quarta-feira, 24 de junho de 2015

A UNIÃO EUROPEIA E A GRÉCIA


 

AS LIÇÕES DE UM CONFRONTO
Resultado de imagem para as bandeiras da grécia e da união europeia
 

 

Tem sido muito interessante assistir, mesmo de longe, a este confronto entre a União Europeia e o FMI de um lado e a Grécia do outro. Embora do lado da União Europeia e do FMI não tivesse havido nada de verdadeiramente novo não deixa de ser interessante analisar a preocupação que a partir de determinada altura se apoderou das chamadas “instituições”.

Vamos por partes. De início assistiu-se à defesa de posições absolutamente rígidas marcadamente ideológicas de quem não pretende afastar-se um milímetro da ortodoxia reinante para evitar contágios perturbadores da paz neoliberal e do pensamento único que a inspira. Sob a direcção da Alemanha, cuja posição foi de início veiculada por Schäuble, assistiu-se ao esperado alinhamento dos demais países, tanto mais duramente defendido quanto menor é a sua fraqueza negocial e maior é o seu grau de dependência relativamente a Berlim. E aqui, como se esperava, não há que distinguir entre direita e “esquerda europeia”, já que hoje nada verdadeiramente as distingue no plano das políticas comunitárias: seguem ambas a mesma cartilha e ambas a defendem com idêntico fervor.

Pouco depois das eleições gregas ainda houve do lado dos chamados socialistas europeus quem manifestasse uma vaga simpatia pelo Syriza. Uma simpatia muito semelhante à que eles costumam manifestar por quem, sem outras consequências, no puro plano das palavras se rebela contra as políticas oficiais. Os socialistas apreciam muito esta “limpeza d' alma” desde que ela não vá em caso algum além das palavras. Também foi assim com o Syriza. Primeiro a simpatia, depois a decepção. A decepção começou mal perceberam que muitas das palavras eram mesmo para levar a sério. Aí começou o que eles chamaram a “delapidação do capital de simpatia” com que foram acolhidos.

E todos os pretextos foram bons para se distanciarem. Desde o estilo, principalmente o Varoufakis, mas também o de Tsipras, que eles não apreciam (aceita-se lá que apareçam sem gravata e com camisa fora das calças perante gente tão selectamente importante) até – e aqui fazem parelha com Cavaco – à falta de experiência e compostura diplomática.  Sobre o conteúdo da discussão, nada. Ou melhor: Como aceitar que se discuta o que não tem discussão? Na UE tudo está pré-determinado e pré-estabelecido - apenas há que obedecer.

De facto, não deixaria de ser espantoso, se esse não fosse o comportamento habitual de há três décadas para cá, que os chamados socialistas manifestem reservas relativamente às propostas do Syriza e às suas políticas quando elas se inscrevem na matriz social-democrata – defesa do trabalho, redistribuição de rendimentos a partir da oneração das empresas mais lucrativas e recusa em fazer recair sobre os mais pobres o peso da crise. As propostas do Syriza nada têm de radicais; limitam-se a enunciar aquilo que ainda há bem pouco tempo era normal na Europa e que hoje assume foros da mais grave heterodoxia.

Do lado da direita que obedece, as palavras podem ter sido diferentes, porventura mais grosseiras e rudes, mas os objectivos são exactamente os mesmos dos socialistas. Já do lado de quem manda, assistiu-se a partir do momento em que as negociações se encaminhavam para o impasse à manifesta preocupação de passar para a opinião pública uma mensagem que evidenciasse a defesa de uma posição flexível que só não lograva alcançar o almejado acordo por força do intransigente radicalismo do Siryza. Amplificada, como sempre, por uma enormíssima matilha de comentadores e outros tantos fabricadores de notícias, esta mensagem genericamente apoiada pelos partidos do sistema não teve grande dificuldade em impor-se como verdade oficial para a generalidade das pessoas.

O Syriza, por seu turno, conseguiu durante largos meses manter-se fiel às suas promessas eleitorais. Todavia, à medida que se aproximava a hora da verdade, percebeu-se, não obstante o pânico que começou a instalar-se nas hostes neoliberais, que o Syriza, ou uma parte dele, atribuía mais importância à permanência no euro do que à vontade de alcançar um acordo que permitisse pôr em prática um programa verdadeiramente alternativo às políticas oficiais.

Não se pretende com isto dizer ou sequer insinuar que o Syriza tenha capitulado às teses das “instituições”, tanto assim que permanece de pé a reivindicação fundamental da reestruturação da dívida. Com o Syriza no governo a austeridade na Grécia jamais será idêntica à imposta a Portugal, a Espanha e à Irlanda. As pensões e os salários não continuarão a ser sacrificados como inevitavelmente vai acontecer em Portugal, o IVA não será indiscriminadamente aplicável com a mesma taxa a bens essenciais e a bens não essenciais ou mesmo supérfluos. É certo que algumas políticas que acentuam as desigualdades e limitam ou eliminam direitos vão continuar, embora numa escala menor.  

