREFÁCIO DE CAVACO


 

EM LINHA COM O DÉFICE DEMOCRÁTICO

 As explicações de Cavaco sobre o seu silêncio e seu trabalho acabam por ser úteis na medida em que revelam a sua concepção de poder.
Cavaco partilha os pontos de vista típicos da classe política que efectivamente governa. Já era assim como Primeiro Ministro, assim continua como Presidente da República.
Actuando Cavaco muito à semelhança dos que nos partidos defendem a legitimidade decorrente do voto como um poder incontrolável pelo delegante durante a duração do respectivo mandato, que entendem suficiente a prestação de contas à posteriori, realmente uma pseudo-prestação em virtude de muitos dos factos praticados já se terem tornado irreversíveis e que além disso vêem o titular da soberania, o Povo, como uma entidade mais ou menos abstracta, chamada pronunciar-se de x em x anos, sem legitimidade para qualquer tipo de intervenção efectiva depois de se ter pronunciado, é natural que também ele, Cavaco, considere que não tem de prestar contas durante o respectivo mandato, podendo até, em homenagem a superiores interesses que só ele conhece, esconder a sua acção por detrás do segredo.
Se o mandato representativo incondicionado já permite todo o tipo de abusos, imagine-se o que poderá acontecer quando se actua a coberto do segredo.
Este um dos velhos temas da filosofia política que está ainda longe de ter na prática uma resposta completamente satisfatória.
De facto, a luta pela transparência, pela publicidade do poder contra o poder invisível, o segredo, é uma luta secular que, apesar das indiscutíveis conquistas dos tempos modernos, está ainda distante de constituir uma prática seguida sem reticências.
A ideia de que o poder é tanto mais eficaz quanto mais discreto for, quanto mais oculto estiver dos olhares do povo, é uma ideia que tem muito a ver com concepções de poder que estão nos antípodas da soberania popular.  Mas a verdade é que, não obstante a soberania popular estar hoje consolidada com princípio político do qual deriva a legitimidade para governar, continua a haver – e até se pode dizer que nos nossos dias se têm multiplicado – muitas reminiscências daquele outro tipo de poder fundado noutras legitimidades. A toda a hora se ouve os comentadores defenderem a simulação ou a dissimulação do governante relativamente às medidas que toma. Quando hoje se diz que o problema com que determinado agente do poder se defronta é um problema de comunicação o que na maior parte das vezes se quer dizer é que o governante não soube mentir com eficácia, quer escondendo aquilo que realmente está a fazer ou a provocar, quer atribuindo ao que está a fazer um sentido completamente diferente daquele que a acção realmente vai ter.
Pelo contrário, o que caracteriza o verdadeiro poder democrático é a sua transparência, a publicidade das medidas adoptadas não apenas no sentido de serem conhecidas, mas também de serem apresentadas com os fins e os objectivos que realmente pretendem alcançar.
Por todos os malefícios associados ao poder invisível continua a ser válida a máxima kantiniana segundo a qual “todas as acções relativas ao direito de outros homens que não sejam conciliáveis com a publicidade é porque são injustas”.
No caso de Cavaco, o silêncio e o segredo até podem estar mais associados à irrelevância da sua acção do que propriamente ao exercício de um poder invisível, mas nem por isso deixa de ser significativo no plano ideológico a justificação apresentada por ela estar muito em linha com o défice democrático das democracias representativas.

sexta-feira, 8 de março de 2013

DEMOCRACIA


 

O GRANDE EQUÍVOCO

As questões da democracia e da legitimidade estão na ordem do dia. Quando Assis, Paulo Rangel, Augusto Santos Siva, Paulo Portas - enfim, o bloco central apendiculado pelo CD - falam de nossa democracia, do respeito que ela nos deve merecer e da legitimidade do governo (não ficar ao sabor das manifestações, respeitar os mandatos, etc) do que estão a falar é disto que o Governo está a fazer: negociar com a Troika o nosso futuro, cortes nos ordenados, nas pensões, nas despesas sociais, sem que nós saibamos nada, absolutamente nada. E acham perfeitamente normal, como ainda ontem se viu no debate quinzenal, que o Primeiro Ministro, interpelado, responda com ar mais ou menos sarcástico: “Estejam descansados porque como algumas dessas medidas têm de ter aprovação parlamentar, elas virão necessariamente aqui”:

Só que esta democracia não é a nossa, nem é a daquelas centenas de milhares de pessoas que se manifestam nas ruas. É contra isto que, em última instância, se luta. Essa democracia representativa, de mandatos incondicionados, em que os mandatários, em manifesta usurpação de poder, se permitem fazer tudo, sem ouvir o povo, apresentando-lhe factos consumados, muitos dos quais irreversíveis, tem de acabar.

