ESTRATÉGIAS ERRADAS NO COMBATE A VENTURA
Há relativamente pouco tempo (2019), André Ventura concorreu às legislativas por um partido que criou para servir os seus objectivos políticos e elegeu 1 deputado – André Ventura. Hoje, tem 60 deputados e está empatado na corrida às presidenciais com os candidatos mais bem posicionados.
Esta evidência permite tirar uma consequência que me parece óbvia. Todos os métodos usados para combater André Ventura não tiveram qualquer êxito, sendo até razoável supor que o favoreceram e muito.
Então, se os métodos usados não servem e se até podem ter o efeito perverso de o beneficiar, a conclusão óbvia é a de que devem ser abandonados.
André Ventura assenta toda a sua estratégia política em quatro ou cinco pilares muito primários que servem que nem uma luva todos objectivos que tem em vistas atingir. O primarismo dos temas e dos processos de que se serve nada têm a ver com o primarismo de quem os usa. Bem pelo contrário. Usa-os por logo ter percebido que eram os mais facilmente assimiláveis pelo auditório que quer conquistar.
Primeiro pilar da sua intervenção política: a corrupção. Partindo de exemplos muito mediáticos de suspeitas de corrupção ou de casos confirmados, ele passou a fazer da corrupção dos políticos, sem excepção, salvo os que se situam no interior do seu agrupamento, a causa primeira de todos os males da sociedade portuguesa, quaisquer que eles sejam. A ideia que passou com êxito é a de que os políticos, sem excepção, são suspeitos de agirem na defesa de interesses próprios, de que somente serão ilibados se no fim dos seus mandatos não houver qualquer suspeita de enriquecimento (que segundo ele só pode ser ilícito).
A segunda ideia muito difundida é a de que os ciganos não trabalham e vivem à custa de subsídios do Estado ou que quando têm alguma ocupação ela é ilegal (insinuaçao de tráfico de droga, contrabando, etc.)
A terceira é de que os imigrantes tal como a corrupção e os ciganos estão na origem de todos males de que o país padece. E quanto mais afastados os imigrantes estão do padrão étnico da generalidade dos portugueses, mais atacados eles são. A imigração representa um perigo para a manutenção da identidade portuguesa, tanto por pôr em causa a hegemonia da religião (cristã) dominante, como por etnicamente não serem caucasianos. Os seus principais alvos são os asiáticos, os africanos e os mestiços latino-americanos pobres. Associada a esta concepção racista da maioria dos imigrantes que trabalham em Portugal, é divulgada a mentira de que a maior parte ou uma parte muito significativa deles vive à custa de subsídios do Estado e dedica-se a actividades criminosas de todo o tipo. Para complementar o quadro, imputa falsamente à imigração as carência do serviço nacional de saúde e do ensino.
Em todo este vasto quadro ligado à imigração e à comunidade cigana intervém uma fortíssima componente racista que é muito bem acolhida pela sua base eleitoral.
Finalmente, como “os bandidos têm de ser punidos”, assenta igualmente muito bem no seu auditório uma forte marca autoritária que vai desde as deportações arbitrárias, passando pela supressão de direitos elementares até penas pesadíssimas e desproporcionadas relativamente a eventuais ilícitos cometidos.
Subjacente a tudo isto está em meu entender uma fortíssima crise da civilização europeia toda ela assente numa visão imperial e colonial que o tempo e a adopção de estratégias de desenvolvimento económico e comerciais completamente erradas fizeram com que hoje tanto no plano demográfico, como no económico-financeiro, comercial e, também no político, a “civilização europeia” se sinta ameaçada e superada pelo pujante desenvolvimento de grandes regiões do globo que ainda há menos de um século viviam numa situação colonial dominada pelos impérios europeus.
Como é que “isto” se pode combater? Não é fácil. E não é fácil porque Ventura é um oportunista demagogo e covarde. Ventura aproveita-se de tudo o que possa criar uma percepção desfavorável, susceptível de captar o eleitor no sentido do seu voto. É demagogo porque sabe usar os factos fora do seu contexto e dar-lhes uma amplificação que eles não têm. E, finalmente, é um grande covarde porque embora conheça muito bem, pelo menos algumas das causas do descontentamento popular, jamais invoca ou promete combater essas causas se elas tocarem nos grandes interesses relativamente aos quais exibe pelo silêncio e pelo respeito uma subserviência canina. O seu alvo são os fracos e os desprotegidos da fortuna. Esses é que são impiedosamente atacados, acusando-os de todos os males da sociedade portuguesa.
