segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

LEI DAS RENDAS – AS MENTIRAS DA MINISTRA CRISTAS



AS VERDADES QUE A MINISTRA ESCONDE

Sobre a lei das rendas – novo regime do arrendamento urbano, Lei n.º 31/2012 de 14 de Agosto – tem havido muita contra-informação, muitas mentiras que tentam esconder o verdadeiro regime da lei elaborada pela Ministra Cristas - certamente com a colaboração da Ministra Von Hafe, pelo menos em matéria de despejo -  que o Parlamento aprovou, sob proposta do Governo.

A lei, apesar de complexa e redigida de forma confusa, quase incompreensível para a generalidade daqueles que têm de suportar as consequências mais dramáticas da sua aplicação, pode com algum trabalho de síntese ser explicada em termos simples.

Não é bem isso que vamos fazer neste post por este blogue não ser um lugar de comentário jurídico; vamos apenas enunciar, em termos compreensíveis por toda a gente, as grandes linhas do regime jurídico previsto na lei, nomeadamente no que se refere aos arrendamentos para habitação anteriores a 1990 (arrendamentos de pretérito).

A primeira conclusão que se pode tirar da leitura da nova lei é que ela consagra em toda a linha os princípios neoliberais que tem norteado a política económica do Governo, agravando e precarizando a posição do inquilino, tratando-o como uma espécie de intruso tolerado com o qual se pode “correr” à menor contrariedade. É bom que se diga que, com excepção dos arrendamentos anteriores a 1990, o contrato de arrendamento desde há muitos anos deixou de estar sujeito em Portugal à chamada legislação vinculística, contrariamente ao que por aí é veiculado, quando se pretende imputar à legislação pré-existente a ausência de um mercado de arrendamento. Nos termos da legislação agora em vigor, a grande diferença relativamente ao regime dos arrendamentos posteriores a 1990 é o agravamento da posição contratual do inquilino, precarizando-a, a ponto de se poder dizer que neste tipo de contrato, porventura mais do que em qualquer outro, salvo o contrato de trabalho, a lei desequilibra impositivamente as obrigações e os direitos de cada uma das partes tornando-as ainda mais desiguais do que realmente seriam se a lei as considerasse iguais – esta a verdadeira essência do neoliberalismo!

Se esta é a caracterização jurídica dos arrendamentos posteriores a 1990, pode afirmar-se sem receio de errar que o regime jurídico a que ficam sujeitos os arrendamentos anteriores a 1990 ainda é mais grave. De facto, no estabelecimento do novo regime a lei fez tábua rasa dos grandes princípios constitucionais estruturantes do Estado de direito. Quando a direita em Portugal clama contra a Constituição, como se nela residissem os males que afligem o país, o que verdadeiramente pretende atacar é o Estado de direito e substituir os conhecidos princípios da igualdade, da proibição do excesso, da proporcionalidade, da confiança e da segurança jurídica, entre outros, pelos “princípios” da arbitrariedade e da prepotência legislativa. É por essa prática se ter tornado cada dia mais evidente que igualmente se torna mais imperdoável o comportamento de certos constitucionalistas que, depois de se terem arvorado nos grandes arautos do Estado de direito democrático, se refugiam agora em complexas “problematizações da problemática” com que o Governo se defronta, tentando com essas pretensas teorizações encontrar ou deixar implícita uma via de justificação para o que está sendo feito em todos os domínios da vida pública portuguesa.

Indo agora directamente à explicação do regime legal:

1 - No que respeita aos arrendamentos de pretérito, a lei estabelece um pseudo regime de transição de 5 anos para os inquilinos com idade igual ou superior a 65 anos; com deficiência comprovada superior a 60% de incapacidade física; e com um rendimento bruto do agregado familiar (RABC) inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA).

É um pseudo regime de transição por duas razões: primeiro, porque não é um regime de transição, é um regime novo – inovador sob todos os aspectos, alterando profundamente o regime anterior; e depois, porque poucos serão os inquilinos que terão possibilidade de manter as casas que actualmente habitam durante os próximos cinco anos.