Enquanto isto não acabar, vamos ter sempre os mesmos problemas.

quinta-feira, 7 de março de 2013

BANCOS SOB SUSPEITA DE CARTELIZAÇÃO


 
E O RESULTADO ESTÁ À VISTA

Os noticiários de ontem e os jornais de hoje não pouparam nas palavras para nos dar a conhecer a mega operação contra bancos suspeitos de cartelização numa investigação comandada pela Autoridade da Concorrência, ainda dirigida por Manuel Sebastião.

Sobre esta matéria apenas sabemos o que dizem os jornais e o que disse Ulrich. Ah, mas ainda sabemos outra coisa. Sabemos que Sebastião é o tal responsável pela concorrência que durante cerca de um ano andou com a lâmpada de Aladino à procura de um documento que provasse que as grandes distribuidoras de combustível combinavam preços. Mas não encontrou nada. Ele não encontrou nada, mas os portugueses que aos milhões andavam nas estradas de Portugal viam todos os dias que os preços eram iguais em todas gasolineiras das grandes marcas. Claro, coincidências. E nada se pode fazer contra as coincidências.

Ah, sabemos ainda outra coisa. Sabemos que os bancos estão debaixo de fogo por todas as malfeitorias que têm praticado no mundo e também em Portugal. E sabemos que têm ficado impunes por essas malfeitorias e, como se isso não bastasse, sabemos também que somos nós que as estamos a pagar, não apenas com dinheiro, com os nossos salários e as nossas pensões, mas também com o nosso futuro, com o futuro dos nossos filhos e dos nossos netos.

Ulrich, o "sem abrigo" do aguenta, aguenta, com o seu reconhecido talento político, já veio dizer que apoiava a operação, mais umas tretas de concorrência para aqui e para ali. Tudo muito óbvio…

Nada, portanto, melhor do que uma mega operação para baixar a tensão. Em Portugal substituíram-se as famosas “comissões de inquérito” e os “grupos de trabalho”, de que a malta toda já se ria, pelos mega processos ou pelas mega operações quando se pretende chegar a um resultado absolutamente idêntico ao daqueles grupos de trabalho ou comissões, com a vantagem de se animar a comunicação social durante um ou dois dias que deixa nesse entretempo de trazer a crise para a primeira página.  

Mas o que não deixa de ser interessante, qualquer que seja o objectivo desta operação, é tudo isto se ter passado à margem do Banco de Portugal. Ou seja, fica mais uma vez provado que o BdP não regula coisa nenhuma e só lá está para proteger e apoiar o capital financeiro.

 

AS FORÇAS ARMADAS E O DEBATE QUINZENAL


 

AS CONEXÕES QUE IMPORTA ESTABELECER

 

Aparentemente o título não faz qualquer sentido. Quem acompanhou o debate quinzenal de hoje sabe que nem uma palavra foi dita sobre as Forças Armadas, quer pelas bancadas, quer pelo Governo. E, todavia, as duas questões estão ligadas como se perceberá melhor à medida que este post se for desenvolvendo.

O debate de hoje foi muito elucidativo, porventura o mais elucidativo de todos os que até hoje se realizaram com Passos Coelho como Primeiro Ministro. Para apreender o seu verdadeiro sentido é preciso vê-lo todo e não apenas aqueles pequenos apontamentos que as televisões apresentam nos telejornais e nos canais noticiosos.

Resumindo o mais possível o que se passou e tentando simultaneamente ser fiel ao sentido dos diversos pronunciamentos, poderá dizer-se:

Que o Governo não tem para Portugal nada de qualitativamente diferente do que tem feito até agora; se alguma diferença há a esperar – e há – ela será quantitativa: mais recessão, mais desemprego, mais falências; menos poder de compra; mais reduções salariais; mais cortes nas pensões; menos despesas sociais em todas as áreas (saúde, educação, segurança social e até no assistencialismo). Foi isto o que Passos Coelho disse, com a mesma convicção com que um cientista anuncia a última grande descoberta científica. Com uma diferença de vulto: é que a convicção de Passos Coelho não tem nada de científico, assentando antes numa crença (simultaneamente natural e servil) ideológica de que depois da destruição renascerá um mundo novo. O futuro com o governo PSD/CDS será este: arruinar até ao fim tudo o que existe, para renascer algo novo – um novo que fará renascer o mundo liberal de há mais de cem anos com as ferramentas de agora.

