terça-feira, 22 de janeiro de 2013

DIÁRIO DA GUINÉ



 
UM LIVRO DE ANTÓNIO GRAÇA DE ABREU
 
 
Vem a propósito do quadragésimo aniversário da morte de Amílcar Cabral falar num livro publicado há cerca de seis anos mas de que somente há dias tive conhecimento – Diário da Guiné, escrito por António Abreu, entre Junho de 1972 e Abril de 1974, quase dia por dia o tempo da minha comissão de serviço na Guiné, em Bissau, na secção de Justiça do Comando da Defesa Marítima.
Para além da enorme diferença que à época representava ser colocado em Bissau ou no mato, há ainda uma outra porventura não menos negligenciável: fazer o serviço militar na Marinha ou no Exército. A diferença era sob todos os aspectos abissal.
 
António Abreu foi mobilizado para a Guiné com 23 meses de tropa cumpridos em Portugal, tendo sido sucessivamente colocado em Canchungo (antiga Teixeira Pinto), Mansoa e Cufar. Ou seja, quanto mais a comissão se aproximava do seu termo mais perigoso era o local para onde o mandavam.
 
Tendo muito presente as grandes datas dos dois últimos anos de guerra e as ocorrências que tragicamente as assinalam, segui, como se estivesse a reviver esses mesmos tempos, esta narrativa contada por quem viveu de muito perto esses mesmos acontecimentos.
O livro de António Abreu é, a vários títulos, um testemunho notável do que foram os dois últimos anos de guerra na Guiné não apenas no plano militar, mas também no plano das relações entre os milicianos e os soldados, do comportamento das chefias militares mais próximas, do estado de espírito dos combatentes, do relacionamento dos soldados com a população, das dificuldades correntes do quotidiano que se agravavam dramaticamente quanto mais perigoso era o teatro de operações, da filosofia de vida com que se encarava a inevitabilidade de uma comissão de 22 ou 24 meses, da incerteza sobre o dia seguinte, a partir de certa altura, do minuto seguinte…
Tudo isto António Abreu conta numa prosa elegante, sempre com muita grandeza de espírito e notável humanismo. O modo como salpica a narrativa com alguns episódios burlescos acontecidos no dia-a-dia da guerra e a fina ironia com que os trata fazem lembrar alguns dos melhores gags de Chaplin. Por outro lado, o equilíbrio das suas apreciações e o sentido de justiça sempre presente, mesmo nas condições mais difíceis, fazem com que ele seja capaz de apreciar as qualidades e até as virtudes daqueles de cuja acção discorda. A suposta ingenuidade com que aceita o inevitável, mantendo-se sempre íntegro e igual a si próprio, e a sua vasta cultura contribuíram certamente para que tenha saído sem traumatismos de uma guerra que se ia tornado mais violenta à medida que se ia aproximando fim.
Das muitas leituras sobre a Guerra Colonial, desde as narrativas de militares até à obra de ficcionistas consagrados, passando pela obra dos historiadores, tenho na minha modesta capacidade de apreciação literária o “Diário de Guerra” de António Abreu como uma das obras mais interessantes que sobre o tema já li.


3 comentários:

João Barbado disse...

Concordo com a apreciação feita ao livro. Li-o aquando da publicação e achei-o uma maravilha. Um facto que me diz muito foi o sr Graça de Abreu ter estado em Mansoa,localidade onde eu permaneci 25 meses entre 67/69.
No artigo anterior um anónimo estabeleceu uma confusão entre o meu camarada António Abreu (do PCP), e o Graça de Abreu autor deste livro.

JM Correia Pinto disse...

Sim, foi uma confusão que o autor do comentário já reconheceu.

antonio graça de abreu disse...



Muito obrigado pelo comentário e pelos elogios.

O meu Diário é um pouco do meu orgulho.
Mas tenho mais catorze livros publicados, todos eles com a China lá dentro.
Depois da Guiné veio a China, e nunca mais parei com estudos, trabalhos e extremadas vivência sobre, e na China.

Abraço,

António Graça de Abreu