sábado, 3 de janeiro de 2015

AINDA A PRISÃO DE SÓCRATES



A DISCRICIONARIEDADE EM PROCESSO PENAL
 

 

A arbitrariedade é o pecado capital em processo penal. Ela é a consequência normal da ampla discricionariedade concedida ao juiz neste tipo de processo. Já aqui fizemos referência a este fenómeno e às suas consequências sobre os direitos, liberdades e garantias constitucionalmente assegurados.

Contrariamente ao que se passa no direito administrativo em que teórica e praticamente há a possibilidade de impedir a execução de um acto discricionário da administração manifestamente ilegal por via de recurso contencioso, antecedido de uma providência cautelar na qual se peça a suspensão da sua execução, no direito processual penal essa garantia não existe.

Se o juiz de instrução criminal, a pedido do Ministério Púbico, concede a prisão preventiva ao abrigo do seu poder discricionário, por maior que seja a ilegalidade por ele cometida, por mais arbitrária que a sua decisão tenha sido, desde que determinados requisitos formais mínimos tenham sido garantidos (inaplicabilidade do regime de Habeas Corpus), não há juridicamente meio de impedir a execução dessa decisão. O arguido, suspeito da prática de crime doloso, punível com pena de prisão em princípio superior a três anos, vai mesmo para a cadeia, e somente por via do recurso para a instância superior poderá pôr termo à execução da medida de coacção decretada. Mas o tempo que passou na prisão já ninguém lho tira e o juízo que a opinião pública faz do facto que lá o levou ambém não. Isto sem esquecer que o tribunal de instância superior goza igualmente de grande discricionariedade na apreciação da decisão tomada pelo tribunal inferior.

Como também já foi referido noutro post, o facto de nas faculdades de direito não haver uma cadeira de Teoria do Direito, na qual a discricionariedade pudesse ser estudada como categoria autónoma, leva a que ela somente seja estudada em Direito Administrativo a propósito da actuação da administração.

Portanto, para além da ampla discricionariedade concedida aos juízes em processo penal, junta-se a impreparação da maior parte dos juristas para atacar este específico problema e, principalmente, para criar o necessário clamor público que leve a reformulação da lei e dos princípios em que essa mesma lei até agora tem assentado.

É de facto chocante que alguém esteja preso sem julgamento sem sequer ter conhecimento dos específicos crimes de que o acusam, dos concretos factos em que os mesmos se fundamentam e que nem o processo possa consultar para fazer eficazmente a sua defesa. Este regime abre a porta a todas as arbitrariedades e permite que a luta política se infiltre na justiça pela porta dos fundos, sempre que o suspeito é uma personalidade política.

O caso de Sócrates é exemplar. O Ministério Público e o juiz são os responsáveis por o processo ter vindo para a praça pública. Desde a prisão à chegada de Paris, passando pelas buscas da Rua Braamcamp até aos factos meticulosamente filtrados para os jornais veículos das teses da investigação tudo foi criteriosamente trabalhado. O que se pretendia demonstrar era uma situação típica da luta política não inteiramente coberta pelo direito mas de grande eficácia junto da opinião pública capaz de gerar instintivamente um sentimento de revolta e de condenação perfeitamente compreensível. Ou seja, que um ex-governante vivia muito acima das suas possibilidades e que levava um estilo de vida insusceptível de ser compreendido à luz dos rendimentos por ele declarados.

Este é o ponto de partida e constitui o facto mais facilmente demonstrável. Este facto, porém, não constitui crime no direito penal português. Por outras palavras, o enriquecimento ilícito não é um tipo legal de crime, consequentemente ninguém pode ser preso por viver acima das suas possibilidades ou por ser titular de um património que está muito para além dos seus rendimentos. Se fosse possível, a maior parte daqueles que em Portugal não trabalham por conta de outrem, ou seja, desde os pequenos e médios comerciantes, industriais e agricultores, passando pelas profissões liberais, pelos artífices e prestadores de serviços de todo o tipo até aos grandes patrões do comércio, da indústria, da agricultura e dos serviços, estaria presa e não haveria cadeias que chegassem para albergar tanta gente…

Para que tais situações possam ser criminalmente atacáveis é preciso que a acusação, o Ministério Público, faça prova dos específicos crimes que podem levar àquele resultado, como, por exemplo, é o caso, entre muitos outros, da corrupção, da fraude fiscal, do branqueamento de capitais, da participação ilícita em negócio, etc., etc.