Que o PS não tem rigorosamente nenhuma alternativa a isto. Seguro quer fazer umas cócegas na austeridade deixando completamente incólumes as políticas em que ela assenta. O PS quer baixar o IVA na restauração para 13% e arranjar umas obras na requalificação urbana (seguramente o grande contributo ideológico prestado por Costa a Seguro) para as pequenas empresas de construção civil para assim combater o desemprego e a falência. Sobre a dívida o PS quer mais tempo, ou seja, quer mais dívida, mas simultaneamente quer rigor orçamental, quer cumprir os objectivos impostos pela Troika, quer proibir Keynes (e já proibiu) na política económica, como Seguro fez questão de frisar quando recordou ao Primeiro Ministro o seu compromisso, o compromisso do seu partido, com a “regra de ouro” inscrita na lei de enquadramento orçamental.

Que o PCP e o BE, embora com registos diferentes, sublinham o crescente isolamento do Governo, a oposição do povo à sua política, enfim, a urgente necessidade de mudar de governo e de política.

Foi perante o quadro assim descrito que Heloísa Apolónia sintetizou muito bem o que estava vendo e ouvindo: Sr. Primeiro Ministro explique-nos para onde vamos. O Senhor é contra os estímulos à economia porque aumentaram o défice e a dívida, não estancaram o desemprego nem fizeram crescer a economia. É pela austeridade, pela redução da procura e pelo corte substancial da despesa pública, para contrariar os efeitos da política anterior, mas a sua política não só tem mergulhado o país na recessão, como tem aumentado o défice, a dívida e o desemprego. De maneira que a pergunta que eu lhe ponho é esta: diga-nos, por favor, que medidas vai o senhor tomar para aumentar o desemprego?

Este debate foi esclarecedor porque ele confronta o país com duas opções incontornáveis: ou continuamos como estamos, sem qualquer saída, sem qualquer domínio nem controlo sobre os factores que condicionam a nossa situação, sem sequer termos a menor possibilidade de actuar sobre os constrangimentos que pesam sobre a nossa economia; ou abrimos caminho para uma via diferente, com a autonomia possível, mas sempre muito superior à que actualmente existe, recomeçando de novo muitas das coisas que destruímos na louca e enganadora vertigem em que vivemos nestes últimos vinte e cinco anos.

A primeira variante é defendida pelo PSD/CDS e pelo PS; a segunda pelos partidos de esquerda, por sectores cada vez mais visíveis da direita e por largas camadas da população que já aceita qualquer coisa, menos isto.

Todavia, quem à esquerda acredita que é possível continuar onde estamos, mudando radicalmente de política, tem primeiramente que explicar como é que reestrutura a dívida para níveis de cumprimento de capital e juro suportáveis por uma economia que nos últimos três, quatro anos, regrediu mais de cinco anos. Tem que explicar como vai impor isto aos donos do euro e já agora como vai fazer crescer uma economia que adoptou uma moeda cada vez mais alheia às suas necessidades e à sua natureza e sobre a qual não exerce a mínima influência. Enquanto estas questões não forem explicadas, não se poderá verdadeiramente dizer que exista aqui uma alternativa.

Mudar radicalmente de política significa partir para uma negociação com propostas que de antemão se sabe que não vão ser aceites, implicando a insistência na sua praticabilidade na prévia aceitação de um quadro muito diferente daquele em que temos vivido desde 1986. Só que não pode dar-se esse passo sem um intenso diálogo com o povo que tem de perceber e aceitar a mudança bem como os inevitáveis sacrifícios que de imediato tal mudança acarretará, apesar de amplamente compensados pelas vantagens de uma via nova, autónoma e prometedoramente democrática.

E é aqui que entram as Forças Armadas. Desde há muito que as Forças Armadas se consideram o único repositório do pensamento estratégico nacional, principalmente desde que a soberania foi sendo gradualmente transferida para um ente não democrático que não presta contas e que todavia condiciona decisivamente a vida nacional. Enquanto as coisas aparentemente iam correndo bem, a questão existia, mas estava entre parênteses. A partir do momento em que ficou evidente para todos que a perda de soberania não só não tinha qualquer contrapartida, como, pelo contrário, implicava cada vez mais sacrifícios, sem que os portugueses pudessem ter uma palavra por mínima que fosse nos destinos do conjunto a que pertencem, tendo antes que obedecer servilmente a todas as imposições vindas de fora, inclusive àquelas que põem em causa o próprio conceito de Pátria, é natural que as Forças Armadas fiquem apreensivas. Muito apreensivas.

Dado o actual momento político e as alternativas que se perfilam, o que se justifica dizer é que os militares com experiência política, adquirida a duras penas, e com grande apego à democracia e ao seu povo, devem assumir o papel que as circunstâncias dramáticas em que vivemos lhes impõem, não deixando que sejam outros a liderar um processo que facilmente poderia ser pervertido. Uma coisa parece cada vez mais certa: começam a estar criadas as condições para que, mais mês menos mês, algo de novo aconteça na Europa do sul.