sexta-feira, 30 de abril de 2010

A CRISE FINANCEIRA PORTUGUESA NO CONTEXTO DA ZONA EURO (II)



CONTINUANDO...

Dai que não tivessem comprendido, depois de dez nos de experiência, que os critérios de convergência tal como foram estabelecidos pelo “Pacto de Estabilidade e Crescimento” não só não asseguraram qualquer tipo de convergência, como, pelo contrário, tendem a afastar cada vez mais as economias à partida menos competitivas das mais competitivas. Insistir numa política que tenda a equilibrar as contas públicas (aliás, de nulos reflexos sobre a dívida, como se tem visto) à custa da degradação do trabalho em todos os seus aspectos, da fragilização o Estado, privando-o de meios – esses sim - que lhe permitiriam desempenhar um verdadeiro papel regulador da economia e de sucessivos cortes das despesas sociais com tendência, no limite, para a sua irrelevância financeira, é uma política suicidária que somente pode ser prosseguida por quem, estando completamente obcecado pelos dogmas neoliberais, ainda não compreendeu que o que sucede no plano interindividual acontece também no plano interestadual. Ou seja, os países mais fracos são permanente prejudicados em confronto com os mais fortes se não houver mecanismos de compensação susceptíveis de contribuir gradualmente para um certo equilíbrio do conjunto.
Supor que o equilíbrio das contas públicas geraria só por si maior nível competitivo capaz de assegurar o crescimento e o emprego é um erro que a experiência já se encarregou de demonstrar. Pode, eventualmente, em alguns países da zona euro, à partida menos competitivos, ter havido crescimento e um aumento conjuntural do emprego com base em actividades económicas (não financeiras) especulativas, mas, uma vez rebentada a “borbulha” que insuflou a economia, tudo volta à situação anterior, se não mesmo a uma situação ainda pior do que a anterior. Ou seja, o desemprego e o défice aumentam exponencialmente, a dívida privada dispara (aliás, em consequência das ditas actividades especulativas), a pública não cessa de crescer e a recessão alastra por vários anos.
Sendo a criação de uma moeda única um passo importante no processo de integração europeia, tem de reconhecer-se que o euro padece de vícios congénitos que só podem ser superados se houver uma reformulação muito profunda das políticas monetáris, financeiras e económicas que ele, em última instância, visa servir no interesse do conjunto.
Continuar a trilhar o mesmo caminho que até aqui tem sido seguido é caminhar abertamente para o desastre. O desemprego, o fraco ou nulo crescimento, o aumento exponencial da dívida na zona euro, embora com intensidade diferente consoante os países, não constituem um fenómeno conjuntural susceptível de ser vencido com o simples decurso do tempo. Pelo contrário, se nada for feito, a situação tenderá a agravar-se não apenas na Grécia e em Portugal, mas em muitos outros países a começar pela Espanha.
Tentar sair da crise através de políticas altamente recessivas e penalizadoras dos mais baixos rendimentos é à partida uma aposta completamente falhada, como a história económica do capitalismo também demonstra.
Assim sendo, os contornos mais graves da crise, paradigmaticamente ilustrados pela situação quase dramática da Grécia e de Portugal, têm de ser combatidos com políticas eficazes que representem um corte radical com tudo o que agora até se tem feito desde que a crise grega se começou a manifestar.
Os planos de resgate dos países endividados têm de passar pela concessão de créditos a juro muito baixo orientados para a criação de emprego e do crescimento económico sustentado. Simultaneamente, os critérios de Maaastricht têm de ser radicalmente alterados com vista a que as economias menos competitivas possam melhorar a sua perfomance económica.
Manter a actual situação e continuar com uma estratégia assente em políticas falhadas tornará o colapso inevitável e muito mais dramático.
Obviamente que não é fácil pôr em prática tais políticas, nomeadamente numa época em que o mundo é governado por uma quadrilha que actua impunemente por via da complacência de governos servis que tudo permitem ou, quando o não são – o que é raríssimo –, se mostram completamente incapazes de contrariar as suas políticas de saque e extorsão.
Quando alguém daqui a cem anos fizer a história do período que estamos a viver desde que a crise financeira rebentou vai ter muita dificuldade em explicar aos seus leitores como foi possível que uma crise exclusivamente motivada pela ganância e pelo espírito de rapina do capital financeiro e especulativo deixado à solta pela conivência ou inoperância dos governos se tenha transformado em pouco mais de dois anos num dos maiores saques que a história da humanidade regista. Um saque em que os saqueadores são exactamente os mesmos que provocaram a crise e que por força do seu peso e do seu poder económicos conseguiram que gigantescas quantias de dinheiros públicos tivessem ido em seu auxílio para com base nesse mesmo dinheiro promoverem o saque a que agora se está a assistir. E o mais grave é que tal conduta é considerada perfeitamente normal, usando-se, inclusive, para a qualificar, um tipo de linguagem destinada a induzir em quem a lê ou ouve aquela normalidade. E isto não é obra apenas dos quadrilheiros que actuam por conta e ao serviço da quadrilha, mas por aqueles que já se desabituaram de pensar e tendem a considerar normal algo que a história registará como uma das grandes aberrações da história do próprio capitalismo.

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