Acontece, porém, que o processo penal tal como está regulado na nossa lei permite que uma acusação menos escrupulosa e um juiz parcialmente justiceiro possam (não quer dizer que devam ou que tal comportamento seja legal) prender uma pessoa porque suspeitam que um estilo de vida manifestamente acima das possibilidades de quem o leva assenta em actos criminosos. E sabem que ao fazê-lo, principalmente nos termos em que o fazem, isto é, relativamente a um político, que isto cai bem numa opinião pública sedenta de “sangue” e exangue por força das brutais medidas de austeridade que lhe têm sido impostas para pagar a falcatrua dos bancos, a insensatez dos governantes e os desvarios de um sistema que não olha a meios para aumentar os lucros à custa da exploração desenfreada da maior parte.

Simplesmente, isto é o fim do estado de direito. É mesmo um atentado ao estado de direito e quem perpetra este tipo de acções não pode deixar de ser responsabilizado. Em processo penal não vale tudo e muito menos vale usar o processo penal como instrumento de luta política.

Os factos ontem dados a conhecer por José Sócrates, e de cuja existência já se suspeitava, configuram uma situação da máxima gravidade a que urge rapidamente pôr termo. A Justiça não pode prender um cidadão por suspeita de crimes não indiciados por factos específicos, e muito menos negar-se a exibir perante o detido as provas em que fundamenta a sua detenção. A prisão não pode ser o instrumento primeiro da investigação nem pode servir para aterrorizar ou humilhar o arguido.

A prisão de Sócrates é, como desde a primeira hora se tinha depreendido, ilegal. Portanto, não pode ser mantida apesar de gozar da aceitação de uma parte da opinião pública, dos partidos do Governo e da relativa compreensão da nomenklatura do PS, suficientemente satisfeita desde que Sócrates possa fazer a “defesa da sua verdade”.

Como acabou de se ver, depois da intervenção de Marques Mendes na SIC desta noite, há uma perfeita sintonia entre as teses do PSD e as da acusação e do juiz de instrução. Também Marques Mendes apenas está interessado em sublinhar a tal divergência acima assinalada, que, como é óbvio, é a que “rende” na opinião pública.

Estado de direito, democracia, respeito pelos princípios essenciais do direito penal são conceitos despidos de conteúdo sem quaisquer consequências práticas. Marques Mendes tem a vantagem de nem sequer disfarçar, embora na pequenez do seu raciocínio esteja convencido do contrário.

14 comentários:

Albino M. disse...

É de facto chocante.... este parágrafo não é verdadeiro, não pode ser verdadeiro.
Diga o Sócrates o que disser. Se fosse, a prisão seria ilegal (ver ac.Trib. Const. relatado or Mário Torres). E facílimo seria anulá-la/ revogá-la. Não acha?

JM Correia Pinto disse...

Não estou a compreender completamente o sentido do comentário. E também não sei qual o acórdão relatado por Mário Torres. O que disse e repito é que a discricionariedade jurisdicional, nomeadamente em processo penal, tem consequências muito mais drásticas e inevitáveis que a discricionariedade da administração. No direito administrativo é possível suspender a eficácia de uma decisão manifestamente ilegal (não fazendo agora referência a outros requisitos) enquanto em processo penal, fora o caso de Habeas Corpus em que há ilegalidades formais grosseiras, a decisão só pode ser anulada ou modificada pela via do recurso. Só que até lá fez-se um caminho. Um caminho que pode destruir uma carreira, uma personalidade, enfim, não preciso de elencar as consequências de uma prisão preventiva com fundamento na prática de crime desonroso.

Francisco Clamote disse...

Brilhante.Subscrevo inteiramente.

Francisco Clamote disse...

