quinta-feira, 18 de julho de 2013

EMPRESÁRIOS E OUTROS APELAM AO CONSENSO


 

REPAREM QUEM ELES SÃO

 

Este apelo de um conjunto de patrões e dos seus representantes – não gosto do conceito  de empresário (quando eu era pequeno só havia três ou quatro empresários: o Nuno Salvação Barreto (empresário do Campo Pequeno); o Vasco Morgado (empresário do Monumental); o José Miguel (empresário do Parque Mayer); e mais uns tipos do circo) – faz-me lembrar aquele conhecido advogado da praça lisboeta que estando em tribunal a defender os direitos de um trabalhador contra uma conhecida universidade privada, no acto representada, sob o disfarce legal de cooperadores, pelos seus verdadeiros accionistas, começou a sua intervenção dizendo ao juiz: “Sr. Dr. Juiz, olhe-lhes para a cara!”.

E agora o que se passa é exactamente o mesmo. Estes cavalheiros que fizeram o apelo querem um acordo porque sabem que o acordo, a existir, defenderá os seus interesses. E é disso que se trata. Não há qualquer interesse nacional definido a partir de uma posição de classe. O interesse que sob a capa de interesse nacional se defende é o interesse de classe. Ora, a democracia é o reconhecimento da existência de posições diferentes, frequentemente ditadas pela defesa de interesses contraditórios ou mesmo antagónicos. Por isso, o apelo do Presidente da República, agora secundado pelos patrões, pela UGT e por umas dúzias de conhecidos representantes do capital, à sombra do qual sempre viveram, cujo dramatismo tem sido propositadamente intensificado nestas últimas horas, é um apelo de quem tendo da sociedade e da política uma visão salazarenta, mas não dispondo dos meios que lhe permita impô-la, pretende por esta via, da chantagem, do medo, da renúncia impositiva aos verdadeiros valores democráticos, alcançar um resultado equivalente.

Está de facto em curso um gigantesco processo de chantagem sobre a população em geral mediante recurso a exemplos de factos que a todos prejudicam mas que atingem mais dramaticamente os mais fracos, como a subida da taxa de juros, para a partir deles induzir a ideia de que a causa desta subida resulta da crise política e não da situação financeira e económica em que o país se encontra, também ela causa da presente crise política.

A política do Governo Passos, Portas e Gaspar, imposta, com a conivência e entusiasmo destes, pelo capital financeiro e pelos seus representantes no quadro da União Europeia, o descalabro a que esta política conduziu o país, aliás antecipável pelo que se estava a passar na Grécia, é que constitui a verdadeira causa da actual crise política. A calamitosa situação económica e financeira do país levou, primeiro, a frequentes desinteligências entre os parceiros da coligação, depois à demissão do seu principal “arquitecto” interno, explicitada numa carta em que, impotente, confessa o fracasso de dois anos de governo, seguidamente à demissão do ministro presidente do parceiro da coligação, dias depois regressado numa das mais rocambolescas cenas políticas do nosso tempo e por fim ao apelo/imposição do Presidente da República para que os partidos do governo mais o PS, que também assinou acordo com a Troika, encontrem um entendimento que permita satisfazer os interesses dos credores e dos seus aliados internos.

O PS viu-se assim metido numa verdadeira “camisa de onze varas” pela extrema ambiguidade com que tem pautado o seu comportamento político desde que a Troika aportou a Portugal e joga neste lance muito provavelmente mais do que o seu futuro – a sua própria existência como grande partido nacional.

Aos mais novos, nascidos depois do 25 de Abril ou pouco antes, que viveram o embuste da ilusão europeia como algo insubstituível e que não vislumbram qualquer futuro para Portugal fora do quadro em que se encontram, agora fustigados pelos condicionalismos e constrangimentos impostos ao país pelos credores como uma fatalidade a que se não pode fugir, importa dizer que em todas as épocas, ou em quase todas, Portugal se deparou com problemas de idêntica gravidade a que na maior parte das vezes soube fazer face com coragem recusando o caminho sem alternativas que teimavam em impor-lhe e escolhendo exactamente aquele que à época parecia impossível de trilhar por não levar a lado nenhum.

Não é preciso recuar muito no tempo para buscar exemplos. Basta recordar o drama vivido pela geração do 25 de Abril e de outras que a antecederam. Também para essas gerações Portugal não teria futuro nem existiria sem as colónias, a guerra colonial era uma fatalidade que teria de ser suportada com estoicismo e abnegação, o regime político vigente era inamovível por força de todos os instrumentos de coacção que tinha ao seu dispor e que usava sem contemplações sempre que as circunstâncias o exigiam…e todavia surgiu o “dia inicial inteiro e limpo onde emergimos da noite e do silêncio”.

Agora será preciso fazer o mesmo e buscar sem medo e com coragem os caminhos opostos a todos os que nos impor.

6 comentários:

Carlos da Gama disse...