2 - Por outro lado, é igual falso que a lei proteja especialmente os mais velhos e os deficientes. Estas características na prática não induzem a aplicação de um regime legal diferente do que é aplicado aos inquilinos com menos de 65 anos e sem deficiência física relevante, nem levam ao cálculo de uma renda distinta da exigida a estes. Tanto a uns como a outros acaba por aplicar-se o regime imposto por lei que fixa uma renda equivalente a 1/15 avos do valor patrimonial tributário do prédio, calculado nos termos do art.º 38.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), ou seja, uma renda estratosférica traduzida na esmagadora maioria dos casos em aumentos de 300, 400, 500 e até 1000%!

3 - A única diferença juridicamente relevante é a que se baseia no rendimento bruto do agregado familiar do inquilino (RABC), consoante ele for superior ou inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA). Enquanto no primeiro caso a renda acaba por ser estabelecida por referência ao valor patrimonial tributário do prédio, no segundo ela será fixada por referência ao rendimento bruto do agregado familiar – 10% para o rendimento bruto mensal inferior a 500 €; 17% para o rendimento bruto mensal inferior a 1500 €; e 25% para o rendimento bruto mensal superior a 1500 €.

O facto de existir esta diferença de regime com base no rendimento - a única na prática verdadeiramente relevante – não significa que haja uma verdadeira protecção para os rendimentos inferiores a cinco retribuições mínimas nacionais anuais. Primeiro, porque se trata do rendimento do agregado familiar e depois porque o rendimento que se toma em conta é o rendimento bruto. Ora, considerando os brutais “cortes” que têm sido feitos nas pensões e nos vencimentos do sector público, bem como os impostos que incidem sobre o rendimento em geral, o montante da renda a pagar nada terá a ver com as percentagens anunciadas, podendo antes ir nos rendimentos superiores a 1500 € a mais de 50% ou 60% do rendimento líquido!

4 - É também falso que a indemnização prevista na lei por denúncia do contrato por parte do senhorio, equivalente a 60 meses do valor médio da proposta inicial do senhorio e da contraproposta do inquilino, seja na prática operativa. De facto, nenhum senhorio no quadro deste regime legal vai denunciar o contrato para reaver o prédio mediante o pagamento de uma indemnização quando tem à sua disposição um meio alternativo que lhe assegura o mesmo resultado ou, não sendo esse o caso, uma retribuição óptima do local arrendado. Na verdade, a alternativa que a lei lhe concede – fixação da renda em 1/15 do valor patrimonial do locado – torna a renda incomportável para mais de 90% dos inquilinos. Por que pagar o que pode obter de graça?

5 - Finalmente, é preciso acrescentar que a renda é fixada sempre nos mesmos termos qualquer que seja o grau de conservação do imóvel. Tanto vale que o locado se encontre em péssimas condições como razoavelmente conservado. Por outro lado, o modo de fixação da renda que a lei prevê pressupõe uma amortização em 15 anos do valor patrimonial do locado, ou seja, cerca de 6,7% ao ano, o que não deixa de ser um negócio “tipo BPN”!

6 - Comentários finais - É como se vê uma lei extremamente perversa, elaborado por uma mente pérfida, bem à imagem do que é o CDS, os seus ministros e Paulo Portas. Para além da campanha que Mota Soares tem feito contra os pobres, limitando-lhes os subsídios sociais, deixando-os na maior indigência, encarando-os como um fardo que importa alijar, veio agora a Cristas bem na linha do seu partido arremeter contra os velhos, criando juridicamente todas as condições para que possam ser postos na rua da casa onde habitam há várias décadas. Como convém acabar com esta “fonte de despesa” para o Estado que são os pobres, os deficientes e os velhos, o CDS usa os meios adequados consoante a época. Se tivesse governado na década de trinta do século passado teria usado outros…Como estamos na época do neoliberalismo, usa os económicos...