Brilhante.Subscrevo inteiramente.

Anónimo disse...

O que leva muita gente a julgá-lo culpado, ou a admitir como muito provável ter cometido os crimes de que é acusado, é toda uma série de coincidências: 1) O apoio de Soares (que apoiou Isaltino, Melancia, E.Santo etc etc), 2) o facto de sabermos como é generalizada a corrupção nos níveis onde chega o n/conhecimento,3) os acusados e rrespectivos defensores negam sempre os factos mesmo que estja à frente dos n/olhos o contrário, 4) as regras, que em teroria servem de slavaguarda dos direitos, são na pratica escapatória para quem pode pagar uma chusma de advogados e custas de processo, 5) as "explicações" de Sócrates provocam-nos um sorrisinho...

Raimundo Narciso disse...

Excelente. Li tudo e a esta hora de sono ou muita militância e não é o caso ou a excelência do jurista! O que me espanta é o excessivo distanciamento do clamoroso caso da ilegalidade da prisão por parte da direcção do PS. A situação tem muito de comum com a prática da Inquisição que também não informava a vítima do que era acusada.E insinuava atenuantes para as auto-incriminações e/ou a delação de outros o que a verificar-se contribuía, isso sim, para maior pena ou para "provar" o que não conseguiam provar.

Albino M. disse...

Expliquei-me mal, vou tentar corrigir...
O que não é verdadeiro, o que não pode ser verdadeiro, é o seu parágrafo que começa 'É de facto chocante...'.
Desde o caso Casa Pia (com o tal ac. relatado por Mário Torres) e a posterior alteração do CPP, têm de ser indicados ao arguido os concretos factos e os indícios que legitimam a pp.
Não elaboremos demasiado onde se não faz mister, nem adoptemos visões conspirativas que só convencem os apaniguados.
Eu não acredito que o tribunal não cumprisse estritamente a lei, para mais num caso como o presente.
Não acredito, ponto. E vocês, desculpe dizer assim, todos os que estão vendendo histórias da carochinha, no fim me dirão...

JM Correia Pinto disse...

Albino M.
A fundamentação da prisão preventiva é pública. Não conheço estas, mas conheço outras. E essa exigência não se cumpre. Também não creio que afirmações tão peremptórias, não feitas por jornais, mas pelo próprios intervenientes, sejam falsas. Há muitas estórias da carochinha neste tipo de processos, mas esta não é certamente delas.

Anónimo disse...

Raimundo Pedro Narciso, permita-me opinar que não era só prática da Inquisição, foi também prática do Fascismo, do Apartheid, etc.
JC

Anónimo disse...

"Ministério Público e o juiz são os responsáveis por o processo ter vindo para a praça pública."

E no entanto, cabeças brilhantes como a de Vital Moreira refocilam obcecadamente na urgência de penalizar os jornalistas e de ir atrás destes e dos jornais.

Graça Sampaio disse...

Muito bem explicado! Grata.

Duarte disse...

Ao

Senhor Raimundo Pedro Narciso

Por que razão havia eu de implicar com o Senhor? Eu digo: O senhor, como putativo ou efectivo dirigente dum movimento político, tem responsabilidades acrescidas e, como tal, não pode publicar a primeira atoarda que o seu intelecto lhe sugere. Nesta prática o
Senhor é reincidente Eu explico: incomoda-me a mim e a qualquer pessoa sensata a suficiência, a ligeireza e a leviandade dos seus comentários. Suficiência, ligeireza e leviandade, que são exuberante e estupendamente (geradores de estupefação) reflectidos na facilidade com que o Senhor afirma existir um “clamoroso caso da ilegalidade da prisão”. Já agora seria capaz de “trocar por miúdos” a sua afirmação e enunciar os factos da vida real e as normas, os conceitos, e os princípios jurídicos que envolvem essa ilegalidade e que legitimam essa sua afirmação.
Desconhecendo o conteúdo do processo. não o faz, nem o fará de modo consistente e sério, porque não pode. Daí a leviandade e a audácia do seu comentário.
Já agora deixe-me que lhe diga que nem sempre a sorte protege os audazes.
E sabe, os comentários, destituídos de fundamentos, num estilo “Maria vai com as outras”, são anódinos, inócuos e risíveis.
Desculpe-me elegê-lo, como alvo da minha crítica, que é extensível a muitos outros comentadores, mas peço que compreenda que seria fastidioso, ocioso e cansativo dirigir-me a cada um “per si”.