Perante este quadro assim genericamente descrito não faz qualquer sentido combater as suas pretensas simpatias salazaristas por explicações aprofundadas sobre o salazarismo, já que ao seu eleitorado isso não interessa nada, o que interessa é a percepção de seriedade, competência e respeito (autoritarismo) a que desde sempre esteve associada a figura de Salazar, durante décadas infundida na população por todos os meios ao alcance dos seus difusores.
Entrando no seu próprio campo, talvez seja mais útil insistir na tecla de que salazarismo e corrupção eram realidades inseparáveis. Aliás, de modo muito semelhante ao que agora se passa com Ventura e seus apoiantes. Ventura acusa e injuria ciganos, imigrantes e desvalidos da fortuna, marginais a que ele chama bandidos, mas não diz uma palavra nem levanta uma palha sobre a grande corrupção e o compadrio existentes entre o governo do Estado e os grandes interesses económicos, muitos deles criados e apoiados pelo Estado, tanto na sua génese como na sua consolidação, pela entrega de bens muitíssimo rentáveis do Estado a troco de quase nada ou até comprados ao desbarato com dinheiro emprestado pelo próprio Estado e que hoje são os grandes potentados da economia portuguesa. Também nem uma palavra se ouviu ou ouvirá a Ventura sobre os grandes escândalos financeiros (bancários) que custaram aos portugueses milhares de dezenas de milhões de euros nem sobre a riqueza que esses mesmos escândalos proporcionaram a quem neles participou! Sobre tudo isto, Ventura nada diz. As preocupações de Ventura incidem sobre os subsídios atribuídos aos ciganos, que não representam rigorosamente nada e nem sequer dariam para pagar uma pequena parte das fortunas que Ventura gasta em cartazes gigantescos com a sua fotografia espalhados por todo o país.
Depois vêm os infelizes imigrantes, pobres que deixaram as suas terras em busca de uma vida melhor, sujeitos a todo a todo de explorações, com a ilusão de poderem garantir aos seus familiares uma vida melhor do que aquela que lhes estava destinada. E pior do que tudo isto, pior do que esta rejeição racista e covarde, é a injúria gratuita e maldosa de os ligar ao aumento da criminalidade, que nem sequer existe. Como recentemente esclareceu, sem margem para dúvidas, o director geral da Polícia Judiciária, a esmagadora maioria dos estrangeiros que estão cumprir penas em Portugal não são imigrantes, mas simples “correios de droga”, sendo mínima e sem qualquer significado sociológico a percentagem de imigrantes com cadastro criminal em Portugal.
Para compreendermos que tipo ser humano Ventura é, basta perguntar quantas vezes se insurgiu contra as redes de tráfico de seres humanos, que cobram, exploram e controlam os ilegais que vivem em Portugal. Nunca houve uma palavra de compreensão nem de compaixão para essas pessoas, da parte de Ventura que se comporta perante eles com a mesma frieza humana daqueles que constituem as redes que os exploram.
E depois, vem a vergonha das vergonhas, Ventura acusa os imigrantes de receberem subsídios da segurança social, de recorrerem ao SNS sem pagarem os serviços prestados e esquece a enorme contribuição que todos eles, ou praticamente todos, têm dado para manter solvente a segurança social, que sem esse enorme contributo dos imigrantes já estaria no “vermelho” há mais de dez anos. Isto sem falar na enorme contribuição dos imigrantes para a sustentação e crescimento da economia portuguesa que, sem os imigrantes ou com “deportações” à Trump, já teria colapsado.
Em conclusão: o discurso de Ventura é um discurso racista e de ódio. Incide sobre matérias cuja quantificação, em termos de orçamento de Estado, é irrisória. Sobre a governação do país, sobre os grandes problemas com que o país se debate em matéria de cuidados de saúde, sobre educação, sobre habitação, sobre comunicações, sobre as suas estratégias de desenvolvimento, sobre a política internaciombal e sobre o posicionamento de Portugal no mundo, na Europa, a sua proposta é: OS CIGANOS TÊM DE TRABALHAR; OS IMIGRANTES TÊM DE SER DEPORTADOS OU PERDER OS DIREITOS SOCIAIS E LABORAIS; OS CORRUPTOS TÊM DE IR PARA A CADEIA; OS VIOLADORES E OS PEDÓFILOS TÊM DE SER CAPADOS!
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