Esta lei não foi aprovada para “liberalizar” o mercado de arrendamento como eles cinicamente dizem. Esta lei foi aprovada exclusivamente para despejar os inquilinos dos arrendamentos mais antigos. Esse o seu único objectivo. É uma lei onde o racismo social de que o CDS é o principal intérprete na governação está sempre presente. É uma lei contra os velhos, contra os deficientes e contra os pobres.

Para concluir uma palavra sobre Cavaco. Cavaco nada fez para impedir que as arbitrariedades e iniquidades desta lei entrassem em vigor. Aceitou sem pestanejar o regime que ela consagra de imediato e contentou-se relativamente ao que possa acontecer daqui a 5 anos (e daqui a 5 anos para a maior parte das pessoas não acontecerá nada, porque o que tinha que acontecer já aconteceu antes) com uma declaração pessoal da Cristas prometendo-lhe que até lá tomará providências! Contado não se acredita…mas como está escrito tem de se acreditar. Mas acredita-se com mais facilidade se nos lembrarmos que Cavaco é aquela pessoa que trocou com alguém ligado à SLN uma moradia por um terreno…tendo-lhe depois aparecido no sítio do terreno uma moradia nova bem melhor do que a anterior ou que comprou à dita SLN um lote de acções que pouco tempo depois revendeu a essa mesma SLN, por ajuste directo, com um lucro de 140%!

Em Portugal tudo é possível, portanto! Até ver…

3 comentários:

Anónimo disse...

Esclarecido, triste e chocado. O nosso jornalismo em Portugal tem apenas notícias redondas sobre os mais pobres,os mais velhos e os desfavorecidos, não se aprofundando nada. Sendo uma pessoa que lê jornais em papel e on-line precisei de ler este artigo para realmente perceber algumas das coisas que interessam perceber sobre a nova lei. Pobre país.

Anónimo disse...

Estava mais ou menos dentro do assunto, de qualquer modo este "post" alertou-me para aspectos em que não tinha reparado.
Está claro que esta lei não vai liberlizar/revitalizar o mercado de arrendamento!
É evidente que o objectivo é, despejar, escorraçar!
A rentabilidade de 7% num investimento desta natureza é obscena.(não diria, como o autor, que comparavel com os lucros dos investimentos de S.Exª; os portugueses ainda vão ter muita s mais surpresas com centenas de PPPs que só agora estão a vir à "luz do dia").

A verdade, nua e crua, é que não há renda razoável pagável com rendimentos de escassas centenas de euros. Aí surge o argumento: porque hão-de os donos da casas ser "eleitos" para colmatar a pobreza dos seus inquilinos e não também os que colocaram os capitais/poupanças/riqueza noutros activos? Tem alguma lógica esta interrogação. Aqui o autor é omisso. Como também é omisso sobre como resolver a situação de ruína em que está ou para que caminha parte significativa dos centros urbanos, embora eu não acredite que esta lei venha resolver essa vergonha nacional.

lg

RIVUS disse...

Este comentário pode até incluir muitas verdades mas entendo que é parcial e digo por quê. Sou um funcionário público com uma reforma que quase nem dá para viver e proprietário de uma casa que herdei de famíliaq onde numa parte da mesma reside uma senhora idosa que paga há muitos anos 2,00€ mensais, na melhor zona de uma vila de província. Pago por esse imóvel uma contribuição de 500,00€ anuais e foi agora reavaliada para um IMI de quase 1000,00€. Ninguém quer despejar a velha, que até faz uma vida igual á minha. Tentei negociar a renda dos 2,00 com base nesta nova lei e não me foi possível fazê-lo. Só pergunto ao preclaro escritor deste post e apelo á sua honestidade mental que me dê uma solução para o caso. Ou terei de, sem culpa ou obrigação nenhuma, de sustentar parasitas? Que é o termo. Não sou da cor desta gente que nos governa e até os abomino, mas antes de escrever sobre qualquer assunto, digamos a verdade e não se propaguem fundamentalismos, mesmo bem enroupados com linguagens pretensamente eruditas. A vida é difícil para todos!