José Pereira disse...

Fiz questão de o partilhar e referenciar nestes termos:
EU SOU SÓCRATES: Sem deixar de parte a luta contra a corrupção, presumo que devo ser preventivamente preso, sendo que já emprestei dinheiro a amigos, já comprei o que não necessitava, comprei uma casa acima das minhas possibilidades (porque nos cortaram salários e o desemprego entrou cá em casa) e já pratiquei e vi praticar a economia paralela e não a denunciei.
Escrevo esta breve nota para refletir sobre o ensino/aprendizagem entre o Direito e o Dever e desde o ensino do Direito à compreensão dos direitos e deveres.
Como bem ilucida o artigo em anexo, o caso de José Sócrates é um grande exemplo para estudo, análise, reflexão e reforma da legislação:
1- O Ministério Público e o juiz são os responsáveis pelos processos que vêm para a praça pública antes de investigados e provados os factos. Desde a prisão à chegada de Paris, passando pelas buscas da Rua Braamcamp até aos factos meticulosamente filtrados para os jornais que servem de veículo das teses da investigação tudo é criteriosamente (e intencionalmente?) trabalhado.
2- Quando deveríamos estar perante o bom funcionamento e boas práticas da justiça, estamos perante uma situação típica da luta política, não inteiramente coberta pelo direito mas de grande eficácia junto da opinião pública, capaz de gerar instintivamente um sentimento de revolta e de condenação, mesmo que perante quem possa estar inocente (não nos compete a nós julgar um arguido em praça pública).
3- Basta referir que um político, governante ou dirigente público vive acima das suas possibilidades para que o povo em geral o condene de imediato em praça pública. Então e quem é que investiga e condena todos esses cidadãos, jornalistas, advogados, juízes, médicos, ..., entre outros trabalhadores, desempregados, subsidiados, empresários e comerciantes que vivem acima das suas possibilidades e que são detentores de um património que não condiz com os rendimentos declarados anualmente ao fisco?
Já olharam e refletiram bem sobre o resultado líquido da esmagadora maioria das empresas ou para o conjunto de toda a economia paralela que todos bem conhecemos e não julgamos nem sancionamos em praça pública?
Quantos não teremos de julgar e condenar em praça pública e na justiça, que se têm mantido a viver muito acima das suas possibilidades e que levam um estilo de vida insusceptível de ser compreendido à luz dos rendimentos por eles declarados. Vamos ter de direccionar os fundos comunitários e construção civil para a construção de cadeias, porque as que existem não serão suficientes para encarcerar todos, durante muito tempo, até que se investigue e se prove.
4 - Estamos perante um grave problema de cidadania, de política, de jornalismo e de justiça, sendo que a presunção destes factos não constitui crime no direito penal português.
Por outras palavras, o enriquecimento ilícito não é um tipo legal de crime, sendo que, consequentemente, ninguém pode ser preso por viver acima das suas possibilidades ou por ser titular de um rendimento ou de um património que está muito para além dos seus rendimentos. Se fosse possível, a maior parte daqueles que em Portugal não trabalham por conta de outrem, ou seja, desde os pequenos e médios comerciantes, industriais e agricultores, passando pelas profissões liberais, pelos artífices e prestadores de serviços, pelas empregadas domésticas e tarefeiros e de todo o tipo de atividades e serviços até aos grandes patrões do comércio, da indústria, da agricultura e dos serviços,... estariam hoje presos preventivamente e não haveria cadeias que chegassem para albergar tanta gente…
Esta é a grande diferença entre a falta de cidadania e a falha da justiça.
Mas estamos perante a gigante diferença e indiferença entre a presunção da inocência e a presunção dos factos.

Unknown disse...

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