segunda-feira, 30 de junho de 2008

SÓCRATES: UMA QUESTÃO DE IDENTIDADE


A POLÍTICA DE SÓCRATES E A ESQUERDA

Mais uma vez Sócrates se insurgiu contra os que qualificam de direita a sua política. E tenta passar a mensagem de que tal qualificação nada tem a ver com as decisões políticas que o seu governo toma, mas com imputações caluniosas do BE e do PCP, a quem acusa de aspirantes a certificadores oficiais das políticas de esquerda.
É claro que as coisas não são assim e tem ou não tem as qualificações que, em substância, merecem, independentemente do qualificador. Se um governo tem como preocupação essencial fazer a defesa dos interesses sociais do maior número, se tem uma política fiscal que onera mais fortemente os que mais ganham, se promove políticas que favorecem a igualdade, se na administração dos dinheiros públicos actua com isenção, objectividade, proporcionalidade e justiça, dificilmente alguém poderia chamar a esse governo um governo de direita.
Todavia, se um governo tem como preocupação essencial defender os interesses do menor número, se tem uma política fiscal que onera mais pesadamente os titulares dos rendimentos mais baixos ou os rendimentos do trabalho, se promove políticas que favorecem a desigualdade, precarizando o trabalho e deixando o trabalhador isolado frente ao patrão, se dificulta o acesso aos serviços sociais, e se na administração dos dinheiros públicos tem um política de mãos largas e sem controlo para os mais ricos e políticas altamente restritivas para os de mais baixos rendimentos, dificilmente alguém poderá considerar esse governo de esquerda.
A menos que, em nome dos “amanhãs que cantam” o governo que assim proceda nos venha dizer que faz tudo aquilo em nome da competitividade das empresas e do “equilíbrio das contas públicas”, objectivos que, uma vez alcançados, trarão a felicidade a todos os portugueses…
Para que Sócrates não ande tão obcecado com os que cá dentro o qualificam como um governante de direita, eu vou facultar-lhe um paradigma retirado da entrevista que ontem Zapatero concedeu a El País:
O importante para o Governo é que temos recursos de protecção e de apoio social como nunca tivemos para acudir ao desemprego, ou para a subida das pensões e dos salários mínimos. Desenvolvemos e estabelecemos novas ajudas à habitação, em especial o aluguer para jovens; estabelecemos novas prestações, como 2500 € por filho para as famílias e são quase 390.000 famílias (…) Além disto, podemos ajudar as famílias a afrontar a subida das hipotecas e dos preços. A medida fundamental é que transferimos para as famílias 6. 000 milhões de euros”.
E acrescentou ainda, depois de ter explicado que sem acordo entre sindicatos e empresários não haverá qualquer reforma laboral: “No governo a que presido não haverá “”decretazos”, nem recortes dos direitos dos trabalhadores. Numa situação económica boa, fizemos mais políticas sociais. Numa situação desfavorável, vamos apoiar sobretudo os trabalhadores e os rendimentos mais baixos. Este é o sinal de identidade do nosso governo”.
O PP, tal como Sócrates, pede em Espanha um corte de 2% na despesa pública para afrontar aquilo a que por lá se chama o “frenazo” económico. Zapatero responde comprometendo-se a “a recuperar o crescimento económico, mantendo e inclusive aumentando, se necessário, as políticas sociais”- aumento das pensões mínimas, salário mínimo interprofissional, aumento da ajuda ao desenvolvimento contra a pobreza e aumento da contribuição espanhola para fazer face à crise alimentar.
E as citações poderiam continuar, mas não interessa, porque o importante é, para lá dos números, o sinal de identidade de cada governo. E o sinal do de Sócrates é de direita.
Curiosamente, nem Sócrates, nem o presidente da CAP apreciam que os considerem de direita. Não certamente por uma errada avaliação da hegemonia, mas porque na linguagem política há ainda vestígios da antiga hegemonia de esquerda que leva a direita, relativamente a certas matérias, a utilizar a linguagem do adversário numa manobra de mistificação dos seus verdadeiros objectivos políticos. Para além dos exemplos citados, veja-se o caso da directiva do retorno apresentada como um progresso social, e o da directiva das 60 horas – “Ela melhora os direitos sociais na Europa”, diz o comissário (checo) do trabalho!

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