quinta-feira, 20 de maio de 2010

CONTINUANDO COM A ENTREVISTA DE SÓCRATES



AS TAIS PERGUNTAS QUE FICARAM POR FAZER

Deixando para o fim as questões domésticas, as tais que os entrevistadores encaram sempre numa perspectiva reaccionária – a propósito alguém já reparou que praticamente todos os “moderadores” da RTP, dos programas de debate político, principalmente na 1 e na N, são abertamente de direita? E intervêm sempre como se mais um comentador de direita fizesse parte do painel? – ainda há perguntas de outra natureza a fazer a José Sócrates.
Tem Sócrates consciência de que os programas de “ajustamento” impostos à Grécia, a Portugal e à Espanha são altamente recessivos? Aparentemente tem. Sócrates tentou esclarecer que a recessão dos dois próximos anos seria a condição necessária para sair da crise. Sem ela, ou seja, sem as ditas medidas de austeridade, nos termos em que foram tomadas, a recessão ocorreria à mesma com a diferença de que não haveria forma para sair dela.
Nada mais errado. A política que acaba de ser seguida no quadro comunitário não apenas levará à recessão como inevitavelmente conduzirá à falência da Grécia ou, no mínimo, à reestruturação da sua dívida. A partir de agora, tendo em conta os custos da dívida e o nulo crescimento, ou muito provavelmente o decrescimento, da sua economia, a Grécia não terá qualquer hipótese de pagar o que deve.
Muito provavelmente o mesmo acontecerá a Portugal daqui a algum tempo, apesar de a dívida pública portuguesa andar à volta de metade da dívida grega. E para a Espanha o problema não deixará de se pôr nos mesmos termos, principalmente se os juros da dívida continuarem a subir.
Esta política não resolve nada. Apenas adia por mais algum tempo o que inevitavelmente acontecerá.
Outra questão que ficou sem resposta é a seguinte: acha Sócrates que as medidas punitivas propostas pela Alemanha ou, inclusive, a constitucionalização da proibição de endividamento, resolvem os problemas do euro? Pugnou Sócrates alguma vez em Bruxelas, nomeadamente nos momentos críticos, por um orçamento comunitário de tipo federal e por governo económico da União baseado na justiça social e na solidariedade? Não, certamente não, porque isso seria pôr em causa o capital financeiro e a sua extraordinária capacidade para gerar desigualdades à custa das enormíssimas vantagens que retira da presente situação.
Finalmente, têm Sócrates consciência de que a austeridade imposta de fora, sem paternidade definida, por um poder oculto que a todos domina, que faz recair sobre os mesmos de sempre o essencial dos sacrifícios e que gera enormes desigualdades sociais é um factor de deslegitimação do regime político democrático nos termos em que tem sido genericamente praticado? E que tem Sócrates como governante a dizer sobre isto?

Sem comentários: