sábado, 30 de janeiro de 2010

NOTAS SOLTAS SOBRE A DÍVIDA



O QUE PODE ACONTECER?

Aquilo a que costumo chamar os economistas do establishment não se cansam de nos avisar, a começar pelo Presidente da República, que o nosso nível de endividamento não pára de crescer e, dentro de pouco tempo, tornar-se-á incomportável.
O modo como esses economistas falam e como implicitamente circunscrevem esse fenómeno fazem-nos muitas vezes crer que por detrás do endividamento está uma vontade perversa de alguém que poderia actuar de outro modo e perfidamente não actua, e que o fenómeno é tipicamente português, condescendendo, desde há uns tempos a esta parte, em admitir que agora também é grego.
Todavia se olharmos à volta – mesmo sem falar dos Estados Unidos e do Japão – nós verificamos que o nível de endividamento da União Europeia a 27 não tem cessado de crescer, a ponto de estar cada vez mais afastado dos 60% que o Pacto de Estabilidade e Crescimento prescrevia para os países da zona euro.
Segundo um estudo não publicado da Comissão Europeia, as previsões são de um gigantesco crescimento da dívida daqui até 2020. Nesse estudo, prevê-se que a dívida do Reino Unido atinja 180% do PIB – dívida que em fins de 2008 não ultrapassava os 50% -, a da França cerca de 125% e a da Alemanha um pouco mais de 100%, para citar apenas as três principais economias da UE. Paralelamente, as perspectivas de crescimento seriam baixas, à volta de 1%.
É certo que as previsões a tão longo prazo podem não se confirmar, sendo o erro nas previsões económicas um dos fenómenos com mais estamos habituados a lidar. Todavia, as previsões a prazos bem mais curtos apontam para um endividamento global da UE da ordem dos 83,8% do PIB em 2011 e de 88,2% para os países da zona euro a doze, isto quando em 2008 o nível de endividamento da UE ficava pelos 61,5% do PIB.
A primeira questão que eu gostava de ver debatida pelos economistas era a explicação deste fenómeno. Claro que há a crise, embora o crescimento do endividamento já viesse detrás. Mas com a crise houve certamente necessidade de fazer despesas que doutro modo não teriam sido feitas, quer para relançar a economia, quer para salvar o sistema financeiro.
A grande questão que se põe é saber se as medidas de estímulo produzem o efeito esperado: crescimento e emprego, ou se tais efeitos tardam a aparecer e entretanto se agrava o desemprego e estagna o crescimento. E é por isso que até já há quem diga – embora o tema seja muito polémico – que o que na década de trinta do século passado tirou o mundo da depressão, principalmente a América, não foram as medidas keynesianas, mas a guerra. Seja assim ou não, o que é certo é que se o emprego e o crescimento não surgem e as respectivas despesas de estímulo e as sociais continuarem a aumentar, a dívida vai crescendo e uma parte considerável dos recursos dos países acaba por ser afectado ao seu pagamento, a ponto de esta afectação prejudicar a realização daquelas despesas, cujo nível não pode deixar de baixar sob pena de bancarrota.
Mas se as medidas de estímulo não produzem o efeito esperado ou tardam a produzi-lo, já o mesmo se não poderá dizer – como se está a ver – das medidas de resgate do sistema financeiro. De facto, os banqueiros tendo beneficiado de biliões a taxas muitíssimo baixas ou mesmo de graça rapidamente se recompuseram, sendo em grande medida eles que já estão a fazer os empréstimos para financiar os défices orçamentais a juros cada vez mais elevados, ditados pelas famosas agências de rating, irmãs gémeas do capital financeiro.
Perante este cenário, que toca a todos, embora haja muita gente a assobiar para o lado, o que podem fazer os Estados? E que solidariedade ou, melhor, que coordenação ou falta dela vai haver na União Europeia?
Isto é que eu gostava que os economistas nos explicassem em vez de andarem para aí com discursos de tipo Edir Macedo! Porque uma coisa é certa: alguma coisa vai acontecer… e tudo o que pode acontecer ou já aconteceu é racionalmente explicável.
E se tivermos em conta que a própria crise financeira assenta numa crise de endividamento (dos particulares), fundada na ilusão de democratização do crédito, quando do que realmente se trata é de uma cada vez mais injusta repartição dos rendimentos, então ainda perceberemos melhor como “rola” o sistema capitalista dos nossos tempos…

1 comentário:

Ana Paula Fitas disse...

Nada como desmistificar para fazer da transparência uma base de comunicação útil... seria muito útil que todos os cidadãos pudessem ter acesso à clarificação económico-financeira que vive de mitos e cria monstros cujo único objectivo é afastar as pessoas de um efectivo exercício da cidadania. Obrigado :)
Abraço.