Texto feliz. Concordo, em absoluto, com a necessidade de audácia perante um regime que oprime com a ideia, sempre repetifda, de que só há um caminho!
Portugal precisa de uma lufada de ar fresco que varra este fadário onde foi metido.

Cumprimentos
CG

Anónimo disse...

"Aos mais novos, nascidos depois do 25 de Abril ou pouco antes, que viveram o embuste da ilusão europeia..." É verdade que tiveram contra eles o viver condicionados por esse embuste ou equívoco, mas também tiveram o "azar" de não conhecer o país de antes, para saberem como era habitar em Capitais de Distrito sem saneamento, sem água, ter de esperar dois anos para obter um telefone, onde tal era possível, demorar um dia para ir de Chaves a Lisboa. Esses jovens, ou já nem tanto, que hoje vão à Parede ou Carcavelos ou mesmo a fina praia do Tamariz nem sonham o que tais sítios eram até finais de 80!! Isto é verdade, também tem que ser posto na "balança"!

JM Correia Pinto disse...

Não estou a perceber. O que é que tem a ver o que era antes com o que veio depois? E quanto à Europa nós demos mais do que recebemos. Não se trata de ficar fechados. Trata-se de não aceitar viver num protectorado. Haja dignidade!

O Puma disse...


Tem razão

que se fundam

Anónimo disse...

O que tem a ver o que era antes com o que veio depois? Tem!
Se os mais novos, digamos com menos de 50 anos, foram afectados pela beberragem e assim prejudicados na sua "lucidez" parece-me que foram igualmenteprejudicados por não terem memória anterior a 1990. A Esquerda perde credibilidade, ou não a ganha, ao imputar à Europa as culpas pelo nosso fracasso. Depois os arrotos a soberania não saiem bem com o estômago vazio. Soberano, ou assim se julgava, era o Salazar. O Dr. Pinto Correia já leu algum contrato de empréstimo bancário com prestação garantias pessoais?(claro que sim!)Sabe bem a que nível descem as disposições sobre a autonomia patrimonial (logo da sua vida) do devedor!!! O que pode e não pode fazer, do que deve e não deve informar a Entidade etc. etc., para além da oneração patrimonial!

Porque é que os credores dos Estados, sobretudo de um Estado com sucessivos casos de bancarrota, haveriam de ser mais meigos?

JM Correia Pinto disse...

Este assunto é importante e merece algum desenvolvimento.
Em primeiro lugar, a questão do “protectorado” é uma questão fundamental. Se os nacionais de um país secular admitem com toda a naturalidade que podem ficar dependentes de qualquer entidade externa, oficialmente representada pelo mais obscuro dos burocratas internacionais, a quem obedecem cegamente e com cujas directrizes se conformam como uma fatalidade tão evidente como as que resultam das forças da natureza algo vai mal, muito mal, nesse país. E se além disso acresce a suspeita de que essa subserviência é prestada a troco de pequenas vantagens conjunturais de que essas mesmas pessoas se julgam incapazes de prescindir, como por exemplo gozar férias no estrangeiro ou viajar várias vezes por ano para fora do país ou comprar cá dentro a preço reduzido bens estrangeiros, apenas porque estão usando uma moeda que não é deles – e nesse sentido uma falsa e pérfida moeda – e que como contrapartida dessas pequenas vantagens, apesar de tudo apenas ao alcance de uma minoria, todas as imposições se justificam e aceitam, então não é somente algo que vai mal nesse país, é muito pior do que isso: é que algo está podre, muito podre em Portugal.
Em segundo lugar, quanto às relações credor-devedor. Conhecemos a história milenar dessas relações tanto quanto a investigação histórica e jurídica dessa eterna relação nos permite conhecê-la. Temos presente as leis do Código de Hamurabi, temos presente o Velho Testamento (Deuteronómio) e muito mais tarde Dracon, mas também Sólon e os irmãos Graco, estas vários séculos depois na República Romana, temos presente a Lex Paetelia Papiria de Nexis, enfim a longa evolução do Direito das Obrigações nessa incontornável matéria e as lutas que foram sendo travadas para restituir a dignidade ao Homem (ou para que o Homem adquirisse a dignidade que a sua qualidade de ente superior impõe), mas o que há de novo nesta nova relação que a ideologia dominante se esforça (e pelos vistos com muito êxito!) por tornar tão natural e óbvia como a água que brota da nascente é o direito de o credor impor ao devedor o modo como ele se deve organizar e os fins que deve prosseguir como objectivos desligados do pagamento da dívida mas antes relacionados com uma visão do mundo que garanta a imposição de uma determinada “engenharia social” falaciosamente assente na ideia de destruição de qualquer “engenharia social”. Uma engenharia social que garanta ao capital, nomeadamente ao capital financeiro e especulativo, um domínio, uma hegemonia indiscutível, sobre os Estados e a sociedade na sua múltipla composição que não deixe aos hegemonizados outra alternativa que não seja a cega obediência às suas imposições.
Não aceitar isto chama-se dignidade!!!