Se alguma lição importante se pode retirar do caso grego na versão Syriza é a de que compensa sempre resistir, mas também a de que não basta resistir para alcançar a vitória. Para alcançar a vitória é necessário que a resistência assente num verdadeiro plano B que possa ser posto em prática se houver o risco de ultrapassagem de certas linhas vermelhas. Nem todos estão em condições de o fazer por múltiplas razões. Objectivamente, a Grécia reunia as condições suficientes para tornar credível a ameaça da entrada em cena de um plano B. Apesar de a economia grega não ser uma grande economia, o incumprimento da dívida, dada a sua magnitude, e a saída do euro ou mesmo da União Europeia fariam do caso grego um caso de consequências imprevisíveis susceptível de abalar profundamente toda a zona euro ou mesmo capaz de derrubar a moeda única. Consequências que a União Europeia não estaria disposta a aceitar e cuja iminência poderia ter alterado o curso das negociações. A verdade é que não basta ter condições objectivas… a União Europeia sabe, como todos nós sabemos, que o principal inimigo dos que pretendem resistir está dentro das suas próprias fronteiras.      

7 comentários:

margarida lucas disse...

Caro amigo
100 por cento contigo. Mas atrevo-me a pensar que estamos também próximos de uma guerra para lá da fria.Agora a America faz pressão, mas ee os republicanos ganharem as eleições, teremos bombas a voar.

Saudades

O Puma disse...

É sempre bom no desconforto
um pauzinho na engrenagem

Anónimo disse...

e que dizeis do seguinte?:

«Num outro contexto, já vi a estrutura da argumentação invocada por Münchau, a de que vale a pena precipitar uma situação pior a curto prazo mas que depois de o caos diminuir a economia iria recuperar rapidamente. Vi essa mesma argumentação invocada, por exemplo, há uns cem anos, quando os responsáveis das potências se precipitaram para a Grande Guerra na convicção que ela se travaria num curto prazo de meses e que depois tudo iria recuperar rapidamente. Só que não foi bem assim: travou-se uma guerra de quatro anos a uma escala e mobilizando recursos que quase ninguém suspeitaria antes de ser travada. À Grécia poderão não restar grandes opções mas eu não teria a confiança assertiva de Münchau de que o futuro é só aquilo que ele acha possível...»

tirado de http://herdeirodeaecio.blogspot.pt/2015/06/europa-caminho-de-uma-fase-delicada.html

O Puma disse...

Será que o povo vai vergar a Grécia?

francisco oneto disse...

Caro JM Correia Pinto

Há muito que aguardava um post sobre o tema em análise, com a lucidez a que nos habituou.
Entretanto, o extinto Maio Maduro Maio voltou com nova roupagem e novo nome...

«As propostas do Syriza nada têm de radicais; limitam-se a enunciar aquilo que ainda há bem pouco tempo era normal na Europa e que hoje assume foros da mais grave heterodoxia. (...) Amplificada, como sempre, por uma enormíssima matilha de comentadores e outros tantos fabricadores de notícias, esta mensagem genericamente apoiada pelos partidos do sistema não teve grande dificuldade em impor-se como verdade oficial para a generalidade das pessoas»

Plenamente de acordo! Não é apenas a hegemonia da nova burguesia planetária e o esvaziamento da política face ao califado dos mercados que nos deve preocupar. São também os seus métodos: a mentira, a ocultação, a inversão da realidade levada ao ponto de manipular a causalidade dos fenómenos por forma a acusar as vítimas do crime de que são alvo. Para a generalidade das pessoas, passa a mensagem intuitiva de que "temos de pagar as nossas dívidas", "os gregos querem mais dinheiro", etc. Concomitantemente, fazer passar a mensagem contra-intuitiva é mais difícil, apesar do apelo libertador, de dignidade e de responsabilidade demonstradas pelo governo do Syriza. Mas para além da generalidade das pessoas, quando os mais altos responsáveis de uma nação que tanto canta o seu passado, como Portugal, vêm a público fazer afirmações como as que temos ouvido ao Presidente da República, membros do governo e deputados da maioria, então é que percebemos verdadeiramente a perfídia e o servilismo parolo face ao diktat europeu do ordoliberalismo alemão. Muito grave e muito preocupante, sobretudo quando esbarramos com as sondagens que revelam a impotência do eleitorado face à eficácia da mentira, entregando os votos aos mesmos carrascos de sempre...

Abraço

JM Correia Pinto disse...

De acordo, Meu Caro Francisco Oneto. Insisti hoje num outro post em alguns dos temas que enumera no seu comentário. Obrigado.

JM Correia Pinto disse...

De acordo, Meu Caro Francisco Oneto. Insisti hoje num outro post em alguns dos temas que enumera no seu comentário. Obrigado.